Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
158/06.5JACBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
RECURSO
Data do Acordão: 01/23/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA – 2ª VARA MISTA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1º,2º,6º,17º,26º,27º,28º L. 34/04-29/07
Sumário: Na vigência da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, na sua redacção original, como na actual, não cabe recurso para o Tribunal da Relação da decisão da 1ª instância que decidiu a impugnação judicial da decisão da segurança social sobre o pedido de protecção jurídica;
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.
I. RELATÓRIO.

No âmbito do processo nº 158/06.5JACBR-B, e a fim de requerer a abertura da instrução, o arguido A..., apresentou no dia 7 de Fevereiro de 2007, junto do Instituto da Segurança Social, I.P., Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Coimbra, requerimento de protecção jurídica de pessoa singular, na modalidade de apoio judiciário com dispensa de taxa de justiça e demais encargos.

Por decisão de 14 de Março de 2007, proferida pelo referido Centro, foi indeferida a pretensão de protecção jurídica na modalidade requerida.

Inconformado, o arguido impugnou judicialmente a decisão administrativa, invocando o deferimento tácito por, entre a apresentação do requerimento – 7 de Fevereiro de 2007 – e a decisão de indeferimento – 14 de Março de 2007 – terem decorrido os trinta dias previstos no art. 25º, nº 1, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, e por serem inconstitucionais as normas dos Anexos I e II da referida lei e os arts. 6º e 10º da Portaria nº 1085-A/2004, na medida em que, da sua aplicação, resulta que lhe seja negado o acesso aos tribunais, quando nem sequer aufere como rendimento, o mínimo de dignidade a que corresponde o montante do salário mínimo nacional, com violação do disposto nos arts. 1º, 20º, nº 1, 59º, nº 2, a), e 63º, nºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa, e concluiu pelo reconhecimento da existência de deferimento tácito e pela invocada inconstitucionalidade, com a consequente concessão do apoio judiciário na modalidade de dispensa total de taxa de justiça e demais encargos.

Respondeu o Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Coimbra pronunciando-se pela improcedência da impugnação judicial.
Por despacho de 12 de Junho de 2007, o Mma. Juíza de Instrução Criminal negou provimento à impugnação, nos seguintes termos (por transcrição):

