Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3050/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: INTERVENÇÃO PRINCIPAL DE TERCEIROS
DIREITO DE RETENÇÃO
CASO JULGADO
TERCEIROS JURIDICAMENTE INDIFERENTES
Data do Acordão: 11/22/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ALCOBAÇA - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 320º A 329º, E 671º, Nº 1, DO CPC ; 686º, Nº 1, E 755º, Nº 1, AL. F), E 759, Nº 2, ESTES DO C. CIV.
Sumário: I – Os incidentes de intervenção de terceiros são estruturados na base dos vários tipos de interesse na intervenção e das várias ligações entre esse interesse, que deve ser invocado como fundamento da legitimidade do interveniente, e da relação material controvertida desenvolvida entre as partes primitivas .
II – No que concerne à intervenção principal, pode-se dizer que a mesma é caracterizada pela igualdade ou paralelismo do interesse do interveniente com o da parte principal a que se associa , ou seja, reporta-se às situações configuráveis como de litisconsórcio necessário ou voluntário e aquelas que poderiam configurar-se como de coligação activa.

III – A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo .

IV- No caso de incumprimento de contrato-promessa de compra e venda o promitente-adquirente pode beneficiar de direito de retenção sobre o imóvel prometido para satisfação do seu crédito resultante desse incumprimento, nos termos do artº 755º, nº 1, l. f), do C. Civ. , direito este que uma vez reconhecido prevalece sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente .

V – A chamada eficácia relativa do caso julgado material ( em princípio, tal caso julgado só produz efeitos entre as partes ) não constitui uma verdade absoluta, já que situações existem em que ele é também extensivo a terceiros que não intervieram na acção, e daí que em tais situações esses terceiros não possam alhear-se dos efeitos das sentenças transitadas, nomeadamente da definição jurídica que aí se faça da relação material controvertida – são os casos dos chamados terceiros juridicamente indiferentes.

VI – Terceiros juridicamente indiferentes são todos aqueles a quem a sentença não causa qualquer prejuízo jurídico, porque deixa intacta a consistência jurídica do seu direito, muito embora lhes possa causar prejuízo económico, nomeadamente por ser afectada a solvabilidade do devedor .

Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório
1. A..., na qualidade de autor, instaurou contra as rés, B..., e C..., acção declarativa, sob a forma de processo ordinário (a correr termos no 2º juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça, sob o nº 809/04.6TBACB), alegando para o efeito, e em síntese, o seguinte:
Ter a 1ª ré construído nos lotes de terreno para construção, melhor id. no artº 1º da pi, três edifícios para habitação, agrupados num total de 7 blocos (mas que formam uma unidade una e indivisível).
Por contrato escrito, celebrado em 3/2/2003, a 1ª ré prometeu vender ao autor, e este prometeu comprar-lhe, a fracção, tipo t3, sita no r/c esqdº do bloco F, e melhor id. no artº 4 da pi.
Venda essa que seria feita livre de ónus e encargos, pelo preço total de € 100.000, com € 60.000 a serem pagos no acto da assinatura daquele contrato (pagamento esse que o autor efectuou logo, como sinal e princípio de pagamento), e o restante no acto da escritura pública do contrato definitivo, que a 1ª ré se obrigou a celebrar e a marcar até Setembro daquele mesmo ano.
Porém, e sem que o referido contrato prometido tivesse ainda sido realizado, a 1ª ré, por escritura pública celebrada em 17/2/2004, vendeu à 2ª ré os sobreditos lotes de terreno e respectivas construções (de que era proprietária, e entre as quais se encontra a fracção que aquela havia prometido vender ao autor).
Ao proceder de tal modo, a 1ª ré incumpriu definitivamente aquele contrato, tornando mesmo impossível tal cumprimento, sendo certo que ainda que tal fosse possível o autor deixou entretanto de ter qualquer interesse na celebração do negócio prometido (quer devido ao tempo já decorrido sobre a data estipulada para o efeito, quer devido à existência de um arresto e de uma penhora entretanto registados sobre o imóvel em causa, quer ainda porque a D... – que doravante passaremos a identificar como E... -, passou a ameaçar executar as hipotecas voluntárias que se encontram constituídas e registadas a seu favor sobre aqueles imóveis).
Pelo que entende o autor ter o direito não só à resolução do dito contrato-promessa e a exigir a restituição do sinal em dobro, como também à retenção da referida fracção que lhe foi prometida vender (até tal quantia lhe ser paga), e que vem ocupando, desde Maio de 2003, com a autorização da 1ª ré, que lhe entregou a mesma para nela habitar até que fosse celebrada a escritura do negócio definitivo.
Pelo que, em súmula, terminou o autor pedindo que: a) se declare resolvido tal contrato-promessa por culpa exclusiva da 1ª ré; b) se condene esta a pagar-lhe o dobro do sinal entregue, no montante total de € 120.000, acrescido de juros moratórios; c) e se reconheça ao autor do direito de retenção sobre a referida fracção objecto de tal contrato, como parte integrante do sobredito prédio urbano visto no seu todo, e até à satisfação integral do seu crédito.

2. Contestaram ambas as rés.
2.1 No que concerne à 1ª ré – e só a ela aqui nos interessa fazer referência, por ter relevância para o caso -, a mesma defendeu-se por excepção e por impugnação, em termos cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, acabando, no final, por pedir a improcedência da acção e absolvição das rés do pedido.
