Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | TÁVORA VÍTOR | ||
| Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO CULPA INDEMNIZAÇÃO | ||
| Data do Acordão: | 02/27/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | COMARCA DE ÍLHAVO - 1º J. | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PARCIALMENTE REVOGADA | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGOS 483º, 506º, 564º DO CC | ||
| Sumário: | Circula com excesso de velocidade o condutor que não consegue parar no espaço livre e visível à sua frente. É entendimento pacífico que a noção de “espaço visível” não conta com um obstáculo e imprevisto que inopinadamente possa surgir ao condutor de um veículo. Na linha deste entendimento, a manobra de marcha atrás que, de harmonia com os factos provados, foi causal da ultrapassagem do Autor, surge como um obstáculo imprevisto e inviabilizador de um juízo de censura por excesso de velocidade. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra.
A..., residente na Rua Dr. João Rocha, em Vagos, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinária, contra a B...., com sede na Avenida José Malhoa, nº 9, em Lisboa, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia global de 116.141,97 euros, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento. Alega o Autor que foi interveniente num acidente de viação, que ocorreu unicamente por culpa do segurado na Ré, o condutor do veículo ligeiro de passageiros com matrícula 80-28-HQ, que efectuou uma manobra com desrespeito pelas regras estradais – mudança brusca de direcção à esquerda e deu causa à colisão entre o ligeiro e o ciclomotor de marca “Honda” com a matrícula 1-VGS-46-37 tripulado pelo Autor. Em consequência do embate o Autor sofreu lesões que foram causa directa e necessária de uma IPP de 25%. À data do acidente trabalhava na fábrica “Evasão”, em Vagos, onde auferia um salário mensal de esc. 85 942$00, tendo deixado de auferir no período em que esteve impossibilitado de trabalhar (até 1 de Março de 1998) a quantia de 429.710$00. Em virtude do período das limitações físicas, intelectuais e emocionais de que ficou a padecer, o Autor deixou de ser um operário tão produtivo quanto antes e o seu contrato de trabalho não foi renovado. Assim, perdeu rendimentos do trabalho no valor de 5.144,16 euros, devendo ser indemnizado na quantia de 32.421,86 pela perda de capacidade aquisitiva. Sustenta, também, que as dores, a diminuição que sente, aliada à ansiedade e incerteza em relação ao futuro, justificam uma indemnização no valor de 47.819,68 euros. Finalmente peticiona também o pagamento da quantia de 810,24 euros referente ao valor da mota que ficou totalmente destruída com o acidente; a quantia de 249,0 euros referente à sua roupa que ficou destruída; a quantia de 137,00 euros referente às deslocações que efectuou para tratamentos médicos. Contestou a Ré B... (em virtude da fusão, por incorporação da B... com a Companhia de Seguros ...) impugnando a factualidade reportada ao acidente, bem como aos danos. O acidente só aconteceu porque o Autor conduzia em excesso de velocidade e desatento. O Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Aveiro veio deduzir o seu pedido de reembolso contra a B..., peticionando a condenação da demandada no pagamento da quantia de 392,36 euros, acrescida de juros de mora contabilizados desde a citação até efectivo e integral pagamento. A quantia peticionada reporta-se ao valor pago ao aqui Autor a título de subsídio por doença. Contestou a Ré, sustentando que o CDSS pagou, no cumprimento de uma obrigação própria, desconhecendo igualmente o motivo pelo qual o Autor permaneceu de baixa médica. Proferido despacho saneador, foram seleccionados os factos assentes e elaborada a base instrutória. Procedeu-se a julgamento e acabou por ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, por provada e em consequência condenou a Ré, B.... a pagar ao Autor A...: - A quantia de 15.009,57 euros (quinze mil e nove euros e cinquenta e sete cêntimos), referente à indemnização por danos de natureza patrimonial, acrescida de juros de mora calculados desde a citação até integral pagamento; - A quantia de 6.300 euros (seis mil e trezentos euros), referente à indemnização por danos de natureza não patrimonial, acrescida de juros de mora calculados desde a data da presente sentença. Condenou ainda a Ré a proceder ao pagamento ao Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Aveiro