Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4001/08.2TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GREGÓRIO SILVA JESUS
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
SOLO APTO PARA CONSTRUÇÃO
INFRA-ESTRUTURAS
Data do Acordão: 12/21/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU – 4º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 25º, Nº 2, DO CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES (APROVADO PELA LEI Nº 168/99, DE 18/09)
Sumário: I – Um solo apto para construção é aquele que apresenta condições materiais e jurídicas que permitam a construção, não tendo essa potencialidade edificativa, necessariamente, de ser imediata, podendo, outrossim, ser muito próxima.

II – Quando a lei estabelece no nº 2 do artº 25º do CE o conjunto de infra-estruturas para considerar o solo apto para a construção fá-lo numa perspectiva não de impor que o terreno expropriado delas esteja dotado, ou sequer por elas marginado, mas de que pelo menos tenha a possibilidade de se servir de tais infra-estruturas porque existam nas proximidades e o seu alcance e utilização, também sob o ponto de vista técnico, seja óbvio e simples.

III – A distância em metros que as separa do terreno expropriado será sempre um factor a ponderar mas não tem de ser decisivo. Só caso a caso se relevará o seu peso, em função das características do local (facilidade ou dificuldade de acesso às mesmas), na parcela expropriada e no tipo de construção urbanístico viável.

IV – Não se pode afirmar não dispor de rede de saneamento a parcela expropriada que se situa a 50 metros de um supermercado, a 120 metros de instalações industriais, a cerca de 200 metros de um loteamento urbano já com duas moradias unifamiliares em uso há vários anos, e a cerca de 700 metros de um complexo de piscinas, com fácil acessibilidade às redes de saneamento já instaladas e em funcionamento para aqueles empreendimentos.

V – A localização da parcela a expropriar em área definida pelo PDM como Zona Florestal não lhe retira, só por si, a possibilidade de poder ser classificada como solo apto para construção.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO


Por despacho do Senhor Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas e das Comunicações, de 24 de Janeiro de 2006, publicado no D.R. n.º 26, II série, de 6 de Fevereiro de 2006, rectificado pelo despacho de 30 de Abril de 2007, publicado no D.R. n.º 98, II série, de 22 de Maio de 2007, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação de um conjunto de imóveis, de entre os quais se encontrava uma parcela de terreno numerada como 7 com a área de 1168m2, sita na freguesia de Repeses, concelho de Viseu, inscrita na matriz predial rústica sob o artigo ...º, e omissa na Conservatória do Registo Predial, destinada ao alargamento e beneficiação da EN2 entre o km 176+700 e 178+100.

Foi efectuada a vistoria perpetuam rei memoriam no dia 8 de Março de 2006 e procedeu-se a arbitragem tendo os senhores peritos, por unanimidade, atribuído à referida parcela expropriada o valor de 71.808,64€, quantia esta depositada à ordem do Mmo Juiz de Direito do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu (fls.68 a 72).

Adjudicado o prédio expropriado (fls.73), não concordando com o valor atribuído à parcela pela arbitragem, a expropriante recorreu da decisão arbitral, pedindo que se fixe o valor total da indemnização devida em 2.454,05 € (fls.91 a 97).

O expropriado A... respondeu ao recurso (fls.101 a 111).

Nomeados os peritos procedeu-se à avaliação não tendo havido unanimidade, concluindo os peritos designados pelo Tribunal e pelos expropriados pelo valor de 38.088,48€, e da sua parte o perito designado pela expropriante apresentou relatório sustentando que o valor global a atribuir a título de indemnização deve ser o de 9.003,14€ (fls.145 a 185).

A expropriante reclamou e solicitou esclarecimentos aos senhores peritos que foram prestados.

Não se descortina nos elementos processuais remetidos alguma diligência de prova.

Notificadas as partes para alegarem de acordo com o disposto no art. 64º do Código das Expropriações, só a expropriante o fez defendendo que a justa indemnização a atribuir é a que indicou no seu recurso da decisão arbitral, 2.454,05 € (fls.254 a 258).

Foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente o recurso interposto pela expropriante e fixou a indemnização no montante de 38.088,48€ a pagar pela EP. Estradas de Portugal, S.A. (fls.262 a 270).