Porém, aproveitou tal articulado para deduzir incidente de intervenção acessória provocada em relação: a) a Perspectiva – Gabinete de Estudos Topográficos e Engenharia, Ldª; b) ao engenheiro Noé Maria Duarte; c) e à E....
Como fundamento desse chamamento - e na sequência do que, a esse propósito, aduziu em sua defesa na contestação - alegou, em síntese, que no caso de ser vir a entender haver, da sua parte, incumprimento definitivo do aludido contrato-promessa (o que não concede ter existido) então defende, em razão dos factos ali alegados, que tal incumprimento ter-se-á ficado a dever não a si mas antes a uma acção ilícita e concertada daqueles três chamados (tendente a prejudicá-la), o que lhe confere, no caso de vir a ser condenada, o direito de acção de regresso contra os mesmos, como forma de ser compensada pelos respectivos prejuízos que vier a sofrer com tal eventual condenação.
Acção ilícita dos chamados que tem, em síntese, a ver, por um lado, com o facto de os mesmos, de forma concertada, se terem, injustificadamente, recusado a proceder à entrega à 1ª ré do projecto de alterações ao projecto inicial da construção do empreendimento acima aludido e cuja alteração fora determinada pela Câmara Municipal (o que tem sido factor impeditivo da legalização do mesmo, nomeadamente para a sua legalização e, consequentemente, da celebração das escrituras prometidas realizar), e, por outro lado, ainda devido a irregularidades praticadas pela última chamada no que concerne à forma e ao modo como procedeu ao seu financiamento (que, em vez de ser canalizado exclusivamente para a construção do referido empreendimento, acabou por ir sendo desviado para outros fins, nomeadamente para pagamento de dívidas particulares ou pessoais do seu sócio gerente, o que levou à sua descapitalização).
Por fim, interessa ainda realçar que naquele seu articulado a referida ré confirma ter a E... inscritas a seu favor, sob as inscrições C-2, C-3 e C-4, três hipotecas sobre os imóveis acima aludidos para garantia dos seus créditos sobre a 1ª ré.

3. Ao mesmo tempo que replicou àquelas contestações, o autor deduziu ainda, em articulado autónomo, e à luz do artº 325, nºs 1 e 2, do CPC, incidente de intervenção principal provocada em relação àquela E..., e com o fim de passar a intervir nos autos como associada das rés.
Com fundamento de tal chamamento baseou-se, em síntese, naqueles factos aduzidos pela 1ª ré para deduzir aquele incidente a que atrás fizémos referência, e mais concretamente, por um lado, no pretenso comportamento ilícito da chamada que aquela ré invocou (o que lhe causa, desde logo, dúvidas sobre o verdadeiro responsável na relação material controvertida, e que a ser verdade - e tal deverá ser apurado em julgamento - torna a mesma também responsável pelo incumprimento do contrato em causa e daí o interesse que o autor tem em agir também contra ela com vista a acautelar o seu reclamado direito de crédito), e, por outro lado, ainda pelo facto de a mesma, tendo um direito de crédito sobre a 1ª ré resultante de um financiamento “bancário”, ter, para garantia do mesmo, constituído a seu favor as hipotecas voluntárias sobre o prédio por si identificado na pi (no qual se integra a fracção que lhe foi prometida vender), sob as inscrições C-1, C-2, C-3 e C-4 (as quais, muito embora já constando do documento nº 4 que juntou com a pi, confirma agora que ainda não ocorreu o seu distrate), o que faz com que as mesmas possam colidir com o seu invocado direito de retenção que reclama na acção, visando, assim, também acautelar o mesmo.

4. Foi então proferido pelo tribunal a quo o despacho de fls. 104/110 dos autos principais (e que correspondem a fls. 3/9 destes autos), tendo na 1ª parte do mesmo sido admitido o acima referido incidente de intervenção acessória provocada deduzido pela 1ª ré, enquanto na 2ª parte do mesmo foi indeferido, com base nos fundamentos aí aduzidos, o incidente de intervenção principal provocada em relação àquela E..., que fora deduzido pelo autor.

5. Não se tendo conformado com aquela parte do despacho que indeferiu o referido incidente por si deduzido, o autor dele interpôs recurso, o qual foi admitido como agravo, a subir imediatamente, com efeito devolutivo e em separado dos autos principais.

6. Nas correspondentes alegações daquele recurso que apresentou, o autor-agravante concluiu as mesmas nos seguintes termos:
“1. A interveniente é parte legitima porque tem interesse em responder;
2. Esse interesse está no facto de o pedido do recorrente ser, além de outro, o reconhecimento do direito de retenção sobre o prédio ou prédios dos quais a Caixa Agrícola é detentora do crédito hipotecário.
3. A ser concedido o direito de retenção ao recorrente, tal direito confere ao recorrente o direito de receber o seu crédito primeiro que a Caixa Agrícola, pelo que a Caixa Agrícola tem interesse em contradizer.
