Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
886/05.2PAMGR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: ADIAMENTO
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
FALTA DO REPRESENTANTE DO ASSISTENTE
INQUIRIÇÃO DE MENOR DE 16 ANOS
Data do Acordão: 04/30/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA MARINHA GRANDE – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 328º, Nº 6 E 349º DO CPP
Sumário: 1. Tratando-se de procedimento que depende de acusação particular, não tendo havido ainda nenhum adiamento e havendo comunicação prévia de impossibilidade de comparência do mandatário da assistente, devidamente justificada, não há fundamento legal para se indeferir ao adiamento.

2. O prazo de 30 dias a que se refere o art. 328.º, n.º 6, do CPP, não se conta a partir da 1.ª sessão, o que se tornaria absurdo para processos que chegam a durar meses e até anos para julgar.

3. A inquirição reservada ao juiz é no sentido de acautelar a espontaneidade do depoimento e proteger a testemunha do calor que os intervenientes processuais possam colocar na discussão da causa.

Uma vez salvaguardados os fins que a lei pretende, não há razão para sancionar com nulidade o depoimento da testemunha que for obtido com perguntas feitas directamente por qualquer dos intervenientes processuais, desde que o juiz presidente nele consinta e não veja nenhum inconveniente, tudo dependendo da testemunha em causa e da maturidade da mesma.

Decisão Texto Integral: Processo comum com intervenção do tribunal singular, do 2.º Juízo, do Tribunal Judicial da Marinha Grande
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Acordam, em audiência, os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.
No processo supra identificado, a assistente A… deduziu acusação particular contra a arguida B…, como autora material, de um crime de injúria p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, pela prática dos factos constantes da acusação particular de fls. 48 a 51.
O Ministério Público pelo despacho de fls. 57 acompanhou a acusação particular deduzida pela assistente, pelos factos e incriminação constantes da acusação particular.
A assistente deduziu pedido de indemnização civil contra a arguida a fls. 51 e 52, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de 5.000 €, a título de danos não patrimoniais.
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O tribunal decidiu o seguinte:
a) Julgar a acusação improcedente, por não provada, e, em consequência, absolveu a arguida B... da prática do crime de injúria pelo qual vinha acusada.
b) Julgar improcedente, por não provado, o pedido de indemnização civil formulado pela demandante A... , e, em consequência, dele absolveu a demandada B... .
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Do despacho que indeferiu o adiamento da audiência marcada para 18/4/2007 e da sentença interpôs recursos a arguida.
Quanto recurso do despacho que indeferiu o adiamento da audiência, formula as seguintes as conclusões:
«1- No dia 18/4/2007 teve efectivamente lugar a segunda sessão da audiência de julgamento, não obstante a ausência justificada por uma só vez do representante da demandante/assistente, em procedimento criminal dependente de acusação particular.
2- Sendo que da acta da terceira sessão, realizada a 18/4/2007, consta o seguinte Despacho (fls. 159): “Nos termos do art. 330.°, n.º 2 do CPP, se no início da audiência não estiver presente o representante do assistente em procedimento dependente de acusação particular a audiência é adiada por uma só vez. Com efeito, o que se verifica in casu, é que a audiência de discussão e julgamento já teve início no dia 21 de Março de 2007, mostrando-se hoje designada a sua continuação pelo que, e salvo melhor opinião, não se aplica o disposto no n.º 2 do art. 330.º, do CPP”.
3- Notificado desse Despacho a 23/4/2007, arguiu o mandatário da demandante/assistente, a 26/4/2007 (fls. 170 e 171), a irregularidade processual verificada nos termos do artigo 123.º, do CPP.
4- Porque, nos termos da segunda parte do n.º 2 do artigo 330.º, do CPP: “Tratando-se da falta do representante do assistente em procedimento dependente de acusação particular, a audiência é adiada por uma só vez”.
5- Esta disposição legal é imperativa e não se cinge a um momento específico da audiência de julgamento, e muito menos ao início da audiência.
