Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
195/07.2GBCNT.C
Nº Convencional: JTRC
Relator: GOMES DE SOUSA
Descritores: PROVA
PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO
Data do Acordão: 09/30/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CANTANHEDE – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 127º DO CPP
Sumário: A diversidade das versões não faz, necessariamente, operar o princípio in dubio pro reo. Este pressupõe um juízo positivo de dúvida resultante de um inultrapassável impasse probatório.
Decisão Texto Integral: A - Relatório:

No âmbito do processo comum singular supra numerado do Tribunal Judicial da comarca de Cantanhede, sob acusação do assistente H… foi proferida decisão instrutória a fls. 145 a 147 que pronunciou os arguidos F... e J....

Interposto recurso pelos arguidos para este Tribunal da Relação, veio a ser lavrado acórdão – a 10 de Setembro de 2008 – que não pronunciou F... mas viria a pronunciar J..., casada, empregada de limpeza, e residente na Rua …, imputando-lhe a prática, de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal.


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H... deduziu pedido de indemnização cível nos autos, peticionando o pagamento da quantia de 1.000,00€, a título de danos não patrimoniais sofridos por decorrência do crime. 

A final decidiu a tribunal recorrido:

a) condenar a arguida J..., como autora material de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de 7,50€ (sete euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz a quantia global de 525,00€ (quinhentos e vinte e cinco euros);

b) condenar a demandada J… a pagar ao demandante cível a quantia de 700,00€ (setecentos euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais;

c) condenar a arguida no pagamento das custas criminais do processo, fixando a taxa de justiça em 2 UC’s, acrescida de 1%, para o Fundo de Apoio à Vítima, e a procuradoria em ¼ da taxa de justiça devida;

d) condenar a demandada e o demandante cível no pagamento das custas cíveis do processado, na proporção do respectivo decaimento.


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A arguida, não se conformando com a decisão, interpôs o presente recurso peticionando que se lavre acórdão que revogue a sentença recorrida e a absolva do crime imputado e formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

I - Em julgamento foi produzida prova suficiente de que a testemunha E... não terá presenciado quaisquer factos e por isso não merecedora de qualquer credibilidade.

II - foram incorrectamente julgados os pontos A 5, 6, 8 e 10 dos factos provados da douta sentença;

III- Não resultou suficientemente provado que a arguida tenha proferido concretamente as expressões difamatórias de que vinha pronunciada, dado que nenhuma das testemunhas o declarou de forma espontânea, inclusive o assistente, que até contra o marido da arguida havia acusado como co-autor das mesmas.

IV - resultou provado em julgamento que a arguida proferiu uma expressão diferente da constante da pronúncia e sentença, mas diferente «olha o teu filho, Deus até te castiga por causa da tua língua). Tal expressão foi proferida para a mãe do assistente e não ao assistente.

V - Mesmo que se desse como provadas as únicas expressões reproduzidas pela mãe do assistente de forma espontânea (sem ajuda da ilustre procuradora adjunta) «Olha, estás a ver. Deus castigou-te, deu-te um filho que é um tolo, deficiente» e «Olha para o teu filho, que é um deficiente, um tolo», sempre estaríamos perante uma crime de difamação, o qual não foi objecto da pronúncia ou qualquer alteração substancial dos factos.

VI - Da douta sentença de que recorre, não resulta qualquer razão de desconsideração do depoimento da testemunha G..., que prestou um depoimento isento, credível e espontâneo e em tudo oposto à matéria dada como provada.

VII - Face à prova produzida, deveria no mínimo ter sido suscitada e aplicada a presunção da inocência consagrada constitucionalmente no artigo 32° nº 2 da CRP.

VIII· Houve assim, erro notório na apreciação da prova.

IX - Deverá assim e de acordo com as antecedentes conclusões, ser a douta sentença proferida pelo tribunal a quo ser substituída por outra que absolva a arguida do crime pelo qual foi condenada. 

Nestes termos e nos mais de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida substituindo-se por outra que decida de harmonia com as antecedentes conclusões.


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Notificado da interposição de recurso e da sua admissão a Digna Procuradora junto do Tribunal de Cantanhede respondeu ao mesmo, pugnando pela sua improcedência.