4.Sobre o prédio identificado em 1, 2º, 3º da p.i., nomeadamente sob as inscrições C1, C2, C3 e C4 da descrição sob o n.º 3359, as inscrições C1, C2, C3 e C4 da descrição sob o n.º 3390; e, as inscrições C1, C2, C3 e C4 da descrição sob o n.º 3391, todas da freguesia de Pataias e da Conservatória do Registo Predial de Alcobaça, existem hipotecas voluntárias das quais a Caixa Agrícola é credora hipotecária que podem colidir com o direito de retenção do recorrente pedido na acção;
5. O direito de retenção do recorrente nos termos do n.º 2 do artigo 759º do C.P.C. prevalece sobre as hipotecas, pelo que, a Caixa Agrícola poderá, querendo, pronunciar-se sobre esse direito de retenção, tendo assim interesse directo em contradizer, assim como, o recorrente tem interesse directo em demandar a Caixa Agrícola.
6. Como julgou o Acórdão de 02.03.2004 do Tribunal da Relação de Coimbra, Col. Jurisprudência 2004, II, pág. 8, a sentença que reconheça um direito de retenção sobre fracção, objecto de um contrato promessa definitivamente incumprido, não é juridicamente indiferente, face à preferência concedida pelo direito de retenção, ao titular de uma hipoteca sobre tal fracção.
7. O direito de retenção concedido ao promitente comprador para quem tiver havido tradição de bem, constitui um prejuízo jurídico para o titular do crédito hipotecário (no caso a Caixa Agrícola) pois a Caixa Agrícola vê colocar-se-lhe à frente um outro crédito com prioridade de pagamento.
8. Para o mesmo acórdão, a sentença que reconheça tal direito de retenção, não faz caso julgado em relação àqueles, juridicamente interessados, e que não hajam tido intervenção no processo em que tal sentença for proferida.
9. Havendo necessidade de, em relação à Caixa Agrícola, se dar a hipótese de se pronunciar sobre o direito de retenção visto o prejuízo jurídico que para si decorrerá, isto é, ver o crédito garantido pelo direito de retenção ficar à frente do crédito hipotecário, e, para o recorrente, a intervenção da Caixa Agrícola assegurará que a sentença faz caso julgado em relação a esta.
10. O recorrente pretende acautelar o seu direito de crédito por incumprimento do contrato promessa, por parte do responsável a apurar em audiência, o qual poderá ser, além da Ré B..., também a Caixa Agrícola, bem como, e mais importante, salvaguardar o seu direito de retenção, face às hipotecas registadas, de forma a que a sentença faça caso julgado em relação à Caixa Agrícola.
11. Nos termos do artigo 325º n.º 1 do C.P.C.:
“Qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.”
Na dedução do incidente “o autor do chamamento alega a causa do chamamento e justifica o interesse que, através dele, pretende acautelar” (n.º 3 do citado artigo).
12. O A. ora recorrente, alegou e justificou o interesse que através da chamada pretende acautelar, isto é, justificou tudo o que aqui atrás se alega nesta alegações.
13. O tribunal “ad quo” violou o preceituado no artigo 325º do C.P.C., e restantes normas aplicáveis.
14. Pelo que, o tribunal “ad quo” deveria admitir e determinar o chamamento da C.C.A.M. de Leiria, CRL.”

7. Não foram apresentadas contra-alegações.

8. A srª juiz a quo, de forma tabelar, sustentou o despacho recorrido.

9. Corridos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.
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II- Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso.
É sabido que são as conclusões das alegações do recurso que delimitam e definem o objecto do mesmo (cfr. artºs 684, nº 3, e 690, nºs 1 e 4, do CPC).
Como resulta de tais conclusões, e bem assim daquilo que supra se deixou exarado, a única questão que importa aqui apreciar e decidir consiste em saber se a srª juíz do tribunal a quo andou ou não bem ao ter indeferido o incidente de intervenção principal provocada deduzido pelo autor, o mesmo será dizer se, in casu, se verificam ou não os pressupostos legais para que tal incidente possa ser admitido?
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2. Os factos
Com relevância para a decisão do recurso, devem ter-se como assentes os factos que acima se deixaram exarados sob os nºs 1 a 4 do ponto I (os quais resultaram das diversas peças processuais e documentos que foram juntos a estes autos).
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3. O direito.
Apreciemos então a sobredita questão.
3.1 Como é sabido, no nosso ordenamento jurídico-processual civil vigora o princípio da estabilidade da instância, e que se traduz na ideia de depois de proposta a acção (que fixa a data o início da instância – artº 267 do CPC) e uma vez citado o réu, deve, doravante, a instância, manter-se a mesma, ou seja, imutável quanto ás pessoas, ao pedido e à causa de pedir (cfr. artº 268 do CPC – diploma esse ao qual nos referiremos sempre que daqui em diante mencionemos somente o normativo sem a indicação da sua origem).
Como acontece quasi sempre com outros, tal princípio, porém, sofre de algumas excepções, ficando uma delas a ver com a sua vertente subjectiva e dentre dela, por ter a ver com o caso em apreço, destaca-se a intervenção de terceiros, ou seja, a instância pode vir no futuro a modificar-se subjectivamente em consequência da dedução de incidentes da intervenção de terceiros (cfr. artº 270 al. a)).
Em termos genéricos, o conceito de terceiro contrapõe-se ao conceito de parte, comportando esta a ideia de pessoa por quem ou contra quem é solicitada, em nome próprio, uma providência judicial tendente à tutela de um direito.