Inconformada, apelou a expropriante que tira as seguintes conclusões:

[……………………………………………………………………….]

O expropriado não contra-alegou.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


ª

As conclusões da recorrente – balizas delimitadoras do objecto do recurso (arts. 684º nº3 e 685º-A, nº 1º, do Cod. Proc. Civil) – consubstanciam as seguintes questões:

1- Alteração da matéria de facto;

2- Potencialidade edificativa do solo expropriado;


ª


II-FUNDAMENTAÇÃO

DE FACTO

Na sentença foram considerados provados os factos seguintes:

[………………………………………………………………]


ª

            DE DIREITO

1- Alteração da matéria de facto

[………………………………...]

2- Potencialidade edificativa do solo expropriado

Como as conclusões das alegações deixam transparecer, a questão decisiva que sustenta a controvérsia subjacente a estes autos é a classificação da parcela expropriada como solo apto para a construção que a recorrente não aceita.

Refere a recorrente que:

- ficou provado que no prédio não existia nem existe qualquer construção, não se enquadrando na alínea a) do n° 2 do artigo 25° do Código das Expropriações (CE daqui por diante), na medida em que faltava uma das infra-estruturas, a rede de saneamento com colector em serviço junto da parcela e rede de água também em serviço junto da parcela uma vez que se encontra a 50 m;

- as infra-estruturas existentes não serviam edificações no prédio porque não existiam, nem serviriam construções futuras porque nunca seriam autorizadas, por se situar em Área Florestal 1 e por não possuir a área mínima de 10000 m2 (o prédio só tinha 7260 m2) para que fosse permitida uma construção para utilização própria;

- não é aplicável o n° 12 do artigo 26° do CE, pois estamos perante uma área classificada pelo PDM de Área Florestal e não como Área verde, ou de lazer, ou para instalação de infra-estruturas;

- se a propriedade se situa bem no meio de Área Florestal 1, classificada no PDM, não se insere em núcleo urbano.

 - conforme resulta do n° 1 do art. 23° do CE são as circunstâncias e condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública que deve ser tidas em conta e nada mais.

 Deste modo, defende que tanto o prédio como a parcela não têm capacidade edificativa, logo esta não se enquadra na alínea a) do n° 2 do artigo 25° do CE.

Vejamos se lhe assiste razão.

A propriedade privada goza de garantia constitucional, constituindo a expropriação uma restrição a esse direito, também constitucionalmente prevista (arts. 62º e 18º, n.º 2 da CRP).

Dispõe o art. 62º, nº 2 da CRP, que “ a requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização ”.

O legislador constitucional não definiu o conceito de “justa indemnização”, relegando para o legislador ordinário a definição dos critérios que permitem concretizar esse conceito.

Atenta a data da declaração da utilidade pública, é pela aplicação dos critérios previstos no Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18/9, que se deve apurar a "justa indemnização" a arbitrar aos expropriados

Dispõe o art. 23º, nº 1 do CE que “a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível[1] numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data”.

Este princípio é o “corolário de uma correcta ponderação entre o interesse público e o interesse do expropriado: o interesse deste reclama a indemnização integral do prejuízo suportado; aquele impõe que a indemnização não vá além daquele prejuízo[2].

Para se obter o valor real e corrente do bem expropriado, o Código das Expropriações desde cedo definiu um conjunto de critérios referenciais ou elementos ou factores de cálculo, os quais variam conforme a localização e natureza do solo.

A ponderação dos interesses em conflito, o reconhecimento de que o cálculo da justa indemnização é uma das questões mais delicadas de qualquer regime jurídico de expropriações por utilidade pública, e o cuidado de tomar em consideração o que a esse propósito a jurisprudência do Tribunal Constitucional vinha consagrando estiveram nas preocupações do legislador quando procedeu à reformulação do regime jurídico das expropriações com o Dec.Lei nº 438/91 de 9/11.

