Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4/12.0TBSCD-F.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: INSOLVÊNCIA
SUSPENSÃO
EXECUÇÃO
APENSAÇÃO
Data do Acordão: 11/13/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE SANTA COMBA DÃO – 1º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 85º, NºS 1 E 2, E 88º, Nº 1 DO CIRE .
Sumário: I – Se na pendência de uma acção executiva, para pagamento de quantia certa, instaurada contra vários executados, tiver sido decretada a insolvência de um dos executados, a execução é automaticamente suspensa e obrigatoriamente apensa ao processo de insolvência, caso tenham sido apreendidos bens que integrem a massa insolvente.

II - O factor de conexão que legitima a apensação é de natureza objectiva (apreensão de bens do insolvente no processo executivo), não sujeito a critérios de oportunidade ou de conveniência.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO


         1.1.- A exequente – B…, SA - instaurou na Comarca de Santa Comba Dão acção executiva, para pagamento de quantia certa, com forma de processo comum ( proc. nº …) contra os executados

         N…

C…

         P…

         S...

         Com base numa livrança avalizada pelos executados, reclamou o pagamento da quantia de € 28.189,95.

         Em 5/8/2011 foi penhorado o crédito do executado C…, correspondente ao reembolso do IRS relativo ao ano de 2010, no montante de € 160,29, com notificação ao executado em 12/8/2011.

         Em 13/12/2011 foi penhorado 1/3 do salário do executado C…, que aufere junto da entidade patronal …, no valor de € 157,08, com notificação (na mesma data) ao executado.

         1.2. - O executado C… foi declarado insolvente por sentença de 4/1/2012, transitada em julgado (proc. nº …).

         1.3. - Por despacho de 31/1/2012, decidiu-se suspender as diligências executivas quanto ao executado declarado insolvente, prosseguindo a execução quanto aos demais.

         1.4. – O processo nº … foi apenso ao processo de insolvência nº …, sendo criado o Apenso C.

         1.5. - A exequente requereu o prosseguimento da execução quanto ao executado declarado insolvente, nos termos e para os efeitos do art.233 CIRE.

         A Administradora de Insolvência veio dizer que pelo facto de o património do insolvente ser constituído pelo remanescente do seu salário, a execução deve prosseguir até ser proferida decisão sobre o pedido de exoneração do passivo restante, após o que a execução deverá ser sustada.

         A exequente (convidada a esclarecer) veio alegar que pretendia dizer que a execução suspende-se quanto ao executado C… e caso o processo seja encerrado por insuficiência de bens, pretende o prosseguimento da execução também contra o insolvente, pelo que requereu (26/4/2012) a desapensação da acção executiva, mantendo translado quanto ao insolvente.

         1.6. - Por despacho de 26/6/2012 decidiu-se:

         “ Pelo exposto e ao abrigo do disposto no art.88 nº1 e 3 do CIRE, determino a suspensão da presente execução relativamente ao insolvente C… até ao encerramento dos autos principais de insolvência, prosseguindo a execução quanto aos demais.

         Mais se indefere a requerida “desapensação” dos presentes autos de execução, por falta de fundamento legal”.

         1.7.- Inconformada, a exequente recorreu de apelação (com subida em separado e efeito devolutivo) com as seguintes conclusões:

         Não houve contra-alegações.


II – FUNDAMENTAÇÃO

         Problematiza-se no recurso o fundamento legal da apensação da acção executiva (proc. nº …) ao processo de insolvência (proc. nº …), no qual foi decretada a insolvência do co-executado C...

         Para a decisão do recurso, porque documentados no processo, relevam os elementos processuais descritos, situando-se a questão no âmbito dos efeitos processuais da sentença de insolvência, que se projectam em processos exteriores ao da insolvência, podendo até envolver pessoas distintas do devedor, mas que visam a protecção da massa insolvente.

         Na verdade, proferida sentença declaratória de insolvência, os bens do devedor integram a massa insolvente e são imediatamente apreendidos, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos seja em que processo for (art.149 nº1 a) CIRE), e confiados a um administrador judicial (art.150 CIRE), pois a massa insolvente abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens que ele adquira na pendência do processo (art.46 nº1 CIRE).

