Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
280/07. 0TAAND-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CALVÁRIO ANTUNES
Descritores: NOTIFICAÇÃO DA SENTENÇA
ARGUIDO JULGADO NA AUSÊNCIA
DETENÇÃO
Data do Acordão: 06/24/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ANADIA – 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 27°. N° 3 ,F) CRP. 254º,1,B) CPP
Sumário: O arguido julgado na ausência não pode ser detido para efeitos de lhe ser notificada a sentença por a tal obstar a finalidade da detenção prevista na alínea b) do n° 1 do artigo 254.° do CPP, tradução ao nível do direito ordinário da excepção constitucional contida na alínea f) do n° 3 do artigo 27°.
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO

1. Nos presentes autos, foi proferido o despacho cuja cópia se encontra a fls. 86 a 90, destes autos, no qual o Mm.ª Juiz do processo indeferiu o pedido de passagem de mandados de detenção referente ao arguido A... o qual foi julgado na sua ausência, nos termos do disposto nos artigos 332°, nº l e 333°, nº 2 do C.P.P., tendo sido condenado, como autor material, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena unitária de 60 (sessenta) dias, à taxa diária de €5,00 (cinco euros). Isto porque ainda não foi possível, ainda, notificar o arguido, da decisão proferida, por o seu paradeiro ser desconhecido.
***
2. Inconformado com tal, o Ministério Público, interpôs o presente recurso, formulando nas respectivas motivações as seguintes (transcritas) conclusões.

“1. Uma vez que o arguido violou as obrigações decorrentes do TIR, não compareceu na audiência de discussão e julgamento, nem requereu que a mesma tivesse lugar na sua ausência, a sentença tem que lhe ser pessoalmente notificada - cf. art. 113°, nº 9, do Código de Processo Penal;
2. A possibilidade de deter o arguido para efeito de notificação da sentença decorre directamente do nº 5 do art. 333° do Código de Processo Penal;
3. Não é a natureza da pena - privativa da liberdade ou não privativa - que pode determinar a emissão de mandados de detenção para efeitos de notificação de sentença condenatória ou a sua recusa (tal como foi o caso nos presentes autos).
4. De facto, caso o arguido venha a ser notificado da decisão que lhe aplicou a pena de cem dias de multa, poderá sempre vir a ser declarada exequível a pena de prisão subsidiária nos termos do art. 49°, nº 1, do Código Penal.
5. Na ponderação de interesses entre o direito à liberdade do condenado e a administração e realização da justiça, o primeiro terá necessariamente de ceder perante o segundo, sem deixar de tal restrição ao direito fundamental em causa "limitar-se ao necessário" para administração da justiça em nome do povo, uma vez que a possibilidade de detenção do arguido para efeitos de notificação da decisão final é uma "privação precária da liberdade".
6. "Quando o art. 333º nº 5 do CPP prevê a hipótese da notificação ser efectuada logo que o arguido seja detido não se poderá estar a pensar que a detenção se refere a um outro processo que não aquele a que se refere a sentença a notificar. Aliás, que sentido faz para esse efeito a eventual existência de um outro processo ainda mais com possibilidade de detenção do arguido? Conclui-se, assim, que a lei prevê directamente (sem necessidade de analogia) a detenção do arguido, cujo julgamento foi concretizado na sua ausência, com a finalidade específica de o notificar da decisão final tudo cf. art. 333º nº 5 do CPP.".
7. De qualquer modo, ainda que se entendesse que o nº 5 do art. 333° do Código de Processo Penal não permitia a detenção do arguido para efeito de notificar o mesmo da sentença contra ele proferida, sempre os mandados de detenção requeridos teriam de serem emitidos em virtude da remissão que é feita pelo nº 6 do mesmo normativo legal.
8. Sendo o processo penal "uma sequencia de actos juridicamente preordenados à decisão sobre se foi praticado crime e, em caso afirmativo, sobre as respectivas consequências jurídicas e a sua justa aplicação" e sendo por isso, "todos os actos que se integram nessa sequencia processual actos processuais", não podemos deixar de dizer que, consequência do acto decisório proferido pelo julgador que considerou a acusação deduzida contra o arguido procedente por provada e, em função disso, decidiu condenar o arguido pela prática do crime de condução sem habilitação legal, é a notificação de tal acto ao arguido.
9. Dito de outra forma, porque a notificação da sentença condenatória é "consequência jurídica" da "decisão sobre se foi praticado crime", não pode deixar de ser considerada acto processual;
10. A notificação da sentença condenatória tem precisamente por fim levar ao conhecimento do condenado a decisão final que contra ele foi proferida, nela se integrando a questão da escolha da pena (pena privativa da liberdade ou não privativa) e sua medida concreta (dentro da moldura abstracta), não podendo, enquanto essa notificação não ocorrer, contar o prazo para ser interposto recurso ou ser requerido novo julgamento;
11. E ainda que a meritíssima juíza considere que a notificação da sentença não pode ser levada a cabo pelo OPC logo após a detenção, sempre deveriam ter sido emitidos os mandados de detenção com a finalidade de assegurar a presença do mesmo perante o Tribunal para efeito de praticar tal acto processual/notificação de decisão condenatória proferida nos autos.
12. Por fim sublinhe-se que o entendimento contrário apenas poderá conduzir à não desejável prescrição do procedimento criminal.

