Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
450/08.4GAVGS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: RECURSO
MATÉRIA DE FACTO
PRAZO
Data do Acordão: 12/10/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VAGOS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REJEITADO
Legislação Nacional: ARTIGOS 411º,414 Nº 2, ART. 420 Nº 1 AL. B), CPP.
Sumário: O recorrente para poder beneficiar do prazo de 30 dias não basta dizer na motivação que no recurso se “impugna a decisão sobre a matéria de facto”, ou que se pretende “que o Venerando Tribunal da Relação realize um reexame do manancial fáctico produzido”.
Decisão Texto Integral: =DECISÃO SUMÁRIA=
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Efectuado exame preliminar dos autos e, analisada a questão prévia suscitada na resposta, afigura-se-nos que o recurso é extemporâneo (interposto fora de tempo) –art. 414 nº 2, pelo que é de rejeitar, art. 420 nº 1 al. b), ambos do CPP, pelo que se profere decisão sumária nos termos do art. 417 nº 6 als. a) e b) do mesmo diploma.
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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferida sentença que, julgou procedente a acusação (com alteração da qualificação jurídica comunicada) deduzida pelo Magistrado do Mº Pº contra o arguido:
D..., casado, trabalhador de estufas, nascido a 27-09-1970, natural da Ucrânia, residente em 3840-000 Gafanha da Boa Hora.
Sendo decidido:
- Julgar a acusação provada procedente (com a alteração da qualificação jurídica oportunamente comunicada) e em consequência condenar o arguido pela prática de uma contra-ordenação muito grave de condução de veículo sob influência de álcool, sendo a TAS superior a 0,8 g/l- infracção prevista e punida pelos arts. 81°, nºs 1 a 3, e 5, al. b), 146°, al. j), e 147°, nºs 1 e 2, do Código da Estrada:
- Na coima de € 600 (Seiscentos Euros); e
- Na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de dois meses.
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Desta sentença interpôs recurso Magistrado do Ministério Público, formulando as seguintes conclusões na motivação do mesmo, e que delimitam o objecto:
1. Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
"1. No dia 23 de Agosto de 2008, cerca das 03.43 horas, D..., aqui arguido, conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula 00-00-HC na Rua Principal n.º 141, Gafanha da Nazaré, área da Comarca de Vagos, com uma taxa de álcool no sangue registada de 1.26 g/l, correspondente a uma taxa efectiva de pelo menos 1,17 g/l..
2. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, sabendo que não podia conduzir veículos automóveis na via pública com essa taxa de alcoolemia.
3. Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
4. Nada consta do seu certificado de registo criminal.
5. O arguido é titular de carta de condução há cerca de 10 anos.
6. É casado.
7. Vive sozinho no nosso País.
8. O arguido é trabalhador de estufas e aufere o ordenado de cerca de € 430 mensais ".
2. Na mesma sentença, considerou-se quanto aos "factos não provados" que:
"Provaram-se todos os factos com relevo para a decisão da causa, não havendo, por isso, factos não provados a enunciar".
3. Na "motivação da convicção do Tribunal" escreveu-se que:
"O Tribunal formou a sua convicção com base no teor do talão do alcoolímetro de flsd. 12, no depoimento da testemunha inquirida e em relação aos factos objectivos também nas declarações do arguido. Para a convicção do Tribunal de que o arguido conduziu com uma TAS de, pelo menos, 1,17 g/l, foi aplicada à taxa registada pelo aparelho alcoolímetro (1,26 g/l) a margem de erro máximo admissível, ao abrigo do disposto na Portaria n° 748/94, de 13 de Agosto, tendo ainda em consideração a Circular do Conselho Superior de Magistratura n° 101/2006 de 7 de Setembro de 2006, pela qual as margens de erro foram consideradas aos Tribunais Judiciais".
4. E na sentença proferida nos autos, o Mmo Juiz a quo julgou a acusação provada e procedente (com a alteração da qualificação jurídica oportunamente comunicada) e, em consequência, condenou o arguido, D..., pela prática de uma contra-ordenação muito grave de condução de veículo sob influência de álcool, sendo a TAS superior a 0,8 g/l - infracção prevista e punida pelos artigos 81.°, nºs 1 a 3, e 5, alínea b), 146.°, alínea j), e 147.°, n.ºs 1 e 2, do Código da Estrada, na coima de € 600 (seiscentos euros) e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de dois meses e nas custas do processo.