         É que sendo o processo de insolvência de execução universal ou de liquidação em benefício dos credores (art.1º CIRE), estabelece-se o princípio da plenitude da instância falimentar, estando subjacente o princípio da par conditio creditorum, destinado a impedir que algum credor possa, por via distinta do processo de insolvência, obter uma satisfação mais rápida e completa, em detrimento dos restantes credores.

         Os efeitos processuais consistem em quatro providências: a apreensão de certos elementos e bens do devedor integrantes da massa insolvente (arts.36 g) e 149 CIRE); a apensação (arts. 85 nº1, 86, nº1 e 2, 89 nº2 CIRE); a impossibilidade de instauração das acções executivas pelos credores da insolvência (arts.88 nº1 e 89 nº1 CIRE); a suspensão de certas acções (arts.87 nº1 e 88 nº1 CIRE).

         A lei prevê duas hipóteses de apensações: a apensação a requerimento do Administrador de Insolvência, segundo critérios de oportunidade ou conveniência (art.85 nº1 CIRE) e a apensação oficiosa (automática) das acções em que tenha havido qualquer acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente (art.85 nº2 CIRE).

         As execuções instauradas contra o devedor, pendentes à data da declaração de insolvência são automática e imperativamente suspensas, e se houver outros executados apenas prossegue contra eles, conforme prescreve o art.88 nº1 CIRE (cf., por ex., Ac STJ de 25/3/2010 - proc. nº 2532/05), Ac RC de 3/11/2009 - proc. nº 68/08.1TBVLF; Ac RG de 19/1/2012 - proc. nº 3644/11.1TBGMR, disponíveis em www dgsi.pt ).

         Da conjugação dos arts.85 nº2 e 88 nº2 do CIRE resulta o seguinte regime: se houver bens apreendidos no processo executivo, que façam parte da massa insolvente, o processo é obrigatoriamente apenso ao da insolvência; se não existirem bens apreendidos apenas será extraído e remetido para apensação, o translado do processado relativo ao insolvente.

         Na situação dos autos verifica-se que na acção executiva (proc. nº …) foi penhorado o crédito do executado C…, correspondente ao reembolso do IRS relativo ao ano de 2010 e foi penhorado 1/3 do vencimento, logo tem plena aplicação o disposto no art.85 nº2 do CIRE, que impõe obrigatoriamente a apensação.

         Contrariamente ao alegado pela Apelante, não releva, assim, para neutralizar a apensação, a circunstância de, em 26/1/2012, a agente de execução notificar a … para suspender os pagamentos dos salários do executado insolvente, porque tal notificação ocorreu na sequência da declaração de insolvência, e, por outro lado, o facto de conexão que legitima a apensação é de carácter objectivo (apreensão de bens do insolvente no processo executivo).

         Acresce que a penhora não incidiu apenas sobre o vencimento do insolvente, mas também sobre um crédito dele, reembolso do IRS, que a Apelante parece desconsiderar.

E a apensação à insolvência não inviabiliza processualmente o prosseguimento da execução contra os demais executados.

         Por isso, não há fundamento legal para deferir a requerida desapensação, conforme se decidiu no despacho recorrido, que se mantém.

         Síntese conclusiva:

         Se na pendência de uma acção executiva, para pagamento de quantia certa, instaurada contra vários executados, tiver sido decretada a insolvência de um dos executados, a execução é automaticamente suspensa e obrigatoriamente apensa ao processo de insolvência, caso tenham sido apreendidos bens que integrem a massa insolvente;

         O factor de conexão que legitima a apensação é de natureza objectiva (apreensão de bens do insolvente no processo executivo), não sujeito a critérios de oportunidade ou de conveniência.


III – DECISÃO

         Pelo exposto, decidem:


1)

         Julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.

2)

         Condenar a Apelante nas custas.

*

        

Jorge Arcanjo (Relator)

 Teles Pereira

Manuel Capelo