Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | SERRA LEITÃO | ||
Descritores: | CRÉDITO LABORAL HIPOTECA GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS COM ESSAS GARANTIAS | ||
Data do Acordão: | 01/28/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL DO TRABALHO DE TOMAR | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 377º, Nº 1, AL. B), DO CÓDIGO DO TRABALHO, E 751º DO C. C. | ||
Sumário: | I – No domínio da legislação anterior ao actual Código do Trabalho, era entendimento dominante na doutrina e na jurisprudência que o crédito hipotecário com registo anterior prevalecia sobre os créditos dos trabalhadores decorrentes da violação e/ou cessação do vínculo laboral.
II – O actual Código do Trabalho, que entrou em vigor em 1/12/2003, veio estabelecer um novo regime relativo aos privilégios creditórios dos créditos emergentes de contrato laboral e/ou da sua violação, nos quais se têm de incluir os resultantes da indemnização por antiguidade (privilégio imobiliário especial sobre bens móveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade) – artºs 377º, nº 1, al. b), e 751º do C. Civ.. III – Estando penhorado um imóvel onde se localizava o local de trabalho do trabalhador exequente, sobre o qual incide uma hipoteca, esta tem que ceder perante o referido privilégio a favor do trabalhador/exequente – artº 751º do C. Civ.. IV – Neste domínio, é regra a aplicação retroactiva das leis relativas ao regime dos privilégios creditórios. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da Secção Social do T. Relação de Coimbra Por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa que A… e B… instauraram contra “C…” veio D… reclamar créditos contra a executada alegando: - ser a reclamante dona e legítima possuidora do prédio urbano composto de barracão que serve de fábrica de curtumes com a área de 80 m2 e logradouro com 50 m2 - por o ter adquirido mediante escritura pública de compra e venda - a qual foi objecto de uma acção judicial tendo como pedido a declaração de nulidade do acto de compra e consequentemente ser ordenado o cancelamento da inscrição a favor da reclamante - cujo registo provisório caducou - através de escritura de cessão de créditos celebrada em 27/1/07, foram cedidos à ora reclamante, créditos detidos pelo E… sobre a firma e F… resultantes de empréstimos por estes contraídos junto do referido Banco - Tais créditos estavam garantidos por hipoteca registada pela inscrição C-2 - Por escritura de 26/1/07 o E... cedeu à ora reclamante os créditos no valor de € 99.759, 58 - Acompanhado de todos os direitos, garantias e acessórios a eles inerentes, nomeadamente a hipoteca inscrita na descrição do prédio como C-2 - Tendo ainda a reclamante um crédito no montante de € 170. 193, 70 reconhecido judicialmente por sentença proferida em 6/2/07, pelo T. J. Alcanena - O Sr. Solicitador de Execução citou o E... quando deveria ter citado a reclamante, visto esta agora deter uma garantia real - Tendo o E... enviado à ora reclamante pelo correio em 31/3/08 a referida citação - A ora reclamante só teve conhecimento da mesma em 1/4/08 Terminou concluindo que a reclamação deveria ser recebida e consequentemente serem reconhecidos e pagos: 1- o Crédito de e 99. 759, 58 com garantia real resultante da cessão de créditos do E... à ora reclamante 2- O crédito de € 170. 193, 70, quantia essa que está em dívida e reconhecida por sentença de 6/2/07, transitada em julgado em 22/2707 Cumprido o disposto no artº 866º nº 2 do CPC, não foi deduzida qualquer reclamação. Proferiu-se então sentença de graduação de créditos que o fez da seguinte forma: - em primeiro lugar a quantia exequenda relativa a créditos laborais - em segundo lugar o crédito da reclamante garantido por hipoteca sobre o imóvel descrito sob a verba nº 1 do auto de penhora de fls. 30 e 31 do processo executivo, crédito esse no montante de € 99. 