6- É evidente que na falta devidamente justificada do representante do assistente (como foi o caso!), por uma só vez (como foi o caso!), à audiência de julgamento, independentemente da sessão em causa, a mesma deveria ter sido adiada (o que, infelizmente, não ocorreu!).
7- A referida irregularidade processual causou graves prejuízos na sustentação da sua legítima posição, desde logo porque a mesma não permitiu à assistente contra-interrogar as testemunhas da defesa, requerer eventuais novos meios de prova, de apresentar as suas alegações finais, etc...
8- Devendo assim proceder-se à reparação da sobredita irregularidade processual, dando-se por inválido tudo o que ocorreu no pretérito dia 18/4/2007, no âmbito da terceira sessão da audiência de julgamento.
9- Dando-se sem efeito o Despacho constante de fls. 159, do qual ora se recorre.
10- Dando-se integral provimento ao presente recurso».
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Quanto ao recurso da sentença, formula as seguintes conclusões:
«1- Como já alegado em sede de recurso do Despacho confirmativo da irregularidade processual que marginalizou, ilegalmente, o mandatário da assistente da terceira sessão da respectiva audiência de julgamento, tudo o que foi produzido durante a referida sessão não pode ser validado e, por conseguinte, toda a prova produzida ao longo de todo o julgamento deverá ser repetida, por força do disposto nos artigos 330.º, n.º 2 e 328.º, n.º 6, do CPP.
2- Acrescendo os efeitos da nulidade processual detectada apenas agora em sede de audição da gravação de todas as sessões da audiência de julgamento, resultante do facto da testemunha menor de 12 anos, C… , ao arrepio do disposto no artigo 349.º, do CPP, ter sido inquirida directamente pelo defensor da arguida.
3- Quanto ao mais, como se demonstrou anteriormente, a sentença ora recorrida assenta numa apreciação notoriamente errada da prova produzida, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 410.° do CPP, devendo a mesma ser reanalisada e revalorada com rigor e correcção.
4 -Dando-se integral provimento ao presente recurso».
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O Ministério Público, notificado da interposição dos recursos, para os efeitos do art. 413.º, do CPP, apresentou resposta, no sentido de ser negado provimento aos recursos, pronunciando-se apenas quanto à falta de fundamento para adiamento da audiência, cuja continuação fora marcada com audição prévia dos intervenientes processuais.
Nesta Relação o Ex.mo Procurador-geral Adjunto, emitiu douto parecer, no sentido da improcedência do recurso, do despacho que indeferiu o adiamento da audiência, bem como do recurso da sentença, a qual, em seu entender deve ser mantida por não sofrer de vício de erro notório na apreciação da prova.
Cumpridas as notificações para os efeitos do art. 417, n.º 2, do CPP, não houve respostas.
Colhidos os vistos legais e realizada a audiência, cumpre decidir.
Vejamos pois a factualidade dos autos e respectiva motivação.
Convicção do tribunal:
«Pela discussão da causa, atento o teor das declarações da arguida - a qual negou a prática dos factos pelos quais vem acusada, referindo, todavia, ao tribunal, que se encontrava com a neta no carro, à espera do neto, no parque de estacionamento e que a assistente lhe tirou uma fotografia e, referiu ainda, que tiveram problemas de vizinhança, não tendo boas relações as duas;
Sopesadas as declarações da assistente A... , que referiu ao Tribunal que naquele dia saiu da escola e ia ter com o marido tendo-se deparado com a arguida e com os dois netos desta dentro do carro, tendo a arguida aberto a janela do carro e dirigiu-lhe as palavras constantes da acusação, encontrou um aluno, E … , que lhe queria perguntar algo, falou com ele e a arguida continuou a proferir as referidas expressões na presença deste, após o que chegaram dois amigos seus, o G… e a F… que terão assistido a tudo. Referiu que meteu conversa com o porteiro da escola e passou a ser acompanhada por ele até ao café;
Sopesados os depoimentos das testemunhas acusação ouvidas D… , porteiro da escola; F... , E… e G... ; e ponderados os depoimentos das testemunhas de defesa arroladas pela arguida C…,; H... , I... e J... .