Os incidentes de intervenção de terceiros estruturados na base dos vários tipos de interesse na intervenção e das várias ligações entre esse interesse, que deve ser invocado como fundamento da legitimidade do interveniente, e da relação material controvertida desenvolvida entre as partes primitivas.
E foi precisamente com base nesse tipo de interesses que o no nosso actual ordenamento processual civil (fruto das profundas alterações introduzidas neste domínio pela reforma do CPC/95, ou seja, pelos DLs nºs 329-A/95 de 12/12 e 180/96 de 25/9) tipificou três tipos de intervenção (incidental) de terceiros: a intervenção principal, a intervenção acessória e a oposição (cfr. secção III, e respectivas subsecções I, II e III, do capítulo III do livro III).
No que concerne à intervenção principal – cuja modalidade está em causa nestes autos, e que se encontra prevista e regulada nos artºs 320 a 329 -, pode-se, genericamente, dizer que a mesma é caracterizada pela igualdade ou paralelismo do interesse do interveniente com o da parte principal a que se associa. Terceiro ou interveniente esse que se associa ou é chamado a associar-se a uma das partes primitivas, assumindo o estatuto de parte principal (e daí a designação genérica de intervenção principal), operando-se no processo uma cumulação da apreciação da relação material controvertida delineada pelas partes primitivas, com a apreciação da relação jurídica própria do interveniente substancialmente conexa com a primeira. Conexão essa que era susceptível de ter desencadeado logo ab initio um litisconsórcio ou uma coligação.
Assim, como tal intervenção não ocorreu logo desde o início, a intervenção principal visa, perante uma acção pendente, proporcionar a terceiros (designados por intervenientes) o litisconsórcio ou a coligação com alguma das partes da causa.
Intervenção essa que, assim, tanto pode ser do lado activo como do lado passivo, assumindo o interveniente, no primeiro caso, a posição de co-autor, e, no segundo a posição de co-réu.
Intervenção essa que é espontânea quando resultar da iniciativa do interveniente, caso em que se configura como uma acção intentada pelo interveniente contra o réu ou como defesa contra o autor da acção principal (cfr. artºs 320 e ss).
É provocada se tal intervenção foi promovida pela iniciativa de alguma das primitivas partes da acção (artº 325 e ss). Para mais e melhor desenvolvimento da tema que vimos abordando, vidé, por todos, Salvador da Costa, in “Os Incidentes da Instância, 3ª edição actualizada, Livraria Almedina, pág. 79 e ss”; Lebre de Freitas , in “Código de Processo Civil, anotado, vol. 1º, Coimbra Editora, págs. 561 e ss” e Lopes Cardoso. in “Manual dos Incidentes da Instância em Processo Civil, Livraria Petrony, 2ª ed., pags. 217 e ss”.
3.2 Ora, é precisamente esse último tipo de intervenção que está aqui em causa na apreciação do presente recurso, quando o autor veio requerer intervenção, na causa por si instaurada, da E..., como associada da parte contrária, ou seja, das rés.
Tal intervenção encontra-se concretamente prevista e regulada nos artºs 325 a 329.
De referir antes de mais, e como supra já deixámos assinalado, que, à semelhança do que aconteceu em relação ao demais ordenamento jurídico-processual, também o referido incidente de intervenção principal provocada sofreu profunda restruturação em relação regime anterior, fruto das alterações introduzidas pela reforma de 1995, e das quais resultou a eliminação, com tratamento autónomo, dos conhecidos incidentes de nomeação à acção, de chamamento à autoria e de chamamento à demanda.
Artigo 325 que, sob a epígrafe Intervenção Provocada, preceitua o seguinte:
“Nº 1. Qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
Nº 2. Nos casos previstos no artº 31.º-B, pode ainda o autor chamar a intervir como réus o terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido.
Nº 3. O autor do chamamento alega a causa do chamamento e justifica o interesse que, através deles, pretende acautelar”.
Ora do nº 1 de tal normativo, que deve ser conjugado com o anterior artº 320, resulta, desde logo, que as situações que podem justificar o chamamento de um terceiro para intervir numa causa pendente através do incidente de intervenção principal provocada são aquelas em que o chamado tenha um interesse na causa em moldes idênticos aos que se exigem para alguém que possa intervir espontaneamente ao lado do autor ou do réu, ou seja, aquelas situações configuráveis como de litisconsórcio necessário ou voluntário (artºs 27 e 28) e aquelas que poderiam configurar-se como de coligação activa (artº 30) – mas nunca de coligação passiva, já que tal proibição resulta quer da natureza das coisas, quer do teor do próprio último normativo (vidé, a propósito, e por todos, Salvador da Costa, in “Ob. cit., págs. 90 e 107”; Lebre de Freitas, in “Ob. cit. pág. 561” e Ac. RE de 26/1/2000, in “CJ, Ano XXV, T1 – 298”).