5. Porém, face à prova recolhida nos autos, entendemos que o ponto 1. dos factos provados (reproduzido na conclusão 1.), na parte em que dá como provado que o arguido conduzia "com uma taxa de álcool no sangue registada de 1,26 g/l, correspondente a uma taxa efectiva de pelo menos 1,17 g/l", foi incorrectamente julgado.
6. Com efeito, no que se refere ao concreto valor da taxa de álcool no sangue (TAS) com que o arguido conduzia, os autos contêm os seguintes elementos probatórios:
- o auto de notícia de fls. 7 e 8, do qual consta, como facto verificado pelo agente autuante, a submissão do arguido ao exame pesquisa de álcool no sangue, por utilização de aparelho "Drager", modelo "7110 MKIII P", série n.º ARPN\­0069, em harmonia com o despacho de aprovação do modelo n.º 211.06.96.3.30, publicado no DR n.o 233, IIr Série, 25SET96, despacho complementar n.º 211.06.97.3.50, publicado no DR n.º 54, III Série, de 05MAR98, autorização de utilização n.º 00l/D.G.V./alc./98, o qual detectou uma TAS de 1,26 g/l, bem como, que o arguido declarou não desejar ser submetido a exame de contraprova;
- a notificação do arguido, efectuada nos termos do artigo 153, n.º 2, do Código da Estrada, da qual constam os elementos de identificação, aprovação e autorização de utilização do alcoolímetro supra referidos, bem como a referência ao resultado por ele revelado de uma TAS de 1,26 g/l , a referência ao direito de requerer a realização de contraprova e a declaração do arguido no sentido de não pretender efectuá-la (fls. 11);
- o talão emitido pelo alcoolímetro, do qual consta a identificação do mesmo (modelo e número de série), a assinatura do arguido e a do autuante, o local e hora do exame, o volume e o tempo de exalação, e o resultado de "1,26 g/l TAS" (fls. 15);
- as declarações do arguido, em sede de audiência de discussão e julgamento, que apenas refere ter bebido 5 cervejas e que não pensava que tal quantidade de álcool viesse a revelar uma taxa tão elevada (02m:50s a 04m:45s do CD de gravação);
- o depoimento do agente autuante que apenas confirmou ter efectuado, primeiro, o teste qualitativo e, de seguida, o quantitativo, com o aparelho "Drager", como era costume (06m:07s a 06m:59s do mesmo CD).
7. De resto, não foi posta em causa a aprovação do aparelho utilizado no exame de pesquisa de álcool no ar expirado, nem as condições normais de utilização desse aparelho, nem tão pouco o procedimento de fiscalização adoptado pelo agente de autoridade que a ele procedeu, pelo que as provas concretas enunciadas na conclusão que antecede impõem decisão diversa da recorrida.
8. Face a tais meios probatórios, e aos factos que deles é permitido extrair, deveria ter sido dado como provado que:
" No dia 23 de Agosto de 2008, cerca das 03:43 horas, D..., aqui arguido, conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula 00-00-HC na Estrada Municipal 592, na Praia da Vagueira, área da Comarca de Vagos, com uma taxa de álcool no sangue de 1,26 g/l.
O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, conhecendo as características da sua viatura e do local onde conduzia e sabendo que tinha ingerido bebidas alcoólicas e que tinha aquela taxa de álcool no sangue e, não obstante isso, quis conduzir nas referidas circunstâncias, Mais sabia que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.
Nada consta do seu certificado de registo criminal.
O arguido é titular de carta de condução há cerca de 10 anos.
É casado,
Vive sozinho no nosso País,
O arguido é trabalhador de estufas e aufere o ordenado de cerca de € 430 mensais ",
9. Isto porque o arguido foi submetido a exame de medição da concentração mássica de álcool, por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado pelo arguido, realizada no aparelho "Drager", modelo "7110 MKIII - P", o qual foi aprovado pelo Instituto Português da Qualidade, I.P., e autorizada a respectiva utilização pela extinta Direcção Geral de Viação, actual Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, conforme despacho n.º 12 594/2007, da Direcção-Geral de Viação, de 16 de Março de 2007 (Diário da República, II série, n. ° 118, de 21 de Junho de 2007).
