Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
215/09.6TTTMR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SERRA LEITÃO
Descritores: INTERESSE EM AGIR
PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Data do Acordão: 11/05/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 234º, Nº 1; 288º, Nº 1; 493º, NºS 1 E 2; 494º, Nº1, AL.B); E 495º DO CPC; 54º, Nº 1, DO CÓDIGO PROCESSO TRABALHO
Sumário: I – O pressuposto processual chamado de “interesse em agir”, não explicitamente referido na lei processual, consiste em o direito do demandante estar carecido de tutela judicial (interesse em recorrer ao processo judicial).

II – Nas acções de simples apreciação, o aludido “interesse em agir” tem de se consubstanciar num estado de incerteza objectiva que possa comprometer o valor ou a negociabilidade da própria relação jurídica.

III – A falta deste pressuposto conduz ao indeferimento liminar da petição inicial.

Decisão Texto Integral:                    Acordam os Juízes da Secção Social do T. Relação de Coimbra

A FREGUESIA DE MONSANTO, Concelho de ALCANENA, intentou acção declarativa de simples apreciação, com processo comum contra A...., alegando em resumo:

- que celebrou com o R em 26/7/05 um contrato de trabalho a termo certo

- Por força desse contrato o R passou a ocupar-se da limpeza dos locais públicos que estão ao cuidado da Freguesia, nomeadamente ruas, largos, cemitério e escola

- À data de 26/7/05 estava em vigor o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho da A. Pública, aprovado pela L. 23/04 de 22/6

- Tal regime jurídico aplicava - se à A. Local

- O contrato de trabalho em causa não pode por força de lei, transformar-se em contrato sem termo

- A A jamais fez alguma declaração no sentido de renovar o aludido contrato

- O R passou a fazer constar à Junta de Freguesia que presta o seu trabalho, mediante contrato por tempo indeterminado

- Enquanto a A não pretende manter o R ao seu serviço, por ser de todo improdutivo e ter passado a desobedecer às ordens da junta

- Face a estas circunstâncias importa esclarecer o tipo de vínculo existente entre A e Ré

- A A entende que o contrato se tornou nulo.

Termina pedindo que o Tribunal declare que o contrato em causa se tornou nulo.

Recebida a p. inicial foi proferido despacho que indeferiu liminarmente a p. inicial, com base na “ falta de interesse em agir” por parte da A, absolvendo consequentemente o R da instância.

Discordando agravou a A alegando e concluindo:

1- Face à fundamentação e ao pedido está-se perante uma acção de mera declaração positiva e não de uma acção declarativa constitutiva como concluiu o Tribunal recorrido

2- Entende a Doutrina e a Jurisprudência que este tipo de acções- de mera declaração – é destinada a definir uma situação tornada incerta, visando o A obter a simples declaração (munida da força especial que compete às decisões judiciais) da existência ou inexistência de um direito ou de um facto jurídico, pretendendo o A reagir contra uma situação de incerteza

3- Desde logo Sr.ª Dr.ª Juíza recorrida entendeu mal o pedido, pois não se pediu que fosse declarado nulo o contrato de trabalho, mas que fosse declarado que ele se tornou nulo

4- A Sr.ª Dr.ª Juíza recorrida qualificou erradamente a acção como declarativa constitutiva e tal errada qualificação impunha logicamente uma decisão no sentido da que foi proferida; mas o pedido não visa a mudança na ordem jurídica existente; visa tão só esclarecê-la

5- O pedido efectuado jamais é idóneo a compatibilizar-se com um pedido de acção declarativa constitutiva

6- A situação trazida ao Tribunal é idónea a revelar uma incerteza/ conflitualidade real, séria e objectiva, geradora de danos para a A até de índole moral, sendo que a Freguesia uma vez conhecedora da L. 23/04 de 22/06, não pode estar passivamente, muito provavelmente pactuando com essa situação de ilegalidade

7- A A até para poder agir disciplinarmente, face ao conteúdo da lei 23/04 deve previamente ver definida a situação jurídica em que o R exerce o seu trabalho

8- E a presente acção é adequada a esclarecer tal situação jurídica, sendo as decisões judiciais a única forma de obter com segurança a clarificação que se impõe

9- A acção intentada tem muita utilidade prática e assim sendo, não pode o A deixar de ter interesse processual

10- A acção não visa propósitos inúteis e muito menos vexatórios

11- Tratando-se de uma acção meramente declarativa (positiva) em que a prova compete à A e em que o julgamento a efectuar é fundamentalmente de direito, a Freguesia escolheu um caminho de lealdade para com o R.

12- A decisão recorrida, fez indevida interpretação e aplicação ao caso concreto das disposições contidas nas a) e c) do nº 2 do artº 4º do CPC

13- A decisão recorrida, substantivamente posterga o direito constitucional de “ a todos é assegurado o acesso ao direito e aos Tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos” (artº 20º nº 1)

Não houve contra alegações.

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir

DOS FACTOS

A factualidade relevante para a decisão do pleito consta já do relatório supra escrito pelo que é despiciendo estar aqui a proceder à sua repetição.

DO DIREITO
  Sabe-se que é pelas conclusões das alegações, que se delimita o âmbito da impugnação - artºs 684 n.º 3 e 690º nºs 1 e 3 ambos do CPC-.

Pelo que no caso concreto cumpre apenas decidir se se verifica ou não o pressuposto processual inominado do “ interesse em agir” por banda da A e cuja inexistência considerada no Tribunal recorrido deu origem ao indeferimento da p. inicial.

