Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1612/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: EXECUÇÃO
PENHORA
VENCIMENTO
LIMITE MÍNIMO DO VENCIMENTO PARA EFEITOS DE PENHORA
Data do Acordão: 06/20/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE SOURE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 824º DO CPC .
Sumário: I – Dispõe o artº 824º, nº 1, al. a), do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo artº 1º do DL nº 180/96, de 25/09, que são impenhoráveis dois terços dos vencimentos, salários ou prestações de natureza semelhantes, auferidos pelo executado.
II – Por sua vez, estatui o nº 2 de tal preceito legal que a parte penhorável dos rendimentos referidos no nº anterior é fixada pelo juiz entre 1/3 e 1/6, segundo a seu prudente arbítrio, tendo em atenção a natureza da dívida exequenda e as condições económicas do executado.

III – Todavia, como medida de referência do quantum mínimo necessário para assegurar a qualquer pessoa um mínimo de subsistência condigna, estabeleceu-se o montante correspondente a um salário mínimo mensal nacional, muito embora tal não deva passar de um simples ponto de referência e a avaliar casuisticamente.

Decisão Texto Integral: 1

Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório
1. Através de requerimento entrado na secretaria judicial em 21/10/2002, veio a A..., instaurar os presentes de execução, então sob a forma ordinária, contra vários co-executados, e entre os quais B... (na qualidade de avalista de uma livrança não paga), reclamando, com base nos fundamentos e títulos aí aduzidos, o pagamento (coercivo) da importância total de € 221.405,25, acrescida de juros moratórios.

2. Após a citação legal dos vários executados, os autos foram seguindo os seus trâmites normais (tendo inclusivé a referida executada, e outro, deduzido embargos à execução, os quais, todavia, vieram a ser julgados improcedentes, por decisão já transitada), com a indicação, por não se ter verificado o pagamento da quantia exequenda, pela exequente de vários bens à penhora.

3. Após algumas vicissitudes e incidentes processuais, acabou, a pedido da exequente, por ser ordenada, por despacho, a penhora judicial de 1/6 do vencimento mensal da referida executada (e dado já estar-lhe a ser-lhe deduzido, também por penhora, mais 1/6 daquele seu vencimento à ordem do processo de execução nº 608/2002, do 2º juízo cível do Tribunal de Leiria), tendo-se para efeito ordenado à respectiva entidade processadora do seu vencimento para proceder à respectiva dedução ou desconto.

4. Notificada de tal, veio aquela executada, através do requerimento de fls. 290/294, requerer o levantamento daquela penhora de 1/6 do seu vencimento ou, caso assim não se entendesse, a redução do seu montante.
Para o efeito alegou, em síntese, que vive exclusivamente dos rendimentos que aufere como professora, no montante líquido de € 1.722,23; que é divorciada; que vive sozinha em casa arrendada, pagando € 350 mensais pela renda da casa; que despende € 75 mensais nas deslocações entre a casa e o local de trabalho; que suporta as prestações bancárias que o filho tem pela aquisição de habitação, no valor de € 629,00; que despende mensalmente € 150 em consultas de psiquiatria e € 90 em medicamentos; que tem que efectuar periodicamente consultas de cardiologia e clínica geral, com o que gasta as quantias de € 85,00 e € 33,49, que consulta, também, com alguma regularidade o oftalmologista, procedendo à mudança das respectivas lentes e armação quando necessário; que suportou despesas médico-dentárias, no valor de € 895,00; que todos os fins-de-semana visita o filho que vive em Lisboa, com o que gasta € 150 mensais nas deslocações; que com água, luz, gás e telefone gasta mensalmente cerca de € 100,00, bem como as habituais despesas com alimentação e vestuário e, por fim, se encontrar já a descontar 1/6 do vencimento, no âmbito daquele outro processo judicial acima já indicado.
No final desse requerimento, e para prova do alegado, arrolou uma testemunha e juntou 16 documentos.

