Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
944/06.6TBCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: EXCESSO DE VELOCIDADE
PAGAMENTO VOLUNTÁRIO
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 11/21/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO – 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: 1. ARTIGOS1.º E 32.º, N.ºS 2 E 10, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.
27.º, N.º 2, 145.º, N.º 1, ALÍNEA B) E,146.º, ALÍNEA I) 172º,1 E 5 E 175º, 5 DO CÓDIGO DA ESTRADA
Sumário: 1. O arguido que procedeu ao pagamento voluntário da coima, motivo pelo qual suportou o valor mínimo, em consonância com o disposto no artigo 172.º, n.º 1, do Código da Estrada, assumiu a prática da contra-ordenação, estando-lhe legalmente vedado discutir posteriormente a sua verificação, apenas podendo apresentar a sua defesa restrita à gravidade da infracção e à sanção de inibição de conduzir aplicável.
2. Não se verifica inconstitucionalidade do artº 175º, 4 do CE já que os direitos de audiência e de defesa foram amplamente assegurados.
3. O tipo contra-ordenacional (artigos 27.º, n.º 2, 145.º, n.º 1, alínea b) e 146.º, alínea i) do Código da Estrada) em causa nestes autos, consubstanciador de uma infracção de perigo abstracto, não estabelece, de algum modo, uma presunção inilídivel de verificação de perigo concreto e de culpa na criação desse perigo, não se vendo, assim, que, as normas ordinárias em destaque, padeçam da inconstitucionalidade por violação dos artigos 1.º e 32.º, n.ºs 2 e 10, da Constituição da República.
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, os Juizes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório:
A..., devidamente identificado nos autos, impugnou judicialmente a decisão da Direcção Geral de Viação - Delegação Distrital de Castelo Branco que lhe impôs a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 60 (sessenta) dias, pela prática da contra-ordenação prevista e punível pelo artigo 27.º, n.ºs 1 e 2, do Código da Estrada (na redacção decorrente do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro).
Por sentença de 30 de Março de 2007 (cfr. fls. 90 a 105), o 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco decidiu do seguinte modo:
a) Julgou improcedente a invocada excepção de prescrição do procedimento contra-ordenacional;
b) Declarou a não inconstitucionalidade dos artigos 27.º, 145.º, n.º 1, alínea b) e 146.º, alínea i) do Código da Estrada;
c) Manteve a decisão administrativa impugnada nos seus precisos termos.

