Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
20/09.0JAAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: MOTIVAÇÃO DO RECURSO E CONCLUSÕES
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
Data do Acordão: 12/05/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - JUÍZO DE MÉDIA INSTÂNCIA CRIMINAL DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 417º, N.ºS 3 E 4, DO C. PROC. PENAL
Sumário: O texto da motivação do recurso – reservado aos respectivos fundamentos – é imodificável e, como tal insusceptível de ser aperfeiçoado.
O convite ao aperfeiçoamento previsto no art.º 417º, n.º 3, do C. Proc. Penal, reporta-se apenas à parte da motivação respeitante à formulação de conclusões.
Decisão Texto Integral: . Relatório

1. No âmbito dos presentes autos por decisão sumária, proferida em 12.09.2012, veio o recurso interposto pelo arguido A... a ser rejeitado ao abrigo do disposto nos artigos 411º, nº 1, al. a), 414º, n.ºs 2 e 3, 417º, nº 6, al. b) e 420º, nº 1, al. b), todos do CPP.

2. Inconformado com o assim decidido, reclamou o arguido para o Exmo. Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, o que fez nos termos do artigo 405º do CPP.

3. Por despacho de 03.10.2012, reconhecendo, embora, não ser o meio escolhido o próprio com vista ao objectivo prosseguido, ainda assim, considerando configurar o mesmo, em substância, uma verdadeira reclamação para a conferência [artigo 417º, nºs 6 e 8 do CPP], decidiu – se pelo aproveitamente do processado, tramitando-o como tal.

4. Na reclamação, em síntese útil, invoca o recorrente:

a. Ter dado cumprimento, tanto quanto lhe era possível em face ao teor do acórdão recorrido, ao disposto no artigo 412º, nº 3 do CPP, quer no que respeita à prova pessoal quer no que concerne à prova documental, na medida em que expressamente

«afirmou que o assistente não disse o que vem exposto na decisão recorrida», bem como que «os documentos (tratando-se de documentos bancários, isto é, listagens de movimentos …) juntos aos autos» não permitiam «extrapolar para a factualidade dada como provada …»;
b. Razão pela qual, «escreveu claramente a expressão que a decisão transcreveu: que o recorrente, a ser assim, não poderia dar cumprimento exaustivo ao preceituado no Art. 412º nº 3, al. a) do CPP», afirmação que a decisão em reclamação «subverteu», «transfigurando-a e usando-a contra si»;
c. «Embora não se aceite a prática, haverá de admitir-se que o tribunal de recurso entendesse, por exemplo, que o recorrente teria de transcrever todo o depoimento do assistente para poder alegar em sede de recurso que este não proferiu essas declarações …»;
d. «Embora não aceite, admite-se, também que o tribunal de recurso entendesse que o recorrente teria de transcrever todos os documentos para poder alegar em sede de recurso que estes não têm a potencialidade de provar os factos que vão mencionados na decisão recorrida por não os inscreverem em si mesmos»;
e. «Admite-se ainda, embora não se aceite, que para coligir e conjugar estes dois meios de prova o tribunal de recurso entendesse que o recorrente deveria a voltar a fazer o mesmo trabalho para cada um desses documentos e para cada uma das afirmações do assistente …»;
f. Mas, a ser assim, deveria o tribunal de recurso convidar o recorrente «a aperfeiçoar as suas alegações».

Conclui, pedindo a revogação da decisão em crise e, em consequência, o conhecimento do recurso, devendo, caso assim não seja entendido, ser convidado a «completar e esclarecer as suas alegações e conclusões».

5. Cumprido o contraditório nenhum dos intervenientes processuais se pronunciou.




6. Proferido despacho a admitir a reclamação e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

II. Fundamentação

Definido que está o objecto da reclamação, vejamos o teor da decisão em causa.

É do seguinte teor a decisão sumária sob reclamação:

“I.

1. No âmbito do processo comum colectivo nº 20/09.0JAAVR da Comarca do Baixo Vouga, Aveiro – Juízo de Instância Criminal, por acórdão do Tribunal Colectivo de 13.12.2011, depositado na mesma data [cf. fls. 365/366], foi o arguido, ora recorrente, A..., melhor identificado nos autos, absolvido de um crime de acesso ilegítimo, p. e p. pelo artigo 6º, nºs 1 e 4 da Lei nº 109/2009, de 15 de Setembro, por que vinha acusado e condenado pela prática de um crime de burla informática, p. e p. pelo artigo 221º, n.ºs 1 e 5, alínea a), do Código Penal, na pena de 280 [duzentos e oitenta] dias de multa à taxa diária de € 6 [seis] euros.
Mais foi o arguido/demandado condenado a pagar ao demandante B... a quantia de € 1000,00 [mil euros], acrescida de juros, à taxa legal, desde a notificação, sobre a quantia de € 700,00 [setecentos euros].