Com efeito a arguida e a assistente trouxeram versões divergentes dos factos, tendo esta inclusivamente referido que foi abordada pela testemunha E... para falar sobre um exame, não tendo esta versão sido corroborada pela testemunha; a testemunha D... , não conseguiu identificar as pessoas que a assistente lhe referiu; as testemunhas H... , I... , cunhado da arguida, e J... , não tinham conhecimento dos factos, tendo-se limitado a depor sobre a personalidade e sobre o comportamento habitual da arguida. A testemunha C... presenciou os factos e corroborou a versão trazida a julgamento pela arguida; enquanto as testemunhas E... , F… e G… , fizeram depoimentos contraditórios entre si, sendo que aquele referiu que estes não assistiram aos factos, enquanto a testemunha G… referiu ter ouvido as expressões proferidas pela arguida e a assistente referido que os mesmos assistiram a tudo.
Destarte, o depoimento das testemunhas não logrou convencer o Tribunal, ficando a dúvida insanável da forma como os factos ocorreram. Deste modo, tendo presente os princípios do “in dubio pro reo” e da presunção da inocência e feita a análise do certificado de registo criminal de fls. 86, formou o tribunal a convicção que apenas permite julgar provados os seguintes factos:
Factos provados:
1. A assistente é docente na “Escola Secundária Calazans Duarte” em Marinha Grande, onde se encontrava no dia 11.11.2005, pelas 17 horas.
2. A arguida B... e a assistente A... , tiveram num passado recente, problemas de vizinhança.
3. A arguida encontra-se reformada e recebe uma pensão mensal de 250 €, vive em casa própria, sendo que o marido aufere cerca de 400 €.
4. Como habilitações literárias, a arguida possui a 4ª classe.
5. A arguida não tem antecedentes criminais.
Factos não provados:
Para além dos que ficaram descritos, não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a discussão da causa, nomeadamente que:
1. A assistente quando estava a atender uma chamada no seu telemóvel, reparou que estavam duas pessoas adultas, acompanhadas de duas crianças, a olhar para si, de forma fixada e ostensiva, dentro de um carro de marca Peugeot, de cor cinza metalizada;
2. A assistente identificou dentro do referido carro a arguida, um homem que julga ser cunhado desta e ainda os dois netos da mesma;
3. Atendendo ao facto de a arguida vir procedendo do mesmo modo todas as quintas e sextas feiras, pela 17 horas, desde o começo das aulas, a assistente teve receio e voltou para junto do portão da sua escola, onde circulavam várias pessoas.
4. Alguns minutos depois tentou retomar o caminho até ao seu marido, que a esperava, optando por utilizar o lado esquerdo da rua, ou seja, o oposto ao lado em que se encontrava a viatura dentro da qual estava a arguida
5. Que a viatura tenha parado junto da assistente, e a arguida tenha aberto a janela e em voz alta e tom ameaçador, tenha proferido o seguinte: “a tua turma vai saber quem tu és…nem sabes o que te vai acontecer”
6. Quando a arguida voltou para junto do portão da sua escola tenha sido abordada por um aluno da escola, chamado E... , que com ela trocou algumas impressões acerca de um teste realizado na véspera.
7. Instantes depois a assistente tenha sido interpelada pela arguida, depois desta ter movimentado a sua viatura de marcha atas e colocado a mesma, de forma brusca, em cima do passeio, bem junto ao local onde a assistente se encontrava;
8. Que a arguida tenha saído da referida viatura e se tenha dirigido para junto da assistente e do aluno com quem esta conversava e tenha afirmado alto e bom som o seguinte: “ela é da pior espécie. Essa senhora é louca. É preciso ter cuidado com ela. Nem imagina o que ela faz lá na rua. Acende a luz de fora e tem lá umas câmaras”.
9. Não se provaram ainda os factos constantes da contestação de fls. 87 e 88, nomeadamente que:
10. A arguida quando estava no carro a ver se via os netos chegarem, a assistente passou pela frente do seu carro lhe apontou uma máquina fotográfica.
11. Não se provaram os factos constantes do pedido de indemnização civil de fls. 52».
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O Direito:
As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o âmbito do recurso, nos termos do art. 409.º, do Cód. Proc. Penal.