da quantia de 274,65 euros (duzentos e setenta e quatro euros e sessenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora contabilizados desde a citação e até integral pagamento. Daí os presentes recursos de Apelação interpostos pelo Autor e pela C..., os quais pediram: - O primeiro que na procedência do recurso seja parcialmente revogada a sentença apelada, decidindo-se que a responsabilidade pela ocorrência do acidente cabe inteiramente ao condutor do veículo segurado na apelada, fixando-se em € 74.819,00 o valor da indemnização devida ao apelante por danos morais e condenando-se a Seguradora a indemnizar também o Apelante pela perda do ciclomotor, camisola, camisa, calças e capacete, em consequência do acidente dos autos em valor fixado segundo as regras de equidade ou a liquidar em execução de sentença. - A segunda pede igualmente a revogação do decidido de molde a que se profira Acórdão em que se vejam reduzidos os montantes indemnizatórios fixados pelo Tribunal a quo. Foram para tanto apresentadas as seguintes, Conclusões. - Do Apelante A.... 1) Provou-se que na data e local do acidente o Apelante circulava pela E.N. 109, no sentido Ílhavo- Vagos, precedido pelo veículo automóvel segurado da Apelada. 2) No local a E.N. 109 desenvolve-se numa curva para a esquerda e, nessa curva, do lado esquerdo da faixa de rodagem, atento o aludido sentido, entronca uma estrada que liga ao lugar da Ermida. 3) O condutor do veículo que precedia o Apelante ultrapassou o entroncamento e, verificando que pretendia seguir no sentido da Ermida, parou, fez marcha-atrás, até se aproximar do entroncamento. 4) Para evitar ser colidido pelo veiculo automóvel que efectuava a manobra de marcha-atrás segundo a sua trajectória e em sentido inverso, o Apelante desviou-se para a esquerda, procurando contornar o veículo que, de si, inopinadamente se começou a aproximar. 5) No momento em que o Apelante ultrapassava o veículo automóvel, já em manobra de recurso para evitar ser ele embatido, este mudou de direcção à esquerda atravessando-se à frente do Apelante, tornando inevitável o acidente. 6) O veículo automóvel ligeiro de passageiro realizou as manobras de marcha atrás e mudança de direcção, de forma rápida e continua. 7) Ao contrário do que decidiu o Tribunal de Primeira Instância, os factos descritos impõem a conclusão de que o acidente dos autos se ficou a dever, exclusivamente, ao condutor do veículo segurado pela Apelada. Por outro lado, 8) Atentos os factos dados como provados quanto às consequências das lesões que o Apelante sofreu – e continuará a sofrer por toda a vida – a indemnização a que tem direito, por danos morais, não deverá ser fixada em quantia inferior a € 74.819,00. Acresce que, 9) Tendo-se apurado que em consequência do acidente, ficaram destruídos o ciclomotor, as calças, a camisola, a camisa e o capacete do Apelante, a Senhora Juiz a quo deveria ter condenado a Apelada a indemnizar o Apelante pelo valor destes prejuízos, fixados segundo o seu prudente arbítrio ou, quando assim não entendesse, remetendo a liquidação do referido valor para execução de sentença. 10) A sentença recorrida viola as normas dos artigos 35º e 44º do Código da Estrada e 487º, nº2, 496º, 562º e 564º do Código Civil. - Da C.... 1) Contrariamente ao que o Tribunal a quo decidiu na Sentença recorrida, a matéria de facto provada implica decisão de imputação de responsabilidade exclusiva ao Autor, por violação grosseira do que é exigido pelas normas dos artigos 24º e 41º, nº 1, al. c), ambos Código da Estrada; 2) Em qualquer hipótese, e na eventualidade de serem consideradas não ilididas as presunções decorrentes das violações às regras estradais por parte de ambos os intervenientes no acidente, sempre a responsabilidade seria imputável a ambos, na proporção de 50% para cada um; 3) A quantificação dos valores indemnizatórios, para ressarcimento dos danos patrimoniais apresenta-se desadequada àquele mesmo fim, pecando por exagero de quantificação, cuja rectificação se impõe; 4) A condenação da ora recorrente no pagamento de valores indemnizatórios ao Autor reportados a período em que recebeu prestações do interveniente Instituto, sem levar em linha tais verbas, representa uma duplicação de condenação e um enriquecimento ilegítimo por parte do Autor; 5) A valoração dos danos de natureza não patrimonial revela-se desajustada à realidade e à factualidade provada, pecando por exagero em face dos danos que importa ressarcir. 