De facto, pode ler-se no preâmbulo desse diploma o seguinte, que ainda hoje e aqui é perfeitamente pertinente:

Relativamente à jurisprudência do Tribunal Constitucional, e partindo da ideia básica desta jurisprudência de que a não consagração na lei da potencial aptidão da edificabilidade dos terrenos expropriados e localizados fora dos aglomerados urbanos ou em zona diferenciada de aglomerado urbano violaria os princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade dos cidadãos perante a lei (artigos 62º,n.° 2, e 13.°, n.° 1, da Constituição) entendeu-se, para efeitos do valor a atribuir aos particulares pela expropriação dos seus terrenos, classificar o solo em apto para a construção e para outros fins.”.

Satisfazendo essa preocupação delimitou, então, o legislador no art. 24º, a que corresponde hoje o art. 25º da Lei 168/99 com pequenas alterações, a classificação dos solos.

Estabelece, pois, o artigo 25º, do CE que:

1.Para efeito de cálculo da indemnização por expropriação, o solo classifica-se em:

a) Solo apto para construção;

b) Solo para outros fins.

2. Considera-se solo apto para construção:

a) O que dispõe de acesso rodoviário e de rede da abastecimento de água, de energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir;

b) O que apenas dispõe de parte das infra-estruturas referidas na alínea anterior, mas se integra em núcleo urbano existente;

c) O que está destinado, de acordo com instrumento de gestão territorial, a adquirir as características descritas na alínea a);

d) O que, não estando abrangido pelo disposto nas alíneas anteriores, possui, todavia, alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública, desde que o processo respectivo se tenha iniciado antes da data da notificação a que se refere o nº 5 do artigo 10º.

3. Considera-se solo para outros fins o que não se encontra em qualquer das situações previstas no número anterior.”.

Temos, assim, que solo apto para a construção tanto pode ser aquele que já possui capacidade edificativa como aquele que reúne condições para em futuro próximo vir a ter essa mesma capacidade.

“O legislador, ao distinguir o solo apto para construção do solo para outros fins, não adoptou um critério abstracto de aptidão edificatória – já que, abstracta ou teoricamente, todo o solo, incluído o integrado em prédios rústicos, é passível de edificação –, mas, antes, um critério concreto de potencialidade edificativa”[3].

Por outro lado, mesmo que não disponham de todas as estruturas mencionadas no nº 2 do art. 25º nem por isso deixam de ser solos aptos para construção se estiverem situados em zonas classificadas pelos instrumentos de ordenamento do território como zona urbana ou urbanizável[4].

Um solo apto para construção é, assim, aquele que apresenta condições materiais e jurídicas que permitam a construção, não tendo essa potencialidade edificativa, necessariamente, de ser imediata, podendo, outrossim, ser muito próxima.

Portanto, só devem avaliar-se os solos como aptos para construção quando, do ponto de vista físico e legal, é possível e admissível construir nesses terrenos, sem ficcionar uma potencialidade que os mesmos não têm, não podem ter, nem se perspectiva, como possibilidade próxima ou imediata, que a possam vir a ter.

Revertendo estes princípios ao caso em apreço, os peritos maioritários defenderam a classificação do terreno como “solo apto para construção” tendo em conta as suas características, o facto de não ser imprescindível para tal a existência da infra-estrutura de saneamento, e muito embora se situe face ao PDM de Viseu em EFI – Espaço Florestal I porque inserida na UOPG 1 – Unidade Operativa de Planeamento e Gestão 1 não lhe está proibida a edificabilidade.

Por seu turno, e no fundamental, a sentença corroborou este entendimento.

Constata-se que o terreno dispõe de algumas das infra-estruturas urbanísticas referidas no nº 2 do art. 25º do CE. Dispõe de acesso rodoviário, junto a ele tem rede de abastecimento domiciliário de água, rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão e rede telefónica (nº 16 dos factos provados).

Invoca a recorrente que não dispõe de rede de saneamento, mas só numa leitura estática e de extremo rigor se pode entender tal denúncia.