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, (Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98), sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

Questões a decidir:
I) Do recurso do despacho que indeferiu o adiamento da continuação da audiência de julgamento:
a) Apreciar se é admissível o adiamento da audiência de julgamento, por falta do representante do assistente em procedimento dependente de acusação particular, ao abrigo do art. 330.º, n.º 2, do CPP.
II) Do recurso da sentença:
a) Apreciar da nulidade por a testemunha C... , menor de 12 anos, ter sido inquirida directamente pelo defensor da arguida.
b) Apreciar se a sentença sofre de vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP.

I) Do recurso do despacho que indeferiu o adiamento da continuação da audiência de julgamento
Proferido que foi o despacho de fls. 69 que recebeu a acusação foi designada data de audiência de julgamento, que tiveram lugar as duas primeiras sessões, em 21/3/2007 e 28/3/2007, conforme se documenta respectivamente a fls. 111 e 131.
Nesta última sessão, para continuação da audiência foi designado o dia 18/4/2007.
Por requerimento de 12/4/2007, constante de fls. 135, dirigido aos autos pelo ilustre mandatário da assistente A... , veio este comunicar que estava impossibilitado de comparecer na data designada para continuação da audiência de julgamento. Requereu o adiamento da terceira sessão e comunicou que estava disponível para os dias 23/4/2007 (durante todo o dia), dia 24/4/2007 (no período da manhã) e também nos dias 26 e 27/4/2007 (durante todo o dia).
Junta documentos comprovativos da necessidade de estar ausente do país entre 17 e 21/4/2007, designadamente uma declaração de fls. 137, datada de 10/4/2007, passada pela empresa Iberlaser, Comércio de Material para Reciclagem, L.da.
A senhora juíza pelo despacho de fls. 141, de 13/4/2007, refere que o tribunal apenas tem disponíveis salas para diligências e julgamentos no 2.º juízo às 4.ªs feiras, como diz ter sido informado o senhor K... , na 2.ª sessão da audiência de julgamento.
Mais fundamenta o seu despacho com o facto da audiência de julgamento se ter iniciado em 21/3/2007, e, em seu entender a produção de prova já realizada perderá a sua eficácia se exceder o prazo de 30 dias, in casu, 20 de Abril de 2007, nos termos do art. 328.º, n.º 6, do CPP.
Notificado deste despacho o ilustre mandatário da assistente insiste no adiamento por novo requerimento de fls. 154, entrado nos autos a 17/4/2007, dado tratar-se de procedimento dependente de acusação particular, o que faz a coberto do disposto no art. 330.º, n.º 2, do CPP.
A senhora juíza, pelo despacho de fls. 156, no próprio dia 17/4/2007, diz já se ter pronunciado sobre a questão do adiamento, mantendo-se por isso a data designada para continuação, isto é, dia 18/4/2007, do que foi notificado o requerente por fax.
Esta sessão teve efectivamente lugar, tendo-se procedido á leitura da sentença no dia 2/5/2007.
Pelo requerimento de fls. 170, datado de 26/4/2007, veio novamente o ilustre mandatário da assistente aos autos arguir irregularidade processual, nossa termos do art. 123, do CPP, com a realização da 3.ª sessão de julgamento, pois impunha-se o adiamento, segundo o disposto no art. 330.º, n.º 2, do mesmo diploma legal.
Volta a senhora juíza a pronunciar-se sobre a questão suscitada e a fls. 172, profere despacho dizendo que já se pronunciou por despacho proferido em acta a fls. 159, onde refere que não tem aplicação o disposto no art. 330.º, n.º 2, do CPP.
A leitura da sentença teve lugar no dia 2/5/2007, na qual esteve presente o Sr. Dr. Arnaldo J. Fernandes, com mandatário da assistente.
Vejamos o que a lei dispõe quanto à falta de mandatário do assistente.
O art. 330.º, n.º 2, do CPP, a este respeito diz o seguinte:
«Tratando-se da falta de representante do assistente em procedimento dependente de acusação particular, a audiência é adiada por uma só vez; a falta não justificada ou a segunda falta valem como desistência da acusação, salvo se houver oposição do arguido».