1. Analisando as alegações de recurso, resulta claro que o recorrente o que questiona é o juízo decisório efectuado pelo julgador quanto à apreciação da matéria de facto, o que não se confunde com o invocando erro notório na apreciação da prova, a que alude a al. c) do art. 410° do Cód. Processo Penal, que tem a ver com a possibilidade de sindicar as anomalias ou disfunções emergentes do texto da decisão e, assim, apenas se poderá fazer através da leitura do texto da decisão recorrida, circunscrevendo-se a apreciação da matéria de facto ao que consta desse texto, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum, sem possibilidade de apelo a outros elementos estranhos ao texto, mesmo que constem do processo,

2. A douta sentença recorrida fez uma criteriosa apreciação da prova produzida, não se mostrando esta insuficiente para a matéria de facto dado como provada.

3. O recurso relativo à matéria de facto consiste em saber, tão-só, se em sede de julgamento foi produzida prova bastante que permita acolher a tese defendida pelo julgador ou se existiu um erro evidente na valoração, não visa um segundo julgamento da causa nos mesmos termos em que o faz a 1ª instância.

4. A prova testemunhal não dispensa um tratamento a nível cognitivo por parte do julgador, mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal como a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras da experiência.

5. O Tribunal ao valorar, por forma decisiva, o depoimento do assistente e demais testemunhas de acusação e ao socorrer-se das regras da experiência comum para se convencer que a arguida proferiu as expressões injuriosas em causa dirigidas ao assistente, aplicou eficazmente o princípio da livre apreciação da prova (artigo 127° do C.P.P.).

6. Assim, realizando não uma operação puramente subjectiva e/ou emocional, mas sim uma valoração crítica e racional em conformidade com a lógica e as regras da razão, o Tribunal a quo tornou objectiva a apreciação dos factos.

7. Esta realidade encontra-se plasmada na criteriosa fundamentação da matéria de facto dada como provada, pondo a claro, e por isso sujeita a sindicância, todo o processo lógico que conduziu à objectivação da versão oferecido pelo assistente, postergando, acertadamente, a irracional explicação adiantada pela arguida/recorrente e pelas testemunhas de defesa na parte fulcral dos factos: a prolação das expressões injuriosas em questão dirigidas ao assistente.

8. Em face de todo o circunstancialismo em que se deram os factos, do qual se logrou fazer prova directa, nomeadamente o contexto de más relações de vizinhança existente entre, por um lado, a arguida e o seu marido e, por outro, os pais do assistente, a discussão que a arguida estava a ter com a mãe do assistente, em face da qual este teve necessidade de intervir, a doença de que este padece, devidamente integrados pelas versões apresentadas pelas testemunhas de acusação, levam à conclusão iniludível, em face às regras da experiência comum de vida, que a arguida dirigiu ao assistente as expressões, nos termos doutamente surpreendidos pelo Tribunal a quo.

9. Tais factos, indícios e circunstancialismos, enunciados no exame crítico dos meios de prova efectuado na douta sentença ora sob apreciação, ponderados em conjunto, constituíram uma fonte de convencimento no espírito do julgador e são, em nossa perspectiva, suficientes para alicerçar o entendimento de que a factual idade considerada provada na decisão recorrida não merece censura.

10. Fixada, exemplarmente, a matéria de facto, a condenação do arguido é a decorrência normal do preenchimento dos elementos subjectivos e objectivos do crime de injúrias.

11. Assim, bem andou o Tribunal ao condenar a arguida pela prática do crime de injúrias, não se mostrando por qualquer forma violadas normas jurídicas.

De igual forma o assistente apresentou resposta pugnando para que o recurso seja julgado improcedente, não apresentando conclusões.

Nesta Relação, o Exmº Srº Procurador-geral Adjunto emitiu douto parecer propugnando pela improcedência do recurso.

Observado o disposto no n.º 2 do art. 417º do Código de Processo Penal, o arguido não respondeu.

Foi efectuado o exame preliminar, colhidos os vistos legais e realizada conferência.