6) A Douta Sentença proferida viola, de entre outras, as disposições dos artigos 487º, 494º, 496º, 564º e 566º, todos Código Civil; 7) Impõe-se a prolação de novo aresto que em revogação da sentença em crise, absolva a Ré do pedido nos termos e com as consequências legais; 8) Ou, caso assim não se entenda, proceda à fixação da responsabilidade do sinistro, por repartição de 50% a cada um dos intervenientes; 9) Em qualquer caso, sempre se impõe nova Decisão que, em boa aplicação do Direito, e de acordo com os critérios de ponderação e equidade imprescindíveis à quantificação do(s) dano(s), reduza os montantes indemnizatórios fixados pelo Tribunal a quo; Contra-alegaram os apelados pugnando pela defesa das respectivas teses. Corridos os vistos legais, compre decidir. * 2. FUNDAMENTOS. O Tribunal deu como provados os seguintes, 2.1. Factos. 2.1.1. No dia 26.12.1997, pelas 14 horas, na EN 109, ocorreu uma colisão entre um veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula 80-28-HQ, conduzido pelo seu proprietário, D.... e um ciclomotor de marca “Honda” com a matrícula 1-VGS-46-37, conduzido pelo Autor, A..., seu proprietário (alínea A) da matéria assente). 2.1.2. O embate ocorreu entre a frente do VGS e a parte lateral esquerda do HQ (alínea B) da matéria assente). 2.1.3. A C...-Bonança, S.A, assumiu a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo veículo 80-28-HQ, através da apólice n° AU5558124 (alínea C) da matéria assente). 2.1.4. O Instituto de Solidariedade da Segurança Social pagou ao Autor, a título de subsídio de doença, a quantia de € 392,36, referente ao período de 30.12.1997 a 27.02.1998 (alínea D) da matéria assente). 2.1.5. O Autor nasceu em 6 de Março de 1980 (alínea E) da matéria assente). 2.1.6. A EN 109 possui uma curva para a esquerda, antes da ponte sobre o Rio Boco, onde existe o entroncamento para a estrada da Ermida (alínea F) da matéria assente). 2.1.7. O VGS trazia como passageira E... (Artigo 61º). 2.1.8. O HQ circulava no mesmo sentido e à frente do VGS (Artigo 3º). 2.1.9. Atento o sentido de marcha do VGS, este veículo tinha uma visibilidade de cerca de 100 metros desde que começa a desfazer a curva referida em G) e até ao local em que ocorreu o embate (Artigo 4º). 2.1.10. No final dessa curva, do lado esquerdo, atento o sentido de via do VGS e do HQ, entronca na EN 109, a estrada que conduz ao lugar da Ermida (Artigo 5º). 2.1.11. O condutor do HQ travou de repente porque passou o entroncamento referido no artº 5º, para onde pretendia virar e iniciou imediatamente uma manobra de marcha atrás e também de imediato uma mudança de direcção à esquerda, com a intenção de corrigir a rota e prosseguir a sua marcha pela estrada sita à esquerda (artigo 6º, 7º e 8º). 2.1.12. O condutor do HQ efectuou todas as manobras numa sequência rápida e contínua (artigo 9º). 2.1.13. O A. apercebendo-se da travagem do HQ e da manobra de marcha atrás, desviou-se para a esquerda, procurando ultrapassar o HQ de forma a evitar a colisão (artigo 11º). 2.1.14. O embate ocorreu na hemi-faixa de rodagem esquerda, atento o sentido de ambos os veículos e a meio da parte lateral esquerda do HQ (artigo 12ºe 13º). 2.1.15. Em consequência do embate, o A. sofreu traumatismo crânio-encefálico, do tórax e da coluna cervical e fractura do ângulo direito da mandíbula (artigo 15º). 2.1.16. Foi transportado ao Hospital Distrital de Aveiro e deste ao Hospital de Coimbra, onde permaneceu cinco dias, após o que veio novamente para o Hospital Distrital de Aveiro (artigo 16º e17º) 2.1.17. Esteve em estado de coma, apresentando grau 13 da escala de Glasgow, em 27 de Dezembro, após E.G de 12 a 26 desse mês (artigo 18º). 2.1.18. A 30 de Dezembro foi-lhe diagnosticada uma fractura na mandíbula pelo que foi remetido aos Hospitais da Universidade de Coimbra para resolução da fractura mandibular (Artigo 19º). 2.1.19. Após cirurgia permaneceu com os maxilares cerrados durante quatro meses (artigo 20º). 2.1.20. Em consequência das lesões o Autor sofreu uma Incapacidade Temporária Profissional Total fixável num período de 95 dias e Incapacidade Temporária Profissional Parcial fixável num período de 270 dias (artigo 21º e 22º). 2.1.21. O Autor sofreu dores físicas que se valorizam em grau 4 numa escala de 1 a 7 e causaram-lhe um dano estético avaliável em grau 4, numa escala de 1 a 7 (artigo 23º e 52º). 