5. Notificada de tal requerimento, veio a executada, nos termos e com os fundamentos aduzidos no seu requerimento de fls. 317/320, defender o indeferimento daquela pretensão da executada, alegando ainda ali que, com tal pedido, estaria a mesma a litigar com má fé.
5.1 Desse requerimento de resposta não foi notificada a executada.

6. Foi então, de seguida, proferido o despacho de fls. 321/322, no qual, e com base nos fundamentos aí aduzidos, se decidiu indeferir aquela pretensão da executada e bem assim como a pretensão da exequente de condenação daquela como litigante de má fé.

7. Não se tendo conformado com tal decisão, a executada B... dela veio interpor recurso, o qual foi admitido como agravo.

8. Nas correspondentes alegações de recurso que apresentou, a agravante concluiu as mesmas nos seguintes termos:
1. Notificada do teor do requerimento da executada, deduziu a exequente oposição ao incidente levantado, não tendo sido a recorrente, até à presente data, notificada do seu teor e desconhecendo, assim, os factos impugnados pela exequente bem como o conteúdo de tal oposição.
2. Não decidiu bem Tribunal a quo ao não realizar audiência com avaliação dos meios de prova (testemunhal) indicados pela ora Recorrente para depois proceder à fixação da matéria de facto alegada como provada e não provada.
3. Existindo, assim, uma violação dos trâmites legais que disciplinam o incidente processual, o que directamente influi no exame da causa já que a factualidade alegada pela Requerente a ser considerada como provada sempre implicaria uma decisão diferente da que foi proferida.
4. Assim, sempre a decisão estará ferida de nulidade nos termos do artigo 201º, nº 1 do Código de Processo Civil.
5. Em face das despesas referidas e devidamente comprovadas, é manifesto que não tem a Recorrente meios económicos que lhe permitam sustentar-se e suportar tal encargo judicial.
6. Situação que se agrava com a necessidade de ter de auxiliar financeiramente o seu filho, por o mesmo não ter uma situação profissional estável e segura.
7. Por outro lado, a Recorrente padece de uma doença crónica grave do foro psíquico, que lhe foi diagnosticada como perturbação afectiva bipolar, o que a tem prejudicado gravemente ao nível profissional e pessoal.
8. Acresce que, fruto de uma anterior penhora, a ora Recorrente já se encontra a descontar 1/6 do seu vencimento, que implica um encargo mensal de € 265, 96 mensais.
9. A manter-se tal penhora, estar-se-ia, por tudo o que atrás foi exposto, a colocar em perigo a dignidade da recorrente, por se lhe não permitir meio de subsistência condigno, sendo que a dignidade da pessoa humana e a sua tutela são imperativo constitucionalmente consagrado.
10. O conceito subjectivo de “necessidade”, reveste-se de alguma complexidade e a sua avaliação deve ser feita em atenção às circunstâncias concretas da Recorrente.
11. A Recorrente, que desde sempre foi habituada a um nível de vida considerado confortável e financeiramente estável, ao assumir a empresa dos pais, foi confrontada com um cenário económico devastador, que, por força das dívidas existentes, a obrigou a lidar com diversas execuções já em curso e que se traduziram, a posteriori, em penhoras ao seu vencimento.
12. Assim, face a tudo o que se disse, deverá a pretendida penhora ser levantada ou, em opção, ser reduzida para um valor considerado adequado.”

9. Contra-alegou a exequente pugnando pela improcedência do recurso e, consequentemente, pela manutenção da referida penhora ordenada no vencimento daquela executada.