10. Não prevendo a lei qualquer margem de erro para os resultados obtidos pelos analisadores quantitativos de avaliação do teor de álcool no sangue, em que são utilizados aparelhos certificados, e não existindo quaisquer elementos de prova que suscitem dúvidas sobre a fiabilidade do aparelho concreto usado no exame, ou que infirme o valor detectado, deve considerar-se como assente o resultado por ele obtido, sem dedução de qualquer margem de erro.
11. As margens de erro admissíveis, invocadas na sentença recorrida como factor indutivo da convicção do Tribunal para considerar provado que o arguido conduziu com uma taxa de, pelo menos, 1,17 g/l, previstas na Portaria n.º 748/94, de 13 de Agosto já revogada à data da prolação da sentença pela Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro) e veiculadas pela Circular do Conselho Superior da Magistratura n.º 101/2006, de 7 de Setembro, apenas são aplicáveis aos actos de aprovação de modelo dos instrumentos de medição, primeira verificação e verificação periódica, mas já não à "correcção" dos valores registados pelos aparelhos, pois que, uma vez aprovados, os valores detectados são fiáveis para os efeitos legais que produzem.
12. Além do mais, o Tribunal apenas está sujeito à lei, pelo que a "instrução" transmitida pela, extinta, Direcção Geral de Viação, não se poderá impor às autoridades judiciárias, e muito menos pode uma Circular, emanada do Conselho Superior da Magistratura, constituir meio de prova que deva ser tomado em consideração pelo julgador na assumpção e formação do seu juízo conviccional.
13. Acresce ainda que, nos termos do disposto nos artigos 170, n.º 4, do Código da Estrada, a prova obtida através de aparelhos ou instrumentos aprovados, nos termos legais e regulamentares, fazem fé em juízo, até prova em contrário, pelo que, constituindo prova pericial preconstituída, está subtraída à livre apreciação pelo julgador que, dela discordando, terá de fundamentar a divergência, nos termos do disposto no artigo 163, n.º 2, do Código de Processo Penal.
14. Ao considerar como provado que o arguido conduzia com uma taxa registada de 1,26 g/l e com uma taxa efectiva de, pelo menos, 1,17 g/l, fundamentando tal decisão de facto, no talão de alcoolímetro junto aos autos, sem fazer constar dos factos não provados a taxa detectada de 1,26 g/l, e desvalorizando a taxa detectada face à taxa corrigida sem fundamentação de facto e de direito, a sentença recorrida padece de contradição insanável da fundamentação e desta com a decisão, vício esse previsto no artigo 410.°, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal.
15. Por outro lado, ao considerar como provado um valor inferior ao resultado detectado pelo alcoolímetro identificado, e não decorrendo dos autos, nem da fundamentação da decisão recorrida, que tenha sido produzida prova susceptível de pôr em causa a fiabilidade daquele resultado, e ao considerar como meio de prova elementos externos ao processo cujo teor não é concretamente explicitado e discutido, ocorre o vício de erro na apreciação da prova, previsto no artigo 410.°, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal.
16. Ainda que assim se não entenda, sempre a sentença recorrida terá violado o princípio da legalidade (ao admitir como meio de prova o teor de um despacho/circular, em violação da actividade probatória vinculada e permitida aos sujeitos processuais) e o princípio do contraditório (por ter feito intervir no processo de formação da sua convicção um factor de indução cognitiva não admitido e escrutinado em audiência).
17. Por todo o exposto, a sentença recorrida violou os artigos 3.°, n.º 2, 32.°, n.º 5, 203.° da Constituição da República Portuguesa, os artigos 170.°, n.º 1 a 4 do Código da Estrada, o artigo 347.° do Código Civil, os artigos 69.°, n.º 1, alínea a) e 292.°, n.º 1, do Código Penal, e os artigos 9.°, n.º 1, 127.°, 163,° e 355,°, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Fez, ainda, errada aplicação do direito, apelando para a Portaria nº 748/94, de 13 de Agosto, já revogada, e aplicou, erradamente, o artigo 8.° do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria n° 1556/2007, de 10 de Dezembro.
