Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FELIZARDO PAIVA | ||
Descritores: | ACIDENTES DE TRABALHO SUCESSIVOS REPARAÇÃO PENSÃO ANUAL VITALÍCIA REMIÇÕES PARCELARES DE PENSÕES | ||
Data do Acordão: | 07/12/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DO TRABALHO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ART. 75.º, N.ºS 1 E 5, DA LAT | ||
Sumário: | Sofrendo o sinistrado dois acidentes de trabalho, cada um deles com IPP inferior a 30%, mas cujo somatório iguale ou exceda um valor de IPP de 30%, tendo o primeiro deles sido objeto de reparação em momento anterior à ocorrência do segundo, através do pagamento do capital correspondente a uma pensão anual vitalícia obrigatoriamente remível, a pensão anual e vitalícia correspondente ao segundo, não superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida devida no dia seguinte à data da alta, não é obrigatoriamente remível ao abrigo do art. 75.º, n.ºs 1 e 5, da LAT, mesmo que sejam distintas as seguradoras obrigadas à reparação. | ||
Decisão Texto Integral: | Apelação 4525/21.6T8CBR.C1 Relator: Felizardo Paiva. Adjuntos: Paula Roberto. Azevedo Mendes. *************** Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra: I - AA (patrocinado pelo MºPº) sofreu um acidente em 19 de Junho de 2021, quando trabalhava por conta própria, do qual resultaram as lesões físicas documentadas nestes autos. A responsabilidade emergente de acidente de trabalho encontrava-se integralmente transferida para a C... S.A. No exame pericial realizado no INML ..., o perito médico atribuiu ao sinistrado IPP de 14,4539% (corrigida para 10,19% na tentativa de conciliação), desde 19 de Outubro de 2021. Na tentativa de conciliação que se seguiu, seguradora e sinistrado aceitaram a existência do acidente de trabalho, o nexo causal existente entre as lesões e o acidente e a responsabilidade da seguradora em função da retribuição anual auferida pelo sinistrado e pelo pagamento das despesas de transporte e da indemnização pelos períodos de incapacidade temporária. Sinistrado e seguradora não aceitaram o grau de desvalorização atribuído. Foi requerida a realização de junta médica, nos termos do disposto nos art.ºs 117.º, n.º 1 al. b) e 138.º n.º 2, ambos do Código de Processo do Trabalho. Realizada a junta médica, os peritos médicos atribuíram, por unanimidade, ao sinistrado a IPP de 14,4539% a partir da alta clínica (não considerando a capacidade restante resultante do anterior acidente). *** II. Seguidamente veio ser proferida a decisão que a seguir, em parte, se transcreve: “(…) Inexiste fundamento para divergir do parecer unânime da junta médica, face aos elementos dos autos e considerando o disposto na tabela nacional de incapacidades. Assim, ao abrigo do preceituado no art.º 140.º, do CPT e em consonância com os restantes elementos existentes nos autos, considera-se que em consequência do acidente, AA mostra-se afectado das sequelas documentadas nos autos, as quais lhe determinaram uma IPP de 10,19% desde 19 de Outubro de 2021, porquanto na sequência de um sinistro anterior ficou desvalorizado em 29,4720%, pelo que para o presente acidente partiu com a capacidade restante de 0,70528% e atenta a incapacidade atribuída por cada uma das sequelas obtém-se a IPP de 10,19% e não de 14,4539% como considerado pela junta médica. Mais resulta dos autos que o sinistrado permaneceu 104 dias de incapacidade temporária absoluta e 18 dias de incapacidade temporária parcial a 30%. Considerando que o sinistrado auferia a retribuição anual de €9.310,00, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 23.º, al. b), 47.º, 48.º, n.º 3, al. c), 71.º, n.º 1, 72.º e 75.º da NLAT, é-lhe devida, por força da IPP de 10,19% de que é portador, a pensão anual e vitalícia de €664,08 (€9.310,00x70%x10,19%), a partir do dia seguinte ao da alta, ou seja, com início em 20 de Outubro de 2021, actualizada para €670,72 a partir de 1 de Janeiro de 2020 (Portaria nº 6/2022, de 4 de Janeiro). Esta pensão não é remível atento o disposto no art.