759, 58. Discordando apelou a reclamante alegando e concluindo: 1-O presente recurso vem da sentença proferida nos presentes autos em 5/6/08 a fls. que julga parcialmente verificado o crédito da ora recorrente, graduando o crédito exequendo relativo a créditos laborais em primeiro lugar, sendo o crédito da ora recorrente graduado em segundo lugar 2- Em 18/5//95 foi constituída hipoteca a favor do G..., sobre o prédio urbano destinado a fábrica de curtumes, inscrito na matriz predial da freguesia de Vila Moreira sob o artº 49º e descrito na CRP de Alcanena sob o nº 583º da referida freguesia 3- O crédito hipotecário foi transmitido ao E… por efeito de transferência de património 4- Em 26/1/07 o E... cedeu à ora recorrente os créditos que detinha na sociedade C..., acompanhado de todos os direitos e garantias a ele inerentes, nomeadamente a supra referida hipoteca 5- Passando a ora recorrente a ocupar o lugar de credor com garantia real sobre o imóvel, tendo-lhe sido transmitidos todos os direitos , nomeadamente a hipoteca sobre o imóvel que tinha sido constituída em 1995 6- Pelo que a ora recorrente goza de direito real sobre o imóvel constituído antes do crédito exequendo dos trabalhadores da referida sociedade 7- Tanto mais que a sociedade C…., foi dissolvida e liquidada em 2005 8- Conferindo ao credor/recorrente o direito de ser pago sobre os demais credores nos termos do artº 686º do CPC 9- Prevalecendo o direito inscrito em primeiro lugar, ou seja o da recorrente, aplicando-se o princípio da prioridade do registo consagrado no artº 6º do CR Predial 10- O disposto na LSA não pode prevalecer sobre o estabelecido no CRP, uma vez que este é anterior àquela e não foi por ela revogada, nos termos do disposto no artº 7º do CCv aplicável por força do disposto no artº nº 1 a) do CPT 11- Foram assim violados pela sentença ora recorrida os artºs 7º, 604º, 686º, 693º, 733ºº, 735º do CCv, 868º do CPC, 377º do C.T. e 1º 1 a) do CPT Contra alegaram os exequentes defendendo a justeza da sentença em crise. Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, tendo o Ex. mo SR. PGA nesta Relação, emitido douto parecer no sentido da respectiva improcedência, cumpre decidir DOS FACTOS É a seguinte a factualidade a ter em conta 1- Por sentença proferida em 7/1/98 e transitada em julgado em 2/2/98 foi C…. condenada a pagar aos seus trabalhadores B… e A…, respectivamente as quantias de 3.000.7514$00 e de 3.67914$00, a título de salários em atraso e indemnização por antiguidade, quantias essas acrescidas de juros de mora legais. 2- No processo executivo subsequente (374.C/1997) foi penhorado o seguinte imóvel:” Prédio Urbano composto de barracão que serve de fábrica de curtumes com a s.c. de 160 m2, uma dependência de dois andares com 80m2, 1º e 2º andares com 2 divisões e 11 vãos, logradouro com 50 m2” (fls. 78/79). 3- Em 18/5//95 foi constituída hipoteca a favor do G..., sobre este mesmo prédio que se encontra inscrito na matriz predial da freguesia de Vila Moreira sob o artº 49º e descrito na CRP de Alcanena sob o nº 583º da referida freguesia, 4- O crédito hipotecário foi transmitido ao E… por efeito de transferência de património 5- Em 26/1/07 o E... cedeu à ora recorrente os créditos que detinha na sociedade C…, acompanhado de todos os direitos e garantias a ele inerentes, nomeadamente a supra referida hipoteca 6- Passando a ora recorrente a ocupar o lugar de credor com garantia real sobre o imóvel, tendo-lhe sido transmitidos todos os direitos , nomeadamente a hipoteca sobre o imóvel que tinha sido constituída em 1995 7- Era no imóvel em causa que os trabalhadores/exequentes exerciam a sua actividade profissional, por conta da executada DO DIREITO Sabe-se que é pelas conclusões das alegações, que se delimita o âmbito da impugnação - artºs 684 nº 3 e 690 nº1 