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Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido, extraindo da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:
«1.ª - O douto despacho de fls. 38 e 39 viola o disposto no artigo 32.º, n.ºs 1, 2 e 10 da Constituição da República, porque impossibilitou o Recorrente de usar e fazer valer todas as garantias de defesa que a lei faculta, inclusive o direito ao recurso, de presunção de inocência, de audição e julgamento.
2.ª - O pagamento da coima não pode representar uma confissão tácita da prática da contra-ordenação, em prejuízo dos direitos de defesa, de recurso, de audição e presunção de inocência do Recorrente, constitucionalmente consagrados, nomeadamente quando o Recorrente, como o fez, impugnou judicialmente o auto de notícia e os fundamentos de facto da aplicação da coima e da medida acessória.
3.ª - Se se entendesse que o disposto no artigo 172.º do Código da Estrada permitiria esta conclusão em prejuízo dos direitos de defesa do Recorrente, então tal dispositivo é inconstitucional, por violação do disposto no artigo 32.º da Constituição da República.
4.ª - O douto despacho de fls. 65 que rejeitou o recurso do Recorrente apresenta também os mesmos vícios do douto despacho judicial que determinou a rejeição da impugnação judicial apresentada, violando nomeadamente o disposto no artigo 73.º/1, alínea d) do Regime Geral das Contra-Ordenações e no artigo 32.º, n.ºs 1, 2 e 10 da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.).
5.ª - Os artigos 27.º, n.º 2, 145.º, n.º 1, alínea b), e 146.º, alínea i), todos do Código da Estrada, que consideram haver contra-ordenação punível e de natureza grave e muito grave, respectivamente, sempre que o veículo exceda em mais do que, respectivamente, 30 e 60 Km/hora os limites máximos de velocidade estabelecidos no artigo 27.º, n.º 1, do Código da Estrada, são inconstitucionais e, portanto, inaplicáveis ao caso concreto, na medida em que estabelecem uma presunção inilidível de existência de perigo concreto e de culpa na criação desse perigo.
6.ª - A decisão que neles se sustenta é igualmente inconstitucional, sendo que a única forma de não considerar inconstitucionais as normas que prevêem infracções de perigo abstracto é considerar-se que não há facto ilícito quando o arguido faça prova da inexistência de perigo concreto.
7.ª - Nos termos do artigo 188.º do Decreto-Lei n.º 114/94, de 16 de Março (Código da Estrada) com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, o prazo de prescrição do procedimento criminal por contra-ordenação rodoviária é de dois anos, o que se invoca para os devidos efeitos legais».
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Na reposta que apresentou, o Ministério Público pugnou pela improcedência do recurso.
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Nesta Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto, em douto parecer, opinou no sentido do improvimento do recurso.
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Cumprido o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal, o arguido-recorrente respondeu nos termos que constam de fls. 220 a 224.
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Efectuado o exame preliminar, colhidos os vistos legais e realizada a audiência de julgamento, cumpre agora apreciar e decidir.
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II. Fundamentação:
1. Delimitação do objecto do recurso:
A interposição e regime de recurso, para o Tribunal de Relação, de decisões proferidas em 1.ª Instância, em processo de contra-ordenação, deve observar as regras específicas referidas nos arts. 73.º a 75.º do DL 433/82, de 27-10, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 244/95, de 14-09 e pela Lei n.º 109/2001, de 24-12 (Regime Jurídico das Contra-Ordenações, doravante apenas designado por RGCO), seguindo, em tudo o mais, a tramitação do recurso em processo penal (art. 74.º, n.º 4), em função do princípio da subsidiariedade genericamente enunciada no art. 41.º, n.º 1 do citado diploma.

Em recursos interpostos de decisões do Tribunal de 1.ª Instância, no âmbito de processos de contra-ordenação, o Tribunal da Relação apenas conhece, em regra, da matéria de direito, sem prejuízo de poder “alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação temática aos termos e ao sentido da decisão recorrida”, “anulá-la e devolver o processo ao tribunal recorrido” (cfr. art. 75.º, n.ºs 1 e 2, ainda do mesmo corpo normativo).
Por outro lado, e como é sobejamente conhecido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação (art. 412.º, n.º 1 do CPP).
As questões que o recorrente submete à apreciação deste tribunal, consistem em saber:

a) Se se encontra extinto, por prescrição, o procedimento contra-ordenacional dos autos;

b) Se o despacho de fls. 38 e 39 viola o disposto no artigo 32.º, n.ºs 1, 2 e 10, da Constituição da República Portuguesa;

c) Se o despacho de fls. 65 viola nomeadamente o disposto no artigo 73.º, n.º 1, alínea d) do Regime Geral das Contra-Ordenações e no artigo 32.º, n.ºs 1, 2 e 10 da C.R.P;

d) Se, paga voluntariamente a coima, pode (ou não) o recorrente discutir a existência da contra-ordenação quando foi aplicada, como no caso dos autos, uma sanção acessória de inibição de conduzir;

e) A entender-se que o disposto no artigo 172.º do Código da Estrada não permite, no referido quadro, a discussão sobre a verificação da contra-ordenação, então tal norma é inconstitucional, por violação do disposto no artigo 32.º da CRP?

f) Se os artigos 27.º, n.º 2, 145.º, n.º, n.º 1, alínea b) e 146.º, alínea i), do Código da Estrada, padecem de inconstitucionalidade, por violação do disposto nos artigos 1.º e 32.º, n.ºs 2 e 10, da C.R.P.

