Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
452/07.8TTAGD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: ACIDENTE EM SERVIÇO
CTT
SUBSCRITOR CGA
REGIME JURÍDICO APLICÁVEL
COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL
Data do Acordão: 07/17/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE ÁGUEDA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Legislação Nacional: ARTºS 9º, Nº 2, DO D. L. Nº 503/99, DE 20/11
Sumário: I – O Dec. Lei nº 503/99, de 20/11, veio estabelecer o regime jurídico dos acidentes em serviço ocorridos ao serviço da Administração Pública.

II – Porém, os CTT já foram uma empresa pública, pessoa colectiva de direito público, anteriormente ao D. L. nº 87/92, de 14/05, e este diploma assegurou a manutenção dos regimes jurídicos então vigentes e aplicáveis ao pessoal da empresa pública “Correios e Telecomunicações de Portugal” – seu artº 9º, nº 2.

III – Tendo o agravante sido subscritor da CGA e antes da transformação dos CTT em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos (portanto anteriormente à entrada em vigor do D.L. nº 87/92), não pode deixar de entender-se que, enquanto tal, fica abrangido pelo âmbito de aplicação do disposto no D.L. nº 503/99, de 20/11.

IV – Na constância da empresa pública CTT, os seus trabalhadores tinham um estatuto de direito público privativo, próximo do do funcionalismo público, no que tange ao domínio previdencial, sendo-lhes então aplicável o regime previsto no D. L. nº 38.523, de 23/11/1951.

IV – O Tribunal competente para conhecer do acidente em serviço ocorrido com este trabalhador é o Tribunal Administrativo (competência absoluta, em razão da matéria).

Decisão Texto Integral:
Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:


I –

- Nos presentes Autos com processo especial emergente de acidente de trabalho em que é participante A..., devidamente identificado, e entidade empregadora ‘B...’, esta, notificada para informar sobre elementos relativos ao acidente, veio ao processo indicar que o trabalhador em causa pertence ao quadro dos trabalhadores subscritores da Caixa Geral de Aposentações, devendo por isso o Tribunal do Trabalho declarar-se materialmente incompetente.

- Prosseguiu-se na tramitação processual até que, designada data para tentativa de conciliação, a Sociedade empregadora do participante veio suscitar de novo a questão da incompetência material do Tribunal do Trabalho.

- Sob promoção do M.º P.º no sentido do indeferimento da pretensão deduzida, foi proferido o despacho de fls. 56-57 em que se decidiu pela inaplicabilidade ao caso presente do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, e, consequentemente, pela competência material do Tribunal do Trabalho de Águeda para conhecer do acidente participado.

- Inconformada com o assim decidido, a sociedade ‘B...’, veio interpor recurso de agravo, (por lapso dirigido à Relação de Lisboa…), como tal admitido e processado, cujas alegações rematou com esta síntese conclusiva:
· Nos termos do art. 9.º/2 do Decreto-Lei n.º 87/92, de 14 de Maio, que transformou a agravante de empresa pública em sociedade anónima de capitais públicos, dispõe-se que ‘os regimes jurídicos definidos na legislação aplicável ao pessoal da empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal, vigentes nessa data, continuarão a produzir efeitos relativamente aos trabalhadores referidos no número anterior’;

· Esta norma alarga o âmbito pessoal de aplicação do citado Decreto-Lei n.º 503/99, de 20/11, e determina que o regime de acidentes em serviço é aplicável a agravante;


· Este entendimento é pacífico na jurisprudência, Tutela, Caixa Geral de Aposentações e Procuradoria-Geral da República;

· A decisão posta em crise, ao inverter esta interpretação, viola os arts. 66.º, 67.º e 101.º do C.P.C. e art. 37.º/2, a), do CPTA, pelo que deve o Tribunal ’ad quem’ pronunciar-se pela incompetência do Tribunal 'a quo' e, consequentemente, absolver a R. ora agravante da instância, nos termos do disposto no art. 105.º do C.P.C.

- O M.º P.º respondeu, em patrocínio oficioso, admitindo, em reapreciação, a razão da impetrante e a consequente reparação da decisão.
Esta foi todavia mantida, conforme despacho de fls. 90.

Subidos os Autos e colhidos os vistos legais devidos, vamos decidir.
____

II –
As ocorrências de facto relevantes para o enquadramento e solução da questão em que se analisa o objecto do agravo são todas de natureza e comprovação processuais e constam referidas já, de forma bastante, na exposição esquemática que antecede.

A questão posta é de manifesta singeleza.
Vejamos então.
Ficando-se pela literalidade da previsão – n.º1 do art. 2.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro – entendeu-se e concluiu-se na decisão ora sob protesto pela inaplicabilidade, ao caso, do regime constante desse diploma e pela consequente competência material do Tribunal do Trabalho para conhecer do acidente em questão.
Para assim concluir partiu-se basicamente do pressuposto de que, sendo embora subscritor da Caixa Geral de Aposentações, o sinistrado não era simultaneamente funcionário de nenhum dos organismos previstos naquele art. 2.º/1.

