Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3170/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. GARCIA CALEJO
Descritores: CERTIFICADO DE DENOMINAÇÃO REGISTADA NO ESTRANGEIRO
RAZÕES PARA O SEU EVENTUAL INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 12/02/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Área Temática: D.L. N° 129/98, DE 13/5
Legislação Nacional: ART. S 33°, 34° E 66° DO D.L. N° 129/98, DE 13/5
Sumário:
I - Uma firma registada no estrangeiro só poderá registar essa firma ou denominação em Portugal caso tal firma não seja susceptível de confusão com outras firmas ou denominações já registadas neste País .
II - Face ao preceituado no art. 10°, n° 3, do C. S. Comerciais e no art. 33°, n.º 1 do D. L. n.° 129/98, deve-se afirmar que não é possível registar uma firma (mesmo já registada no estrangeiro) que possa ser confundida com outra já registada em Portugal.
III - Se existir confusão com firmas já registadas em Portugal não poderá usar-se tal firma ou denominação original (princípio da novidade da denominação).
Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
I- Relatório:
1-1- Hevea BV, com sede em Kanaalstraat Osstzijde, Postbus 1, 8100 AA Raalte, Holanda, representada por Planeta Plástico, S.A., com sede no Alto do Vieiro, Leiria, notificada do indeferimento do recurso hierárquico relativo ao pedido de certificado de admissibilidade de firma ou denominação apresentado, nos termos do art. 66º do DL 129/98 de 23/5, requereu, junto do Juiz de Direito do Tribunal Judicial de Leiria, recurso contencioso do Director Geral dos Registo e Notariado, pedindo, em síntese, que a firma/nome que pretende seja aceite ( Helvea B.V.- Sucursal em Portugal) não é, pela sua própria natureza, confundível com nenhum nome de sociedades portuguesas, razão por que a recusa da firma/nome nos termos pretendidos implica uma violação do direito de livre estabelecimento, nos termos explanados.
1-2- O Director Geral dos Registos e do Notariado contestou, remetendo a sua posição para o aduzido no despacho de sustentação proferido em sede de recurso hierárquico que deu como reproduzido.
Neste, em síntese, considerou que o princípio da novidade das firmas se aplica igualmente às sucursais de sociedades estrangeiras que se pretendam estabelecer em Portugal, sendo também certo que as denominações em causa são confundíveis com as de firmas já registadas em Portugal, razão do seu entendimento em manter o despacho recorrido.
1-3- O Mº Juiz proferiu decisão, tendo considerado improcedente o recurso, mantendo, consequentemente, o despacho de indeferimento recorrido.
1-4- Não se conformando com esta sentença, dela veio recorrer a Requerente Hevea B.V. paro este Tribunal da Relação, recurso que foi admitido como apelação e com efeito devolutivo.
1-5- A recorrente alegou, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões úteis:
1ª- O registo do nome/firma “Helvea B.V.- Sucursal em Portugal” não deveria ter sido recusado, pois tal registo em nada viola o disposto no art. 33º e 34º do Del-Lei 129/98 de 13/5.
2ª- A recorrente não pode constituir em Portugal uma sucursal com outro nome/firma que não seja o indicado.
3ª- Pelo facto do vocábulo “Hevea” corresponder ao elemento diferenciador da recorrente a nível mundial, esta não pode dissociar-se do nome/firma pretendido, sob pena de estar a enganar os consumidores, desrespeitando o princípio da veracidade.
4ª- A recorrente opera mundialmente no fabrico e comércio de calçado de borracha e afins desde a sua constituição na Holanda em 1-5-35, sempre com o sinal distintivo de comércio “Helvea B.V.”
5ª- Pelo art. 8º da Convenção de Paris, a Helvea B.V goza de protecção de nome comercial em todos os países da União, ou seja também perante a Hevea, unipessoal Ldª que surge em 1945 e perante a Heveafil ( Portugal ), Comércio de Borracha Ldª que surge em 1990.
6ª- Acrescendo o facto de a recorrente ser a legítima proprietária da marca internacional Hevea, registada com o nº 235.374.
7ª- Não é pelo facto de duas ou mais firmas conterem elementos comuns, que a individualização deixa de ser possível de se fazer.
8ª- O que importa é que tal diferenciação seja possível ser feita por um cidadão medianamente informado, sendo que no caso em apreciação, não existem quaisquer elementos que impossibilitem um cidadão comum, informado e cauteloso, de fazer uma diferenciação da “Helvea B.V., Sucursal em Portugal” da Hevea, unipessoal, Ldª e da Hevesfil ( Portugal ), Comércio de Borracha Ldª.