“ (…).
A... apresentou impugnação da decisão proferida pelo Instituto da Segurança Social, IP, datada de 14.3.07, que lhe indeferiu o pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo (fls. 23 a 26).
I – Considera o requerente que, tendo solicitado protecção jurídica aos competentes serviços administrativos a 7.2.07, tal requerimento deveria considerar-se tacitamente deferido 30 dias após, nos termos do artº 25º, nº 1 da L 34/04, de 29.7, a 9.3.07, portanto antes da decisão de indeferimento de 14.3.07.
Sobre o tema do acto tácito pronunciou-se a entidade recorrida observando, e bem, que, a 9.2.07, notificou o requerente para, em 10 dias, se pronunciar (conforme fls. 20).
Tal notificação ocorreu a 13.2.07 (fls. 21), decorrendo o prazo de 10 dias úteis até 28.2.07, estando durante tal lapso de tempo suspenso o prazo de formação do acto tácito, conforme resulta do disposto no artº 100º, nº 3, do CPA [1 – Concluída a instrução, e salvo o disposto no artigo 103º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta. 2 – O órgão instrutor decide, em cada caso, se a audiência dos interessados é escrita ou oral. 3 – A realização da audiência dos interessados suspende a contagem de prazos em todos os procedimentos administrativos.]
É, pois, infundado o exposto a este respeito.
II – O requerente refere que o rendimento anual considerado nos autos foi de € 9259,20, auferido por um agregado familiar constituído por quatro pessoas, o que corresponde a um rendimento anual, per capita, de € 2314,80, isto é, de cerca de 41 % do salário mínimo anual, o que não lhe chega para comer duas vezes por dia, andar vestido, calçado, limpo, efectuar viagem diária de ida e volta nos transportes públicos da cidade e ... suportar as custas judiciais, pelo que serão inconstitucionais os anexos I e II do diploma citado e os arts. 6º a 10º da Portaria 1085-A/04, de 31.8, por violação do disposto nos arts. 1º, 20º, nº 1, 59º, 63º, nºs 1 e 3 da CRP.
Faz apelo, num raciocínio de analogia, ao exposto no Ac. 62/02 do Tribunal Constitucional.
Antes da remessa dos autos a tribunal, a entidade reclamada pronunciou-se genericamente pela constitucionalidade das normas referidas.
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III – Recorde-se, como observa o Ministério Público, que antes de invocar a desconformidade das regras legais com o Texto Fundamental, o reclamante não deverá obnubilar a razão concreta do indeferimento do seu pedido de apoio judiciário.
É que, previamente a um qualquer rendimento do agregado familiar e às regras de apreciação da insuficiência económica estabelecidas nos citados anexos e Portaria, o requerente não atentou na notificação que lhe foi dirigida a 9.2.07 para que se pronunciar quanto à ausência de documentação dos rendimentos por si auferidos – absolutamente alheios à Segurança Social (fls. 20).
É que têm direito à protecção jurídica os que demonstrem estar em situação de insuficiência económica (art. 7º, nº 1, da L 34/04, de 29.7).
Assim, o reclamante poderia discordar do fundamento legal de que derivaria uma decisão para efectuasse um pagamento faseado ou divergir do cálculo do montante da respectiva prestação, mas não estava dispensado, em todo o caso, de fornecer os elementos requeridos pela entidade decisora quando esta verificou que o requerente exercia actividade profissional por conta de outrem (fls. 38 e, ora, fls. 75) e não juntou documentação relativa aos seus próprios rendimentos (afirma agora – fls. 74 – ter informado a Segurança Social de que não dispunha de qualquer recibo, atitude que os autos não documentam).
Pelo que, a decisão impugnada se fundou, prima facie, na omissão do requerente e, só depois, no reflexo de tal omissão sobre o seu requerimento e só nesta vertente seriam convocáveis as normas arguidas de inconstitucionais.
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IV – Os anexos I e II da L 34/04, de 29.7, não têm autonomia normativa de per si, constituindo antes parte (remissiva) do art. 8º, nº 5 daquela lei que dispõe: A prova e a apreciação da insuficiência económica devem ser feitas de acordo com os critérios estabelecidos e publicados em anexo à presente lei.
O requerente considera serem inconstitucionais todas as regras dos anexos I e II.
Porém, como se não trata de uma fiscalização abstracta da constitucionalidade de leis em globo, haveria que concretizar a norma de cuja inconstitucionalidade, em concreto, dependeria a procedência da impugnação, isto é, a regra concreta que a decisão impugnada aplicou e não poderia aplicar por ser violadora f da Lei Fundamental.
É que, convenhamos, os dois anexos contêm, pelo menos formalmente, oito regras distintas e os arts. 6º a 8º da Portaria 1085-A/04, também arguidos de inconstitucionais, desdobram-se em, pelo menos, dezassete comandos distintos.
Não se afigura que todas estas regras tenham sido convocadas pela Segurança Social para decidir como decidiu e o requerente também não as especifica.
Mais. Não indicou para cada uma delas qual o preceito Constitucional violado e porquê, limitando-se a remeter, em globo, para os arts. 1º, 59º, nº 2, al. a), 63º, nºs 1 e 3 e 20º, nº 1, da Constituição.
Ora, o Tribunal Constitucional tem vindo a enfatizar de forma reincidente a necessidade de os interessados exporem e concretizarem devidamente o objecto dos recursos que visam obter declarações de desconformidade de regras ordinárias com o Texto Fundamental a fim de definirem convenientemente o objecto do recurso.
Como exemplo, vejam-se os seguintes arestos:
O controlo de constitucionalidade que, nos recursos das decisões dos outros tribunais, a Constituição e a lei cometem ao Tribunal Constitucional é um controlo normativo, que apenas pode incidir, consoante os casos, sobre as normas jurídicas que tais decisões tenham aplicado, não obstante a acusação que lhes foi feita de desconformidade com a Constituição, ou sobre as normas jurídicas cuja aplicação tenha sido recusada com fundamento em inconstitucionalidade. AC. TC 584/04, de 2.8.
Ora, cabe aqui lembrar que o objecto do recurso de constitucionalidade é definido no requerimento de interposição do recurso, dado valerem aqui os princípios do pedido e da autonomia das partes (arts. 75º-A, nº 1 e 79º-C da LTC), e que são as conclusões das alegações delimitam o seu objecto (art. 690º, nºs 1 e 2 do CPC) – Ac. TC, 584/03, de 2.12.
Ao requerimento de impugnação para o tribunal de comarca da decisão da Segurança Social, quando se pretende que o intérprete determine a invalidade de normas legais por desconformidade com a Constituição, não se exige menor rigor e concreção, pois não cabe ao juiz seleccionar, de entre todos os normativos indicados com acrisia, os que convêm ao requerente em função da particular decisão impugnada.
*
Sendo assim, não está devidamente delimitado o objecto da impugnação tendo-se o requerente limitado a remeter, em globo, para um conjunto de normas que não foi convocado, em globo, pela decisão impugnada.
*
V – Pelo exposto, por manifestamente inviável, recusa-se provimento à impugnação. Custas pelo requerente.
Notifique.
(…)”
*
Também inconformado com esta decisão, o arguido dela interpôs recurso, apresentando no termo da respectiva motivação, as seguintes conclusões (por transcrição):