2.1.22. Sofreu incómodos com os internamentos a que foi sujeito, com as sucessivas deslocações entre hospitais, com o afastamento de casa e da família e com o facto de ter permanecido com a boca cerrada (artigo 25º). 2.1.23. O Autor, em consequência do acidente, é portador de síndrome pós-concussional, traduzido por défices cognitivos e mnésicos (lentificação e erros no cálculo aritmético; memória de fixação perturbada; amnésia circunstancial para o acidente), associadas à intolerância à luz e ao ruído (artigo 27º a 32º). 2.1.24. O Autor ficou portador de uma Incapacidade Parcial Geral fixável em 15% (artigo 35º). 2.1.25. O Autor, à data do acidente, auferia o salário de 65.000$00 (artigo 36º). 2.1.26. As sequelas resultantes do acidente exigem esforços acrescidos no exercício da actividade profissional do autor (artigo 38º). 2.1.27. A empresa onde trabalhava à data do acidente não lhe renovou o contrato de trabalho (artigo 39º). 2.1.28. O Autor jogava futebol e em consequência das lesões sofridas no acidente deixou de o fazer (artigos 43º e 44º). 2.1.29. O que lhe causa desgosto e o priva de alegrias (artigo 45º). 2.1.30. O Autor deixou de frequentar bailes e de ir a discotecas (artigo 46º). 2.1.31. O A. deixou de se sentir apto a acompanhar os jovens da sua idade, passando a isolar-se, vivendo triste e solitário nos três anos que se seguiram ao acidente (Artigo 47º). 2.1.32. Efectuou despesas médicas e medicamentosas no valor de € 416,25 (Artigo 53º). 2.1.33. Em consequência do acidente, o ciclomotor do Autor ficou destruído (Artigo 54º). 2.1.34. Também ficaram destruídos a camisola, as calças, a camisa e o capacete do autor (Artigo 55º). 2.1.35. O embate ocorreu quando o HQ estava atravessado na faixa de rodagem, de forma a ocupar parcialmente cada uma das hemi-faixas de rodagem (Artigo 60º). + 2.2. O Direito. Nos termos do preceituado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos: - Dinâmica do acidente. Responsabilidade pela respectiva eclosão. - O Quantum indemnizatório. + 2.2.1. Dinâmica do acidente. Responsabilidade pela respectiva eclosão. Nos termos do preceituado no artº 483º nº 1 do Código Civil, — Diploma a que pertencerão os restantes normativos a citar sem menção de origem — aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. Ali se estabelece pois o princípio geral da responsabilidade civil, fundada em facto que seja objectivamente controlável ou dominável pelo agente, isto é uma conduta humana, que tanto pode consistir num facto positivo, uma acção, como num negativo (omissão ou abstenção), violadora do direito de outrem ou de qualquer disposição legal que vise proteger interesses alheios — comportamento ilícito. Para que desse facto irrompa a consequente responsabilidade, necessário se torna à partida que o agente possa ser censurado pelo direito, em razão precisamente de não ter agido como podia e devia de outro modo; isto é que tenha agido com culpa. A ilicitude e a culpa são elementos distintos; aquela, virada para a conduta objectivamente considerada, enquanto negação de valores tutelados pelo direito; esta, olhando sobretudo para o lado subjectivo do facto jurídico. A acrescer as estes requisitos há ainda a considerar a necessidade da constatação de um dano e o nexo de causalidade entre o facto e esse prejuízo. Face aos factos provados o Sr. Juiz concluiu pela culpa de ambos os intervenientes do acidente numa proporção de 70% do condutor do veículo ligeiro e 30% do tripulante do velocípede, ora Autor. Esta proporção tem a discordância das duas partes; da Companhia de Seguros Ré, na medida que entende ser igual a proporção de culpas na produção do sinistro por parte de ambos os intervenientes, apontando assim para uma proporção na ordem dos 50%; do Autor, porque entende que não é possível imputar-lhe qualquer conduta ilícita causal do acidente, pelo que remete o deflagrar do mesmo para o comportamento negligente e contravencional do condutor do auto-ligeiro segurado na Ré Império. Apurou-se quanto à eclosão do acidente essencialmente o seguinte: O ligeiro 80-28 HQ conduzido pelo respectivo proprietário, Carlos Alberto Franco Nogueira Fragateiro, seguia pela EN 109 no sentido Ílhavo-Vagos transitando o Autor A...no mesmo sentido, mas atrás do ligeiro, tripulando o ciclomotor 1-VGS 46-37. A referida estrada possui uma curva para a esquerda, considerando o sentido das duas viaturas, antes da ponte sobre o Rio Boco, onde existe o entroncamento para a estrada da Ermida. Atento o sentido de marcha do VGS, este veículo tinha uma visibilidade de cerca de 100 