Não estando invocados quaisquer dos vícios elencados no n.º 2 do art. 410.º do CPP, nem eles se divisando numa apreciação oficiosa, cumpre, desde já, apreciar e decidir as referidas questões.

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2. Enquadramento preliminar:
2.1. Consignou-se na decisão recorrida, relativamente ao acervo factológico tido por provado:
«1) No dia 17 de Julho de 2005, pelas 16.38 horas, na A23, ao Km 119,9, o recorrente A... conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula 48-AC-18.
2) Submetido ao controlo de velocidade, através do sistema Multanova GF, devidamente aprovado pela Direcção Geral de Viação, em 11.01.96, através de despacho 326/DG, acusou a velocidade de 154 Km/h.
3) O limite máximo de velocidade permitido no local para os veículos ligeiros de passageiros é de 120 Km/h, tendo-se verificado um excesso de 34 Km/h.
4) O recorrente agiu como o descrito sem atentar na velocidade a que seguia, sabendo que não podia circular a velocidade superior a 120 Km/h, cuidado que omitiu livre e voluntariamente.
5) O recorrente procedeu ao pagamento da coima aplicada.
6) Do Registo Individual do Condutor consta a prática, em 26.09.02, de uma contra-ordenação muito grave, cujo cumprimento da respectiva sanção data de 08.05.03.
7) À data dos factos era diminuta a intensidade de trânsito.
8) A via onde o recorrente circulava é uma auto-estrada recente, com boa visibilidade, e à data dos factos o piso estava seco.
9) O recorrente desempenha funções profissionais na OFCEP - Office Center Portugal, Lda., empresa proprietária de várias lojas espalhadas no país, e no exercício da sua actividade profissional desloca-se diariamente conduzindo veículos automóveis.
10) O recorrente aufere o rendimento mensal líquido de € 3.500,00.
11) O recorrente é casado e a sua esposa não presta actividade remunerada.
12) O casal tem dois filhos de 13 e 11 anos de idade, que se encontram a estudar e a seu cargo.
13) O casal vive em casa própria, adquirida com recurso ao crédito bancário, e suporta a quantia mensal de € 650,00, a título de amortização do respectivo empréstimo».
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2.2. De relevante, há ainda a considerar:
A) A decisão da autoridade administrativa que aplicou ao arguido a sanção acessória de inibição de conduzir foi proferida em 7 de Março de 2006 e àquele notificada em 24 de Abril de 2006.
B) Consta do despacho judicial que procedeu ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa:
«O pagamento voluntário da coima nos termos d o artigo 172.º do CE determina o arquivamento do processo, salvo se à contra-ordenação for aplicável sanção acessória, caso em que prossegue restrito à aplicação da mesma.
O pagamento voluntário da coima pelo mínimo não colide com o direito de beneficiar de atenuação especial da inibição de conduzir ou de suspensão da execução da sanção, mas impede a apreciação jurisdicional da prática da infracção.
Assim, a apreciação do recurso de contra-ordenação está limitada nos termos acima expostos».
C) O arguido foi notificado desse despacho em 28 de Setembro de 2006 e dele interpôs recurso, que não foi admitido, nos termos que constam do despacho de fls. 65 dos autos.
D) Apresentada, pelo arguido, reclamação desse despacho que não admitiu o recurso, foi a mesma indeferida.
E) O arguido foi notificado da decisão do tribunal de 1.ª instância - que apreciou a impugnação judicial da decisão da Direcção Geral de Viação - Delegação Distrital de Castelo Branco, em 11 de Abril de 2007.