18. Além do mais, os elementos constantes dos autos permitem revogar a decisão sobre a matéria de facto provada neste âmbito, sem necessidade de se determinar o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do artigo 426,°, n.º 1 (a contrario) do Código de Processo Penal, bastando, para tanto, a modificação da matéria de facto, em conformidade com a conclusão 8. supra, nos termos do disposto no artigo 431.°, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal.
19. Por todo o exposto, entendemos que, face aos meios probatórios recolhidos nos autos e aos factos que, por meio deles, se revelaram, designadamente, que o arguido conduzia com uma TAS de 1,26 g/l, deverá ser julgada provada e procedente a acusação deduzida contra o arguido e, em consequência, ser o mesmo condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez previsto e punido pelo artigo 292.°, nº 1, do Código Penal.
20. Perante aquela condenação do arguido, entendemos também que lhe deve ser aplicada uma pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 1 0,00 (dez euros), perfazendo o total de € 500,00 (quinhentos euros).
21. E, ainda, a pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, pelo período de 4 (quatro) meses, nos termos do artigo 69, n.º 1, alínea a), do Código Penal.
Nestes termos e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que, face aos factos dados como provados, condene o arguido pela prática do crime pelo qual se encontra acusado nos termos expostos.
Foi apresentada resposta pelo arguido que conclui:
- Pela extemporaneidade do recurso;
- Caso assim se não entenda, pela improcedência do recurso e manutenção da sentença.
Nesta Relação, o Ex.mº PGA emitiu parecer, referindo a tempestividade do recurso porque “atinente à matéria de facto”, e quanto á questão de fundo, sustenta a procedência do recurso.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir:
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São os seguintes os factos que o Tribunal recorrido deu como apurados, e motivação dos mesmos:
II - FUNDAMENTAÇÃO
A) De facto
1) Factos provados
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
1- No dia 23 de Agosto de 2008, cerca das 03:43 horas, D..., aqui arguido, conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula 00-00-HC na Rua Principal n.º 141, Gafanha da Nazaré, área da Comarca de Vagos, com uma taxa de álcool no sangue registada de 1,26 g/l, correspondente a uma taxa efectiva de pelo menos 1,17 g/l.
2- O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, sabendo que não podia conduzir veículos automóveis na via pública com essa taxa de alcoolémia.
3- Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
4- Nada consta do seu certificado de registo criminal.
5- O arguido é titular de carta de condução há cerca de 10 anos.
6- É casado.
7- Vive sozinho no nosso País.
8- O arguido é trabalhador de estufas e aufere o ordenado de cerca de € 430 mensais.
2) Factos não provados
Provaram-se todos os factos com relevo para a decisão da causa, não havendo por isso factos não provados a enunciar.
3) Motivação da convicção do Tribunal
O Tribunal formou a sua convicção com base no teor do talão do alcoolímetro de flsd. 12, no depoimento da testemunha inquirida e em relação aos factos objectivos também nas declarações do arguido. Para a convicção do Tribunal de que o arguido conduziu com uma TAS de pelo menos 1,17 g/l, foi aplicada à taxa registada pelo aparelho alcoolímetro (1,26 g/l) a margem de erro máximo admissível, ao abrigo do disposto na Portaria nº 748/94, de 13 de Agosto, tendo ainda em consideração a Circular do Conselho Superior de Magistratura nº 101/2006 de 7 de Setembro de 2006, pela qual as margens de erro foram consideradas aos Tribunais Judiciais.
Relativamente às condições pessoais e sócio-económicas do arguido, o Tribunal atendeu às suas declarações, as quais se afiguraram sinceras.
Finalmente, quanto aos antecedentes criminais, foi decisivo o certificado de registo criminal junto aos autos.
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O direito:
As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o objecto do recurso.
A questão suscitada no recurso prende-se com a aplicação oficiosa do EMA quando da utilização em concreto do aparelho alcoolímetro, ou seja, importa saber se o EMA constitui simples factor de correcção considerado no momento de Aprovação de Modelo [AP]; de Primeira Verificação [PV] e de Verificação Periódica [VP], ou também quando da utilização em concreto.
Porém, há que decidir a questão prévia suscitada na resposta, e cuja procedência obsta ao conhecimento do objecto do recurso
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Questão prévia:
Alega o arguido na resposta que o recurso foi extemporaneamente interposto.