ambos do CPC. Pelo que no caso concreto cumpre apenas resolver se o crédito hipotecário da apelante deve ter preferência sobre o crédito exequendo. Vejamos então: Nos termos do artº686º nº1 do CCv (de que serão todos os artºs a partir de agora mencionados sem indicação de origem), a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registos. Por seu turno o artº 733º define privilégio creditório como sendo a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros. E o artº735º nº1 define estes privilégios em mobiliários e imobiliários, sendo que os primeiros podem ser gerais ou especiais e os segundos são sempre especiais (nºs 2 e 3 do mesmo artº). Todavia e por força do disposto no artº 12º nº 1 da L. 17/86 de 14/6, veio atribuir aos créditos emergentes de contrato individual de trabalho previstos naquela lei não só o privilégio mobiliário de que já gozavam (artº 737º nº 1 d.) mas também de privilégio imobiliário geral. Por seu turno a L. 96/01 de 20/8 veio estender este regime a todos os créditos emergentes de contratos de trabalho ou da sua violação (artº 4º nº 1). Sabe-se a dificuldade de interpretação que estas normas causaram no que concerne ao lugar de graduação de tais créditos, mormente no que concerne aos créditos hipotecários. Desde logo porque se falava em “ privilégio imobiliário geral” e só os privilégios especiais é que por força do artº 751º nº1 eram oponíveis a terceiros, preferindo nomeadamente à hipoteca. Por isso a jurisprudência dividiu-se neste ponto tendo mesmo muita dela se inclinado para a preferência do crédito hipotecário, enquanto outra defendia que gozando de privilégio imobiliário sempre os créditos laborais deveriam ser pagos à frente daqueles. E o T. C. veio no fundo a inviabilizar esta última corrente ao vir julgar inconstitucionais, por violação do princípio da confiança ínsito no princípio do Estado Direito Democrático consagrado no artº 2º da CRP – as normas que concediam privilégios imobiliários gerais, se interpretadas no sentido de que tais privilégios preferiam à hipoteca, nos termos do artº 751º do CCv (Acs. 362/02 e 363/02 do TC in DR I-A de 16/10/02, com força obrigatória geral). Porém esse mesmo Tribunal por Ac publicado in DR II de 3/1/04 veio pugnar pela não inconstitucionalidade da norma da alínea b) do nº1 do artº 12º da LSA” na interpretação segundo o qual o privilégio imobiliário geral nela conferido aos créditos emergentes do contrato individual de trabalho prefere à hipoteca”, nos termos do artº 751º do CCv. Considerando que perante uma “ situação de conflito entre um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, o direito dos trabalhadores à retribuição do trabalho e o princípio geral de segurança jurídica e de confiança no direito” a prevalência do direito à retribuição… constitui um “ meio adequado e necessário” à salvaguarda de tal direito… (cfr. P Martinez in C. Trabalho Anotado 5ª ed., págs. 656). Contudo este aresto não veio resolver a questão que ora nos ocupa, pois ali se refere que apenas se aprecia a constitucionalidade da interpretação da norma, mas não a decisão sobre o modo como deve ser feita a graduação de créditos quando estão em jogo créditos hipotecários e laborais. E assim (pelo menos no domínio da legislação vigente antes do C.T.) a posição mais consentânea com a doutrina e jurisprudências dominantes era a de que crédito hipotecário com registo anterior, prevalecia sobre os créditos dos trabalhadores decorrentes da violação e/ ou cessação do vínculo laboral (cfr. p. ex. Acs do STJ de, in Revista nº 272/02 6ª secção, C.J/STJ, X, 1; 71 e X, III, 54 e CJ/STJ, XII, III, 67). Contudo, o C.T. que entrou em vigor em 1/12/03 veio estabelecer um novo regime relativo ao privilégios creditórios do créditos emergentes do contrato laboral e /ou da sua violação, nos quais se têm de incluir os resultantes da indemnização