Nestes termos, e nos mais, que V. Ex.as, na vossa douta munificência, saberão suprir, deverá o despacho recorrido ser revogado, na medida em que o Tribunal a quo indeferiu a emissão e entrega de 3 triplicados de mandados de detenção em nome do arguido para difusão nacional junto do SEF, GNR e PSP em ordem a notificar o mesmo da douta sentença condenatória proferida nos presentes autos, e substituído por outro que defira a pretensão do Ministério Público.
COMO É DE JUSTIÇA!

***
Nesta instância o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Os autos tiveram os vistos legais.
***
II- FUNDAMENTAÇÃO
É do seguinte teor o despacho recorrido:
“Promove a Digna Procuradora - adjunta junto desta comarca, ao abrigo do disposto artigo 333°, n.os 5 e 6 do CP.P., a emissão de mandados de detenção do arguido, com vista a que o mesmo seja notificado da sentença proferida nos autos.
A questão ora levantada prende-se com a interpretação dos artigos acima citados.
Cumpre apreciar e decidir:
Por regra, as notificações que tenham lugar no decurso do processo devem ser efectuadas ao ilustre defensor do arguido, nomeado ou constituído. Contudo, ressalvam-se as notificações que se encontram especificadas no artigo 133°, nº 9 do CP.P., onde se inclui a notificação da sentença, já que nestes casos a notificação tem de ser feita ao arguido, podendo também ser feita ao defensor.
O preceito legal acima citado tem de ser conjugado com o que se encontra estabelecido no artigo 372°, nº 4 e 373°, ambos do CP.P.
Preceitua o artigo 372°, nº 4 que “a leitura da sentença equivale à sua notificação aos sujeitos processuais que deverem considerar-se presentes na audiência."
Por seu lado, do artigo 373° resulta que “1. Quando, atenta a especial complexidade da causa, não for possível proceder imediatamente à elaboração do. sentença, o presidente fixa publicamente a data dentro dos 10 dias seguintes para a leitura da sentença.
2. Na data fixada procede-se publicamente à leitura da sentença e ao seu depósito na secretaria, nos termos do artigo anterior.
3. O arguido que não estiver presente considera-se notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído. "
Nos termos deste artigo, apenas, se poderá considerar notificado o arguido que esteve presente na audiência de discussão e julgamento e saiba da leitura da sentença e a ela não tenha comparecido.
Com efeito, se o arguido não esteve presente na audiência de julgamento, onde existiu produção de prova, não se pode ter aquele por notificado na pessoa do seu ilustre defensor.
Na verdade, caso a audiência se realize na ausência do arguido, em conformidade com o que se encontra previsto no artigo 333°, n.os 2 e 3 do CP.P., a sentença tem que lhe ser pessoalmente notificada (cfr. acórdão da Relação de Coimbra de 12/02/2003, publicado na CJ., II, pág. 51), já que o mesmo só pode recorrer dela quando for notificado e esta só ocorre logo que ele seja detido ou se apresente voluntariamente - cfr. artigo 333°, nºs 5 e 6.
Em suma, o arguido julgado na ausência tem de ser notificado pessoalmente da sentença, nos termos do preceituado no artigo 113°, nº l, al. a) do C.P.P.
No caso dos presentes autos, o arguido A... foi julgado na ausência, nos termos do disposto nos artigos 332°, nºl e 333°, nº 2 do C.P.P., tendo sido condenado, como autor material, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena unitária de 60 (sessenta) dias, à taxa diária de €5,00 (cinco euros).
Todavia, não foi possível, ainda, notificar o arguido, por o seu paradeiro ser desconhecido.
Preceitua o artigo 333°, n." 5 do CP.P. que " ( .. ) havendo lugar a audiência na ausência do arguido, a sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente. O prazo para interposição do recurso pelo arguido conta-se a partir da notificação da sentença. "