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B - Fundamentação:

B.1.a) - Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos:
1) A habitação do assistente H... e de seus pais confina com uma propriedade da arguida J... e marido F...;
2) Já desde há alguns anos que entre a arguida e o seu marido, de um lado, e os pais do assistente, do outro, existem más relações de vizinhança;
3) No dia 7 de Maio de 2007, pelas 18 horas e 30 minutos, quando se encontrava na sua habitação, o ofendido apercebeu-se que estaria a haver uma discussão entre a arguida J... e marido, de um lado, e a sua mãe, do outro, junto à estrema das propriedades;
4) Imediatamente, o assistente se dirigiu para o local para ver o que se passava;
5) Chegado junto de sua mãe, procurou acalmar as partes e, nesse momento, inesperadamente, a arguida J..., de viva voz, na presença de outras pessoas, dirigindo-se ao assistente, entre outras expressões, chamou-lhe «coitado», «deficiente», «tolo» e disse-lhe: «a deficiência que tens foi castigo de Deus e a tua mãe é uma puta»;
6) A arguida proferiu estas imputações com o manifesto e firme propósito de ofender o assistente, como ofendeu, e menosprezá-lo na sua honra, no seu bom-nome, dignidade e consideração, bem sabendo que as mesmas eram injuriosas;
7) A arguida sabia que o assistente é doente do foro neurológico, devido a um grave acidente que sofreu há 3 anos, em virtude do qual padece de um afrouxamento psicomotor;
8) Em consequência dessa conduta, o assistente ficou abalado na sua auto-estima, nervoso, perturbado e paralisado nos movimentos e na fala, tendo sido transportado ao Hospital de Cantanhede nesse mesmo dia;
9) Nos 15 dias subsequentes aos factos, o assistente não saiu de casa, por sentir vergonha da sua incapacidade;
10) A arguida J... agiu de forma livre, voluntária e consciente, com intenção de ofender H..., bem sabendo que a sua conduta era ilícita e criminalmente punida por lei;
11) O demandante é pessoa séria, honesta, respeitada e respeitadora;
12) Fez e faz semanalmente sessões de fisioterapia, tendo vindo a melhorar gradualmente nas suas aptidões físicas e psíquicas;
13) A arguida é casada, vivendo com a sua família em casa própria;
14) Tem dois filhos, sendo que um ainda estuda;
15) É funcionária num matadouro de leitões, auferindo mensalmente a quantia de 530,00€;
16) Fez o 8.º ano de escolaridade;
17) A arguida não tem antecedentes criminais.


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B.1.b) - E como não provados os seguintes:
a) Que é do conhecimento público que o assistente sofre de uma doença do foro neurológico;
b) Que o assistente sofre, concretamente, de um hemi-síndroma piramidal com comportamentos espásmicos do lado esquerdo e de um hemi-síndroma cerebeloso esquerdo;
c) Que a conduta da arguida atrasou a recuperação do assistente.

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B.1.c) - O tribunal recorrido fundamentou a matéria de facto, do seguinte modo:

A convicção do Tribunal, quanto à matéria factual que considerou provada, alicerçou-se na apreciação crítica e articulada de toda a prova produzida em julgamento, à luz das elementares regras da experiência e do senso comum, tendo-se procedido à análise dos depoimentos prestados em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas e demais inverosimilhanças que transpareceram dos mesmos.

Quanto à prova das expressões proferidas pela arguida, referidas no ponto 5.º dos factos provados, o Tribunal atendeu às declarações prestadas pelo assistente e, bem assim, aos depoimentos das testemunhas A… e de E… .

Com efeito, o assistente H... prestou declarações de forma que nos pareceu sincera e objectiva, e que, por isso, nos convenceu, sobretudo quando concatenadas com os depoimentos daquelas testemunhas.

A..., mãe do assistente, porque interveniente na discussão havida com a arguida (e que deu causa à presente factualidade), e E..., primo daquele, porque, à altura, presente em sua casa, presenciaram os factos e relataram-nos ao Tribunal de forma circunstanciada e coincidente, tal como resulta da factualidade provada. Estas testemunhas, pese embora as relações familiares próximas com o assistente, foram convincentes pelo modo franco, coerente e espontâneo como descreveram os factos.

A testemunha D…, pai do assistente, não presenciou os factos, mas, porque se dirigiu para o local logo após os mesmos terem ocorrido, relevou quanto ao estado como o seu filho se encontrava e quanto à ida ao serviço de urgências do hospital, aliás também confirmado pela declaração de fls. 37 dos autos.

O facto constante do ponto 9) dos factos provados resultou dos depoimentos de A... e de D….

F…, fisioterapeuta, porque acompanha o assistente nas suas sessões de fisioterapia, descreveu o estado físico do H... há data dos factos e o seu estado actual.