Singelamente, poder-se-á dizer que no litisconsórcio, quer necessário, quer voluntário, a relação material controvertida respeita a diversas pessoas (pluralidade partes). Existe uma unidade de relação jurídica ou obrigação interessando a duas ou mais pessoas. Ou então, no dizer do prof. Alb. dos Reis (in “Código de Processo Civil, Anotado, vol. 3º, pág. 514”), tal situação litisconsorcial pressupõe que a relação jurídica substancial respeita a uma pluralidade de sujeitos, quer no aspecto activo, quer no aspecto passivo, ou nos dois (cfr. ainda Ac. RC de 11/3/98, in “CJ, Ano XXIII, T2, pág. 21). Como resulta do citado artº 28, o litisconsórcio será necessário quando a lei ou o contrato exijam expressamente a presença em juízo de vários interessados na relação jurídica controvertida discutida ou quando a natureza desta reclame tal presença para que a decisão possa produzir o seu efeito útil normal, enquanto, nos termos do disposto no artº 27, o litisconsórcio será voluntário quando a lei ou o contrato consintam que o direito comum seja exercido por um só dos interessados ou que a obrigação comum só a um dos interessados seja exigível.
Já, ao invés, na coligação ocorre uma pluralidade de partes principais unidas no mesmo processo como titulares de diversas relações jurídicas subjacentes ou materiais (cfr. artº 30).
Por outro lado, a reforma do CPC/95 veio, de forma inovadora, consagrar não só, através do artº 31-B, a figura da pluralidade subjectiva subsidiária, como também ampliar, por via do nº 2 do acima citado artº 325, o campo de intervenção dos incidentes de intervenção principal provocada, ao permitir ao autor poder chamar a intervir na acção, como réu, um terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido no quadro daquela pluralidade. Ou seja, da conjugação de tais normativos resulta a possibilidade concedida ao autor, no caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida (apenas surgida no decurso da lide), vir ainda a demandar, a titulo subsidiário (do mesmo ou doutro diferente pedido), terceiros, diversos do réu primitivamente demandado (a título principal). Situação essa (como, aliás, resulta do expresso no respectivo do relatório preambular do supra citado DL nº 329-A/95) que possibilitará, em muitos casos, o suprimento de situações eventualmente configuráveis como de “ilegitimidade” singular, trazendo à causa e direccionando-a contra, a final, o verdadeiro interessado directo em contradizer.
Englobam-se, pois, ali as situações em que o credor ignora, sem culpa sua, a que título ou em que qualidade o devedor interveio no acto a que a acção serve de causa de pedir. Todavia, e como resulta do nº 2 do citado artº 325, impõe-se ao requerente do chamamento que convença das razões da incerteza sobre o titular passivo da relação material controvertida, ou seja, tem logo então de expor os factos consubstanciadores dessa justificada dúvida. Tal ónus imposto ao chamante (de indicar a causa do chamamento e de alegar o interesse que, através dele, pretende acautelar) visam, por um lado, clarificar, de forma liminar, as situações a que o incidente se reporta e, por outro lado, permitir ajuizar com segurança da legitimidade e do interesse em agir de quem suscita a intervenção e de quem é chamado a intervir na causa (vidé, a propósito, Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil, livraria Almedina, pág. 248” e Salvador da Costa, in “Ob. cit., págs. 110 e 111”).
Pelo exposto, e no fundo, pode dizer-se que o direito de intervenção (principal) está relacionado ou tem a ver com a chamada legitimidade das partes, devendo estar em juízo, como partes, os titulares do interesse relevante em discussão na relação controvertida. Qualquer intervenção subsequente na lide de alguma pessoa, como associado do réu – como acontece no caso em apreço - pressupõe (como o escreve o último autor referido, in “ob. cit. pág. 108”) um interesse litisconsorcial no âmbito da relação controvertida, cuja medida da sua viabilidade é limitada pela latitude do accionamento operado pelo autor, não podendo intervir quem lhe seja alheio.
3.3 Posto isto, debrucemo-nos, ainda mais de perto, sobre o caso sub judice, e tendo sempre por base tais considerações de cariz teórico-técnico.
Como resulta do que supra deixámos exarado o autor alicerçou o chamamento, em termos de intervenção principal, em dois fundamentos:
a) O primeiro, feito à luz do disposto no nº 2 do artº 325, por ter sérias dúvidas sobre o verdadeiro culpado ou responsável pelo incumprimento do contrato-promessa que celebrou com a 1ª ré, B..., na sequência do que esta alegou, em sua defesa, na sua contestação.
b) O segundo, feito à luz do disposto no nº 1 do artº 325, por existirem sobre o imóvel, em que se integra a fracção urbana objecto de tal contrato e sobre a qual pretende ver reconhecido o seu direito de retenção, várias hipotecas voluntárias (sob as inscrições C1, C2, C3 e C4) constituídas e registadas a favor da chamada E..., pela 1ª ré, como garantia do seu crédito resultante de empréstimo ou financiamento de capitais, e que, por isso, podem colidir com aquele seu direito, pelo que haverá todo interesse (directo) em o autor a demandar e a chamada em contradizer.
Quanto ao 1º fundamento.