2. Do referido acórdão foi o arguido, bem como o seu Ilustre mandatário, notificado no dia 13.12.2011 – [cf. fls. 341 a 344, 365, 366 e artigo 373º, nº 3 do CPP].

3. Inconformado com o decidido recorreu o arguido, recurso, esse, que veio a ser admitido por despacho de fls. 432.



II.

De acordo com o nº 3 do artigo 414º do CPP, o despacho de admissão do recurso não vincula o tribunal superior.
No caso em apreço, como facilmente se demonstrará, o recurso apresenta-se extemporâneo e, em consequência, deverá ser rejeitado.

Vejamos.

Conforme resulta do nº 1 do artigo 411º do CPP, o prazo de interposição de recurso é de 20 dias, elevando-se, contudo, para 30 dias quando tenha por objecto a reapreciação da prova gravada, encontrando-se tal «alargamento» do prazo reservado às situações em que ocorre impugnação da matéria de facto à luz dos nºs 3 e 4 do artigo 412º do CPP e não já assim quando a sindicância da matéria de facto vem suportada nos vícios do nº 2 do artigo 410º do CPP, matéria, aliás, de conhecimento oficioso.
A razão de assim ser é óbvia, pois que os ónus a que o recorrente se mostra ali adstrito, com as exigências decorrentes das várias alíneas do nº 3 do citado artigo 412º e, bem assim, do seu nº 4 impõem um trabalho aturado, exigente, meticuloso, que justifica plenamente a dilação do prazo «regra».
Não obstante, o que parece ser de extrema simplicidade involuntaria e, não raras vezes, mesmo voluntariamente tem merecido um «uso», dizemos nós, «abusivo», de tal forma que parece ter caído em «desuso» o prazo «regra» de 20 dias, detectando-se, com alguma frequência, o recurso a «expedientes» que mais não visam do que a derrogação, por via da prática que se vem procurando instalar, da norma que contempla o prazo «normal», fazendo, assim, com que todos os recursos passem a beneficiar do prazo de interposição de 30 dias.
Não pode ser!
E, com o devido respeito, a situação que ora nos ocupa não deixa de ser paradigmática do que se vem de afirmar.



Com efeito, tendo a notificação do acórdão ocorrido em 13.12.2011, constata-se que só em 17.01.2012 – decorrido, portanto, que se mostrava o prazo de 20 dias para o recurso – veio o recorrente requerer, além do mais, a «gravação dos depoimentos prestados em sede de audiência», anunciando pretender, também, recorrer da matéria de facto, para, de seguida, no recurso que veio a interpor em 25.01.2012 [cf. fls. 377/414], expressamente fazer consignar não ter dado cumprimento exaustivo (?) ao “comando legal inserido no artigo 412º, nº 3, al. a) do CPP, uma vez que a distonia que manifesta relativamente à matéria de facto é global e não pontual” [cf. ponto 35. das conclusões] – destaque nosso.
Numa coisa havemos de lhe reconhecer razão: De facto, confessadamente não deu cumprimento ao – por si – invocado preceito, como não o deu a nenhum daqueles a que estava vinculado – vg. als. b) e c) do nº 3 e nº 4, todos do citado artigo 412º - precisamente os que, como bem demonstrou saber por ocasião do requerimento apresentado em 17.01.2012, lhe permitiriam socorrer-se do prazo de 30 dias.

Porque o contrário traduzir-se-ia no condescender com uma nítida forma de defraudar a lei, impõe-se reconhecer a extemporaneidade do presente recurso, ao qual não pode aproveitar o prazo estipulado no nº 4 do artigo 411º do CPP.

III.

Nesta conformidade, ao abrigo do disposto nos artigos 411º, nº 1, al. a), 414º, nºs. 2 e 3, 417º, nº 6, al. b) e 420º, n.º 1, al. b), todos do CPP, rejeita-se, por extemporâneo, o recurso interposto pelo arguido.

Nos termos do artigo 420º, n.º 3 do CPP, condena-se o recorrente na importância corrspondente a 3 [três] Ucs.
Condena-se, ainda, o recorrente em taxa de justiça que se fixa em 2 [duas] Ucs.”

3. Apreciando


Com o devido respeito, afigura-se-nos incorrer o reclamente em alguns equívocos.