metros desde que começa a desfazer a curva suprareferida e até ao local em que ocorreu o embate. No final dessa curva, do lado esquerdo, atento o sentido de via do VGS e do HQ, entronca na EN 109, a estrada que conduz ao lugar da Ermida (Artigo 5º). O condutor do HQ travou de repente porque passou o entroncamento referido no artº 5º, para onde pretendia virar e iniciou uma manobra de marcha atrás seguida também de uma mudança de direcção à esquerda, com a intenção de corrigir a rota e prosseguir a sua marcha pela estrada sita à esquerda. O condutor do HQ efectuou todas as manobras numa sequência rápida e contínua. O A. apercebendo-se da travagem do HQ e da manobra de marcha atrás, desviou-se para a esquerda, procurando ultrapassar o HQ de forma a evitar a colisão. O embate ocorreu na hemi-faixa de rodagem esquerda, atento o sentido de ambos os veículos e entre a frente do VGS e a meio da parte lateral esquerda do HQ. O Autor A... sustenta que no cerne do acidente está a repentina e inopinada sucessão de manobras do condutor do ligeiro, travagem/recuo/mudança de direcção para a esquerda; a ultrapassagem efectuada pelo ciclomotor surge neste contexto como uma manobra de recurso visando evitar o embate, pelo que lhe não poderá ser imputada qualquer responsabilidade no acidente, tanto mais que a colisão se deu no momento em que o Autor já ultrapassava lateralmente o ligeiro que inflectiu a sua marcha para a esquerda. A Ré Seguradora devolve inteiramente ao Autor a culpa no ocorrido; na sua tese o acidente ficou a dever-se ao facto de o condutor do ciclomotor não respeitar a distância de segurança que o separava do auto-ligeiro violando assim o disposto no artigo 24º do Código da Estrada, e não podendo parar no espaço visível à sua frente – mesmo avistando o veículo ligeiro a 100 m de distância - efectuou uma ultrapassagem imediatamente antes de um entroncamento infringindo desta forma o disposto no artigo 41º nº 1 alínea c) do mesmo Diploma Legal. Vejamos: Na tese do Autor a ultrapassagem efectuada pelo ciclomotor pela esquerda do ligeiro perfilou-se como uma manobra de salvamento tendo em vista evitar a colisão. Há contudo que ponderar o alcance de um facto provado de primordial importância: a visibilidade de 100 m que o condutor do ciclomotor dispõe desde que começa a desfazer a curva tem em relação ao ponto do embate; à partida estamos em face de uma distância considerável; mas o certo que não sabemos exactamente o tempo que demorou a sucessão de manobras do veículo ligeiro e a que distância (mesmo aproximada) estaria o ciclomotor do mesmo quando aquelas se iniciaram. Por outras palavras não está provado, nem sequer foi alegado que o veículo automóvel tivesse parado a partir do momento em que o ciclomotor começa a desfazer a curva; e este elemento seria indispensável para emitir um juízo de censura quanto ao Autor quer por excesso de velocidade quer por não guardar a distância necessária do veículo ligeiro que o precedia. Os factos provados contêm muitos elementos de subsunção “rapidamente”, “de imediato”, que necessitam de integração mínima de molde a com base neles poder emitir-se um juízo de culpa, ainda que recorrendo ao mecanismo das presunções judiciais. Seria temerário formular um juízo de culpa em relação ao condutor do ciclomotor - como pretende a Ré - com o fundamento em que aquele não manteve “entre o seu veículo e o que o precede (aqui o ligeiro) a distância suficiente para evitar acidentes em caso de súbita paragem ou diminuição de velocidade deste” – artigo 18º do Código da Estrada. É que na verdade o condutor do ligeiro não se limitou a parar… além disso recuou… e não temos quaisquer elementos nomeadamente provenientes dos factos provados ou do croqui da GNR, que nos permitam indiciar nesse momento qual o trajecto percorrido pelo ligeiro em marcha atrás e bem assim se por via da mesma viu o lesado encurtada a distância de segurança que eventualmente o separava do ligeiro de molde a justificar a ultrapassagem como manobra de recurso ou salvamento. É aliás isto que sugere a resposta ao ponto 11º quando se lê “O A. apercebendo-se da travagem do HQ e da manobra de marcha atrás, desviou-se para a esquerda, procurando ultrapassar o HQ de forma a evitar a colisão (artigo 11º). Não havendo qualquer elemento no processo nomeadamente no croqui ou na justificação das respostas aos quesitos que aponte para outra interpretação é aquela a presunção lógica que se tira do comportamento do