Quando a lei estabelece aquele conjunto de infra-estruturas para considerar o solo apto para a construção, quando fala em “dispor”, fá-lo numa perspectiva não de impor que o terreno expropriado delas esteja dotado, ou sequer por elas marginado, mas de que pelo menos tenha a possibilidade de se servir de tais infra-estruturas porque existam nas proximidades, e o seu alcance e utilização, também sob o ponto de vista técnico, seja óbvio e simples. Enfim, que existam, a elas se possa aceder, e sejam ajustadas ao local e à construção que nele se possa levantar.

A distância em metros que as separa do terreno expropriado será sempre um factor a ponderar, e podendo ser impressivo não tem, todavia, de ser decisivo. Caso a caso se relevará do seu peso, em função das características do local, da parcela expropriada e do tipo de construção urbanístico viável.

Olhando, então, para a parcela em causa vemos que se insere num meio que faz a transição de uma zona de ocupação urbana para uma zona mista de cultivo e floresta, existindo nas imediações construções do tipo industrial, desportivas, e moradias unifamiliares (cfr. nºs 5 a 7 e 10 a 15 da matéria de facto provada). Por exemplo, a norte, a menos de 50m tem o supermercado LIDL, a 120m as instalações industriais da Volter, a sul está a cerca de 200m um loteamento urbano destinado a cinco moradias unifamiliares, das quais duas já estão edificadas e em uso há vários anos, e no lado este da parcela existe uma outra edificação[5].

Significa isto, que a distâncias muito próximas, e daí de fácil acessibilidade, dispõe a parcela expropriada de redes de saneamento já instaladas e em funcionamento para aqueles empreendimentos[6].

 Os elementos recolhidos nos autos não permitem vislumbrar que algum inconveniente ou impedimento a tal se verifique. Antes pelo contrário, a satisfação das exigências impostas neste particular para os empreendimentos industriais circundantes, e igualmente para as piscinas próximas, seguramente ultrapassarão as de qualquer construção familiar a edificar na parcela em causa, de reduzida área.

Perante isto, sem dúvida que a parcela tem ao seu dispor rede de saneamento com características adequadas para servir as edificações a nela construir, e, sendo assim, pode concluir-se que a factualidade assente permite colocar o prédio ao abrigo da norma do artigo 25º, nº 2, al. a) do CE, classificá-lo como solo apto para a construção[7].

Porque embora proferida noutro enquadramento jurídico mas aqui com perfeito cabimento, transcrevemos o seguinte passo da declaração de voto do Exmº Cons. Moura Ramos no Ac. 145/2005, de 16 de Março de 2005, do Tribunal Constitucional:

“…a proximidade até 300 m de áreas de construção, ou onde seja possível construir, pode implicar expectativas de valorização fundiária, a curto, médio ou longo prazo (mesmo sem as características indicadas no nº 2 do artigo 25º do CE) – expectativas estas que são definitivamente cortadas ao expropriado com a ablação do direito de propriedade, contrariamente ao não expropriado que mantém intactas essas expectativas – que, traduzindo um elemento não irrelevante na relação do proprietário com o bem, devem ser tidas em conta, na avaliação do sacrifício imposto ao expropriado, no momento da cessação coactiva dessas expectativas. Atente-se em que na formação dos preços, as expectativas relativas a acontecimentos futuros são determinantes do comportamento dos agentes e constituem um elemento imprescindível na análise dos mercados (v. Joseph Stiglitz, John Driffill, Economics, Nova Iorque, 2000, pág. 104), o que, aliás, é especialmente relevante na formação dos preços da propriedade imobiliária, relativamente às possíveis alterações do estatuto fundiário, através da projecção de futuras transferências de solo rural para solo urbano (v. Robert Ekelund, Robert Tollison, Economics, 4ª ed., Nova Iorque, págs. 370/373).”.

Aqui chegados, a conclusão alcançada dispensa-nos de tomar posição sobre a controvertida temática do que deva entender-se por “núcleo urbano” e “aglomerado urbano”, suscitada pela apelante na alegação recursiva (5ª conclusão) visando a solução sustentada na sentença de que a parcela expropriada também preencheria o critério previsto na al. b), do nº 2, do art. 25º, que exige não todas mas apenas algumas das infra-estruturas desde que o solo expropriado se integre em núcleo urbano existente.