E acrescenta-se, ainda, no n.º 6 do mesmo preceito legal que "é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 116°, nºs 1 e 2, e 254° e nos n.os 4 e 5 do artigo seguinte. "
Sendo o direito à liberdade um direito constitucionalmente garantido (cfr. artigo 27º, 1 da C.R.P.), apenas pode ser restringido na estrita medida do que estiver expressamente e legalmente previsto.
Com efeito, nos termos do disposto no artigo 116°, n.02 do C.P.P., é permitida a detenção de quem tiver faltado injustificadamente pelo tempo indispensável à realização da diligência e tratando-se do arguido, poderá, ainda, ser-lhe aplicada medida de prisão preventiva, se esta for legalmente admissível.
Por outro lado e, nos termos do disposto no artigo 254° do C.P.P., é permitida a detenção em duas situações, a saber:
- para, no prazo máximo de quarenta e oito horas, o detido ser apresentado a julgamento sob a forma sumária ou ser presente ao juiz competente para primeiro interrogatório judicial ou para aplicação ou execução de medida de coação; ou
- para assegurar a presença imediata ou, não sendo possível, no mais curto prazo, mas sem nunca exceder vinte e quatro horas, do detido perante a autoridade judiciária em acto processual.
A detenção para notificação da sentença não pode ser enquadrada em nenhuma das excepções acima referenciadas.
Com efeito, o arguido faltou à audiência de julgamento para a qual tinha sido regularmente notificado. Sucede que o julgamento terminou com a prolação da sentença, apesar desta não ter sido notificada, pelo que a sua presença já não é necessária para a realização do julgamento.
Por outro lado, como é óbvio, não é caso para deter o arguido, já condenado para o sujeitar a primeiro interrogatório judicial ou para lhe aplicar qualquer medida de coação, designadamente prisão preventiva, até porque ao arguido, em abstracto, não lhe poderá ser aplicada tal medida, porquanto o mesmo não foi condenado pela prática de um crime doloso, punível com pena de prisão cujo o limite máximo seja superior a três anos.
Por último, sendo a notificação a mera comunicação do acto processual da leitura da sentença, não estamos, também, perante a excepção referida no artigo 254°, n.o1, al. b) do C.P.P ..
A detenção do arguido com a única finalidade de o notificar da sentença que o condenou em pena de multa constituiria uma violação do princípio da tipicidade constitucional das medidas restritivas da liberdade, previsto no artigo 27º da C.R.P. e o princípio da proporcionalidade, previsto no nº 2 do artigo 18º daquele diploma.
Na verdade, a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
A detenção de uma pessoa para notificação de uma sentença em que apenas lhe foi aplicada uma pena de multa ou uma pena de prisão suspensa ou uma pena de admoestação ou uma isenção de pena configuraria, a nosso ver, uma limitação desproporcional do direito à sua liberdade. Com efeito, a execução de qualquer destas penas não passará nunca pela privação do direito à sua liberdade (vide a este propósito Acórdãos da Relação do Porto de 4/02/2004; 8/07/2004; 21/12/2005 e 15/02/2006, a que se pode ter acesso através da Internet pelo endereço: "http:/ / www.dgsi.pt").
Como assim, indefiro a pretensão da Digna Procuradora- adjunta, pelo que não se ordena a detenção do arguido Alianksndr Valentsinovich para o notificar da sentença.
**
Solicite aos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras que informe se conhece do paradeiro do arguido.
**
Face ao disposto no artigo 98º da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, solicite ao Gabinete Nacional SIRENE que proceda à inserção do pedido de paradeiro no sistema de informação Schengen, fornecendo, para tal, todos os elementos de identificação do arguido.”