Autor; neste contexto a ultrapassagem antes da curva por parte deste último, surge num contexto de estado de necessidade que exclui a ilicitude quer face ao Código Penal – artigo 34º, quer no âmbito do artigo 339º do Código Civil. Afastada está assim a presunção de culpa que a materialidade da infracção ao Código da Estrada faz em princípio recair sobre contraventor1. E quanto ao excesso de velocidade de que na tese da Ré Seguradora o Autor vinha animado e que a sentença apelada considerou positivamente ao atribuir 30% de culpa no eclodir do acidente? Neste aspecto a sentença apelada conclui que o Autor transitava com excesso de velocidade porque não conseguiu parar no espaço livre visível à sua frente… Só que não há quaisquer elementos que permitam extrair essa ilação. Primeiro e como já referimos, ignoramos a distância que separava ambas as viaturas no momento em que o acidente ocorreu, sendo certo que não podemos dar como assente que o acidente no momento em que ocorreu fosse visível para o Autor a uma distância de 100 metros2. Por outro lado e como é entendimento pacífico, a noção de “espaço visível” não conta com um obstáculo e imprevisto que inopinadamente possa surgir ao condutor de um veículo3. Na linha do entendimento supra-apontado, sempre a manobra de marcha atrás que de harmonia com os factos provados foi causal da ultrapassagem do Autor, surgiria também como um obstáculo imprevisto e inviabilizador de um juízo de censura daquele por excesso de velocidade. Não existindo em nossa óptica a prova da culpa por parte do Autor no eclodir do acidente está afastada a divisão de responsabilidades em partes iguais já que o artigo 506º do Código Civil supõe para a aplicação do seu nº 3 que haja culpa por parte de ambos os intervenientes do acidente, havendo apenas dúvidas quanto à respectiva proporção. Assim e ponderados os factos de que dispomos na sua nudez, concluímos que na raiz do acidente está e isso fora de dúvida, a mudança de direcção para a esquerda do auto ligeiro. E essa manobra deu-se entre a parte da frente do ciclomotor e a parte lateral esquerda do ligeiro no momento em aquele já o ultrapassava ocupando o ligeiro a metade esquerda da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha. Na linha deste entendimento terá de concluir-se pela responsabilidade exclusiva do condutor do segurado no deflagrar do acidente. + 2.2.2. O Quantum indemnizatório. A responsabilidade civil traduz-se na obrigação de indemnizar, de reparar os danos sofridos pelo lesado. Este dever de indemnizar compreende não só os prejuízos causados, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão — artº 564º do Código Civil. Os danos podem ter um conteúdo económico (danos patrimoniais) abrangendo os danos emergentes, efectiva diminuição do património do lesado, o prejuízo causado nos seus bens, e o lucro cessante, os ganhos que se frustraram por causa do facto ilícito, ou imaterial (danos não patrimoniais ou morais, que resultam da ofensa de bens de carácter espiritual ou morais, e que não sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, podem todavia ser compensados pelo sacrifício imposto no património do lesante). A reparação dos danos deve efectuar se em princípio mediante uma reconstituição natural, isto é repondo-se a situação anterior à lesão; mas quando isso não for possível, ou não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente oneroso para o devedor, então haverá que subsidiariamente fixar-se a indemnização em dinheiro. Cfr. artsº 562º e 566º do Código Civil. Nesta hipótese, o dano real ou concreto é expresso pecuniariamente, reflectindo-se sobre a situação patrimonial do lesado (dano patrimonial ou abstracto)4. + 2.2.2.1. A Ré coloca em causa um dos pressupostos que esteve na base do cálculo da indemnização por incapacidade permanente parcial. Esta indemnização foi fixada na sentença em crise em € 20.000 baseado em cálculos em que a esperança de vida activa foi fixada em 75 anos. Por razões de rigor metodológico não se pode aceitar esta premissa. Efectivamente o limite da vida activa está ainda fixado nos 65 anos e é esse valor que deverá ser considerado na conhecida fórmula que a sentença lançou mão como auxiliar de cálculo. Só que estando em causa um dano futuro que se repercute por período longo, o valor que nos é dado por esta fórmula deve ser corrigido por critérios de equidade, considerando o curso normal das coisas bem como as peculiaridades do caso concreto5. Ora