ª

Porém, alega também a recorrente que as infra-estruturas existentes não só não serviam edificações no prédio porque não existiam, como nem serviriam construções futuras porque nunca seriam autorizadas, por se situar em Área Florestal 1 e por não possuir a área mínima de 10000 m2 (o prédio só tinha 7260 m2 conforme certidão das finanças) para que fosse permitida uma construção para utilização própria.

De facto, para a classificação do solo como apto para construção não basta que se verifique qualquer dos requisitos que o legislador estabeleceu nestas alíneas do nº 2 do art. 25º do CE. Tais requisitos só constituem prova da aptidão construtiva de um solo desde que tal não seja afastado por lei ou regulamento especial e a construção nesse solo constitua o seu aproveitamento económico normal.

Como se sabe, há limitações legais à utilização dos terrenos, condicionamentos à possibilidade construtiva como os resultantes do destino a que os instrumentos legais de ordenamento do território afectam os solos, eliminando-a, reduzindo-a ou impondo-lhe características específicas muitas vezes limitadoras da valorização dos terrenos.

Há limites legalmente impostos por razões naturais e materiais, por exemplo pela necessidade de espaços verdes, por necessidades de zonas para equipamentos, por salvaguarda de terrenos de grande qualidade agrícola (zona RAN) e áreas de protecção de ecossistemas e equilíbrio ecológico (zonas REN).

Se por lei, ou por via do Plano Director Municipal, é interdita a construção em determinada zona, por regra, não pode o terreno situado nessa zona ser valorizado como solo para construção. Fazê-lo seria violar a lei e atribuir-se ao bem a expropriar um valor que ele não tem, não se obtendo, desse modo, a justa indemnização, sabido que esta há-de ter em conta o valor real dos bens de acordo com o seu destino efectivo ou possível num aproveitamento económico normal (artigo 23º, nº 1 do CE), e que o valor do solo apto para construção calcula-se por referência à construção que nele seria possível efectuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor (artigo 26º, nº 1, do CE).

Vindo assente que a parcela expropriada se insere na Zona Florestal 1 de acordo com o PDM do concelho de Viseu (nº 4 da matéria de facto provada), não está, pois, localizada em zona classificada pelos instrumentos de ordenamento do território municipal como zona urbana ou urbanizável, pelo que parece que assistirá razão à recorrente. Mas não!

O regulamento do PDM de Viseu, publicado no D.R. n° 291, I - Série B, de 19/12/2005, vigente à data da publicação da DUP, prevê no n° 1 do art. 39° referente ao uso permitido na Zona Florestal 1 que “O uso permitido será predominantemente florestal, sendo permitida a construção de edificações ou de instalações relacionadas com as seguintes áreas ou actividades: a) Edificações de habitação unifamiliar, reconstrução e ampliação de edificações; b) Instalações de apoio exclusivamente agrícola ou de apoio à produção florestal; c) Instalação agro-pecuária; d) Edificações referentes ao turismo rural, turismo de habitação e unidades de exploração hoteleira; e) Instalações industriais; f) Instalações comerciais ou de armazenagem.”.

Isto é, o PDM prevê que a zona onde se insere a parcela tenha aptidão construtiva, mas limitada dado que no nº 3 do mesmo artigo estabelece como a área mínima da parcela para a construção de habitação unifamiliar a de 10.000m2.

O prédio do qual foi desanexada a parcela expropriada tinha apenas 7.260m2 pelo que, então, não seria possível construir nele. Acontece que, de acordo como o artigo 42° do mesmo PDM de Viseu, “As disposições constantes do espaço florestal I referentes aos n°s 1, alíneas a) (salvo quanto à reconstrução e ampliação de edificações de natureza habitacional), c), d), e) e f) e 2, alíneas d) e e) do artigo 39° (...) não serão aplicáveis desde que as mesmas se encontrem inseridas em UOPG 1.”, em que se inserem as zonas urbana e periurbana de Viseu (art. 22º, nº 1, al. a) do PDM), daqui parecendo resultar o afastamento das restrições próprias da Zona Florestal 1, particularmente a da área mínima, tendo assim a parcela potencialidade edificativa.