As testemunhas F... e G..., marido e filho da arguida, respectivamente, atento o que supra se deixou exposto, não lograram convencer o Tribunal quanto ao relato que fizeram dos factos. Na verdade, os seus depoimentos não foram em nada coincidentes com os das testemunhas supra referidas, sendo que, para mais, F... foi atabalhoado, hesitante e impreciso, descredibilizando, ainda mais, o seu depoimento.

Por fim, as declarações da arguida apenas convenceram o Tribunal no que às suas condições pessoais diz respeito e quanto à má relação de vizinhança que mantém com os pais do assistente, sendo que, quanto ao mais, não mostraram consistência nem credibilidade, em face de tudo o que supra se deixou exposto.

Quanto à intenção da arguida em ofender o assistente na sua honra e consideração, resulta a prova da mesma da análise do seu modo de actuação à luz das regras da experiência comum.

No que concerne aos factos não provados, dir-se-á apenas que não foi produzida prova no sentido dos mesmos, não tendo, designadamente, sido junta qualquer declaração médica comprovativa dos hemi-síndromas alegados, nem do atraso na recuperação do assistente relacionado directamente com os factos objecto destes autos.

Por último, refira-se apenas que o documento apresentado pela arguida em audiência de julgamento em nada relevou para apreciação dos factos objecto dos autos”.


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Cumpre conhecer.

B.2 - A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (artigo 412º do Código de Processo Penal), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso.

De acordo com esse dispositivo, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado, sem prejuízo de, mesmo que o recurso se limite à decisão proferida sobre a matéria de direito, se ter de conhecer oficiosamente dos vícios indicados no art. 410°, n.° 2, do mesmo diploma legal.

Por outro lado, entende-se que o recorrente cumpriu, de forma satisfatória, os ónus a que se refere o artigo 412º do Código de Processo Penal.

Em face disto, duas são as questões suscitadas pelo recorrente: o erro notório na apreciação da prova [que se desdobra na alegação de que uma das testemunhas não se encontrava presente no local e na invocação de erro na apreciação da prova quanto aos factos 5), 6), 8) e 10)] e a análise da aplicação do princípio in dubio pro reo. A questão de direito suscitada pelo recorrente (o crime praticado) está, naturalmente, dependente da procedência da alegação de erro na apreciação da prova.

Vejamos então se, no caso em apreço, se verifica a existência dos aludidos vícios.


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B.3 - Convém recordar que o conceito de “erro notório na apreciação da prova”, como vício relevante em processo penal, é segundo a doutrina e jurisprudência mais generalizadas, o que é evidente para qualquer indivíduo de médio discernimento e deve resultar do texto da sentença conjugado com as regras da experiência comum.

O erro na apreciação da prova só pode resultar de se ter dado como provado algo que notoriamente está errado «que não pode ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras de experiência comum, sendo o erro de interpretação detectável por qualquer pessoa.» (Ac. de 12.11.98, no BMJ 481-325).

«Erro notório na apreciação da prova é aquele de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem médio facilmente dele se dá conta.» (Ac. STJ, de 9.12.98, BMJ 482 - 68).

Ora, o recorrente, sobre esta matéria apenas se insurge contra a apreciação que o tribunal recorrido fez das declarações do assistente e de duas das testemunhas.

Ora, estas razões revelam-se manifestamente insuficientes para inquinar a convicção do tribunal recorrido e afirmar a existência de erro notório na apreciação da prova.

A sentença recorrida, ao expressar a análise crítica da prova, contém suficiente fundamentação e não padece de qualquer erro notório na sua apreciação.

Porque, de facto, não há nada de ilógico, irracional, na apreciação feita pelo tribunal recorrido. Aquilo que desta ressalta é que o tribunal recorrido opta, de forma clara e expressa, por uma das duas possíveis posições a tomar na análise dos factos; dúvida ou não dúvida sobre a imputação dos fatos à arguida, eis a questão.

Questão diversa, é saber se ocorreu erro de julgamento em face dessa motivação e da análise das declarações e depoimentos prestados e registados nos autos, considerando que o recorrente recorreu da matéria de facto e cumpriu de forma satisfatória as exigências do artigo 412º do Código de Processo Penal.

Quanto à primeira alegação da recorrente – a afirmação de que a testemunha E... se não encontrava no local – nada o permite afirmar.

Sendo certo que as testemunhas arroladas pela defesa o negam (a sua presença) é certo que outras testemunhas o colocam no local.

Nenhum elemento objectivo ou prova instrumental permite concluir que aquela testemunha se não encontrava o local.