Como resulta do que acima se deixou expresso, a presente acção foi proposta pelo autor alegando ter celebrado com a 1ª ré um contrato-promessa, através do qual, pelo preço de € 100.000, esta última lhe prometeu vender, e ele lhe prometeu comprar, a fracção do imóvel acima identificada. Porém, alegou ainda o incumprimento culposo, por parte da 1ª ré do referido contrato. Incumprimento esse que, no essencial, se terá ficado a dever ao facto de, por um lado, a 1ª ré não ter celebrado o contrato definitivo dentro do prazo a que se obrigara contratualmente e, por outro lado, de, sem o seu conhecimento, ter entretanto vendido todo o imóvel, em que se integra a fracção que lhe prometera vender, à 2ª ré. Situação essa que, no seu entender, coloca a 1ª ré numa situação de incumprimento definitivo (tornando mesmo impossível tal cumprimento), e que, mesmo que assim não se entenda, tais situações (acrescidas do facto ainda de sobre tal imóvel existirem outros ónus registados, tais como uma penhora, um arresto e ainda as hipotecas acima aludidas constituídas a favor da chamada) levaram mesmo o autor a perder todo o interesse na celebração do negócio prometido. E foi com base em tal que o autor acabou por pedir a resolução do referido contrato-promessa, a condenação da 1ª ré a pagar-lhe o montante em dobro do sinal que lhe entregara, acrescida de respectivos juros de mora, e ainda que lhe seja reconhecido o direito de retenção sobre a fracção em causa que habita, com autorização da 1ª ré, até integral pagamento daquele seu crédito que reclama.
Portanto, a causa de pedir em que o autor fez assentar a acção tem a ver com um alegado incumprimento contratual por parte da 1ª ré, ou seja, com o facto de a mesma não ter culposamente cumprido a obrigação a que se vinculara no sobredito contrato-promessa que celebrara com consigo (e que afinal se traduziria em celebrar a escritura de venda definitiva da referida fracção do imóvel de que era proprietária, tal como prometera fazê-lo).
Por sua vez, a 1ª ré na sua contestação, e para o caso que aqui nos interessa, alegou, em síntese, não haver qualquer incumprimento contratual da sua parte. Todavia, para o caso de assim não se entender, defendeu que tal incumprimento se ficou a dever a terceiros, e nomeadamente à chamada E..., por se recusar, por um lado, a entregar-lhe, sem qualquer motivo justificado, o projecto de alterações que foi feito ao projecto inicial da construção do empreendimento em causa, e do qual se encontra na sua posse (o que tem sido factor impeditivo da legalização do mesmo e, consequentemente, da realização das escrituras prometidas realizar), e, por outro lado, ainda devido a irregularidades praticadas pela referida chamada no que concerne à forma e ao modo como procedeu ao seu financiamento (que em vez de ser canalizado exclusivamente para o aludido empreendimento, acabou por ir sendo desviado para outros fins, nomeadamente para pagamento de dívidas particulares ou pessoais do seu sócio gerente, o que levou à sua descapitalização e a dificuldades na conclusão do referido empreendimento).
Ora, perante tal, verifica-se, por um lado, que a relação jurídica controvertida em que assenta acção está claramente definida, não ocorrendo nenhuma situação de litisconsórcio, necessário ou voluntário, que justitifique a intervenção da chamada para se associar às rés, e, por outro - e foi esse fundamento invocado para o referido chamamento -, que, face ao exposto, não existem dúvidas sobre o sujeito passivo daquela relação controvertida. Na verdade, tendo em conta a causa de pedir configurada da acção que acima deixámos enunciada, só as rés primitivas (e especialmente a 1ª ré) podem ser consideradas os verdadeiros sujeitos passivos daquela relação jurídica substancial controvertida. Só elas, e especialmente a 1ª ré, deverão responder perante o autor pelo invocado incumprimento contratual.
O exemplo escola que configura a situação prevista no citada artº 31-B e que pode justificar a dedução, à luz do citado nº 2 do artº 325, do incidente de intervenção principal provocada, tem a ver com aquelas situações em que se desconhece a identidade do devedor, e designadamente por se desconhecer a qualidade em que o demandado primitivo interveio no negócio em causa, ou seja, quando existem, por exemplo, dúvidas sobre se o mesmo interveio a título pessoal ou se interveio em nome e em representação de outrém.
Situação de dúvida que, repetimo-lo, não ocorre no caso em apreço e tendo em contra a relação material controvertida tal como se apresenta configurada.
Outra coisa bem diferente, tem a ver com as relações entre a 1ª ré e aquela chamada, que por uma questão de cautela poderia justificar a intervenção acessória da última, à luz do artº 330, como auxiliar da 1ª e com vista a uma futura acção de regresso contra a mesma e por forma a ser indemnizada pelos prejuízos que venha a sofrer com a perda da demanda. Aliás, foi exactamente isso que fez a 1ª ré, com vista a acautelar tal direito, ao deduzir, como acima se deixou registado, tal incidente de intervenção principal acessória contra, além do mais, a chamada E..., e que veio a ser admitido.
Desse modo, somos levados a concluir que deve improceder, por não se verificarem os respectivos pressupostos, o primeiro fundamento invocado pelo autor para deduzir o incidente de intervenção principal (provocada) contra a E..., a fim de fazê-la intervir na acção como associada das rés.
E quanto ao 2º fundamento?
É o que vamos ver.
Como acima já deixamos expresso, tal fundamento tem a ver, por um lado, com o reconhecimento do seu reclamado direito de retenção sobre a fracção que foi objecto do alegado contratro-promessa incumprido, e, por outro, com a existência das sobreditas hipotecas voluntárias constituídas, e registadas anteriormente, pela 1ª ré a favor da chamada E... e incidentes sobre o todo do imóvel em que se integra aquela fracção, como garantia do crédito da última resultante de um financiamento de capitais.
