Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1508/06.0TXCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
REVOGAÇÃO
MOMENTO DE APRECIAÇÃO
Data do Acordão: 12/03/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DE PENAS - COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 61.º, 63.º E 64.º, N.º3, DO CÓDIGO PENAL
Sumário: O recluso, que cumpre pena residual por revogação de liberdade condicional, tem o direito a ver apreciada a sua libertação antecipada à metade e aos 2/3 de tal pena.
Decisão Texto Integral: Relatório

Por despacho de 26 de Abril de 2008, proferido pela Ex.ma Juíza do Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, nos autos de processo gracioso para concessão de liberdade condicional relativo ao arguido FR..., foi decidido não apreciar de imediato a liberdade condicional deste e solicitar ao proc. n.º 12/05.8GASTR, o seu desligamento a fim de ficar ligado ao proc. n.º 1/01.1GAABT, para cumprir a pena residual, finda a qual será apreciada a liberdade condicional no âmbito do proc. n.º 12/05.8GASTR.

Inconformado com o despacho de 26 de Abril de 2008, dele interpôs recurso o Ministério Público, concluindo a sua motivação do modo seguinte:
1. Os despachos judiciais, que marcam as datas de apreciação da liberdade condicional não são actos de mero expediente, nem os que diferem a apreciação da liberdade condicional.
3. Negar a hipótese de recurso de decisões que contendem com liberdades e garantias é violar directamente a Constituição, impedindo a existência de recurso em matéria penal.
4. O recluso que cumpre pena residual por revogação de liberdade condicional tem o direito a ver apreciada a sua libertação antecipada à metade e aos 2/3 de tal pena.
5. Cumprindo outras penas para além desta, não pode tal direito ser afastado na contagem da sucessão de penas e ser-lhe imposto, ao arrepio de lei expressa, o cumprimento da totalidade da pena residual.
6. Foram violadas as normas dos artigos 61.º, 63.º e do n.º 3 do artigo 64.º, ambos do CPP
Termos em que, com os do douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho recorrido e ordenando-se a sua substituição por outro que proceda à apreciação - já muito atrasada - da libertação condicional do recluso, com todas as legais consequências, pois assim é de DIREITO e só assim se fará JUSTIÇA.

O arguido não respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público.
A Ex.ma Juíza manteve a decisão recorrida nos termos que constam do despacho de 18 de Outubro de 2008.

O Ex.mo Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação de Coimbra emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação

O despacho recorrido tem o seguinte teor:

« Nos presentes autos de Processo Gracioso para concessão de Liberdade Condicional, é apreciada a situação do arguido, FR..., melhor identificado nos autos.
O arguido encontra-se em reclusão, presentemente, no Estabelecimento Prisional Regional de Torres Novas, em cumprimento da pena de 3 anos e 6 meses de prisão, no âmbito do Processo n.º12/05.8GASTR, cujo, meio ocorreu em 05/05/07, de acordo com a liquidação do órgão competente (artigo 477.º do CPP), junta a folhas 3, que aqui se dá, por integralmente reproduzida.
Contudo, dos autos resulta ainda, que o arguido tem a cumprir, a pena residual, de 1 ano, 7 meses e 15 dias, por revogação de liberdade condicional, no âmbito do processo n.º1/01.1GAABT.
Mais resulta dos autos, que o arguido, ainda não cumpriu tal residual, não tendo sequer sido ligado a tal processo.
Nos termos do disposto no, artigo 63.º n.º 4 do CP, e não obstante o arguido, ter o cumprir 2 penas de prisão, não há aqui lugar a cumprimento sucessivo, das mesmas, uma vez que uma delas resulta de revogação de Liberdade Condicional.
Por outro lado, há ainda que atentar que, nos termos do artigo 64.º n.º 3 do mesmo diploma legal, e relativamente à pena residual, poderia haver lugar, à concessão de nova Liberdade Condicional.
Contudo, parece-nos, com o devido respeito, por opinião contrária, que, no caso dos autos, tal não se pode verificar, já que, no processo no qual o arguido foi, condicionalmente libertado, foi-o, pelos 2/3, não havendo lugar a outras apreciações, uma vez que a pena, era de 5 anos de prisão.
Assim, o arguido só pode ter apreciação, da sua situação, para efeitos de Liberdade Condicional, relativamente à pena que cumpre no âmbito do processo n.º 12/05.8GASTR.
Nesta pena, mostra-se já ultrapassado o meio, não tendo havido, qualquer apreciação da Liberdade Condicional.
Porém, e a apreciar-se, de imediato a sua situação, e caso até fosse de conceder a Liberdade Condicional, (o que não se indicia, pelo teor dos Pareceres e Relatórios que antecedem), sempre levaria a que o arguido, tivesse que ser ligado ao processo n.º1/01.1GAABT, para cumprimento integral da pena residual de 1 ano, 7 meses e 15 dias.
Pelo exposto, parece-me ser mais favorável ao arguido, ser, ligado a este processo, (n.º1/01.1GAABT), o mais rapidamente possível, para cumprir a pena residual, após o que voltará ao outro processo, onde já se poderá apreciar da Liberdade Condicional em termos concretos e definitivos.
Para tanto, envie cópia deste despacho ao respectivo processo, para que procedam em conformidade, solicitando, ao processo à ordem do qual o arguido se encontra, (n.º12/05.8.GASTR), o seu desligamento/ligamento, cujo, deveria retroagir, pelo menos ao meio da pena daquele (05/05/07), por forma a não prejudicar o arguido, para efeitos de apreciação de Liberdade Condicional, já que esta, só, poderá fazer-se, cumprido que esteja, o total da pena residual e metade da outra.
D.N., pelos meios mais céleres, solicitando envio da respectiva liquidação.
No EP e em CT, foi toda esta situação exposta e esclarecida ao arguido.
No entanto e com cópia deste despacho, notifique-se o mesmo e informe o EP, Serviços de Educação e DGRS.
D. N..
Pelo exposto e conforme melhor resulta da respectiva acta, foi a presente apreciação dada sem efeito.».
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O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.