Na verdade, não é o tribunal de recurso que tem de «explicar» ao recorrente como, pretendendo «impugnar» a matéria de facto à luz do artigo 412º do CPP -socorrendo-se da faculdade do que se convencionou designar como «impugnação ampla da matéria de facto» -, deve proceder, pois que todos estaremos de acordo – assim o julgamos - em que, nesta sede, não há «espaço» para «consultadoria», actividade para a qual, porventura, sempre nos faltaria «engenho e arte».
É, pois, a lei que estipula, nas várias alíneas do nº 3 e no nº 4 do citado artigo 412º do CPP, os precisos termos a que a mesma se encontra sujeita, definindo os concretos ónus que, com vista a tal desiderato, impendem sobre o recorrente.

Por outro lado, as conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, «devem ser concisas, precisas e claras porque são as questões nelas sumariadas que hão-de ser objecto de decisão» - [cf. Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III, Editorial Verbo, 2009, pág. 347], sendo, como tal, para levar a «sério» e, não já - ao contrário do que parece ser entendimento do reclamante - para ser «olhadas» como receptáculos de «estados de alma».
Vem isto a propósito do que exarado ficou na decisão sob reclamação, no segmento «...veio o recorrente requerer, além do mais, a «gravação dos depoimentos prestados em sede de audiência», anunciando pretender, também, recorrer da matéria de facto, para, de seguida, no recurso que veio a interpor … expressamente fazer consignar não ter dado cumprimento exaustivo (?) ao “comando legal inserido no artigo 412º, nº 3, al. a) do CPP, uma vez que a distonia que manifesta relativamente à matéria de facto é global e não pontual”…», contra o qual se insurge o reclamante, referindo ter a decisão subvertido a afirmação, «transfigurando-a e usando-a contra si».
E como sobre o «papel», por lei, reservado às «conclusões» e a «atenção» que as mesmas devem merecer já nos pronunciámos – embora, não de forma coincidente com o que resulta ser o entendimento do reclamante – é tempo de convocar

o que na reclamação ficou por dizer. Com efeito, imediatamente, após se haver vertido a afirmação do recorrente, prosseguiu-se «Numa coisa havemos de lhe reconhecer razão: De facto, confessadamente, não deu cumprimento ao – por si – invocado preceito, como não o deu a nenhum daqueles a que estava vinculado – vg. als. b) e c) do nº 3 e nº 4, todos do citado artigo 412º - precisamente os que, como bem demonstrou saber por ocasião do requerimento apresentado em 17.01.2012, lhe permitiriam socorrer-se do prazo de 30 dias.»
O que significa não se haver a decisão eximido – independentemente da «valia» do, então, afirmado pelo recorrente – ao juízo de conformidade - no caso desconformidade - entre a concreta forma «de fazer» que resulta das conclusões do recurso e os comandos legais que dominam a matéria, para concluir no sentido da não satisfação dos ónus impostos nos vários números e alíneas – que não só na al. a), do nº 3 - do artigo 412º do CPP.
Juízo, esse, que ora se corrobora e do qual, bem vistas as coisas, não se afastará tanto como à primeira vista poderia parecer o reclamante, bastando para assim concluir atentar no que acima se reproduziu, respigado da reclamação ora em análise, onde, ainda que de forma «caricatural», não deixa de reconhecer outra «forma de fazer», acrescentando nós – à parte a «caricatura» - essa sim, em conformidade com a lei.

Por último, e ressalvado sempre o devido respeito, não deixa, ainda, o reclamante de incorrer num equívoco, quando defende que, a ser perfilhado o entendimento que transparece da decisão em reclamação, então sempre deveria ser convidado a «completar e esclarecer as suas alegações e conclusões», sob pena de rejeição do recurso [destaque nosso].
Com efeito, em face de tal asserção, não podemos deixar de recordar que texto da motivação do recurso – reservado aos respectivos fundamentos – é imodificável e, como tal insusceptível de ser aperfeiçoado, o que bem se compreende pois o contrário, equivaleria, no fundo, à concessão de um novo prazo para recorrer.
Donde, se a deficiência ou imperfeição se manifestar na motivação e nas conclusões – como, sem margem para dúvida, sucede no caso – já não poderá haver lugar ao «convite ao aperfeiçoamento» - [cf. vg. acórdão do TC 140/2004; acórdãos do

STJ 17.02.2005, 15.12.2005; 09.03.2006, 04.01.2007, respectivamente nos procs. nº 05P058, 06P461 e 4093/06 – 3.ª].

Falece, assim, também aqui razão ao reclamante.

III. Decisão

Termos em que acordam os Juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em:
a) Indeferir a reclamação apresentada pelo reclamante A...;
b) Confirmar a decisão reclamada;
c) Fixar a taxa de justiça a cargo do reclamante em 3 [três] UCs.

Coimbra, , de , de
[Processado informaticamente e revisto pela relatora]


(Maria José Nogueira)


(Isabel Valongo)