Assim sendo, não é criticável o uso de tal depoimento na fundamentação da convicção do tribunal.

Quanto à prova dos factos provados sob 5), 6), 8) e 10), a insatisfação do recorrente centra-se na maior valoração dada pelo tribunal recorrido às declarações do assistente e aos depoimentos das testemunhas A... (mãe do assistente) e E... (primo do assistente), em detrimento do pouco peso probatório dado às testemunhas arroladas pela arguida, designadamente ao depoimento de G… (filho da arguida).

Quanto a estes pontos de facto que a recorrente considera erradamente apreciados conclui-se da fundamentação de facto do tribunal recorrido que a sua convicção assentou nas declarações do assistente e nos depoimentos das testemunhas A... e E... (v. g. parágrafos 2º, a 4ª da fundamentação).

Ora, reapreciados esses elementos probatórios (declarações e depoimentos) na sua totalidade com recurso às gravações do julgamento, conclui-se que a versão dos factos dada como provada pelo tribunal recorrido está de acordo com aqueles depoimentos, apreciados na sua globalidade. E, destes, não resulta que o tribunal tenha comettido qualquer erro de julgamento.

Deles ressalta que ao tribunal recorrido se apresentaram duas versões opostas e contraditórias, cada uma delas ancorada em diversos meios probatórios de carácter subjectivante (declarações e depoimentos), impondo-se uma opção judicial em função da livre apreciação desses meios probatórios, com recurso à lógica e às regras de experiência comum.

Essa convicção judicial não é, no caso concreto, criticável em sede de erro de apreciação factual.


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B.4 – Isto é, erro não existe, podendo no entanto estar-se em desacordo quanto à conclusão e quanto ao não uso do princípio in dubio pro reo.

Ao tribunal impunha-se uma decisão em função de toda a prova produzida de forma a obter uma verdade judicial, resultado do seu convencimento quanto à verificação dos factos, no caso, a imputação dos factos à arguida.

Questão está em saber se essa verdade judicial, essa probabilidade que roça a certeza existe no caso dos autos ou se, ao invés, não estaremos já no campo de exclusão do “meramente possível”.

Neste campo, a suficiente fundamentação factual do tribunal recorrido permite-nos afirmar (reafirmar, diríamos) que a sua convicção se forma na credibilidade subjectiva atribuída às declarações do assistente e de duas das testemunhas.

Assim, a convicção do tribunal recorrido, fazendo apelo necessário a um convencimento subjectivo, a convicção psicológica de que o assistente está a dizer a verdade, adjuvado pelos restantes referidos elementos, permite afirmar que não é patente, ostensivo, a necessidade de recurso ao princípio in dubio pro reo.

Ou seja, não se revela nos autos que a aplicação do princípio in dubio pro reo se imponha, pois que, avaliada a prova segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, não conduziu à dúvida no espírito do tribunal sobre a existência do facto.

Mais, permite afirmar que o tribunal, numa apreciação positiva sobre o acontecer naturalístico, formulou um juízo para além da dúvida razoável.

O princípio in dubio pro reo, com efeito, «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador» – Cristina Líbano Monteiro, «In Dubio Pro Reo», Coimbra, 1997.

Essa «dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal». Ac. STJ de 25-10-2007, in proc. 07P3170, relator Cons. Carmona da Mota, citando a autora anteriormente citada.

A diversidade das versões expostas não faz, necessariamente, operar o princípio in dubio pro reo. Este pressupõe um juízo positivo de dúvida resultante de um inultrapassável impasse probatório.

Entende-se, portanto, que o tribunal recorrido valorou os meios de prova de acordo com a experiência comum e com critérios objectivos que permitem estabelecer um “substrato racional de fundamentação e convicção”.

Não há, pois, que censurar o tribunal recorrido na apreciação e fundamentação da prova por ele efectuada e pela não aplicação do princípio in dubio pro reo.

Não há, por outro lado, que alterar a posição jurídico-legal assumida pelo tribunal recorrido em função da improcedência das questões de facto que eram suporte das pretensões da recorrente.


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C - Dispositivo:

Face ao exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto e confirmar a douta decisão recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se em 2 (duas) Ucs. a taxa de justiça.

Coimbra, 30 de Setembro de 2009 (processado e revisto pelo primeiro signatário)

João Gomes de Sousa

Calvário Antunes