e de 24-3-1999 Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247. ).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350. , sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos , face às conclusões da motivação do recorrente Ministério Público a questão a decidir é a seguinte:
- se o despacho recorrido ao decidir que o recluso, que cumpre pena residual por revogação de liberdade condicional, deve cumprir totalmente esta pena, violou o disposto nos artigos 61.º, 63.º e 64.º, n.º3, do Código Penal, uma vez que o recluso tem o direito a ver apreciada a sua libertação antecipada à metade e aos 2/3 de tal pena.
Passemos a conhecer desta questão.
A liberdade condicional é predominantemente definida como um incidente de execução das penas privativas da liberdade, incluído no quadro de combate ao carácter criminógeno deste tipo de penas.
Como resulta do ponto n.º 9 do preâmbulo do Código Penal de 1982, o seu objectivo definido é « o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido põe efeito da reclusão.».
Na concretização destes objectivos do instituto da liberdade condicional o art. 61.º do Código Penal, na redacção da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, enuncia os pressupostos e duração da mesma liberdade, estabelecendo designadamente o seguinte:
« 1 – A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.
2 – O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.
3 – O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior. ».
Considerando que o condenado pode estar sujeito à execução sucessiva de várias penas e importava conhecer o momento em que, nesse caso, o condenado devia ser colocado em liberdade condicional, o art.63.º do Código Penal , na redacção de 2007, estabelece o seguinte:
« 1- Se houver lugar à execução de várias penas de prisão, a execução da pena que deva ser cumprida em primeiro lugar é interrompida quando se encontrar cumprida metade da pena.
2- Nos casos previstos no número anterior, o tribunal decide sobre a liberdade condicional no momento em que possa fazê-lo, de forma simultânea, relativamente à totalidade das penas.
3- Se a soma das penas que devam ser cumpridas sucessivamente exceder seis anos de prisão, o tribunal coloca o condenado em liberdade condicional, se dela não tiver antes aproveitado, logo que se encontrarem cumpridos cinco sextos da soma das penas.
4- O disposto nos números anteriores não é aplicável ao caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional.».
Por fim, o art.64.º do Código Penal, na versão de 2007, que o recorrente Ministério Público invoca também como tendo sido violado pelo despacho recorrido, estatui o seguinte:
« 1- É correspondentemente aplicável à liberdade condicional o disposto no artigo 52.º, nos n.ºs 1 e 2 do artigo 53.º, no artigo 54.º , nas alíneas a) a c) do artigo 55.º, n.º n.º1 do artigo 56.º e no artigo 57.º.
2- A revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida.
3- Relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61.º».
Da certidão dos presentes autos resulta que no proc. PGLC n.º 941/04.6TXCBR, por despacho de 5 de Agosto de 2005, foi concedida liberdade condicional ao arguido FR..., pelo período decorrente até 20 de Março de 2006, cumpridos que se encontravam dois terços da pena de 5 anos de prisão em que o mesmo havia sido condenado por crime de tráfico de estupefacientes no proc. n.º 1/01.1GAABT.
Por despacho de 9 de Outubro de 2006, foi revogada a liberdade condicional concedida ao arguido Francisco e determinado que o mesmo cumpra o período de pena de prisão que lhe faltava cumprir aquando da concessão daquela liberdade, uma vez que em Agosto de 2005 veio a ser condenado no proc. n.º 12/05.8GASTR, por crime tráfico de menor gravidade, em pena de 3 anos e 6 meses de prisão.
Por despacho de 8 de Fevereiro de 2007, o Ex.mo Juiz do TEP mencionou designadamente , ao abrigo do art.64.º, n.º 3 do Código Penal, que a primeira avaliação da execução da pena de prisão seria em 27-2-2008.
A Ex.ma Juíza do TEP veio no despacho recorrido mencionar que o arguido não beneficia do disposto no art. 64.º, n.º 3 do Código Penal, uma vez que o arguido Francisco foi libertado pelos 2/3 no âmbito do cumprimento da pena do proc. n.º1/01.1GAABT.
Vejamos.
