Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
655/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: SERRA LEITÃO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
SUBSÍDIO DE DOENÇA - PAGAMENTO PELO ISSS AO SINISTRADO
REEMBOLSO PELA SEGURADORA
Data do Acordão: 03/31/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE AVEIRO - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 16º DA LEI 28/84, DE 14/08 .
Sumário: I – Tendo o trabalhador ficado impossibilitado de laborar em virtude de um acidente de trabalho que sofreu, tem ele direito a receber a prestação social denominada “ subsídio de doença “ .
II – Sobre a segurança social impende o dever de pagar as prestações sociais, derivadas de doença de que o trabalhador seja portador em consequência de acidente laboral e até que seja definida a responsabilidade de terceiro pelo acidente .

III- Quando esta responsabilidade fique definida cessa tal obrigatoriedade e surge o direito ao reembolso pela segurança social, que deriva de lei expressa, a ser satisfeito pelo terceiro responsável pelo acidente .

Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes da Secção Social do T. Relação de Coimbra
Frustrada que foi a fase conciliatória, intentou Dinis Teixeira Batina, acção especial emergente de acidente de trabalho contra Antero Santos & Santos Ldª e Real Seguros SA. alegando em síntese

- Em 2/5/01 sofreu um acidente laboral, quando trabalhava por conta sob a direcção e autoridade da 1º Ré

- Esta tinha a respectiva responsabilidade infortunística transferida para a 2º Ré, , mas tão somente pelo valor do seu salário anual, excluindo pois, o subsídio de alimentação.

- Do sinistro em causa resultaram para o A lesões que lhe provocaram uma IPP de 20%, para além de 214 de ITA,, 36 dias de ITP de 60% e 63 dias de ITP de 40%.

Pediu por isso a condenação das Rés , no pagamento das legais quantias, por que são responsáveis, em virtude do seu dever de reparação infortunística.

Entretanto o ISSS( Aveiro) veio nos termos do artº 1º nº 2 do D.L. 59/89 de 22/2/89 deduzir contra as mesmas Rés, o pedido de reembolso dos subsídios de doença que pagou ao A, desde 24/8 até 18/11/ ambos de 2001, no montante de € 1765, 23.

Apenas contestou a seguradora, afirmando em síntese que aceitava a sua responsabilidade, limitada todavia ao montante que por força do contrato de seguro, estava obrigada.

Foi proferido então despacho saneador – sentença que julgando parcialmente a causa:

1-Fixou ao sinistrado a IPP de 20%

2-Condenou:

I- a Seguradora a pagar ao A.

a)- o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no montante de € 18993, 69, desde 10/9/02

b)- juros moratórios legais

II- A entidade patronal a pagar ao A

a)- o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no montante de € 119, 26

b)- a quantia de € 355, 03 a título de indemnização por 214 dias de ITA

c)- a quantia de € 35, 77 a título de indemnização por 36 dias de ITP de 60%

d)- a quantia de € 41, 81 a título de indemnização por 63 de ITP de 40%

e) juros moratórios legais.

Mais determinou a Ex. ma Sr.ª Juíza, que o processo prosseguisse, para apreciação do pedido formulado pelo ISSS( Aveiro).

Proferiu posteriormente nova decisão, na qual condenou as RR a reembolsarem o ISSS( Aveiro) da supra mencionada quantia de € 1765, 23, acrescida de juros moratórios legais.

Discordando ( apenas nesta parte da sua condenação no aludido reembolso)apelou a ré seguradora, alegando e concluindo:

1- A ora recorrente já liquidou ao sinistrado de acordo com o salário transferido, a indemnização correspondente aos períodos de IT de que o sinistrado se viu afectado,

2- Esse período corresponde ao período que o sinistrado recebeu subsídio de doença prestado pelo ISSS

3- Com a entrega do referido capital de remição e com o pagamento dos períodos de IT, a ré recorrente satisfez a sua obrigação, decorrente da assunção do contrato de seguro de acidentes de trabalho que para si se encontrava transferido e nos limites dessa responsabilidade

4- Com o pagamento das quantias apuradas a seguradora recorrente desonerou-se de toda a sua responsabilidade, nada mais tendo a pagar ao sinistrado;