Com o sempre devido respeito, não é essa a solução certa, como vamos demonstrar sucintamente.
A norma interpretanda reza, na verdade, que o disposto no presente diploma é aplicável aos funcionários, agentes e outros trabalhadores que sejam subscritores da Caixa Geral de Aposentações e exerçam funções na administração central, local e regional, incluindo os institutos públicos nas modalidades de serviços personalizados e de fundos públicos…
A seguir, o n.º2 prescreve que ao pessoal dos serviços referidos no número anterior, vinculado por contrato individual de trabalho, com ou sem termo, e enquadrado no regime geral de segurança social, aplica-se o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais constante da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro.

É certo que o presente Diploma – que veio estabelecer o regime jurídico dos acidentes em serviço ocorridos ao serviço da Administração Pública – define um âmbito de aplicação em que não cabem, a partir de 1999, os trabalhadores dos B....
Simplesmente as coisas não foram sempre assim no que toca ao estatuto do empregador, como se sabe.
Os B... já foram uma empresa pública, pessoa colectiva de Direito Público, anteriormente ao Decreto-Lei n.º 87/92, de 14 de Maio.
Este Diploma assegurou todavia a manutenção dos regimes jurídicos então vigentes e aplicáveis ao pessoal da empresa pública ‘Correios e Telecomunicações de Portugal’ – seu art. 9.º, n.º2.

O sinistrado, A..., é subscritor da Caixa Geral de Aposentações e já o era seguramente antes da transformação dos B... em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos (alega ser trabalhador dos B... desde Fevereiro de 1967) …anteriormente, pois, à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 87/92.

(Por tal ‘estatuto’ se têm batido muitos colegas seus, como certamente não ignorará, demandando a R. com vista à promoção da sua inscrição como subscritores daquele subsistema previdencial).

Reunia, ao tempo, certamente, os requisitos de que a Lei, (art. 1.º/1 do Decreto-Lei n.º 489/72, na redacção do Decreto-Lei n.º 191-A/79, de 25 de Junho), fazia depender a possibilidade de inscrição de um trabalhador como tal.

Os trabalhadores, na constância da empresa pública B..., tinham um estatuto de direito público privativo, próximo do do funcionalismo público, no que tange ao domínio previdencial, sendo-lhes então aplicável o regime previsto no Decreto-Lei n.º 38.523, de 23.11.1951.

Usando uma locução mais abrangente, (‘servidores civis do Estado’), o legislador de 1951 apenas excluía da cobertura especial do diploma então institucionalizado os servidores que não fossem subscritores da Caixa Geral de Aposentações, a quem era aplicável a legislação sobre acidentes de trabalho – § único do art. 1.º do Decreto-Lei n.º 38.523, de 23 de Novembro de 1951, diploma que definia a responsabilidade do Estado por acidentes dos seus servidores.

Prescrevia-se no art. 30.º desse Decreto-Lei n.º 38.523 que ‘Os tribunais do Trabalho não darão andamento a processos emergentes de acidente de trabalho contra o Estado e seus organismos ou contra os corpos administrativos sem que previamente a Caixa Geral de Aposentações informe se os sinistrados são ou não seus subscritores…
Na hipótese afirmativa, os processos serão mandados arquivar, sem dependência de qualquer outra formalidade’…
(Veja-se, a propósito, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 12.6.1985, in C.J., Ano X, Tomo III, pg. 218-219.
E também a noção lata de ‘servidores do Estado’, então dilucidada no Parecer da PGR, in D.R., II Série, de 13.12.1985).

A qualidade do trabalhador, pressuposta na admissão como subscritor da Caixa Geral de Aposentações, é que é afinal, a matriz determinante.

Assim, por força da falada salvaguarda, não pode deixar de entender-se que o sinistrado, enquanto subscritor da CGA, fica, no caso, abrangido pelo âmbito de aplicação do disposto no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro.
E as relações entre os subscritores e a Caixa são da competência dos Tribunais Administrativos (cfr. Arestos do S.T.J. de 10.1.2007 e de 14.2.2007, in C.J./S.T.J., Ano XV, Tomo I, pgs. 246 e 263, respectivamente).

Nos termos do art. 48.º/1 do Decreto-Lei n.º 503/99 deve ser demandado, se e quando for caso disso, o Tribunal Administrativo.
O Tribunal do Trabalho não é o materialmente competente para conhecer do acidente participado.

Acolhem-se as razões que enformam a reacção da Agravante, não podendo subsistir a decisão impugnada.
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III –
Nos termos expostos, delibera-se conceder provimento ao Agravo e, revogando o despacho recorrido, absolve-se a Agravante, ‘B...’, da instância.
Sem custas.
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Coimbra,