Ora, tendo sido justificada antecipadamente a falta pelo senhor advogado, na qualidade de mandatário da assistente, por impossibilidade de comparência e não tendo havido ainda nenhum adiamento do julgamento dos autos impunha-se o adiamento, uma vez, verificados os requisitos ali previstos.
O adiamento a que a lei se refere naquele preceito de forma alguma pode ser entendido como aplicável apenas ao adiamento da sessão do início do julgamento.
O legislador não o disse e se o quisesse tê-lo ia dito, inserindo uma norma no sentido de que uma vez iniciado o julgamento não era admissível o adiamento das sessões posteriores, uma vez designada a data.
Não raras vezes os senhores juízes, por forma a melhor governarem a sua agenda e as disponibilidades de meios e dos próprios intervenientes processuais, designam logo antecipadamente uma série de sessões.
Tratando-se de procedimento que dependa de acusação particular o que a lei quis impor foi limitar o adiamento a uma só vez, independentemente da sessão em que ocorrer tal adiamento.
Não há nenhum elemento literal que nos permita outra interpretação.
A razão de ser é não permitir adiamentos de forma discriminada, imposto pelo princípio da celeridade processual e eficácia da justiça.
Ora, adiamento não é mais que a transferência de uma qualquer sessão de julgamento para uma data posterior.
No caso dos autos, o senhor advogado indicou o motivo justificativo e sendo previsível fê-lo com a antecedência de 5 dias, nos termos do art. 117.º, n.º 1, 3 e 3, do CPP.
Tratando-se de procedimento que depende de acusação particular, não tendo havido ainda nenhum adiamento e havendo comunicação prévia de impossibilidade de comparência do mandatário da assistente, devidamente justificada, para representar um cliente em Dusseldorf, na Alemanha, a senhora juíza, não tem fundamento legal para indeferir ao adiamento.
Por outro lado o prazo de 30 dias a que se refere o art. 328.º, n.º 6, do CPP, não se conta a partir da 1.ª sessão, o que se tornaria absurdo para processos que chegam a durar meses e até anos para julgar.
Dispõe concretamente aquele preceito:
«O adiamento não pode exceder 30 dias. Se não for possível retomar a audiência neste prazo, perde a eficácia a produção de prova já realizada».
Aquele prazo refere-se sim ao intervalo máximo que deve mediar entre cada sessão de audiência de julgamento.
Assim, tendo lugar a última sessão no dia 28/3/2007, a sessão seguinte para continuação da audiência de julgamento poderia ser designada desde que entre aquela data e a data a designar não decorressem mais de 30 dias, o que poderia ser até ao dia 27/472007.
Assiste pois razão ao ilustre representante da assistente quanto ao adiamento da audiência de julgamento.
Porém, cremos que não seguiu o melhor caminho para atacar a decisão que indeferiu ao adiamento.
Se não vejamos.
Não é por acaso que a lei no art. 117.º, n.º 2, do CPP impõe que sendo previsível a impossibilidade de comparência, deve ser comunicada com cinco dias de antecedência. A razão de ser desta exigência é para que o tribunal se pronuncie em tempo útil, a fim de evitar transtornos aos intervenientes processuais com eventuais deslocações inúteis a tribunal, se for caso de atender ao adiamento.
Por isso exige-se a intervenção do juiz antes da data designada para julgamento, no sentido de apreciar o requerimento.
Foi o que aconteceu, com o despacho de fls. 141, proferido a 13/4/2007, para apreciação do requerimento do adiamento, tendo decidido e concluído:
«…pelo se mantém a data designada nos presentes autos que para a continuação da audiência de discussão e julgamento».
Deste despacho que negou um direito ao requerente foi notificado por fax em 16/4/2007.
Porém, em 17/4/2007, dando-se o ilustre mandatário da assistente por notificado, fez entrar novo requerimento de fls. 154, insistindo no adiamento.
A senhora juíza, despacha no sentido de que já se pronunciara sobre essa questão e mantém a data designada para continuação da audiência de julgamento.