9ª- Ao analisar uma denominação social, não se poderá apenas atender ao vocábulo principal, mas ao conjunto de vocábulos que integram a denominação.
10ª- Acresce que a proibição de semelhança de firmas não é absoluta, mas somente relativa, pois se assim não fosse não faria sentido falar-se num juízo de confundabilidade.
11ª- O espírito da lei, impõe que se faça uma análise relativamente à susceptibilidade de confusão tendo em consideração que no mundo comercial, dado o limite de vocábulos e à necessidade de definir o objecto social no nome/firma, as firmas terão obrigatoriamente de possuir vocábulos comuns e consequentemente terão de ser semelhantes.
12ª- “Hevea” é o nome científico da borracha, o que demonstra a impossibilidade de tal vocábulo ser afastado do nome/firma que se pretende.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, com revogação da decisão recorrida, admitindo-se o registo do nome/firma “Hevea B.V., Sucursal em Portugal” ou em alternativa “Hevea B.V.Portugal”.
Corridos os vistos legais, há que apreciar e decidir.
II- Fundamentação:
2-1- Uma vez que o âmbito objectivos dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas ( arts. 690º nº1 e 684º nº 3 do C.P.Civil ).
2-2- Com vista à decisão, consideramos assentes as seguintes circunstâncias de facto:
a) A ora recorrente Hevea B.V., junto do Registo Nacional de Pessoas Colectiva ( RNPC ), deduziu um pedido de certificado de admissibilidade para efeitos de registo comercial, da denominação “Hevea B.V., Portugal”, ou, em alternativa, “Hevea B.V., Sucursal em Portugal”.
b) Por despacho de 15-3-2001 foi indeferido, por confundabilidade com Hevea Ldª ( com sede em Lisboa e actividade classificada na rubrica 620970 da CAE Rev. 73 - comércio da retalho de borracha e plásticos em folhas, tubos e seus artefactos ) e com Heveafil ( Portugal ), Comércio de Borrachas Ldª, com sede em Valongo e objecto na “fabricação e comércio de produtos de borracha, incluindo a importação e exportação de tais produtos e matérias primas necessárias à prossecução da actividade”.
c) A ora recorrente recorreu hierarquicamente para o Director Geral dos Registo e Notariado, mas a sus pretensão foi-lhe, igualmente, indeferida.
d) Novamente inconformada, recorreu, agora contenciosamente, para o Juiz da Comarca de Leiria que, pela douta sentença recorrida, lhe indeferiu o pedido.
e) Desta sentença recorreu agora para este Tribunal da Relação, através do recurso agora em apreciação.--------------------------------------
2-3- Na douta sentença recorrida, a pretensão da ora recorrente, foi-lhe indeferida por se considerar a confundabilidade do nome proposto pela requerente com o nome ou denominação de outras firmas já registadas em Portugal.
Como se viu, a ora recorrente pretende registar o nome “Hevea B.V., Portugal”, ou, em alternativa, “Hevea B.V., Sucursal em Portugal”.
Nos despachos e decisão recorrida considerou-se que estas denominações eram susceptíveis de serem confundidas com as firmas já registadas de Hevea Ldª e de Heveafil ( Portugal ), Comércio de Borrachas Ldª.
Nos termos 34º nº 1 do Dec-Lei 129/98 de 13/5 “a admissibilidade de firmas ou denominações registadas no estrangeiro está sujeita à prova desse registo e à não susceptibilidade de confusão com firmas ou denominações já registadas em Portugal”.
Quer isto dizer e para o que aqui importa, que uma firma registada no estrangeiro, só poderá registar a sua firma ou denominação em Portugal, caso esta não seja susceptível de confusão com firmas ou denominações já aqui registadas.
No que respeita à confundabilidade das firmas estabelece ainda o art. 10 º nº 3 do C.S.Comerciais que “as firmas e as denominações devem ser distintas e não susceptíveis de confusão ou erro com as registadas no mesmo âmbito de exclusividade, mesmo quando a lei permita a inclusão de elementos utilizados por outras já registadas”.
Ainda no mesmo sentido, estabelece o art. 33º nº 1 daquele Dec-Lei que “as firmas e denominações devem ser distintas e não susceptíveis de confusão ou erro com as registadas ou licenciadas no mesmo âmbito de exclusividade, mesmo quando a lei permita a inclusão de elementos utilizados por outras já registadas, ou com designações de instituições notoriamente conhecidas”.