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2.3. Do mérito do recurso:
2.3.1. Preliminarmente, há que decidir sobre a invocada prescrição do procedimento contra-ordenacional
A contra-ordenação que o tribunal a quo teve por praticada pelo arguido, em 17 de Julho de 2005, é prevista e punível pelo art. 27.º, n.ºs 1 e 2, 2.º, do Código da Estrada, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro.
O prazo de prescrição que lhe corresponde é o de dois anos (cfr. a norma especial do 188.º do Código da Estrada).
Prevendo os casos de suspensão da prescrição, estatui o art. 27.º-A do RGCO:
«1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:
a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;
b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do art. 40.º;
c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da autoridade administrativa que aplicou a coima, até à decisão final do recurso.
2 - Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses».
Por sua vez, o art. 28.º do mesmo diploma elenca as causas interruptivas da prescrição do procedimento contra-ordenacional da seguinte forma:
«1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:
a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomadas ou com qualquer notificação;
b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c) Com a comunicação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.
2 - Nos casos de concurso de infracções, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contra-ordenação.
3. A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade».
Após a nova redacção conferida aos arts. 27.º-A e 28.º pela Lei n.º 109/2001, de 24-12, as circunstâncias suspensivas e interruptivas da prescrição do procedimento contra-ordenacional passaram a ser apenas as taxativamente previstas nos referidos artigos, sem recurso, portanto, às disposições normativas dos arts. 120.º e 121.º do Código Penal. Cfr., neste sentido, Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, in Contra-Ordenações - Anotações ao Regime Geral, 2.ª ed., pág. 226 e 233; António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, in Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 2.ª ed., pág. 82-83. Quanto à extensibilidade do regime da suspensão da prescrição do procedimento criminal, com as devidas aplicações, ao regime de suspensão prescricional das contra-ordenações, previsto na L.A (art. 27.º-A do DL n.º 433/82, na redacção dada pelo DL n.º 244/95), v.g., Ac. do Pleno das Secções Criminais do STJ de 17-01-2002 - proferido no proc. n.º 378/99 - 5.ª Secção, publicado no DR Série I-A, de 05-03-2002.
No caso concreto em apreciação, a prescrição interrompeu-se, designadamente em 7 de Março de 2006 e 11 de Abril de 2007, com a prolação da decisão administrativa e da decisão judicial, [cfr. als. a) e d) do n.º 1 do art. 28.º do RGCO], e suspendeu-se a partir da data da notificação ao arguido do despacho que procedeu ao exame preliminar da decisão da autoridade administrativa, até à decisão final do recurso, ou seja, desde 28 de Setembro de 2006, até 30 de Março de 2007.
Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição de dois anos (art. 121.º, n.º 2, do Código Penal e artigo 32.º do RGCO).
De todo o exposto, é apodíctico que, neste momento, ainda não decorreu o prazo prescricional de 2 anos legalmente fixado, razão por que não se encontra extinto, por prescrição, o procedimento contra-ordenacional.