***
III - O DIREITO.

As conclusões formuladas pelo recorrente, delimitam o âmbito do recurso, nos termos do art. 409.º, do Cód. Proc. Penal.
São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, (Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98), sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

Questão a decidir.
Face às alegações e conclusões do recorrente, temos que o que importa a esta Relação apreciar é o saber se é legalmente admissível a passagem de mandados de detenção no caso em apreço. Ou por outras palavras o que importa saber é de manter o despacho recorrido ou se o mesmo deve ser alterado nos termos defendidos pelo M.P.

Vejamos então.
Verifica-se que o arguido A... foi julgado na ausência, nos termos do disposto nos artigos 332°, nºl e 333°, nº 2 do C.P.P., tendo sido condenado, como autor material, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena unitária de 60 (sessenta) dias, à taxa diária de €5,00 (cinco euros).
Todavia, não foi possível, ainda, notificar o arguido, por o seu paradeiro ser desconhecido, tendo o M.P. requerido que se emitissem mandados de detenção do arguido, a fim de o mesmo vir a ser notificado da sentença proferida.
Em consequência, dada a não apresentação do arguido, veio a ser proferido, em 01/04/2008, o despacho agora sob recurso.
Vejamos então.
A Constituição da República Portuguesa afirma um princípio de que a privação da liberdade individual só é admitida se derivar de decisão judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança - art° 27° nº 2 CRP.
Como excepções a este princípio, a CRP admite a privação da liberdade, nos casos de detenção em flagrante delito - art° 27° nº 3, al. a); de detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos -art° 27° nº 2 b); de detenção por decisão judicial em virtude de desobediência a decisão tomada por um tribunal ou para assegurar a comparência perante autoridade judiciária competente - art° 27.° nº 3 al f) da CRP.
Por sua vez, o Código de Processo Penal disciplina o regime da detenção nos artigos 254° a 261°. Assim,
O artigo 254° assinala à detenção duas finalidades:
-a) Para no prazo máximo de quarenta e oito horas, o detido ser apresentado a julgamento sob forma sumária ou ser presente ao juiz competente para primeiro interrogatório judicial ou para aplicação ou execução de uma medida de coacção;
-b) Para assegurar a presença imediata ou, não sendo possível, no mais curto prazo, mas sem exceder vinte e quatro horas, do detido perante a autoridade judiciária em acto processual.
Ou seja, a alínea a) reporta-se à detenção em flagrante delito, caso em que o detido deve ser submetido a julgamento em processo sumário ou ser presente ao juiz de instrução para interrogatório judicial, e à detenção em flagrante delito ou fora de flagrante delito, para aplicação ou execução de uma medida de coacção (No caso de detenção fora de flagrante delito para aplicação ou execução da medida de coacção de prisão preventiva o arguido é sempre apresentado ao juiz (art° 254º, n.º 2).
Por sua vez a al b) compreende sempre a detenção fora de flagrante delito e concretiza, ao nível processual, a excepção contida na alínea f) do nº 3 do artigo 27º da CRP. Neste caso, estaremos perante, como refere o Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, Editorial Verbo, 1993, p. 183., uma medida policial do processo, que é permitida para evitar a perturbação dos trabalhos e as faltas sucessivas a qual é aplicável não só ao arguido, mas também a qualquer outra pessoa regularmente convocada para comparecer em diligência processual, designadamente a testemunhas, mas que só pode ser ordenada pelo juiz.