Pedido de intervenção esse que, agora, foi feito à luz do nº 1 do artº 325.
Como é sabido, a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo (artº 686, nº 1, do CC).
Por sua vez, no caso de a situação configurada nos autos, de incumprimento do contrato-promessa, se vir a confirmar, tal confere ao autor o gozo de direito de retenção sobre a fracção que foi objecto de tal contrato para satisfação do seu crédito resultante desse incumprimento (cfr. artº 755, nº 1 al. f), do CC).
Direito esse que, uma vez reconhecido, prevalece sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente – tal como sucede, no caso dos autos, com as hipotecas da chamada E... (cfr. artº 759, nº 2, do CC).
Resulta, assim, que estamos na presença de dois verdadeiros direitos reais, não de gozo, mas de garantia (vidé, a propósito, e por todos, o prof. A. Varela, in “RLJ, nº 124, págs. 350 e 352”).
Ora, perante a situação configurada, e face ao que acima deixámos exposto, sendo manifesto que não ocorre nenhuma situação de coligação, também se nos afigura que igualmente não ocorre nenhuma situação de litisconsórcio, quer voluntário, quer necessário, tal como se encontram definidos no citados artºs 27 e 28. Como supra deixámos expresso, tal situação litisconsorcial, em qualquer daquelas modalidades, pressupõe a existência uma unidade de relação jurídica ou de obrigação, respeitando a relação material controvertida a várias pessoas.
E sendo assim, não existindo essa unidade de relação jurídica ou de obrigação, referente à relação substancial controvertida, no que concerne à chamada CCAM, não se verificam, a nosso ver, igualmente os pressupostos legais de tal intervenção.
Porém, e mesmo que assim não se entenda, e se defenda que possa existir essa unidade de relação jurídica ou de obrigação, temos então que analisar se pelo facto de a chamada não ser admitida a intervir (a título principal) na acção resultará daí para si, ou não, qualquer prejuízo, por forma a poder dizer-se que a mesma tem, ou não, interesse em a contradizer (e, concomitantemente, se o autor tem, ou não, interesse em a demandar na presente acção, pela utilidade que daí resultaria para si)? Ou, por outras palavras, se o destino da acção tem interesse (jurídico) para a chamada ou se o mesmo lhe é (juridicamente) indiferente?
É o que iremos ver.
Tudo passa, assim, por saber qual o efeito que produz sobre ela a sentença que vier a ser proferida nesta acção (e tendo agora em conta o direito de retenção que o autor pede que nela lhe seja reconhecido, e que tem a ver com o segundo fundamento que por ele foi aduzido para requerer nos autos a sua intervenção principal).
É sabido que transitada em julgado uma sentença, a decisão proferida sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro e fora do processo, ou seja, forma caso julgado material, nos termos prescritos no artº 671, nº 1, dentro dos limites fixados pelos artigos 497 e ss, consistindo um deles na identidade de sujeitos (a qual, como se sabe, se verifica quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica – cfr. artº 498, nº 2).
Constitui, assim, princípio fundamental do nosso ordenamento jurídico o da eficácia relativa de caso julgado, ou seja, de que a sentença só tem eficácia de caso julgado entre as partes.
Todavia, tal não constitui uma verdade absoluta, já que sendo certo que, em princípio, tal caso julgado só produz efeitos entre as partes, todavia, situações existem em que ele é também extensivo a terceiros que não intervieram na acção, e daí que, em tais situações, esses terceiros não possam alhear-se dos efeitos das sentenças, transitadas, ali proferidas, e nomeadamente da definição jurídica que aí se faça da relação material controvertida.
Assim, quanto aos não intervenientes na acção, tem constituído entendimento dominante que a sentença transitada em julgado se impõe aos chamados terceiros juridicamente indiferentes (que são todos aqueles a quem a sentença não causa qualquer prejuízo jurídico, porque deixa intacta a consistência jurídica do seu direito, muito embora lhes possa causar prejuízo económico, nomeadamente por ser afectada a solvabilidade do devedor) mas tal não sucede, isto é, já não se impõe aos chamados terceiros juridicamente interessados (que são todos aqueles a quem a sentença causa um prejuízo jurídico, invalidando a existência ou reduzindo o conteúdo do seu direito, e não apenas destruindo ou abalando a sua consistência prática ou económica (vidé, a propósito, e por todos, os profs. Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil, 1963, págs. 288 e ss”; e A. Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in “Manual de Processo Civil, 2ª ed., págs. 726 e ss”).
Como vem sendo reconhecido, se tal distinção se afigura de fácil apreensão do ponto de vista teórico, já, porém, quando transposta para a prática da vida real (tal como sucede com o caso dos autos) o seu enquadramento e distinção encerra algumas dificuldades.
Subsumamos então tais princípios e considerações ao caso directamente em apreço.
Na situação configurada, pelo autor, ter-se-á de considerar a chamada E... simplesmente como um terceiro juridicamente indiferente.