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2.3.2. Sustenta o recorrente que o despacho de fls. 38 e 39 viola o disposto no artigo 32.º, n.ºs 1, 2 e 10 da Constituição da República, porque o impossibilitou de usar e fazer valer todas as garantias de defesa que a lei faculta, inclusive o direito ao recurso, de presunção de inocência, de audiência e julgamento.
Simultaneamente, invoca que o despacho de fls. 65, ao rejeitar o recurso do Recorrente, viola nomeadamente o disposto no artigo 73.º, n.º 1, alínea d) do RGCO e no artigo 32.º, 1, 2 e 10 da C.R.P..
Na dinâmica dos autos, o arguido reagiu contra o despacho de fls. 38 e 39, interpondo dele recurso, meio de impugnação que não foi admitido. Interposta reclamação, foi esta indeferida por despacho do Ex.mo Sr. Presidente desta Relação.
Quanto ao despacho interlocutório de fls. 65, está ele definitivamente fixado, tal como sucede com o despacho de fls. 38 e 39.
Neste contexto, não é permitido ao recorrente discutir agora o objecto dos dois referidos despachos.
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2.3.3. Das consequências do pagamento voluntário da coima e da invocada inconstitucionalidade do artigo 172.º do Código da Estrada:
O artigo 172.º, n.º 1, do Código da Estrada, preceitua que, nas contra-ordenações estradais é admitido o pagamento voluntário da coima, pelo mínimo, nos termos e com os efeitos estabelecidos nos números seguintes.
O n.º 5 do mesmo artigo estabelece, por sua vez, que, o pagamento voluntário da coima nos termos dos números anteriores determina o arquivamento do processo, salvo se à contra-ordenação for aplicável sanção acessória, caso em que o processo prossegue restrito à aplicação da mesma.
O pagamento voluntário da coima não impede o arguido de apresentar a sua defesa, restrita à gravidade da infracção e à sanção aplicável (n.º 4 do artigo 175.º).
No caso sub specie, o arguido foi notificado da contra-ordenação e procedeu de imediato ao pagamento voluntário da coima, motivo pelo qual suportou o valor mínimo, em consonância com o disposto no artigo 172.º, n.º 1, do Código da Estrada.
Com esta conduta, o arguido assumiu a prática da contra-ordenação, estando-lhe legalmente vedado discutir posteriormente a sua verificação. Esta é, a nosso ver, a única interpretação compatível com a redacção dos artigos 172.º, n.º 5, e 174.º, n.º 5, citados supra, que permitem ao arguido, reafirma-se, apresentar a sua defesa, em caso de pagamento, restrita à gravidade da infracção e à sanção de inibição de conduzir aplicável.
“Admitir que o arguido que pagasse a coima pelo mínimo viesse de seguida a discutir a verificação da contra-ordenação, traduzir-se-ia, em termos práticos, na total subversão do sistema legalmente consagrado, pois a possibilidade legal de liquidação da coima pelo mínimo traduz uma contrapartida legalmente concedida ao arguido que se conforma com a prática da infracção, renunciando à possibilidade de discutir a sua existência, sem embargo de lhe ser sempre possível impugnar a sanção acessória, a sua medida ou os termos em que foi fixada” Cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 14-03-2007, Proc. 0647091, in www.dgsi.pt., citando o Ac. do mesmo Tribunal, de 11.03-1998..
Se mesmo após o pagamento voluntário fosse possível discutir a prática da infracção estava encontrada a forma dos infractores pagarem sempre as coimas pelo valor mínimo legal, bastando para tal que efectuassem o respectivo pagamento voluntário, impugnando, depois, judicialmente a decisão da autoridade administrativa, pois que mesmo não sendo procedente tal impugnação, o tribunal não poderia alterar o montante da coima por força da proibição da “reformatio in pejus”, a que alude o artigo 72.º-A do RGCO.