Deste despacho é notificado o Sr. Dr. K… , no próprio dia 17/4/2007, por fax (fls. 158) e a 3.ª sessão da audiência de julgamento teve lugar no dia 18/4/2007, com o havia sido designada na sessão anterior.
Então pelo requerimento de fls. 170, entrado nos autos no dia 26/4/2007, veio o ilustre mandatário da assistente arguir a irregularidade processual, que em seu entender ocorreu no dia 18/4/2007 com a realização da 3.ª sessão da audiência de julgamento, não obstante a falta justificada previamente do mandatário da assistente, em processo dependente de acusação particular.
A fls. 172, despachou a senhora juíza no sentido de que já se pronunciara sobre o não adiamento da sessão da 3.ª sessão de audiência de julgamento.
Ora, em procedimento dependente de acusação particular, tendo o mandatário da assistente requerido previamente o adiamento da continuação da audiência de julgamento, ao abrigo do disposto no art. 330.º, n.º 2, do CPP, justificando previamente a falta, por impossibilidade de comparecimento, cabia-lhe interpor o competente recurso que indeferiu a sua pretensão e não do despacho que indeferiu a irregularidade arguida por a sessão de julgamento ter decorrido sem a sua presença.
Embora substancialmente assiste razão ao ilustre mandatário da assistente, o mesmo podia e devia ter recorrido do despacho de fls. 141, proferido a 13/4/2007, que indeferiu o requerimento do adiamento e manteve a data designada nos presentes autos para a continuação da audiência de discussão e julgamento.
E o prazo de recurso da decisão que negou um direito ao requerente e manteve a dada designada para a 3.ª sessão da audiência de julgamento, começou a decorrer, no dia 16/4/2007, data em que foi notificado por fax.
Nesta conformidade improcederá o recurso da assistente com este fundamento.
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II) Do recurso da sentença
Como primeiro fundamento do recurso da sentença a assistente alega existir nulidade por a testemunha C... , menor de 12 anos, ter sido inquirida directamente pelo defensor da arguida.
Vejamos o que dispõe a lei nesta questão quanto á inquirição de testemunhas menores de 16 anos, cuja protecção das mesmas se encontra no art. 349.º, do CPP.
Informa este normativo o seguinte:
«A inquirição de testemunhas menores de 16 anos é levada a cabo apenas pelo presidente. Finda ela, os outros juízes, os jurados, o Ministério Público, o defensor e os advogados do assistente e as partes civis podem pedir ao presidente que formule à testemunha perguntas adicionais».
A testemunha C... foi ouvida, constando o seu depoimento transcrito de fls. 156 a 165.
Foi inquirida pele senhora juíza, tendo pedido directamente esclarecimentos o senhor advogado, conforme fls. 162 a 165.
A inquirição reservada ao juiz presidente é no sentido de acautelar a espontaneidade do depoimento e proteger a testemunha do calor que os intervenientes processuais possam colocar na discussão da causa.
Uma vez salvaguardados os fins que a lei pretende, não há razão para sancionar com nulidade o depoimento da testemunha que for obtido com perguntas feitas directamente por qualquer dos intervenientes processuais, desde que o juiz presidente nele consinta e não veja nenhum inconveniente, tudo dependendo da testemunha em causa e da maturidade da mesma.
No caso dos autos, o senhor advogado pediu alguns esclarecimentos.
A violação do disposto no art. 3439.º, do CPP, não está expressamente cominada na lei como nulidade e não se enquadra também como nulidade insanável ou dependente de arguição respectivamente previstas nos art. 119.º e 120.º, daquele mesmo diploma legal.
Daí que apenas possa ser considerada como irregularidade.
Diz o art. 123.º, n.º1, do CPP que qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado.
Também, nos termos do n.º 2, daquele mesmo artigo, pode ser ordenada oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afectar o valor do acto praticado.
Ora, a irregularidade pele irregularidade não faz sentido.
Se não resultar dos autos que a inquirição da testemunha C... de 12 anos de idade, directamente feita para esclarecimentos concretos pelo defensor da arguida, com consentimento da senhora juíza que presidiu ao julgamento, afectou o depoimento da menor, nada justifica a invalidade do acto.