10. Corridos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.
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II- Fundamentação
1. De facto.
Os factos a considerar, com relevância para a decisão do presente recurso, são aqueles que acima deixámos exarados no ponto I (e que resultaram das diversas peças processuais e documentos juntos aos autos).
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2. De direito
2.1 Como é sabido, e constitui hoje entendimento pacífico, é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto dos mesmos (cfr. artºs 690, nº 1, e 684, nº 3 do CPC), exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso (nº 2 – finé - do artº 660 do CPC).
Vem, também, sendo dominantemente entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a derimir (vidé, por todos, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.” e Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.”).
Ora, calcorreando as das conclusões do recurso e tal como, aliás, decorre do acima exarado, verifica-se que são duas as questões que importa aqui apreciar e decidir:
a) Da nulidade da decisão recorrida.
b) Da bondade, ou não, do despacho recorrido que indeferiu o pedido da agravante no sentido de ser levantada a penhora judicial de 1/6 do seu vencimento mensal, ordenada à ordem destes autos, ou, então, a redução do seu valor.

2.2. Quanto à 1ª questão.
Invoca a agravante estar a decisão recorrida ferida de nulidade, alegando para o efeito dois fundamentos:
a) Não ter sido notificada daquele requerimento, acima assinalado no nº 5 do ponto I, em que a exequente se pronunciou sobre o pedido da executada que motivou o despacho recorrido.
b) Não ter o srº juiz a quo procedido, previamente, à realização de audiência para produção e avaliação de provas, com a subsequente fixação da matéria factual dada como provada e não provada.
Como a própria agravante refere, estamos no domínio de nulidades processuais (cujo regime se encontra previsto no artº 201 e ss do CPC) e não perante vícios intrínsecos da própria decisão, geradores da sua nulidade (cfr. artº 668 ex vi nº 3 do artº 666, ambos do CPC).
Todavia, e independentemente de outras questões prévias que a propósito de poderiam eventualmente suscitar, é manifesto, para nós, que a pretensa nulidade não ocorre.
Senão vejamos.
Quanto ao 1º fundamento:
É certo que a apresentação do referido requerimento em que a exequente se pronunciou (desfavoravelmente) sobre o pedido aqui em causa da executada-agravante não foi notificada a esta (cfr. nº 5.1).
Configurando tal requerimento um simples exercício do direito de contraditório, no que concerne à pretensão antes solicitada pela executada, o mesmo não era gerador, em princípio, de um novo direito de resposta (quanto aos factos em questão), sendo certo que nem tal se encontra processualmente previsto para situação configurada (resposta a resposta).
Não obstante isso, sempre o referido requerimento deveria, em tais condições, ter sido notificado à ora agravante, tal como decorre do disposto no artº 229-A do CPC