“ (…).
1ª – Referiu-se na decisão que o reclamante:
(...) não estava dispensado, em todo o caso, de fornecer os elementos requeridos pela entidade decisora quando esta verificou que o requerente exercia actividade profissional por conta de outrem (...).
2ª – O requerente, no seu requerimento de protecção jurídica, ou seja, no primeiro acto do procedimento, referiu ter como profissão:
Segurança (Ponto 2 do requerimento).
Já no ponto 3 referiu ainda: (sujeito 2 e 4 encontram-se desempregados).
Mais ainda, imputou-se a si mesmo um rendimento anual (€ 3216,00 – ponto 3 ainda do mesmo requerimento) que efectivamente não recebe (cfr. fls. 75).
3ª – O que também disse quando entregou tal documento e, lamentavelmente, tal não encontra retrato escrito, é que não possuía qualquer documento (recibo) à razão de, o seu empregador, ainda lhe não ter entregue (então) qualquer recibo. Deste modo, não só a omissão referida não existiu como a informatização dos serviços da Segurança Social, teriam permitido à Segurança Social, com mais dois ou três "cliques", descobrir, também, a situação laboral/ remuneratória do reclamante.
4ª – Levando em conta o que os autos demonstram parece assim que teria sido bem mais avisado falar em omissão da Segurança Social, em lugar de lhe dar um crédito de que a mesma, face aos factos documentados, não é credora.
5ª – Na parte do despacho recorrido que se refere à matéria de intervenção das normas constitucionais foram revelados dois inegáveis apuros:
a) O inegável conhecimento não só das normas que permitem o acesso, dos cidadãos, ao Tribunal Constitucional, como com igual esmero e saber foram enunciados com precisão imaculada os poderes de cognição do mesmo Tribunal.
b) Foi ainda revelada profunda actualização quanto ao rumo jurisprudencial de tal Tribunal no que respeita ao modo de reincidente rechaço das pretensões não coincidentes com o depurado objecto processual definido.
6ª – Porém, em lugar de se ter apreciado a validade comparativa de normas, dever-se-ia, ao invés, ter apreciado situações da vida. Ou seja, problemas concretos que os cidadãos suscitem. Mais ainda, no Tribunal de Instrução Criminal, há jurisdição plena, ou seja não só não existe o estribo do alegado pelas partes, como se pode livremente decidir e indagar tendo como limite:
1º) Os factos;
2º) A lei, incluindo e, desde logo, a Constituição;
3º) A consciência do julgador.
7ª – Na decisão recorrida e na parte respeitante à aplicação das normas constitucionais igualmente se não respeitaram:
a) Planos de competência. Atenta a inteligência do discurso, estamos em crer que se saberá que a impugnação de que cuidamos versa uma decisão administrativa e não jurisdicional;
b) Planos de jurisdição. Ainda atenta a superior abordagem lógica, parece-nos evidente que se não olvida que a instância demandada possui jurisdição plena, ou seja aquela em que o Juiz pode aplicar o Direito como bem o ponderar em função das circunstâncias do caso.
8ª – Mais ainda, entendeu-se (e bem refira-se) que a jurisdição plena, permitia a indagação factual, para além da efectuada pela Segurança Social. Agora, sendo assim, o que já se encontra para além de toda a compreensão é o conteúdo "minimalista" da decisão e atrás enunciado.
9ª – Por outro lado, a impugnação de decisão administrativa de que cuidamos pode ser redigida por um cidadão com alfabetização básica. Ou seja, pode constar singelamente de algo como: "A decisão é muita injusta, eu sou muito pobre e não posso pagar". Cabe, pois, ao Juiz convocar o sistema jurídico no sentido de apurar da plena e ampla legalidade não só da decisão em face da norma invocada pela administração, como, sobretudo, do sistema jurídico em que essa própria norma se insere.
10ª – Na decisão recorrida, porém, optou-se pela simulação de um julgamento perante o Tribunal Constitucional. E, sendo assim, o ser (decisão tomada) tem um tal desfasamento com o dever-ser (decisão/ponderação que se deveria ter tomado) que roça a denegação de justiça.
11ª – Foram, pois, violadas as normas dos arts. 27º e 28º, 1 e 4 da L. 34/2004.
12ª – Como o documentam os autos o rendimento mensal do arguido é igual à seguinte operação: € 165,34 (€ 2314,80/14) + € 50,00 = € 215,34.