Começamos por referir que respeitando o art.63.º do Código Penal à execução de penas sucessivas, delas excluindo a execução da pena que resulta de revogação da liberdade condicional, estando em causa apenas uma pena autónoma, a do proc. n.º n.º 12/05.8GASTR, e o remanescente da pena que resulta de revogação da liberdade condicional, o despacho recorrido não viola este preceito ao não aplicar o mesmo na decisão em apreciação.
Já a Comissão de Revisão do Código Penal de 1995 se pronunciara no sentido de que, estando em causa uma pena que resulta da revogação da liberdade condicional e uma outra pena autónoma, a doutrina do art.63.º do Código Penal ( art.61-A do Projecto de Revisão) não é aplicável a esse caso Código Penal , Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Ministério da Justiça, 1993, pág. 71..
O que está em causa é a interpretação do art.64.º, n.ºs 2 e 3 do Código Penal.
O Código Penal de 1982, na sua primitiva redacção, estatuia no art.63.º, n.º 2 , que « A revogação determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida; pode, contudo, o tribunal, se o considerar justificado, reduzir até metade o tempo de prisão a cumprir, não tendo o delinquente, em caso algum, direito à restituição de prestações que haja efectuado. Relativamente à prisão que venha a executar-se, pode ser concedida, nos termos gerais, nova liberdade condicional.».
No dizer do Prof. Figueiredo Dias , « Esta doutrina está político-criminalmente justificada: se o resto da pena a cumprir é ainda por tempo que, se se tratasse de pena privativa da liberdade autónoma, justificaria a eventual concessão da liberdade condicional, não há qualquer razão para que esta esteja excluida, tudo devendo depender do novo juízo de prognose que o Tribunal haverá de efectuar.» Direito Penal Português, Noticias Editorial, pág. 550.
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Sobre este preceito diz o Cons. Maia Gonçalves, que « Há uma particularidade da revogação da liberdade condicional relativamente à revogação da suspensão da execução da pena. Se esta última for revogada o efeito será, sem mais, o cumprimento da pena fixada na sentença, não havendo portanto possibilidade de nova suspensão. Não assim, porém, quanto à prisão que vier a ser cumprida em consequência da revogação da liberdade condicional; aqui pode haver lugar à concessão de nova liberdade condicional, se se verificarem os respectivos pressupostos fixados no art.61.º. Tudo dependerá aqui de novo juízo de prognose a efectuar pelo Tribunal.» Código Penal Português, 8ª edição, pág. 342. .
Da liberdade condicional ocupa-se também o art.486.º do Código de Processo Penal, que no seu n.º 1 estatui que « Quando a liberdade condicional for revogada e a prisão houver ainda de prosseguir por mais de um ano, são remetidos novos relatórios e parecer, nos termos do art.484.º, até dois meses antes de decorrido o período de que depende a concessão.».
Nem deste preceito processual penal, nem do art.64.º, n.º 3 do Código Penal na redacção actual , ou do art.63.º do Código Penal, na redacção de 1982, resulta qualquer restrição na apreciação da concessão da liberdade condicional relativamente à pena de prisão residual ainda não cumprida, que resulta da revogação da liberdade condicional.
A pena residual relativa ao proc. n.º 1/01.1GAABT , para efeitos de concessão da liberdade condicional, está sujeita aos pressupostos gerais a que alude o 61.º do Código Penal, na redacção em vigor, ou seja, deve ser apreciada à metade e aos dois terços do seu cumprimento para eventual concessão de liberdade condicional.
Uma vez que o art.64.º, n.ºs 2 e 3 do Código Penal não exige o cumprimento integral pelo arguido Francisco da pena residual que resulta da revogação da liberdade condicional, não pode subsistir o despacho recorrido.

Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, revogando o despacho recorrido na parte em que decidira relegar a apreciação da liberdade condicional quanto ao arguido Francisco para o termo do cumprimento integral da pena residual relativa ao proc. n.º 1/01.1GAABT, determina-se que , após as necessárias diligências, proceda o TEP à apreciação da liberdade condicional quanto à pena residual nos termos que constam do art.61.º, aplicável por força do art.64.º, n.º 3 , ambos do Código Penal.
Sem custas.

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(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.).

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Coimbra,