Portanto face a estas disposições, dúvidas não temos em afirmar que não é possível registar uma firma que possa ser confundida com outra já registada em Portugal. O mesmo sucede em relação a firmas registadas no estrangeiro, pois estas, como já dissemos, só poderão conservar a sua firma ou denominação, caso esta não seja susceptível de confusão com firmas ou denominações já registadas em Portugal. Se existir confusão com as firmas já registadas em Portugal, não poderá usar a sua firma ou denominação original.
Somos em crer que a própria recorrente aceita este princípio da novidade da denominação, princípio que pretende assegurar às firmas uma função diferenciadora.
Com o que a recorrente essencialmente discorda é que, no caso vertente, haja possibilidade de confundabilidade entre as denominações que propõe e as denominações já registadas em Portugal indicadas nos despachos e decisão recorridas.
Sobre o conceito de confundabilidade estabelece o art. 33º nº 2 do mencionado Dec-Lei, que “os juízos sobre a distinção e a não susceptibilidade de confusão ou erro devem ter em conta o tipo de pessoa, o seu domicílio ou sede, a afinidade ou proximidade das suas actividades e o âmbito territorial destas”.
As denominações em confronto são, por um lado “Hevea B.V., Portugal”, ou “Hevea B.V., Sucursal em Portugal” e pelo outro, “Hevea Ldª” e “Heveafil (Portugal), Comércio de Borrachas Ldª”.
Como se vê existe nas denominações da ora recorrente e nas firmas já registadas o mesmo vocábulo, que é o “Hevea”. Este é precisamente o elemento preponderante em todas as denominações. Inclusivamente em relação à “Hevea Ldª”, a denominação pretendida é absolutamente idêntica à já registada, no seu elemento dominante “Hevea”. Ou por outras palavras, as duas denominações são caracterizadas exactamente pelo mesmo elemento distintivo, isto é pelo vocábulo “Hevea”. Acresce que, quer o objecto da requerente, quer o desta sociedade, são análogos ( ambos estão ligados à fabricação e comércio de borracha ), o que ainda reforça a confundabilidade das firmas, para o comum dos cidadãos. Parece-nos evidente que uma das firmas é susceptível de ser tomada pela outra e vice-versa.
Portanto, não vemos como se possa entender que não existe confundabilidade entre as denominações em causa.
Ainda a este propósito, defende a apelante que não é pelo facto de duas ou mais firmas conterem elementos comuns, que a individualização deixa de ser possível de se fazer. Acrescenta que o que importa é que tal diferenciação seja possível ser feita por um cidadão medianamente informado, sendo que no caso em apreciação, não existem quaisquer elementos que impossibilitem um cidadão comum, informado e cauteloso, de fazer uma diferenciação da “Helvea B.V., Sucursal em Portugal” da Hevea, unipessoal, Ldª e da Hevesfil ( Portugal), Comércio de Borracha Ldª.
Em relação a estas suas afirmações, diremos que duas e mais firmas podem, na verdade, ter elementos comuns. O próprio art. 33º nº 1 já mencionado contempla essa hipótese ( ao dizer “mesmo quando a lei permita a inclusão de elementos utilizados por outras já registadas” ). O essencial é que as denominações não sejam susceptíveis de confusão ou erro entre as firmas, o que como já se disse, não sucede no caso dos autos. Repetimos, somos em crer, dada a similitude entre as denominações já salientadas e acrescendo o facto de, quer o objecto da requerente, quer o da sociedade “Hevea Ldª”, serem análogos ( ambos estão ligados à fabricação e comércio de borracha ), a hipótese de erro entre as duas ainda se amplia.
Aceitamos que ao analisar-se uma denominação social, não se poderá apenas atender ao vocábulo principal, mas ao conjunto de vocábulos que integram a denominação. Mas observando as denominações integrais em confronto, não vemos que estejam a salvo, pelas razões já ditas, de um juízo de confundabilidade.
Sustenta ainda a apelante que não pode constituir em Portugal uma sucursal com outro nome/firma que não seja o indicado. Isto porque o vocábulo “Hevea” corresponde ao elemento diferenciador da recorrente a nível mundial, sob pena de estar a enganar os consumidores e consequentemente desrespeitando o princípio da veracidade.
Em relação a esta objecção diremos que o princípio da verdade ou da veracidade, é um dos princípio a que devem obedecer os elementos componentes das firmas e denominações, de forma a que não possam induzir em erro sobre a sua identificação, natureza ou actividade do seu titular ( art. 32º nº 1 do Dec-Lei 129/98 ). Mas evidentemente que esta circunstância não é de molde a fazer excluir a verificação do princípio da novidade a que nos referimos acima. As firmas e denominações para poderem ser aceites, terão que obedecer ao princípio da verdade mas também ao da novidade. Basta violarem qualquer destes princípios para não poderem ser aceites.