º 75.º, n.º 5 da NLAT. Mais é devida ao sinistrado a quantia de €45,00 a título de despesas de transporte (art.º 39.º da NLAT) e a quantia de €64,27 relativa ao diferencial de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, pois a este título a seguradora pagou €1.889,04 e é devida a quantia de €1.953,31 (art.ºs 23.º, al. b), 47.º, n.º 1, al. a), 48.º, n.º 1, 71.º, n.º 1 e 72.º da NLAT)”. *** A – A recorrente não se conforma com o segmento da douta sentença em que se decide que a pensão devida ao sinistrado “(…) não é remível atento o disposto no art.º 75.º, n.º 5 da NLAT.” B – Nessa sequência, não se conforma com a sua condenação no pagamento ao sinistrado de uma pensão anual e vitalícia. C – Decidiu a meritíssima juiz a quo que as sequelas do acidente a que respeitam os presentes autos determinam para o sinistrado uma IPP de 10,19% desde 19 de Outubro de 2021, porquanto na sequência de um sinistro anterior (ocorrido em 25/09/2019) estava já desvalorizado em 29,4720% de IPP. D – Contudo, apesar de fixar ao sinistrado uma IPP de 10,19%, decidiu a meritíssima juiz a quo que a correspondente pensão, do montante anual de € 664,08 deve ser paga anual e vitaliciamente, e actualizável anualmente, ao invés de ser obrigatoriamente remível, posto que o sinistrado era já portador, por via de um acidente anterior, de uma IPP de 29,4720%. E – Ora não é este o sentido da norma invocada pela meritíssima juiz a quo. F – O que nos diz o nº 5 do Artº 75º da LAT é que no caso de o sinistrado sofrer vários acidentes “a pensão a remir é a global”. G – O preceito não diz que, quando por virtude de vários acidentes, a IPP total seja superior a 30% a pensão devida pelo último desses acidentes não é remível! H – A adoptar-se o entendimento constante da douta sentença recorrida, então, necessariamente, a pensão correspondente à IPP de 29,472% deixaria também de ser remível, o que, manifestamente, não pode ocorrer. I – A regra estabelecida pelo nº 5 do Artº 75º da LAT aplica-se apenas aos casos em que, tendo o sinistrado sofrido vários acidentes, os respectivos direitos inerentes a cada um deles não estão ainda judicialmente fixados, sendo, aí sim, possível fixar uma pensão global e, consequentemente, um capital de remição global. H – A douta sentença recorrida violou o disposto no Artº 75º nº 1 da LAT, pelo que deve ser parcialmente revogada e substituída por outra que declare a pensão fixada ao sinistrado nos presentes autos obrigatoriamente remível e condene a seguradora a pagar-lhe o capital de remição de uma pensão anual do montante de € 664,08 (seiscentos e sessenta e quatro euros e oito cêntimos) devida desde 20 de Outubro de 2021, no mais se confirmando a sentença recorrida. + Contra alegou o sinistrado, concluindo:(…). *** III - A 1ª instância considerou provada a seguinte factualidade:1.º No dia 19 de Junho de 2021, AA sofreu um acidente quando desempenhava funções de pedreiro por conta própria; 2.º O sinistro consistiu em queda ao chão com apoio da mão direita em extensão, fracturando o rádio; 3.º Do sinistro descrito em 2.º resultaram para AA as lesões examinadas e descritas de fls. 16 verso a 18 destes autos e aqui dadas por reproduzidas; 4.º Em consequência das lesões decorrentes do sinistro descrito em 2.º AA sofreu os seguintes períodos de incapacidade temporária: - ITA de 20.06.2021 a 01.10.2021 (104 dias); - ITP a 30% de 02.10.2021 a 19.10.2021 (18 dias); 5.º Na data do acidente AA a auferia retribuição anual de €9.310,00; 6.º Na data do sinistro a responsabilidade emergente do acidente de trabalho em causa transferida para a C... S.A.; 7.º AA teve alta em 19 de Outubro de 2021; 8.º Seguradora pagou ao sinistrado €1.889,04 a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária; 9.º Em transporte para comparência em actos judiciais o sinistrado gastou €45,00; 10.º AA nasceu em .../.../1961; 11.º Sofreu acidente de trabalho em 25 de Setembro de 2019 pelo qual ficou portador de 29,4720% de IPP; *** IV. Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões temos como única questão em discussão saber se a pensão é obrigatoriamente remível.Entende a seguradora que a pensão fixada em razão do acidente dos autos deve ser obrigatoriamente remida nos termos do nº1 do artº 75º da LAT pois a isso não obsta o disposto no nº 5 do mesmo normativo. Escreveu-se no acórdão desta Relação de 28.09.2018, procº 3084/17.9T8CBR.C1[1] que “ por força do estatuído no art. 75º/1 da NLAT, nos termos do qual “É obrigatoriamente remida a pensão anual vitalícia devida a sinistrado com incapacidade permanente parcial inferior a 30 % … desde que … o valor da pensão anual não seja superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta…”. Sucede que nos termos do nº 5 desse mesmo dispositivo legal “No caso de o sinistrado sofrer vários acidentes, a pensão a remir é a global.”. É sabido que a reparação justa dos acidentes de trabalho deve acautelar a subsistência dos sinistrados em condições adequadas e próximas das que tinham antes da perda da capacidade de ganho. Exactamente por isso é que o legislador exclui em certas circunstâncias a possibilidade da remição (obrigatória ou facultativa) de pensões devidas por acidente de trabalho, optando conscientemente por privilegiar o pagamento de uma pensão ao longo da vida do sinistrado, assim se protegendo o sinistrado contra si próprio e assim se encontrando um ponto de equilíbrio entre a possibilidade da remição operar (obrigatória ou facultativamente) e a legítima necessidade de garantir ao sinistrado o pagamento de uma pensão ao longo da sua vida que o compense da redução da sua capacidade de trabalho e de ganho. Com efeito, nessas situações de exclusão do regime de remição de pensões o legislador ponderou devidamente que os sinistrados ficam com uma capacidade de ganho significativamente reduzida, daí podendo advir e advindo frequentemente reflexos negativos para si e para o seu agregado familiar, que conta com o contributo regular daquele, constituindo esse contributo, em muitos desses casos, o seu único suporte em termos económico-financeiros, razão pela qual a pensão tem a natureza de uma prestação de carácter alimentício, que nalguns casos funcionará como um complemento aos meios de subsistência do sinistrado e do seu agregado, podendo dar-se o caso, não tão raro quanto isso, de a pensão ser o principal ou o único meio de que dispõem para assegurar a sua subsistência com o mínimo de dignidade. Como se escreveu no acórdão do Tribunal Constitucional nº 34/2006, proferido no processo 884/2005 e publicado no DR, I série A, de 8/2/66, a própria teleologia da remição implica que nos casos de incapacidade absoluta ou elevada, só a “…subsistência de uma pensão vitalícia poderá precaver o sinistrado contra o destino, eventualmente aleatório, do capital resultante da remição obrigatória”. Visto quanto vem de referir-se a propósito do fundamento do regime impeditivo da remição de pensões, facilmente se percepciona que o que o legislador pretendeu com o regime inovatório daquele art. 75º/5 foi impedir as remições parcelares de pensões correspondentes a sucessivos acidentes sofridos pelo sinistrado. E compreende-se que assim seja e o regime proteccionista do sinistrado assim instituído se tivermos em consideração que em caso de sucessão de acidentes o sinistrado ficará com as IPP acrescidas e, como tal, com uma capacidade residual sucessivamente diminuída à medida que vai sofrendo os acidentes sucessivos (Maria Hermínia Oliveira, Prestações por incapacidade e por morte; subsídios; remição de pensões, Prontuário do Direito do Trabalho, nº 85, p. 91), podendo vir a encontrar-se, por força dos sucessivos acidentes e IPP´s deles decorrentes, numa situação de redução de capacidade de trabalho e de ganho idêntica àquelas em que o próprio legislador excluiu a possibilidade de remição (obrigatória ou facultativa) das pensões. Compreende-se, assim, que em situações dessa natureza o legislador obrigue a ficcionar que o sinistrado