13ª – Tomando o valor do salário mínimo para 2007, de € 403,00, verificamos que tal corresponde a um rendimento anual de € 5642,00. Assim sendo verificamos que o recorrente dispõe anualmente de 52% (2914,80/5642,00) do rendimento auferido por aqueles que ganham o salário mínimo nacional.
14ª – No pressuposto da não desagregação do agregado tal propicia-lhe o pagamento da renda de uma casa em zona urbana degradada, comer apenas duas vezes por dia, vestir-se na feira, ter higiene e andar de transporte público (ida e volta) na cidade de Coimbra. Não pode ir à escola, não pode ir ao médico (€ 8,75), não pode ir à farmácia, não pode ir ao café. Mas, pelos vistos, pode pagar custas judiciais!?
15ª – Os Tribunais patrocinam a defesa intransigente, como valor absoluto e intangível, da preservação da dignidade humana.
16ª – No caso presente, não nos encontramos perante apreciação da medida de satisfação do interesse creditório de um particular, mas na indagação da medida adequada a suportar por um cidadão para aceder ao serviço prestado pelo aparelho judiciário. Mais ainda, atento o princípio da proibição da auto-tutela, tal recurso, a tal serviço, é obrigatório e não depende, verdadeiramente, da vontade dos cidadãos.
17ª – No que ao caso reporta temos assim que quer o princípio do respeito pela dignidade humana, quer os princípios do livre acesso aos Tribunais e da tutela jurisdicional efectiva impõem que não devam existir restrições económicas no acesso aos Tribunais. E muito menos a formulação de pretensões de cobrança sobre alguém cujo rendimento nem sequer atinge o mínimo de dignidade (salário mínimo). Ou seja, a aplicação pretendida da portaria em causa faz com que o Estado denegue a um seu cidadão o acesso ao aparelho judiciário.
18ª – Realce-se aqui que qualquer um dos oito comandos dos anexos I e II da Lei 34/2004 ofendem quer a dignidade humana, quer o princípio do livre acesso aos Tribunais e da tutela jurisdicional efectiva, o mesmo acontecendo com os dezassete comandos dos arts. 6º a 8º da portaria 1085-A/2004. Ou seja, nenhum de tais comandos escapa ao crivo constitucional.
19ª – Por outro lado, a violação de tais princípios estruturantes é tanto mais clara quanto o rendimento de que dispõe não lhe permite satisfazer a totalidade das necessidades básicas do homem contemporâneo, o que, salvo melhor opinião parece violar a sua dignidade humana.
20ª – Sendo que, por não ter dinheiro, não teve direito à fase da instrução e à subida dos recursos que já interpôs, o que ainda com salvaguarda de melhor opinião, parece ofender o princípio do livre acesso aos Tribunais e da tutela jurisdicional efectiva.
21ª – Tudo para concluir novamente que a solução correcta passará pela recusa de aplicação dos anexos I e II da L. 34/2004 e portaria 1085-A/04, mormente o disposto nos seus arts. 6º a 10º por tais normas na medida em que estatuem o pagamento de custas judiciais por detentores de rendimentos iguais ou inferiores ao salário mínimo nacional serem inconstitucionais por violação dos princípios do respeito pela dignidade humana, do livre acesso aos Tribunais e da tutela jurisdicional efectiva, tal como os mesmos resultam do disposto nos arts. 1º, e 20º, 1 da Constituição da República Portuguesa.
22ª – Concluindo que igualmente se devem ter como violadas, na decisão recorrida, as referidas normas dos arts. 1º, e 20º, 1 da Constituição da República Portuguesa.
TERMOS EM QUE:
Deve ser reconhecido o justo impedimento no que respeita ao não pagamento da taxa de justiça devida pela interposição do presente.
Deve ainda ser reconhecida a supra invocada inconstitucionalidade, devendo, outrossim, ao interessado ser concedido apoio judiciário na modalidade de dispensa total de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
(…)”.
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Respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido pronunciando-se pela inadmissibilidade do recurso pois, não sendo caso de justo impedimento, e tendo sido recusado o apoio judiciário na decisão administrativa, com confirmação na impugnação judicial, impunha-se ao recorrente o pagamento da taxa de justiça devida e, em qualquer caso, pela sua improcedência.
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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