Ora, a parcela encontra-se integrada na Unidade Operativa de Planeamento e Gestão 1- UOPG1 (cfr. decisão arbitral fls. 68 a 71, respostas do perito da expropriante a fls. 157/158, laudo maioritário a fls. 171/182, e facto acima assente com o nº 18), pelo que nada impede que se considere o solo com uma muito próxima, ou efectiva, potencialidade edificativa, e assim se reconheça o acerto da classificação feita na decisão arbitral, por unanimidade, no laudo maioritário de avaliação pericial, e na sentença recorrida.

Será isto que fará compreender a forte expansão urbana que os factos provados evidenciam ocorrer na zona com os diversos equipamentos industriais, desportivos, e urbanos que já referimos, e a localização tão próxima de importantes núcleos urbanos, o de Repeses em cujo limite sul o terreno expropriado se situa e o de Paradinha a 800 m[8].

Do que decorre que a localização da parcela a expropriar em área definida pelo PDM como Zona Florestal não lhe retira, só por si, a possibilidade de poder ser classificada como solo apto para construção[9].

Por isso, verificadas estas condições, os proprietários da parcela poderiam ter expectativas legalmente fundadas quanto “à sua muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa”.

Desnecessária e deslocada nos parece a abordagem feita na sentença à aplicação extensiva ou analógica da norma do n° 12 do art. 26° do CE[10], por vezes utilizada em alguma jurisprudência para fundamentar a atribuição de aptidão construtiva a solos inseridos em RAN/REN, por se entender tratar-se de situação equivalente ao espaço florestal, uma vez que a realidade apurada nestes autos não apresenta alguma similitude, nem aqui se dispõe de dados que possam conduzir a tal juízo[11].

Deste modo, nenhum reparo merece a indemnização arbitrada, que se mantém, a qual foi posta em causa pela apelante no recurso apenas no pressuposto de que a parcela expropriada deveria ser classificada, para cálculo da indemnização, como “solo para outros fins “, o que não sucede, pelas razões já aduzidas.

Concluindo, improcede a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

ª

            Sumário a que alude o nº 7 do art. 713º do CPC:

I - Um solo apto para construção é aquele que apresenta condições materiais e jurídicas que permitam a construção, não tendo essa potencialidade edificativa, necessariamente, de ser imediata, podendo, outrossim, ser muito próxima.

II - Quando a lei estabelece no nº 2 do art. 25º do CE o conjunto de infra-estruturas para considerar o solo apto para a construção fá-lo numa perspectiva não de impor que o terreno expropriado delas esteja dotado, ou sequer por elas marginado, mas de que pelo menos tenha a possibilidade de se servir de tais infra-estruturas porque existam nas proximidades e o seu alcance e utilização, também sob o ponto de vista técnico, seja óbvio e simples.

III - A distância em metros que as separa do terreno expropriado será sempre um factor a ponderar mas não tem de ser decisivo. Só caso a caso se relevará do seu peso, em função das características do local (facilidade ou dificuldade de acesso às mesmas), da parcela expropriada e do tipo de construção urbanístico viável.

IV – Não se pode afirmar não dispor de rede de saneamento a parcela expropriada que se situa a 50m do supermercado LIDL, a 120m de instalações industriais, a cerca de 200m de um loteamento urbano já com duas moradias unifamiliares em uso há vários anos, e a cerca de 700m de um complexo de piscinas, com fácil acessibilidade às redes de saneamento já instaladas e em funcionamento para aqueles empreendimentos.

V - A localização da parcela a expropriar em área definida pelo PDM como Zona Florestal não lhe retira, só por si, a possibilidade de poder ser classificada como solo apto para construção.

ª


III – DECISÃO


Nos termos e com os fundamentos expostos acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso e consequentemente altera-se a decisão recorrida nos seguintes termos:

1. O facto nº 17 passa a ser o seguinte conteúdo: “A parcela está inserida numa vasta área de terreno, já com uma edificação junto da estrema nascente e com acesso a partir de um caminho público, com pavimento revestido a betão betuminoso e com algumas infra-estruturas básicas. “

2. No mais mantém-se a sentença recorrida.

Custas pela apelante.