Na verdade, no caso de ao autor vir a ser reconhecido, por sentença, o seu reclamado direito de retenção (por incumprimento do contrato-promessa da 1ª ré), o direito (hipotecário) daquela chamada não é juridicamente afectado, já que esse seu direito continua válido e intacto, ou seja, continua o mesmo, com o mesmo conteúdo e a mesma garantia.
É certo que tal direito da E... fica então afectado na sua prioridade da graduação de créditos de que então gozava (já que é aí ultrapassado pelo direito - de retenção - do autor), mas, como acima se viu, tal descida não representa qualquer prejuízo de natureza jurídica (atento os termos do seu significado que atrás já deixámos expressos) do seu direito, mas tão só, no fundo e quando muito, um prejuízo de ordem económica, na medida em que o património da devedora pode não chegar para se pagar.
E que assim é se demonstra, desde logo, pelo facto de, havendo bens suficientes no património da devedora (caso a mesma não venha a pagar, voluntariamente, o crédito e se tenha de recorrer à via coercitiva), poder a E... obter a satisfação integral do seu crédito, o que é sinal certo e seguro de que o seu direito não foi, juridicamente afectado, antes se tendo mantido válido e com o mesmo conteúdo jurídico – muito embora economicamente mais vulnerável -, coisa que não aconteceria se tivesse sido destruído ou somente reduzido, por bem pouco que fosse, na consistência jurídica de que era portador antes do reconhecimento (no caso, repete-se, de tal vir a suceder por via judicial) do direito de retenção ao autor. Aliás, o prof. Manuel de Andrade (in “Ob. cit. pág. 288”) dá mesmo como exemplo de terceiros juridicamente indiferentes precisamente os “credores relativamente às sentenças proferidas nos pleitos em que seja parte o seu direito”. No sentido da posição acabada de defender (quanto à classificação do prejuízo, na situação configurada nos autos), veja-se, entre outros, Acs. do STJ de 16/3/1999, de 12/1/93 – cujo pensamento seguimos de perto na última parte deste acordão -, e de 24/03/1992, respectivamente, in “BMJ 485 – 356; CJ, Acs do STJ, Ano I, T1 – 30/31 e BMJ 423 – 463”. Porém, em sentido diferente, o que reflecte bem que a questão não se mostra pacífica, vidé Acs do STJ de 15/12/92, de 10/10/1989 e de 1/2/1995, e desta Relação de 2/3/2004 (com voto de vencido), respectivamente, in “BMJ 422 – 348; BMJ 390 - 363; CJ, Acs do STJ, Ano III, T1 – 55 e CJ, Ano XXI, T2 – 8”).
Ora face ao exposto, e concluindo que a chamada E... não é terceiro juridicamente interessado na acção (mas antes terceiro juridicamente indiferente à mesma, e como tal a sentença que vier nela a ser proferida produz eficácia de caso julgado em relação a si ), somos, assim, levados igualmente a concluir que não se mostram verificados, também quanto ao 2º fundamento invocado, os necessários pressupostos legais para que seja admitido o incidente deduzido pelo autor no sentido de a E... ser chamada a intervir, a título principal, nestes autos ao lado ou como associada das rés.
E, sendo assim, embora com base em fundamentos não inteiramente coincidentes, bem andou a srº juiz a quo ao ter indeferido tal incidente de chamamento, pelo que julga improcedente o recurso.
Aliás, e para terminar, deveremos ainda dizer que mesmo que se não tivesse defendido a posição acima assumida, teríamos bastantes dúvidas se, mesmo assim, a requerida intervenção deveria ser admitida, e pelo seguinte:
Como no início se deixou exarado, a E..., que o autor pretendia que fosse admitida a intervir na acção como parte principal associada às rés, foi já admitida, a chamamento da 1ª ré, a intervir acessoriamente na mesma acção como auxiliar da última, e com vista a acautelar uma futura acção de regresso contra si por prejuízos que a eventual perda da acção lhe venha a causar.
Como é sabido, a intervenção acessória provocada encontra-se prevista e regulada no artº 330 e ss. E de tal normativo resulta, como pressuposto da admissão de tal intervenção, que o terceiro chamado “careça de legitimidade para intervir como parte principal” na acção. (sublinhado nosso)
Parece, assim, que a lei não admite que o chamado intervenha na mesma acção com vestes diferentes, ou seja, assumindo simultaneamente a qualidade de parte principal (através da intervenção principal – quer espontânea, quer provocada) e de parte acessória. Posições ou qualidades essas diferentes que, assim, se repercutem na forma distinta como cada uma delas se pode movimentar no processo e bem assim nos interesses que cada uma delas ali pode defender.
Ora perante tal incompatibilidade, o autor não agravou daquela 1ª parte do despacho que admitiu tal intervenção acessória, pelo que o mesmo transitou em julgado.
E estando nós perante um caso julgado formal, o mesmo passou a impor-se definitivamente dentro do processo, ou seja, passou a ter força obrigatória dentro do mesmo (cfr. artº 672).
Logo, e perante tal, parece que já não poderia, a partir de então, a E... ser admitida a intervir na acção a título de parte de parte principal, pelo que, desse modo, estaria, também por aí, o recurso do autor votado ao fracasso.
***
III- Decisão
Assim, em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso (de agravo), confirmando-se (ainda que por fundamentos não inteiramente coincidentes) a decisão do despacho recorrido.
Custas pelo agravante.
Coimbra, 2005/11/22