para a fixação da justiça no caso concreto entra desde logo a consideração de o termo da vida útil não coincide com o termo da vida física presumida do lesado, a qual para o sexo masculino se computa ainda em 75 anos6. Por outro lado pode ser necessário fixar alguns ajustes ao resultado da fórmula de cálculo considerado, como tem sido jurisprudência pacífica, que a indemnização arbitrada deve corresponder a um capital que se extingue no limite da vida do lesado. Não nos merece qualquer reparo o valor das taxas de juro erigidas 4% e 2% utilizadas como termos de cálculo na fórmula em causa7. O Autor tinha à data do acidente 17 anos já que nasceu a 6 de Março de 1980 e aquele ocorreu 26 de Dezembro de 1997; a sua esperança de vida útil cifrava-se assim em 48 anos. Nesta conformidade, aplicando a referida fórmula, o total daria € 21.105,83. Tal quantitativo haveria que ser corrigido tendo em linha de conta que o Autor irá receber essa importância de uma só vez. Assim reduz-se equitativamente a mesma para € 20.000. Entende-se não acrescentar uma verba correspondente ao remanescente de vida física do Autor porque a mesma está equitativamente determinada e não houve recurso nesta matéria, mau grado se entenda que o Tribunal não está limitado na atribuição da indemnização ao valor dos pedidos parcelares podendo arbitrá-la parcelarmente para mais, com o limite contudo do valor do pedido global, este sim sem possibilidade de ser excedido. Mantém-se pois a importância atribuída a título de IPP, embora com motivação completamente distinta. + A sentença apelada entendeu ainda fazer incluir no montante indemnizatório a importância de € 1.026 correspondente à perda de salário durante o período em que esteve com Incapacidade Profissional Total. A Ré Companhia insurge-se contra o decidido na medida em que se prova que o Instituto de Solidariedade e Segurança Social pagou ao Autor a título de subsídio por doença a quantia de € 392,36 referente ao período de 30-12-1997 a 27-2-1998. A Ré tem razão neste particular; efectivamente na quantia a pagar ao Autor haverá que abater a importância que a Segurança Social pagou àquele. Se assim não fosse verificar-se-ia um enriquecimento injusto por parte do Autor, o qual acabaria por ser pago pela Seguradora na medida em que teria que ressarcir a Segurança Social de uma importância que o Autor receberia por duas vezes, uma vez que aquela entidade ao pagar a citada importância ficou sub-rogada nesse montante nos direitos daquele - é o que resulta da Lei 28/84 de 16 de Janeiro, nomeadamente do seu artigo 16º. Nesta conformidade a importância a pagar ao Autor sob este item ficará reduzida a (1.026 – 392,36)= 663,34. + O Autor peticionou igualmente o pagamento da quantia de € 810,24 respeitante ao valor da mota que ficou totalmente destruída; a importância de € 249,00 referente à roupa que ficou igualmente destruída e ainda a quantia de € 137,00 referente a deslocações que efectuou para tratamentos médicos. Com respeito a estas matérias provou-se apenas que o Autor suportou despesas médicas e medicamentosas no valor de € 416,25 e que em consequência do acidente o seu ciclomotor ficou destruído bem como as calças, a camisa e o capacete. A sentença apelada indemnizou apenas o Autor pelos gastos com despesas médicas e medicamentosas. Entende o Autor que deveria ter sido fixada uma indemnização pelo vestuário e ciclomotor segundo o prudente arbítrio do Juiz, ou então relegar-se a indemnização para execução de sentença. Vejamos: Só em apertados limites permite a lei no artigo 4º do Código Civil a indemnização com fundamento na equidade; mas entre as três hipóteses previstas para que o julgamento equitativo possa ter lugar, está o facto de o mesmo se encontrar previsto na lei. É o que se passa com o artigo 566º nº 3 do Código Civil ao estatuir que “Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”. Tal não significa todavia que o Juiz dê um salto no desconhecido quando são poucos ou nenhuns os elementos que possui para proferir uma decisão sensata. Na verdade como se tem entendido e bem, a possibilidade de uma decisão com base na equidade não dispensa o interessado de alegar os factos necessários à procedência da pretensão a que se arroga. Mas se a decisão indemnizatória quanto ao vestuário do Autor seria relativamente simples, já o mesmo não se passa no que toca ao velocípede c/motor. Não foram alegados quer a respectiva marca, quer o estado em que o mesmo se encontrava, mas