E deveria tê-lo sido, e desde logo porque tal decorre do disposto nos artº 229-A e 228, nº 2 (finé), do CPC. Todavia, e como vem sendo dominantemente entendido, tal omissão não é (só por si) geradora de qualquer nulidade - mas tão só de uma mera irregularidade processual, que pode, inclusivé, levar a uma sanção tributária (vidé, por todos, Ac RC de 21/6/2004, in “www.dgsi.pt/jtrc, processo nº 1781/04”) -, sendo que, no caso em apreço, não se pode afirmar que tal irregularidade possa ter tido qualquer influência no exame da decisão da causa – e reportando-nos à sua pretensão do levantamento da penhora ou da redução do seu valor. E tal era condição para que a referida irregularidade processual pudesse ser geradora de nulidade (cfr. nº 1 do artº 201 do CPC.
Porém, já assim poderia não acontecer e pelo seguinte:
Naquele seu requerimento de resposta a exequente aproveita ainda o mesmo para, no seu final, alegar que a executada estaria a litigar com má fé.
Porque se tratava de uma “questão nova”, já então a notificação à executada se imporia sempre, nos termos e por força do disposto no artº 3, nº 3, do CPC, e com vista a permitir-lhe pronunciar-se estritamente sobre a referida questão da sua alegada má fé.
E sendo assim, ao não ser ordenada a notificação da executada para o referido efeito, foi violado último citado normativo legal.
Na verdade, com tal normativo visou-se ainda mais aprofundar o exercício do direito do contraditório e evitar “decisões-supresa”. (Para mais e melhor desenvolvimento vidé, sobre o tema e por todos, Ac de 15/10/2002, in “ www dgsi.pt/jstj”, e o prof. Lebre de Freitas, in “CPC Anotado, vol. 1º, págs. 6 a 10).
A violação de tal normativo gera uma nulidade processual, a apreciar nos termos gerais do artº 201 do CPC, visto ser susceptível de influir no exame e decisão na parte referente à dita à questão da má fé da executada. (Cfr. o prof. Lebre de Freitas, in “Ob. cit. vol. 1, pág. 9”; o prof. Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o Novo Processo Civil, 1997, pág. 48” e Ac. desta Relação e Secção de 4/10/2005, in “ Apelação nº 1955/05”).
Porém, no despacho recorrido, o srº juiz a quo, apreciando a referida questão, acabou por “absolver” a referida executada de qualquer condenação como litigante de má fé.
E daí ter-se também de concluir que, no caso em apreço, a referida irregularidade processual também não influiu no exame ou decisão da causa, não podendo, assim, falar-se da existência de qualquer nulidade (processual).
Quanto ao 2º fundamento.
A tal propósito limitarnos-emos, dada (pelo menos para nós) a simplicidade da questão, a dizer o seguinte:
Mesmo que a questão suscitada pela executada naquele seu requerimento pudesse vir a ser considerada como um incidente (de instância, atípico - cfr. artº 302 do CPC), o srº juiz a quo, no caso em apreço, julgou, fundamentalmente, de direito, sem colocar directamente em causa os factos alegados pela executada, ou seja, limitou-se a interpretar e a aplicar ou subsumir o direito aos factos alegados pela última (sem, repete-se, questionar estes últimos do ponto de vista da sua existência material, embora o tenha feito do ponto de vista jurídico). E nessa operação, de análise, subsunção e enquadramento jurídico, concluiu, desde logo, que manifestamente não se verificariam os pressupostos legais para que a pretensão da executada-requerente pudesse ser atendida, assim a indeferindo, tudo se passando, afinal de contas, como se julgasse a pretensão da requerente manifestamente improcedente.
E nesses termos, não justificaria a realização de audiência de produção de provas.
Logo, é patente que, também, nessa perspectiva, não corre a nulidade invocada pela ora agravante.