5- Tendo satisfeita a indemnização legalmente fixada- entregue o capital de remição e pagando os períodos de ITP, conforme já consta dos presentes autos, não existe da parte da recorrente o dever de reembolsar o CNP, porque este, relativamente à ora recorrente, não é titular do direito de sub- rogação legal;

6- Com o recebimento do capital acima referido, o sinistrado deixou de ser titular do direito de indemnização a cargo do ISSS

7- A recorrente não tem de pagar qualquer quantia, porque já foi cumprida a obrigação assumida por via da existência do contrato de seguro de acidentes de trabalho;

8- Ora não pode haver sub - rogação de obrigações que não existam , por se terem extinto, como resulta do artº 592º do CCv, pois aqui se pressupõe que haja um terceiro” que cumpre a obrigação” para ficar sub rogado. Ou seja: se e na medida em que o sinistrado estava pago por outrem, não havia lugar ao pagamento do subsídio por doença

9- A ser de outra forma, haveria um enriquecimento ilegítimo por parte do sinistrado, pois estaria a receber duplamente. E tem entendido a jurisprudência de forma maioritária, que com o recebimento da indemnização, o beneficiário deixa de ter direito às prestações que vinha recebendo por doença ou invalidez, ficando até obrigado às reposições do que anteriormente tenha recebido

10- A sentença recorrida violou entre outros, o disposto nos artºs 1º do D.L. 59/89 de 22/2 e o artº 592º do CCv.

Não houve contra alegações.

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Dos Factos

É a seguinte a factualidade a ter em conta

1- O A nasceu em 10/7/70 e é beneficiário da Segurança Social nº 115 279 044

2- A Ré “ Antero Santos & Santos Ldª”, dedica-se à construção civil e obras públicas

3- E nesse qualidade admitiu o A ao seu serviço

4- Para trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização, como pedreiro, nas obras de construção civil e obras públicas a que se dedica;

5- Trabalho cuja prestação esta retribuía pagando ao A, o salário anual de € 13. 526, 38, acrescido do subsídio de alimentação anual de € 851, 84

6- No dia 2/5/01 o A encontrava-se em Oiã, Oliveira do Bairro, exercendo aquelas suas funções de pedreiro, no cumprimento daquele seu contrato de trabalho, numa obra a cargo da sua entidade patronal

7- Quando, ao descer de um andaime, desequilibrou-se e caiu de costas, desamparado

8- Em consequência exclusiva, necessária e directa, ficou com sintomas dolorosos e traumatismo coxo- femural da perna esquerda

9- E uma IPP de 20%, a partir de 10/9/02, dia seguinte ao da alta

10- Ficou ainda afectado de 214 de ITA, 36 dias de ITP de 60% e 63 dias de ITP de 40%

11- A Ré patronal tinha a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho,

transferida para a Ré seguradora pelo valor correspondente ao salário anual de €

13. 526, 38

12- Entre 24/8/01 e 18/11/01 o ISSS( Aveiro) pagou ao A a título de subsídio de

Doença, o montante de € 1765, 23

13- A Ré seguradora pagou ao A todas as indemnizações por Its da sua

Responsabilidade e até 16/5/02, bem como o capital de remição da pensão a que foi condenada .

Do Direito

Sabe-se que é pelas conclusões das alegações, que se delimita o âmbito da impugnação- artºs 684 n.º 3 e 690º nºs 1 e 3 ambos do CPC-.

Pelo que no caso concreto, a única questão a decidir é a de se saber se é ou não a seguradora responsável pelo reembolso das importâncias pagas pelo ISSS ao A, a título de subsídio de doença, doença essa resultante do acidente de trabalho que sofreu.

Vejamos então.

A L. 28/84 de 14/8 que definiu as bases do Sistema de Segurança Social , refere explicitamente no seu artº 16º sob a epígrafe “ Responsabilidade civil de terceiro”, que no caso de concorrência, pelo mesmo facto, de direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, “ as instituições de segurança social ficam sub – rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder”.

Cremos ser inquestionável que, no caso em apreço, o A, por ter ficado impossibilitado de laborar, em virtude do acidente que sofreu, tinha direito à prestação social “ subsídio de doença”.