Gregório Silva Jesus (Relator)
Martins de Sousa
Regina Rosa


[1] Sublinhado nosso.
[2] Alves Correia, As Garantias do Particular na Expropriação Por Utilidade Pública, pág. 128.
[3] Ac. RP, de 04/07/2007, Proc. nº 0733513, no ITIJ
[4] Ver art. 9.º/2-a) da Lei 48/98 (Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e do Urbanismo), arts. 18º/2, al. b), 69.º/2 e 72º/2, al. b), do DL 380/99, de 22.9 (regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial).
[5] O perito da expropriante nas suas respostas identifica-a como sendo uma construção unifamiliar.
[6] Muito embora a matéria de facto seja omissa acerca da sua existência, não é permitido pensar que equipamentos dessa natureza estejam a funcionar sem rede de saneamento.
[7] Neste mesmo sentido e perfilhando até critérios bem menos exigentes se pronunciaram a Relação do Porto nos Acórdãos de 10/10/96, Proc. nº 9630760, de que se conhece apenas o sumário disponível no ITIJ – “IV - Havendo, num raio de 500 metros da parcela de terreno expropriado, construções para indústria e habitação e sendo ela integrada em zona de franca expansão habitacional e industrial, deve a mesma parcela integrar-se na categoria de solo apto para construção, embora junto à mesma só exista rede pública de energia eléctrica. “ -, e de 5/05/09, Proc. nº 25/05.0TBARC.P1, no ITIJ, e a Relação de Coimbra no Acórdão de 28/11/06, Proc. nº 695/04TBGRD.C1, também no ITIJ – “IV. Da conjugação da alínea a) do nº2 do artigo 25º com os nºs 6 e 7 do artigo 26º do Código das Expropriações de 1999, resulta que deve classificar-se como terreno apto para construção aquele que disponha apenas de acesso rodoviário, sem pavimento em calçada, betuminoso ou equivalente. “.
[8] Que, como os Srs. Peritos maioritários esclarecem, até são naturalmente geradores de influência positiva no valor corrente de mercado.
[9] Neste sentido, mas fundamentando-se na aplicabilidade directa do art. 25º, n.º 2, al. a) do CE, por verificação de todos os seus elementos, e secundarizando a este título os Planos Directores Municipais, se vem pronunciando de forma crescente a jurisprudência, de que são exemplo os acórdãos da Relação do Porto de 13/05/08, no Proc. nº 0821286, que cita outras decisões anteriores, e de 16/10/08, no Proc. nº 0832197, ambos no ITIJ.
[10] Em rigor, se bem a interpretamos, nem é da mesma que se extrai a decisão final proferida.
[11] Recorda-se que um dos pressupostos da aplicação desta norma é que os solos sejam previamente classificados como aptos para construção, deixando de o ser por força de um posterior plano municipal de ordenamento do território.
A razão de ser da norma é evitar as “classificações dolosas do solo ou a manipulação das regras urbanísticas por parte dos planos municipais “, pelo que só pode abarcar “ aqueles solos que, se não fosse a sua classificação como “ zona verde ou de lazer “ (e, agora, também a sua reserva para a implantação de infra-estruturas e equipamentos públicos) por um plano municipal de ordenamento de território, teriam de ser considerados como solos “ aptos para construção “, atendendo a um conjunto de elementos certos e objectivos, relativos à localização dos próprios terrenos, às suas acessibilidades, ao desenvolvimento urbanístico da zona e à existência de infra-estruturas urbanísticas, que atestam uma aptidão ou uma vocação objectiva para a edificabilidade “ (cfr. Alves Correia, na RLJ ano 133º, pág.53 e 54).
Como se referiu no Acórdão desta Relação de 13/11/07, Proc. nº 1197/05.9, consultável no ITIJ, “O art. 26º, nº12 do CE funciona, exactamente, como “válvula de escape” do sistema, permitindo que os solos que reúnam os requisitos a que alude o art. 25º, nº 2 do CE, mas que sejam, posteriormente à sua aquisição, classificados por plano municipal de ordenamento como zona verde, de lazer ou “espaços canal”, possam ser avaliados em função da sua evidente potencialidade edificativa “.