Por isso a detenção configura-se, como uma medida cautelar de privação da liberdade, nem sempre dependente de mandado judicial, de natureza precária e excepcional, dirigida à prossecução das finalidades taxativamente enumeradas na lei. Ou seja, a detenção, traduzindo-se, numa privação da liberdade, não constitui uma medida de coacção processual, como é a prisão preventiva, mas antes uma medida meramente cautelar, votada a certos e exclusivos fins -M. Simas Santos e M. Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, II Volume, 2.8 Edição, 2000, p. 44. Por outro lado, a detenção a que se refere, agora, o nº 5 do artigo 333°, não se pode enquadrar na alínea b) do artigo 254° uma vez que não está presente a finalidade de assegurar a presença do arguido a acto processual. O acto processual é a leitura da sentença, a notificação da sentença é a mera comunicação desse acto.
Assim, a detenção do arguido só pode ter suporte na alínea a) do nº 1 do artigo 254°, no segmento ''…………….para aplicação ou execução de uma medida de coacção".
Daqui resulta que a possibilidade de o arguido julgado na ausência ser notificado da sentença logo que seja detido pressupõe e exige a detenção do arguido para, no prazo máximo de quarenta e oito horas, ser presente ao juiz, com a finalidade de aplicação ou execução de uma medida de coacção, dado que as medidas de coacção são meios processuais de limitação da liberdade pessoal que têm por fim acautelar a eficácia do procedimento, quer quanto ao seu desenvolvimento, quer quanto à execução das decisões condenatórias.
Os fins do processo são assegurados tanto pelo regular desenvolvimento do procedimento como pela execução das decisões finais condenatórias.
Contudo, a CRP, só admite a detenção fora de flagrante delito quando há fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos – artº 27° nº 2, al b).
Ora, para a aplicação ou execução da medida de coacção de prisão preventiva a arguido julgado na ausência, para além desse pressuposto, sempre terão de ser observados os princípios constitucionais da excepcionalidade e da necessidade da prisão preventiva (art°s 27° nº 3, e 28° nº 2) que conferem à mais gravosa das medidas de coacção uma natureza excepcional.
Como se sabe, as sentenças condenatórias (como todas as outras decisões condenatórias) só têm força executiva após trânsito em julgado (artigo 467°, n° 1, CPP), ou seja, quando já não admitem recurso ordinário nem reclamação por nulidades ou obscuridades ou para reforma quanto a custas (artigo 677° do Código de Processo Civil, a que se recorre, nos termos do artigo 4° do CPP, por este diploma não conter a noção de trânsito em julgado).
A leitura pública da sentença equivale à sua notificação aos sujeitos processuais que deverem considerar-se presentes na audiência (artigo 372° do CPP) e o n° 3 do artigo 373° explicita que se o arguido não estiver presente considera-se notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído.
O assinalado efeito da leitura pública da sentença (considerar-se o arguido, que não estiver presente, notificado da sentença com a sua leitura pública perante o defensor nomeado ou constituído) só se produz, todavia, se o arguido esteve presente na audiência, não comparecendo, apenas, ao acto público de leitura da sentença ou se requereu ou consentiu que a audiência tivesse lugar na sua ausência, por se encontrar praticamente impossibilitado de comparecer à audiência.
Com efeito, nos casos de audiência na ausência do arguido previstos no n° 2 do artigo 333° e no n° 3 do artigo 334°, na redacção introduzida pela Lei n° 59/98, de 25 de Agosto, e depois com as alterações do Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, a sentença tem de ser notificada ao arguido (n° 4 do artigo 333° e n° 8 do artigo 334°, na redacção da Lei n° 59/98, n° 5 do artigo 333°, na redacção actual).