Também fora de dúvidas que por esse mesmo facto, na sua esfera jurídica passou a estar contido o direito à reparação infortunística, nos termos da LAT( cfr. seu artº 10).

Contudo estas prestações têm natureza diferenciadas.

Enquanto que a primeira é, como se disse, uma prestação de carácter social, à qual o trabalhador tem direito pelo simples facto de efectuar os seus descontos para a Segurança Social, a segunda assume um carácter indemnizatório, de cujo pagamento é responsável o lesante, desde que e logo que conhecido.

Daqui resulta que o dito subsídio de doença configura por princípio um adiantamento.

Havendo terceiro responsável pelo facto, ele extinguir-se-á e será reembolsável.

Caso tal não suceda, o reembolso não é possível e o pagamento pela instituição de segurança social deixa de ter o carácter de provisoriedade( a segurança social assegura provisoriamente a protecção do beneficiário, cabendo- lhe em conformidade, exigir o valor dos subsídios ou pensões pagas- cfr. Preâmbulo do D.L. 549/89 de 22/2), para passar a ser definitiva.

Ou seja e dito por outras palavras: sobre a segurança social impende o dever de pagar as prestações sociais, derivadas da doença de que o trabalhador é portador, em consequência de acidente laboral., até que ( e se ) definida a responsabilidade do terceiro.

Quando esta ocorre, cessa tal obrigatoriedade e surge o referido direito ao reembolso, que existe por força de lei expressa- o aludido artº 16º da L. 28/84- .

E este regime legal só se compreende se se considerar que aquilo que inicial( e provisoriamente) era uma prestação social, passou – logo que conhecido e responsabilizado o terceiro lesante- a assumir as características de “indemnização legalmente devida”.

Doutro modo nunca se poderia falar em sub rogação legal , uma vez que se as quantias pagas pela segurança social mantivessem a natureza de prestação social, o dever do seu pagamento impendia originariamente sobre aquela entidade, que assim não efectuava nenhuma prestação que fosse responsabilidade de terceiro.

Mas exactamente porque conhecido o terceiro, os ditos pagamentos, passam a ser considerados “ meros adiantamentos”, passando a integrar a indemnização devida, é que surge para a segurança social, o tal direito legal ao reembolso.

Evidentemente que o legislador, poderia ter estabelecido que por esse reembolso fosse responsável, quem recebeu as prestações.

Contudo optou como se viu por regime diverso, porventura por compreensíveis razões sociais que se colocam ao nível da consideração da fragilidade do destinatário, regime esse que se traduz numa sub rogação legal das Instituições de Segurança Social nos direitos do lesado contra o lesante na medida do efectivamente pago.

Perante o mencionado enquadramento normativo e respectiva teleologia, cremos( sempre ressalvando o devido respeito por entendimento diverso) não poder ser outra a decisão tomada, se não aquela que o foi na 1º instância.

Naturalmente que a responsabilidade da seguradora, pela reparação infortunística, advém por força do contrato de seguro celebrado com a entidade patronal, aliás de carácter obrigatório- artº 37º nº 1 da LAT-.

Mas tal facto em nada invalida a solução que se propugna.

Claro que esta situação implicará um enriquecimento ilegítimo( exactamente porque as prestações não são cumuláveis) para o sinistrado.

Mas nada impedirá que a seguradora, se veja ressarcida do que a mais pagou para além da sua responsabilidade, através de acção própria a intentar contra o trabalhador acidentado.

Agora ao que está obrigada “ ope legis” ( cfr. o citado artº 16º da L. 28/84) é a reembolsar o ISSS.

Tem sido este aliás o entendimento prosseguido nesta Secção, como se pode ver dos Acs. tirados nos Recs nºs 1876/00 e 3595/04, em consonância aliás- e se bem entendemos- com o decidido a propósito, pelo nosso mais Alto Tribunal- ( cfr. C.J. /S.T.J., Ano III, Tomos I/163 e II/223).

Termos em que e concluindo, embora com fundamentação diversa, se confirma a decisão sob protesto, julgando improcedente a apelação.

Custas pela recorrente.

Junte-se cópia a título de exemplo do Ac. 3595/04.