No exame preliminar do processo, ficou expresso o entendimento do relator de existir fundamento de rejeição do recurso, por irrecorribilidade da decisão.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO.

Questão prévia (Irrecorribilidade da decisão proferida pela 1ª instância).

1. O regime vigente do acesso ao direito e aos tribunais encontra-se previsto na Lei nº 34/2004, de 29 de Julho – que, além do mais, transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva nº 2003/8/CE, do Conselho, de 27 de Janeiro – recentemente alterada pela Lei nº 47/2007, de 28 de Agosto.
O sistema de acesso ao direito e aos tribunais, cuja promoção compete ao Estado, visa assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultura, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos (arts. 1º, nº 1 e 2º, da lei nº 34/2004).
O acesso ao abrange a informação jurídica e a protecção jurídica, havendo nesta última que distinguir ainda entre a consulta jurídica e o apoio judiciário (arts. 2º, nº 2 e 6º, nº 1, da Lei nº 34/2004).
Por sua vez, o apoio judiciário, que se aplica em todos os tribunais, e em qualquer forma de processo (art. 17º, nº 1, da Lei nº 34/2004), compreende as modalidades previstas no art. 16º, nº 1, da citada lei, entre elas, a dispensa total ou parcial de taxa de justiça e demais encargos com o processo (alínea a), do número referido).
A decisão sobre a concessão da protecção jurídica é, nos termos do art. 20º, nº 1, da Lei nº 34/2004, da competência do dirigente máximo dos serviços de segurança social da área da residência ou sede do requerente.
Desta decisão não cabe reclamação nem recurso hierárquico ou tutelar, apenas sendo susceptível de impugnação judicial (art. 26º, nº 2, da Lei nº 34/2004).