por antiguidade (cfr. a este propósito e na vigência da LSA C.J./STJ VIII, III, 263). Na realidade e de acordo com o disposto no artº 377º nº1 de tal codificação, tais créditos gozam: a) de privilégio mobiliário geral b) de privilégio imobiliário especial sobre bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade. Ora no caso em apreço é indubitável que o imóvel penhorado sob o nº 1( e sobre o qual incide a hipoteca que garante o crédito da reclamante) constituía o local onde os exequentes laboravam. O que significa que, se se entender que esta norma é aplicável, cremos estar fora de dúvida que a hipoteca tem que ceder perante tal privilegio, já que se está perante um privilégio imobiliário especial, tendo pois aqui perfeita aplicação a disciplina constante do citado artº 751º, sendo que como se referiu, o artº 686º já mencionado também faz ceder a hipoteca perante este tipo de privilégios. Só que no caso em apreço os créditos exequendos são muito anteriores à entrada em vigor do C.T. E então coloca-se a questão de se saber se este regime lhes é aplicável. Não desconhecemos que a jurisprudência se encontra neste ponto dividida. Cremos porém que neste domínio é regra a aplicação retroactiva das leis relativas ao regime dos privilégios creditórios. Na verdade como refere A Varela in CCv Anotado , Vol I, 4ª ed., págs., 62 “ a lei que regula em novo termos a garantia patrimonial de determinados créditos aplica-se retroactivamente de acordo com o disposto no artº 12º nº 2 , 2ª parte do CCv “. No mesmo sentido opina Batista Machado, in sobre a aplicação no tempo no novo Código Civil, pág. 127. E também o STJ já por acórdão de 16/4/02,( Proc. SJ003061200015502), seguia a mesma posição, ao analisar o artº 4º da L. 96/01 de 20/8 ( que veio alagar os privilégios constantes da LST a créditos laborais não contemplados naquela lei) ali se escrevendo que “ Constitui entendimento pacífico na doutrina o de que as normas ao modo de realização de direitos – aqui incluídas as respeitantes às garantias e à conservação dos mesmos direitos - são de aplicação imediata, pois que essa aplicação não afecta o fundo ou a substância dos direitos”. E, salvo o devido respeito, não vemos motivo para alterar tal posição, relativamente ao novo regime legal estabelecido no C.T., no que concerne a este tema. Aliás o T. C por recente acórdão datado de 19/6/08, Proc. Nº 74/08 2ª secção, veio afirmar que não sofre de inconstitucionalidade a aplicação retroactiva do referido artº 377º do C. Trabalho, aliás na esteira do citado aresto daquele tribunal O que vale dizer; em nosso modesto entender e não desconhecendo jurisprudência de sinal contrário, que os privilégios creditórios ali previstos se aplicam aos créditos laborais reconhecidos ainda que anteriormente à vigência do C.T.( neste sentido também vai o Ac. Rel. de Coimbra prolatado no Rec 1553/05 de 27/9/05). Em suma: - os créditos exequendos foram reconhecidos antes da entrada em vigor do C.T - Apesar disso deve ser-lhe aplicável o regime legal previsto nesta codificação, nos termos do artº 12º nº2 , 2ª parte do CCv - O imóvel penhorado era aquele onde os apelados exerciam a sua actividade laboral - Assim gozam os créditos de que são titulares de privilégio imobiliário especial ( artº 377º nº1 b) do C.T.) - Logo devem ser graduados preferentemente a um crédito hipotecário, ainda que de registo anterior, conforme determinam os artº 686º e 751º ambos do CCv. - Aliás é esta – salvo o devido respeito - a que melhor se coaduna com o espírito que enforma a nossa C . R. ao “ dar –se prevalência” digamos assim, à realização efectiva do direito dos trabalhadores à sua remuneração relativamente o princípio da confiança e segurança jurídicas. Termos em que e por todo o expendido, confirmando-se a decisão recorrida, se julga improcedente a apelação. Custas pela impugnante. |