Nesses casos, o prazo de interposição de recurso pelo arguido da sentença condenatória só se conta a partir da notificação pessoal ao arguido da sentença.
Utiliza o legislador a expressão “a sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente”.
Tal expressão legal comporta a notificação pessoal do arguido julgado na ausência, em qualquer lugar em que ele for encontrado, sem ter de se aguardar que ele se apresente voluntariamente em tribunal, hipótese absurda e bloqueadora que o legislador não pode ter querido (artigo 9° n° 3, do Código Civil).
Porém, a detenção a que se refere, agora, o n° 5 do artigo 333°, não se pode enquadrar na alínea b) do artigo 254° pela razão que não está presente a finalidade de assegurar a presença do arguido a acto processual. Ou seja, a possibilidade de o arguido julgado na ausência ser notificado da sentença logo que seja detido pressupõe e exige a detenção do arguido para, no prazo máximo de quarenta e oito horas, ser presente ao juiz, com a finalidade de aplicação ou execução de uma medida de coacção, devendo sempre ser observados os princípios constitucionais da excepcionalidade e da necessidade da prisão preventiva (artigos 27°, n.º 3, e 28°, n° 2) que conferem à mais gravosa das medidas de coacção uma natureza excepcional, não obrigatória e subsidiária, consagrada no n° 2 do artigo 193° do CPP.
Neste mesmo sentido se tem pronunciado a maioria da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, entre outros Ac. do TRL de 13-09-2007, Procº nº 5756/07-9, relator – Sr. Desembargador Almeida Cabral; Acs. TRP de 15-02-2006, Procº nº JTRP00038817, que teve como Relator o Sr. Desembargador Dias Cabral; Ac de 15/03/06 no Proc. n° 0516524, que teve como Relator o Sr. Desembargador Augusto de Carvalho, no qual é decidido que "Não é admissível a emissão de mandados de detenção apenas com a finalidade de notificar o arguido da sentença penal", Acs. TRL de 14/12/2007 in Proc. n° 9342/07.9, e também o Ac. TRL de 15/11/2007 in Proc. n° 2548/07.9, onde se diz: " (..) Nos demais casos, isto é, quando o arguido é condenado em pena não privativa de liberdade, a notificação da sentença haverá de ser feita nos termos previstos no artº 111° nº2 e segs designadamente no artº 115°, quando aquela se tornar difícil". Acórdãos estes que podem ser consultados em www.dgsi.pt.
Assim, e em resumo, podermos concluir que o arguido julgado na ausência, nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo 333° do CPP, deve ser notificado pessoalmente da sentença.
Essa notificação pessoal da sentença ao arguido pode ser realizada nos termos da alínea a) do n° 1 do artigo 113°, quando ele se apresentar voluntariamente em tribunal ou quando for detido, mas a detenção do arguido julgado na ausência só pode ser efectuada, nos termos do artigo 254°, n° 1, alínea a), ou seja, com a finalidade de lhe ser aplicada ou executada a medida de coacção de prisão preventiva.
Concluímos, por isso que o arguido julgado na ausência não pode ser detido para efeitos de lhe ser notificada a sentença por a tal obstar a finalidade da detenção prevista na alínea b) do n° 1 do artigo 254.° do CPP, tradução ao nível do direito ordinário da excepção constitucional contida na alínea f) do n° 3 do artigo 27°.
Por tudo isso, deve improceder o recurso.

***

IV- DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, manter o despacho recorrido, que é o que se encontra, por cópia, a fls. 86/90 deste recurso, e que foi proferido a 1/04/2008.
Sem custas.

*****
Coimbra,


....................................................................
Calvário Antunes



....................................................................
Félix Almeida