A impugnação judicial encontra-se regulada nos arts. 27º e 28º da Lei nº 34/2004.
E aqui apenas se encontra prevista a intervenção do tribunal da comarca o que, aliado à brevidade do procedimento em causa – onde avulta a imediata conclusão “ao juiz que, por meio de despacho concisamente fundamentado, decide, concedendo ou recusando provimento, por extemporaneidade ou manifesta inviabilidade”, só pode significar que não cabe recurso da decisão do tribunal de comarca que decide a impugnação judicial, para o tribunal de segunda instância.
Já assim sucedia no anterior regime (Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro), e se é certo que então, era referida a competência do tribunal de comarca para decidir a impugnação em última instância, não vemos razão para hoje termos diferente entendimento.
Em primeiro lugar porque, ao estabelecer apenas a impugnação judicial, foi intenção do legislador afastar o regime geral dos recursos. E depois porque, se dúvidas pudessem subsistir, elas deverão considerar-se completamente dissipadas com as alterações introduzidas ao actual regime pela Lei nº nº 47/2007, de 28 de Agosto.
Com efeito, esta lei aditou um nº 5 ao art. 28º da Lei nº 34/2004, passando a prever que o despacho que decide a impugnação judicial é irrecorrível.

Assim, entendemos que na vigência da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, na sua redacção original, não cabe recurso para o Tribunal da Relação da decisão da 1ª instância que decidiu a impugnação judicial da decisão da segurança social sobre o pedido de protecção jurídica (cfr. Neste sentido, Cons. Salvador da Costa, O Apoio Judiciário, 5ª Ed., 185, e Decisão do Exmo. Presidente da R. de Coimbra, de 24/05/2006, Reclamação nº 61/05, http://www.dgsi.pt).

2. Estabelece o art. 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
O direito de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva tem a natureza de direito prestacionalmente dependente e de direito legalmente conformado como é visível, quer quanto ao direito de acesso ao direito através das vias não-jurisdicionais, quer quanto ao direito de acesso aos tribunais (Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4ª Ed., 408).
Mas esta garantia constitucional não pressupõe e muito menos exige, a consagração de um duplo grau de jurisdição, no âmbito da protecção jurídica, podendo a lei ordinária estabelecer limites ao direito de recurso, desde que razoáveis. Com efeito, o direito de acesso aos tribunais não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre aos interessados diversos graus de jurisdição para defesa dos seus direitos, funcionando as limitações ao recurso como mecanismos de racionalização do sistema judiciário (Ac. T. Constitucional nº 431/02, de 22 de Outubro, http://www.tribunal constitucional.pt).
Desta forma, não vemos que careça de razoabilidade, o estabelecimento de apenas um grau de recurso da decisão administrativa, para o tribunal de comarca (com ressalva do recurso de inconstitucionalidade).

3. O recorrente requereu a protecção jurídica, na modalidade de apoio judiciário, dispensa total de taxa de justiça e demais encargos com o processo, ao Centro Distrital de Segurança Social de Coimbra.
Este Centro, por decisão de 14 de Março de 2007 indeferiu a pretensão requerida.

Impugnada judicialmente esta decisão administrativa, por despacho de 12 de Junho de 2007, proferido pela Mma. Juíza do Tribunal de Instrução Criminal de Coimbra, foi negado provimento à impugnação, com fundamento na sua manifesta inviabilidade.
Face ao que antecede, desta decisão da 1ª instância, porque irrecorrível, não cabe recurso.
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Conclusões:
- Na vigência da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, na sua redacção original, como na actual, não cabe recurso para o Tribunal da Relação da decisão da 1ª instância que decidiu a impugnação judicial da decisão da segurança social sobre o pedido de protecção jurídica;
- Assim, e nos termos das disposições conjugadas dos arts. 414º, nºs 2 e 3 e 420º, nº 1, do C. Processo Penal, deve o recurso ser rejeitado.
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III. DECISÃO.

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em rejeitar o recurso.
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Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em € 3 a que acrescem € 3, nos termos do art. 420º, nº 4, do C. Processo Penal.