sofreu um único acidente com uma IPP correspondente à soma das IPP´s parcelares correspondentes aos sucessivos acidentes, devendo atender-se a essa IPP global para efeitos de se apurar se a pensão é ou não remível, obrigatória ou facultativamente. Com efeito, não se vislumbra fundamento para tratar diferenciadamente e para efeitos de remição de pensões, um sinistrado que sofre um único acidente de trabalho com uma IPP de 40%, relativamente a outro sinistrado que sofre dois acidentes com uma IPP de 20% por cada um desses acidentes. A situação de particular vulnerabilidade e risco decorrente da(s) IPP(s) sofrida(s) e da redução da capacidade de trabalho e de ganho dela(s) decorrente(s) que justifica a exclusão do instituto da remição obrigatória é semelhante em ambas as situações e justificam que seja semelhante o seu enquadramento jurídico para efeitos de remição de pensões. De outro modo e no limite poderia ter de admitir-se que um sinistrado com vários acidentes com IPP´s inferiores a 30% mas que no seu conjunto e globalmente determinassem uma situação de incapacidade total para o trabalho deveria sujeitar-se a um regime de remição obrigatória de todas as pensões correspondentes aos sucessivos acidentes, não se sujeitando a tal regime um outro sinistrado que sofre um único acidente com uma IPP igual ou superior a 30%. Por outras palavras, sujeitar-se-ia a um regime de remição obrigatória um sinistrado que se encontraria numa situação mais vulnerável do ponto da sua capacidade de trabalho e de ganho, excluindo-se desse regime outro sinistrado que se encontraria, desse ponto de vista e no confronto daquele, numa situação de menor vulnerabilidade, sem que se divise fundamento material que justifique tal discriminação. Como assim, o art. 75º/5 da NLAT e a ficção de incapacidade e pensão únicas nele imposta têm aplicação sempre que o sinistrado sofre sucessivos acidentes determinantes de IPP´s que, isoladamente consideradas, poderiam justificar a remição (obrigatória ou facultativa) das correspondentes pensões, aplicando-se à incapacidade e pensão únicas ficcionadas o regime da remissão obrigatória ou facultativa que teria lugar se tivesse ocorrido apenas um acidente de trabalho com IPP correspondente à soma das IPP´s determinadas pelos sucessivos acidentes sofridos pelo sinistrado. Sustenta a apelante que o regime do citado art. 75º/5 não se aplica à situação em apreço, pois que são diferentes as seguradoras responsáveis pela reparação dos dois acidentes sofridos pelo sinistrado. Tal interpretação não encontra o mínimo de correspondência verbal na letra do referido preceito, razão pela qual jamais poderia acolher-se, como não se acolhe, tal interpretação (art. 9º/2 do CC). O mesmo se diga, mutatis mutandis, do argumento utilizado pela apelante no sentido de que o referido normativo apenas se aplica naquelas situações em que o sinistrado sofreu sucessivos acidentes de trabalho e em que nenhum deles ainda se encontra reparado, designadamente através da liquidação de um qualquer capital de remição. No caso em apreço, seria superior a 30% a incapacidade determinante da pensão global devida ao sinistrado pelos dois acidentes de trabalho que sofreu, sendo que o sinistrado não requereu a sua remição, razão pela qual estaria excluída a possibilidade de remissão obrigatória ou facultativa (art. 75º/1/2 da NLAT) da nova pensão correspondente ao novo acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado (art. 75º/5 da NLAT), ainda que tenha sido remida a pensão correspondente ao primeiro acidente sofrido pelo sinistrado”. *** IV - Pelos fundamentos expostos acorda-se em julgar improcedente a apelação com integral confirmação da decisão impugnada.* Custas a cargo da apelante.* Sumário:
(…). * Coimbra, 12 de Julho de 2022. * (Joaquim José Felizardo Paiva) (Paula Maria Mendes Ferreira Roberto) (Luís Miguel Ferreira Azevedo Mendes) [1] Relator: Jorge Manuel Loureiro; 1ª adjunta: Paula Maria Roberto; 2º adjunto: Ramalho Pinto, não publicado. |