Vejamos:
O julgamento em processo sumário foi efectuado e a sentença depositada, em 26-08-2008.
Relativamente a este tipo de processos, os actos decorrem durante as férias judiciais, art. 103 nº 2 al. c) e 104 e 104 nº 2 do CPP, na redacção dada pela Lei 48/07.
O requerimento de interposição do recurso, acompanhado da motivação e conclusões deu entrada na secretaria do Tribunal, em 25-09-2008, ou seja, no trigésimo dia após o depósito da sentença.
Nos termos do art. 411 do CPP, o prazo de recurso é de 20 dias e conta-se a partir do depósito da sentença na secretaria, nº 1 al. b).
Excepcionalmente, o prazo pode ser elevado para 30 dias se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada (sublinhado nosso).
Não se pode confundir recurso da matéria de facto com reapreciação da prova gravada.
E, para o recorrente poder beneficiar do prazo de 30 dias não basta dizer na motivação que no recurso se “impugna a decisão sobre a matéria de facto”, ou que se pretende “que o Venerando Tribunal da Relação realize um reexame do manancial fáctico produzido”.
Como vem referido na motivação do recurso, “Conforme se referiu, para a determinação do concreto valor da TAS com que o arguido conduzia, o Tribunal, partindo da TAS detectada pelo alcoolímetro distingue a taxa registada (1,26 g/l), da taxa efectiva (1,17 g/l), e julga, esta última, como facto provado.
Porém, na motivação da decisão de facto o Tribunal afirma que formou a sua convicção com base no teor do talão do alcoolímetro de fls. 12, (por lapso notório, porquanto o referido documento mostra-se junto a fls. 15), no depoimento da testemunha inquirida, e em relação aos factos objectivos, também nas declarações do arguido.
Ora, o teor do talão do alcoolímetro de fls. 15 menciona expressamente que, num volume de ar exalado de 2,2 litros, durante 8,2 segundos, foi quantificado o resultado de 1,26 gramas de álcool por litro de sangue do examinado.
Essa é a TAS ínsita no auto de notícia, como facto verificado pelo órgão de polícia criminal (cfr. fls. 7 e 8)”.
Ora, a taxa de álcool no sangue é medida pelo aparelho próprio e aprovado, e não por depoimentos de arguido ou testemunhas, assim que se tem por irrelevante para o caso o facto de na motivação ser referido o depoimento do arguido de ter apenas ingerido o conteúdo de 5 cervejas e pensar que não atingia taxa tão elevada, ou o depoimento da testemunha (agente autuante) que nada disse quanto à taxa apurada.
Assim, que o recurso não tinha por objecto a reapreciação da prova gravada, mas tão só o entendimento expresso na motivação da sentença e supra referido de que havia que operar o desconto da margem de erro máximo admissível de acordo com a tabela publicitada pela Direcção Geral de Viação, porque tal tabela foi publicitada por “Circular do Conselho Superior da Magistratura, nº 101/2006 de 7 de Setembro de 2006, pela qual as margens de erro foram consideradas aos Tribunais Judiciais”.
Assim, que o recurso deveria ter sido interposto no prazo normal dos recursos em matéria penal e que é de 20 dias.
Sendo interposto no 30º dia é manifesto que foi interposto fora de tempo.
Assim, e apesar de entendermos quanto ao objecto do recurso, como nele vem exposto (apesar da divergência verificada nesta Relação assim como noutras –é matéria não pacífica), a extemporaneidade do mesmo, dada a procedência da questão prévia, obsta ao conhecimento da questão do recurso.
Nos termos do art. 420 do CPP, o recurso deve ser rejeitado se se verificar causa que devia determinar a sua não admissão nos termos do art. 414 nº 2 do mesmo Código.
E o art. 414 nº 2 diz que o recurso não é admitido quando interposto fora de tempo.
E, o facto de o recurso haver sido admitido não vincula este Tribunal, conforme art. 414 nº 3 do CPP.
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Decisão:
Face ao exposto decide-se em rejeitar o recurso trazido pelo recorrente Magistrado do Ministério Público, por se ter como extemporâneo.
Sem custas.
Coimbra, 10 de Dezembro de 2008
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