Posto isto podemos já concluir que a objecção da apelante perde vigor, já que não belisca em nada o que acima dissemos em relação ao princípio da novidade.
Questão diversa é a de se saber se, ao não utilizar o vocábulo “Hevea” (alegadamente, seu elemento diferenciador a nível mundial ), a recorrente estará a enganar os consumidores, violando o princípio da verdade.
Somos em crer que também aqui a recorrente carece de razão. É que não vemos como a impossibilidade de colocar na denominação social o vocábulo “Hevea” (e no fundo é só este que foi colocado em causa pela evidente confundabilidade com a denominação das firmas já registadas ) pode induzir em erro alguém sobre a identificação, natureza e actividade do seu titular. Aliás nem sequer vemos que o termo “Hevea” tenha em português um significado ou um conteúdo específico. De resto, nem sequer está provado, nem tão pouco é facto notório, que o vocábulo em causa seja conhecido a nível mundial como elemento diferenciador da requerente. A nosso ver, o que o princípio da verdade visa impedir é que nos elementos das firmas e denominações constem termos falsos ou mentirosos ( que possam criar nos espíritos dos fornecedores e consumidores dúvidas, interrogações e enganos ), como por exemplo, numa firma de comércio colocar-se a palavra “indústria” ou numa firma que tenha por objecto a transformação de borracha colocar os vocábulos “papéis reciclados”. Ora nada disto sucede com a impossibilidade de uso, na denominação social, do vocábulo em causa. De resto, temos dificuldades em conceber de que forma a impossibilidade de usar esse termo pode violar o princípio em causa. Só a inclusão inexacta de um ou mais vocábulos é que, a nosso ver, é susceptível de violar tal princípio. Tal não sucede com omissão de um termo, pois aqui somente se poderá sustentar que a denominação é escassa ( no sentido da identificação, natureza ou actividade do seu titular ), mas já não mentirosa.
Sustenta depois a apelante que opera mundialmente no fabrico e comércio de calçado de borracha e afins desde a sua constituição na Holanda em 1-5-35, sempre com o sinal distintivo de comércio “Helvea B.V.” Pelo art. 8º da Convenção de Paris, a Helvea B.V goza de protecção de nome comercial em todos os países da União, ou seja também perante a Hevea, unipessoal Ldª que surge em 1945 e perante a Heveafil (Portugal ), Comércio de Borracha Ldª que surge em 1990. Acrescendo o facto de a recorrente ser a legítima proprietária da marca internacional Hevea, registada com o nº 235.374, em 6-9-60.
Pela primeira vez aqui, a apelante chama à liça a Convenção de Paris. Antes, concretamente, aquando do recursos hierárquico e contencioso, para além das normas já mencionadas do Dec-Lei 129/98, a recorrente apenas apelou ao Tratado de Roma.
Independentemente de a Convenção de Paris lhe permitir ou não a protecção de nome comercial em todos os países da União, o certo é que a apelante não prova ( e aqui e agora também não é o momento de demonstrar ) que é a legítima proprietária da marca internacional “Hevea”, registada com o nº 235.374 em 6-9-60 e que, como tal, lhe deveria ser reconhecida protecção do nome comercial em todos os países da União. Este seria assunto que deveria ter sido levantado junto do RNPC, para então, se se entendesse ser o caso, poder efectuar as provas necessárias. Neste momento, isto é, em sede de recurso, a pertinente prova é, obviamente, impossível. De resto, é também absolutamente gratuito dizer-se que a ora recorrente opera mundialmente no fabrico e comércio de calçado de borracha e afins desde a sua constituição na Holanda em 1-5-35, sempre com o sinal distintivo de comércio “Helvea B.V.”, já que também estas circunstâncias se revelam de todo improvadas.
Quer isto dizer que também aqui a recorrente carece de razão.
Defende, por fim, a apelante que “Hevea” é o nome científico da borracha, o que demonstra a impossibilidade de tal vocábulo ser afastado do nome/firma que se pretende.
Falta de razão da apelante é aqui evidente, pois se todas as firmas que tivessem como finalidade a industrialização ou comercialização de borracha tivessem que ter essa denominação, a confusão que se estabeleceria entre elas seria colossal.
III- Decisão:
Por tudo o exposto, nega-se provimento ao recurso, mantendo a douta sentença recorrida.
Custas pela apelante.