2.3 Quanto à 2ª questão.
Do levantamento ou redução do valor da penhora.
Questão essa que, essa sim, tem já a ver com o “undo ou mérito da causa”, e que passa por saber se a penhora de 1/6 que foi ordenada no vencimento mensal da executada-agravante deve ser levantada ou, pelo menos, reduzido o seu valor.
Começamos por dizer que, tendo a execução em causa sido instaurada em 21/10/2002, a análise da questão deve, fundamentalmente, ser feita à luz do artº 824 do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo artº 1º do DL nº 180/96 de 25/9 (cfr. artºs 1, 21 e 23 do DL nº 38/03 de 8/3), muito embora a sua actual redacção, dada pelo último diploma legal citado, possa, porventura, ajudar (em termos de interpretação) na solução do caso.
Dispõe o artº 824, nº 1 al. a), do CPC (da citada anterior redacção, e à qual nos referiremos sempre que doravante mencionemos tal normativo sem qualquer outra alusão) que são impenhoráveis dois terços dos vencimentos, salários ou prestações de natureza semelhante, auferidos pelo executado.
Por sua vez, estatui o nº 2 de tal preceito legal que “a parte penhorável dos rendimentos referidos no número anterior é fixado pelo juiz entre um terço e um sexto, segundo o seu prudente arbítrio, tendo em atenção a natureza da dívida exequenda e as condições económicas do executado”, enquanto nº 3 do mesmo dispositivo legal preceitua ainda que “pode o juiz excepcionalmente isentar de penhora os rendimentos a que alude o nº 1, tendo em conta a natureza da dívida exequenda e as necessidades do executado e seu agregado familiar”. 8Sublinhado nosso).
Como tal normativo visa-se, no fundo, encontrar uma solução de compromisso e equilíbrio entre os interesses do credor, com vista a obter uma realização rápida do pagamento o seu crédito (cujo direito se encontra tutelado pelo artº 62, nº 1, da CRPort.), e os interesses do devedor (que neste caso, dizemos nós, será também, tal como daquele outro, do próprio Estado de Direito Democrático), na salvaguarda da satisfação das suas necessidades vitais, ou seja, em garantir o direito a uma subsistência condigna com a sua dignidade enquanto pessoa (direito esse que se encontra tutelado pelas disposições conjugadas dos artºs 1, 59, nº 2 al. a), e 63, nºs 1 e 3, daquela mesma nossa Magna Carta). Vidé, a propósito, e para maior desenvolvimento, o prof. Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado, vol. 3, Coimbra Editora, págs. 356/358”, e Acordão do Tribunal Constitucional, nº 117/002, de 22/4/2002, publicado no DR, Iª S – A, de 2/7/2002 (na sequência do qual declarou então a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, “da norma que resulta da conjugação do disposto na alínea b) do nº 1 e no nº 2 do artº 824 do Código de Processo Civil, na parte em que permite a penhora até um terço das prestações periódicas, pagas ao executado que não é titular de outros bens penhorados suficientes para satisfazer a dívida exequenda, a título de regalia social ou de pensão, cujo valor global não seja superior ao salário mínimo nacional, por violação do princípio da dignidade humana, contido no princípio do Estado de Direito...”. (sublinhado nosso)
Acordão do Tribunal Constitucional esse cuja doutrina foi, em grande medida, a responsável pela actual redacção do citado artº 824, e, especialmente, dos seus nºs 2 e 3.
Com vista a atingir o referido equilíbrio de interesses, estabeleceu-se então (tal, como em grande medida, ainda hoje) que do montante do vencimento ou salário do executado (sendo apenas esses que nos importa aqui considerar) só um terço dele é que no máximo poderia ser penhorado, devendo o juiz, todavia, fixar dentro de tal baliza a penhora entre 1/6 e 1/3, e tendo sempre em conta quer a natureza da dívida exequenda, quer as condições económicas do executado; podendo ainda, em casos verdadeiramente excepcionais, o juiz isentar de tal penhora em função daquela 1ª circunstância acabada de mencionar e bem assim das necessidades do executado e do seu agregado familiar. (Quanto ao carácter excepcional dessa medida, vidé ainda, por todos, o prof. Lebre de Freitas, in “Ob. cit. pág. 356”).
Todavia, tal como resulta do referido acordão (e, já agora, da actual redacção do nº 2 do citado artº 824), como medida de referência do quantum mínimo necessário para assegurar a qualquer pessoa um mínimo de subsistência condigna, ou seja, para viver com dignidade humana, estabeleceu-se o montante correspondente a um salário mínimo nacional. Muito embora tal não deva passar de um simples ponto de referência, e a avaliar casuisticamente.
Salário mínimo esse (actualmente com a designação técnica de “retribuição mínima mensal garantida – RMMG”) que no ano 2005 – ano em que foi ordenada nestes autos a penhora em causa e no qual teve ainda lugar o requerimento que motivou o despacho recorrido, e como tal aqui a considerar (vidé, a este propósito, o prof. Lebre de Freitas, in “Ob. cit., pág. 357”) – se cifrava então em € 374,70 (cfr. DL nº 242/2004 de 31/12) – contra os actuais 385,90, fixados pelo DL nº 238/2005 de 30/12.