Há que ver, agora, se a interpretação dada na decisão recorrida ao artigo 172.º do Código da Estrada, aqui acolhida, padece de inconstitucionalidade.
Dispõe o artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República:
«Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa».
A Constituição proíbe, assim, absolutamente a aplicação de qualquer tipo de sanção sem que ao arguido seja garantida a possibilidade de se defender. O direito de defesa é um princípio natural de qualquer tipo de processo, uma exigência fundamental do Estado de Direito material Vide, Jorge Miranda - Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, anotação ao artigo 32.º da C.R.P..
No caso dos autos, os direitos de audiência e de defesa foram amplamente assegurados. O arguido foi informado sobre os factos que lhe estão imputados, o enquadramento jurídico dos mesmos e a sanção que a autoridade administrativa competente entendeu ser aplicável (cfr. artigo 50.º do RGCO). Paralelamente, o arguido exerceu o direito de defesa, declarando e requerendo o que teve por pertinente.
Pelo exposto, concluímos que não se verifica a inconstitucionalidade invocada pelo arguido.
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2.3.4. Da inconstitucionalidade dos artigos 27.º, n.º 2, 145.º, n.º 1, alínea b) e 146.º, alínea i) do Código da Estrada:
Sustenta o recorrente a inconstitucionalidade (material) daquelas normas, na medida em que estabelecem uma presunção inilídivel de existência de perigo concreto e de culpa na criação desse perigo.
Porém, sem razão que se vislumbre.
Dispõem as invocadas normas:
- Art. 27.º:
«Quem exceder os limites máximos de velocidade é sancionado:
(...)».
- Art. 145.º, n.º 1, al. b):
«No exercício da condução, consideram-se graves as seguintes contra-ordenações:
O excesso de velocidade praticado fora das localidades superior a 30 Km/h sobre os limites legalmente impostos, quando praticado pelo condutor de motociclo ou de automóvel ligeiro, ou superior a 20 Km/h, quando praticado por condutor de outro veículo a motor».
- Art. 146.º, al. i):
«No exercício da condução, consideram-se muito graves as seguintes contra-ordenações:
A infracção prevista na alínea b) do artigo anterior, quando o excesso de velocidade for superior a 60 Km/h ou 40 Km/h, respectivamente, bem como a infracção prevista na alínea c) do mesmo artigo, quando o excesso de velocidade for superior a 40 Km/h ou a 20 Km/h, respectivamente, e a infracção prevista na alínea d), quando o excesso de velocidade for superior a 40 Km/h».
Com as normas de natureza estradal pretende-se assegurar a prevenção ou, pelo menos, a contenção, dentro de certos limites, da sinistralidade rodoviária, punindo todas as condutas que se mostrem susceptíveis de lesar a segurança deste tipo de circulação e que, ao mesmo tempo, colocam em perigo um conjunto indeterminado de bens jurídicos, de onde avultam a vida e a integridade física dos utentes da via pública e bens patrimoniais circulantes.
Estamos perante infracções de perigo abstracto.
A lei, relativamente às contudas que envolvem riscos para a segurança da circulação rodoviária, basta-se com a produção do perigo (abstracto) para que dessa forma o tipo contra-ordenacional esteja preenchido. Pune-se desde logo o perigo, porque tais condutas, ao encerrarem patentemente a possibilidade ou a probabilidade de lesão, merecem imediatamente a protecção jurídico-normativa. Devido à natureza dos efeitos danosos que as condutas podem desencadear, o legislador não pode esperar que os danos se produzam; tem de fazer recuar a protecção para momentos anteriores, isto é, para o momento em que o perigo se manifesta.
Contudo, contrariamente ao que sucede nos crimes de perigo concreto, o perigo, concebido como situação perigosa, não surge como “evento” típico, não sendo necessária a demonstração de um nexo causal entre a acção e a situação perigosa que pode, provavelmente, levar à lesão do bem jurídico.
Desta forma, como refere, proficientemente, a M.ma Juiz a quo, no que respeita às infracções reguladas no Código da Estrada, “resulta claro que o perigo para a circulação rodoviária funciona apenas como fundamento pré-legal da sua previsão, não integrando qualquer elemento da sua tipicidade objectiva (e consequentemente subjectiva)”.
Em jeito de remate, dir-se-á, pois, que, em desabono da posição sufragada pelo recorrente, o tipo contra-ordenacional em causa nestes autos, consubstanciador de uma infracção de perigo abstracto, não estabelece, de algum modo, uma presunção inilídivel de verificação de perigo concreto e de culpa na criação desse perigo, não se vendo, assim, que, as normas ordinárias em destaque, padeçam da inconstitucionalidade que lhes vem assacada, por violação dos artigos 1.º e 32.º, n.ºs 2 e 10, da Constituição da República.
Pelo exposto, também neste segmento, o recurso é improcedente.
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2.3.3. Responsabilidade pelas custas:

Perante a improcedência do recurso, impõe-se a condenação do arguido no pagamento das custas, por força das disposições conjugadas dos arts. 513.º e 514.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, e 82.º, n.º 1 e 87.º, n.º 1, al. b) do Código das Custas Judiciais.


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V. Decisão:
Posto o que precede, acordam os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso, confirmando inteiramente a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC.

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Coimbra, de 21-11-2007
(Processado e revisto pelo relator, o primeiro signatário)

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(Alberto Mira)