apenas o prejuízo de esc. 162 438$00, sendo este o preço médio de um veículo de duas rodas com aquela categoria. Destarte, na falta de elementos palpáveis e recorrendo a um juízo de equidade entende-se atribuir por baixo à viatura o valor de 40 000$00. Igual montante se atribui equitativamente ao vestuário, relógio e capacete destruídos, na falta de dados mais concretos. Na verdade tratar-se-ia sempre de importâncias relativamente reduzidas que não justificariam as despesas e incómodos de uma execução de sentença, sendo certo que esta dificilmente acabaria por nos dar um valor substancialmente diferente. Ora nestes casos tem-se entendido, nomeadamente nesta Relação, que deverá recorrer-se à equidade8. Ascende assim a esc. 80 000$00 ou sejam 400 € o montante a atribuir ao Autor a título, dos objectos em causa. + Resta considerar a indemnização a título de danos não patrimoniais. A este título a Autor pedia a indemnização não inferior a € 74.819,68. A sentença apelada entendeu fixar essa indemnização em € 9.000. O Autor entende que a mesma é exígua e reitera o pedido formulado. A Ré por seu turno entende que o montante atribuído peça por excesso. Os factos provados que relevam para a fixação de um montante indemnizatório estão descritos nos pontos 2.1.15. a 2.1.31. dos factos provados. O Autor sofreu em virtude do acidente traumatismos crânio-encefálico, do tórax e coluna cervical, bem como do ângulo direito da mandíbula, que foram causa de internamento no Hospital de Coimbra e Aveiro. Durante o período de internamento chegou a estar em coma. Todas as lesões sofridas e tratamentos adequados foram causa de dores violentas, já que atingiram o grau 4 numa escala de 1 a 7, a que há que acrescentar os naturais incómodos com os aludidos tratamentos que se traduziram nomeadamente em cirurgia maxilar, tendo o Autor que permanecer após a mesma 4 meses com os queixos cerrados. Em todo o período de doença, sofreu o Autor com o afastamento da sua vida familiar normal, nomeadamente dos pais e irmãos. Sucede que o Autor em consequência do acidente, é portador de síndrome pós-concussional, traduzido por défices cognitivos e mnésicos (lentificação e erros no cálculo aritmético; memória de fixação perturbada; amnésia circunstancial para o acidente), associadas à intolerância à luz e ao ruído. Também por via do acidente sofreu um dano estético de grau 4, numa escala de 1 a 7. Todos estes factores se repercutem naturalmente na afirmação pessoal e existencial do Autor. É que na verdade, tendo consciência das suas limitações, o Autor sente-se desgostoso nomeadamente por não poder acompanhar como antes os jovens da sua idade em bailes e discotecas e de praticar futebol, desporto a que se dedicava. Passou assim a isolar-se. Na atribuição da indemnização por danos morais, deve tomar-se em linha de conta a dor psíquica da vítima face à deformação sofrida, a sua idade, meio social, bem como o seu relacionamento social antes e depois do facto que provocou esses danos9. Estes são consideravelmente graves e justificam que a indemnização que foi atribuída ao Autor de 9000 seja elevada para € 17.50010. + Ascende assim a € 38.700,34 a quantia a atribuir ao autor a título de danos sofridos com o acidente. Sobre o montante dos danos patrimoniais € 21.200,34 incidem juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento. No que toca à indemnização por danos não patrimoniais, € 17.500, porque actualizada à data desta decisão, os juros contar-se-ão a partir desta mesma data. Em consequência de a culpa recair totalmente sobre a Seguradora do veículo ligeiro a mesma reembolsará na totalidade à Segurança Social a importância pela mesma despendida com o Autor no montante de € 392,36. * 3. DECISÃO. Pelo exposto acorda-se em julgar as apelações parcialmente procedentes e assim, revogando nessa medida a sentença apelada, condena-se a Ré C... a pagar ao Autor a importância de € 38.700,34. Sobre o montante dos danos patrimoniais € 21.200,34 incidem juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento. No que toca à indemnização por danos não patrimoniais, € 17.500, porque actualizada à data desta decisão, os juros contar-se-ão a partir desta mesma data.
Mais se condena a Ré C... a pagar ao Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Aveiro, a quantia de € 392,36, acrescida de juros à taxa legal desde a citação e até integral pagamento. Custas dos recursos de A. e R., na proporção do respectivo decaimento. |