E daí a conclusão que, não tendo outros rendimentos, a penhora de somente 1/3 do vencimento do executado nem sequer seja possível, no caso do montante global do mesmo ser inferior ao valor do salário mínimo nacional ou, melhor, do RMMG.
Posto tudo isto, e reportando-nos ao caso em apreço, diremos:
Face aos factos alegados pela mesma, verifica-se que o vencimento mensal auferido (como professora do ensino secundário) pela executada se cifrava então no montante líquido de € 1.722,23 (correspondente a cerca de 4,6. do RMMG”).
Que esse vencimento se encontra já a ser deduzido em 1/6, por força de outra penhora ordenada à ordem de outro processo (redução essa que equivale a € 284,04, muito embora a executada no seu requerimento refira somente € 265,96).
Que se a esse vencimento deduzirmos, por força da penhora ordenada nestes autos, mais um 1/6 do seu montante (perfazendo o total de 1/3 legalmente permitido), fica o mesmo reduzido ao montante de € 1.148,15 (correspondente a 3,06 RMMG). Montante disponível esse que, por corresponder a 2/3 do vencimento da executada, era impenhorável (à luz da lei anterior, mas que, à luz da actual, já não o é necessariamente - cfr. nº 2 do artº 824 do CPC).
Face ao alegado pela executada deve considerar-se que a mesma tem as seguintes despesas mensais fixas:
€ 350 de renda de casa; € 75 de deslocações diárias da sua residência para o seu local de trabalho; € 150 em consultas de psiquiatria; € 90 em medicamentos; € 150 em deslocações a Lisboa, aos fins-de-semana, para visitar o seu filho (que ali exerce a actividade profissional de actor); e € 100 de despesas de água, electricidade, gás e telefone.
Deve, ainda, dizer-se que para o efeito não pode tomar-se em consideração a quantia mensal de € 629 correspondente à ajuda que dá ao seu referido filho para pagamento do empréstimo bancário que o mesmo contraiu para a aquisição, em Lisboa, de uma casa, uma vez que o aludido filho é emancipado, exercendo uma actividade profissional própria, e não devendo, assim, considerar-se como fazendo parte do seu agregado familiar (para efeitos do normativo acima citado). Por outro lado, deve ainda dizer-se que as demais despesas por si ali referidas, tal como resulta do por si alegado, não devem ser consideradas como despesas fixas, mas antes periódicas (vg. consultas de Cardiologia, Clínica Geral, Oftalmologia e Medicina Dentária).
As despesas mensais fixas acima referenciadas totalizam a importância de € 815. Desse modo, subtraindo esse montante àquele outro montante atrás referido de € 1.148,15 (como correspondendo ao seu vencimento mensal líquido disponível, após lhe ter sido feita a dedução de 1/3 pelas penhoras de 1/6 à ordem deste processo e de outro 1/6 à ordem daquele outro processo do Tribunal de Leiria), verifica-se que a agravante fica ainda com uma quantia disponível de cerca de € 333,15. Quantia essa que mesmo assim, depois de descontadas aquelas com tais despesas relacionadas com a vida própria da executada, continua a estar muito próxima do valor RMMG.
A essa importância deverão ainda juntar-se aquelas outras a que tem legalmente direito e que estão relacionadas com o subsídio de férias e de Natal (cuja totalidade ultrapassa, claramente, os € 3.000).
Por outro lado, a autora vive sozinha.
Desse modo (e mesmo considerando que no montante total acima referido relativo às despesas mensais fixas não se encontram incluídas as despesas relacionadas com a sua alimentação e vestuário que, como resulta das regras da experiência da vida, sempre existirão, mas cujo montante se desconhece por não ter sido por ela indicado, como lhe competia), tais importâncias deverão ainda ser consideradas suficientes para proporcionar à executada uma vivência condigna, embora seja de lhe pedir um esforço e algum sacrifício com vista a cumprir as suas obrigações legais.
Ora, sopesando tudo isso, afigura-se-nos, em conclusão, que com a penhora de mais 1/6 (além daquele outro desconto, também de 1/6) do vencimento mensal da executada, é possível satisfazer, equilibradamente, os interesses da exequente e da executada de que atrás falámos (permitindo a esta ainda manter uma vida condigna, e em respeito dos preceitos constitucionais de supra referenciamos).
Termos, pois, em que, não se vislumbrando razões suficientemente fortes que levem ao levantamento da penhora em causa ou à redução do seu valor, se decide julgar, assim, improcedente o recurso e confirmar o despacho recorrido.
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III- Decisão
Assim, em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso de agravo, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela agravante.

Coimbra, 2006/06/20