Por outro lado diremos ainda que o ilustre mandatário da assistente não estando presente no acto da inquirição, devia ter arguido a irregularidade nos três dias seguintes a contar da notificação que lhe foi feita após a sessão em que teve lugar a inquirição agora posta em causa.
Ora, em 26/4/2007, veio a recorrente arguir a irregularidade processual por a sessão de 18/4/2007 ter decorrido sem a presença do seu mandatário, ainda que previamente comunicada a impossibilidade de comparência devidamente justificada e ter sido requerido o adiamento.
Porém, nada disse quanto a esclarecimentos feitos directamente pelo defensor da arguida relativamente à inquirição da testemunha L... .
Nesta conformidade, não se atende à irregularidade invocada como fundamento do recurso da assistente, nos termos do art. 123.º, do CPP.
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A matéria de facto não foi impugnada, com base em erro de julgamento, nos termos do art. 412.º, n.º 3 e 4, do CPP.
Não tendo sido impugnada a matéria de facto naqueles termos a mesma só pode ser modificada ao abrigo dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, devendo resultar do texto da própria sentença e não de elementos extrínsecos.
A assistente alega ainda como fundamento da motivação de recurso padecer a sentença recorrida do vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP.
A recorrente confunde o erro notório na apreciação da prova com o erro de julgamento, pois não tendo sido impugnada a matéria de facto não podemos corrigir a matéria de facto com base na reapreciação de depoimentos, como pretende ao referir os depoimentos das testemunhas E... e G… , F… , D... e a assistente, de fls. 225 a 230.
Ora, salvo o devido respeito pela opinião da recorrente, os juízos formulados quanto à credibilidade que a senhora juíza deu à prova em que baseou a decisão não pode por em causa a factualidade dada como assente.
Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum - Ac. da Relação de Coimbra de 6/03/02 in CJ, Ano XXVII, tomo II, pág. 44.
A apreciação da prova pelo julgador é livre, embora a discricionariedade na apreciação da prova tenha o limite das regras da experiência comum, utilizando como método de avaliação e aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e de controlo, nos termos do art. 127.° do CPP.
Em relação ao erro notório na apreciação da prova, " tal vício, previsto na alínea c) do n.º 2 do art. 410.°, existe quando, do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta evidente, por não passar despercebido ao comum dos observadores, uma conclusão sobre o significado da prova, contrária àquela a que o tribunal chegou a respeito dos factos relevantes para a decisão de direito." (Ac. do STJ de 22/1 0/99 in BMJ 490, 200).
O erro notório na apreciação da prova, nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto proferida e aquela que o recorrente entende ser correcta face à prova produzida em audiência de julgamento.
Ora, o tribunal explicou proficuamente os meios de prova que teve em consideração, a forma e critérios seguidos na valoração da prova e a razão que em seu entender levou o julgador a não dar como assente a versão constante da acusação particular.
A arguida negou a prática dos factos e a assistente manteve no essencial a versão da acusação particular.
São duas versões absolutamente contraditórias, sendo certo que as relações entre elas são muito más, pois tiveram anteriormente problemas de vizinhança.
O julgador, colocado perante duas versões absolutamente contraditórias, optou pela absolvição com base no princípio in dubio pro reo, perante uma dúvida irremovível, isto é, o tribunal não dispôs de outros elementos de prova que a permitissem remover no sentido da condenação, como se refere na fundamentação da sua convicção constante de fls. 179.
Os juízos formulados na apreciação da prova, constantes da fundamentação da matéria de facto, não vão contra as regras da experiência comum, nem revelam uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos ou arbitrários, de todo insustentáveis.
Não sofre pois a sentença recorrida do vício de erro notório na apreciação da prova, a que se refere o art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP.
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Decisão:
Pelos fundamentos expostos, decidem os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, negar provimento aos dois recursos interpostos pela assistente, e, consequentemente se confirmam o despacho que manteve a data designada para julgamento, bem a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UCs para cada um dos recursos
Coimbra,……………………………….

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Inácio Monteiro

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Alice Santos

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Luís Ramos