Vejamos então.

Convirá desde logo considerar algumas definições teóricas relativas ao caso.

Diz o artº 4º nº 2 e suas alíneas a) e c) – respectivamente - que as acções declarativas podem ser de simples apreciação, de condenação ou constitutivas.

As de simples apreciação (que podem ser positivas ou negativas) têm por fim obter unicamente a declaração de existência ou inexistência de um direito ou de um facto.

Por seu turno nas acções constitutivas a finalidade é autorizar uma mudança na ordem jurídica existente.

Assim enquanto que a acção declarativa de simples apreciação reconhece ou aprecia uma situação pré – existente, a acção constitutiva cria uma situação nova (cfr. A. Reis, CPC Anotado, I Vol. 3ª ed. Reimpressão, pág. 23).

Para além disso as acções constitutivas existem para tutela de direitos potestativos.

E por estes entende-se o poder conferido ao respectivo titular em ordem à produção de um efeito jurídico mediante uma declaração de vontade do titular só “ de per si”, com ou sem formalidades, ou através de prévia decisão judicial.

O titular passivo de tais direitos está constituído na necessidade de suportar o exercício desses direitos, bem como a produção das respectivas consequências jurídicas.

Os direitos potestativos são assim direitos à formação de direitos- neste sentido Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I, pág. 108 e Manuel de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, I Vol., págs. 12 e segs.

 Finalmente há que definir o pressuposto processual denominado por “ interesse em agir”, que embora a lei explicitamente a ele se não refira, a sua existência é admitida de há muito quer pela doutrina, quer pela jurisprudência- cfr. p. ex. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de processo Civil, ed. 1976, págs. 79 e segs.-.

Este pressuposto inominado no dizer de tal autor consiste em o direito do demandante estar carecido de tutela judicial. É o interesse em utilizar a arma judiciária – em recorrer- ao processo-

Ora este pressuposto nas acções constitutivas não tem relevo especial-

Deriva do facto de o direito potestativo correspondente não ser daqueles que se exercem por simples declaração unilateral de vontade do titular ( A e ob. citada, pág. 80 e também A. Varela,/ J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual de processo Civil, 2ª ed. pág. 185).

Já no que concerne às acções de simples apreciação o aludido “ interesse em agir” tem de se consubstanciar num estado de incerteza objectiva que possa comprometer o valor ou a negociabilidade da própria relação jurídica – A. Castro, ob. citada, pág. 117.-.

Ora bem.

No caso concreto a decisão recorrida entendeu que se estava perante uma acção constitutiva e por isso carecia a A de interesse processual (ou seja não tinha necessidade de recorrer ao tribunal) pois que por uma sua mera declaração receptícia emitida ao R, poderia declara nulo o contrato de trabalho que os vincula, tendo em atenção o que dispõem os artºs 286º e 224º nº1 do CCv.

A A por seu turno entende que propôs uma acção de simples apreciação, em que pretende que se reconheça a nulidade do contrato que a liga ao R.

E se é certo que o pedido final, não estará a nosso ver, muito correctamente formulado, a verdade é que da análise da p. inicial nomeadamente do seu artº 14º, o que aqui agravante requer ao Tribunal que declare qual a situação jurídica em que se encontra perante o agravado, ou seja qual o tipo de vínculo que os liga.

Desta forma, entendemos - salvo o devido respeito - que se estará perante uma acção de simples apreciação positiva e não constitutiva, hipótese última esta em que a A concorda em que não tinha interesse em agir, conforme as suas doutas alegações de recurso.

Mas mesmo tratando-se de uma acção de simples apreciação positiva, carece ela desse interesse processual.

E por esta razão.

É que como vimos neste tipo de acções o  “ interesse em agir” tem de se consubstanciar num estado de incerteza objectiva que possa comprometer o valor ou a negociabilidade da própria relação jurídica.

Como refere A. Castro in ob. citada, pág. 117 para que este pressuposto se verifique, “ não bastará um estado de incerteza subjectiva, como seria o caso de alguém se sentir incerto, duvidoso “ ab intrínseco”, acerca da existência de um seu direito e vir a tribunal solicitar a declaração de tal situação jurídica. De outro modo qualquer pessoa poderia, por mero descargo de consciência, por uma incerteza puramente subjectiva ocupar a atenção do tribunal”( itálico nosso).

E continua este A “ Por isso haverá que requerer-se como pressuposto da acção um estado de incerteza objectiva da situação jurídica respectiva, originado em dúvidas levantadas pela autoridade, quando perante ela é invocada a respectiva relação jurídica, ou pela contraparte ou terceiro de molde a que esse estado de dúvida afecte seriamente o direito em causa”.

Nada disto a A alega no seu petitório, limitando-se a dizer (cfr. artº 12º da p. inicial) que “ o R passou a fazer constar à Junta que presta o seu trabalho por tempo indeterminado”.

Ora “ fazer constar” é inócuo.

E para além disso a A não invoca que alguma vez perante o R referisse que o contrato era nulo e que este pusesse tal afirmação em causa.

O que vale dizer que o tal estado de incerteza objectiva não se indicia (antes pelo contrário já que a A alega como seu viu que na sua óptica o contrato enferma de nulidade) pois no fundo o que a A pretende é através da declaração da nulidade do contrato pôr termo à relação laboral.

Mas isso não se obtém com a propositura de uma acção de simples apreciação.

É ir longe de mais, até porque mesmo da eventual declaração de nulidade decorreriam consequências legais que não poderiam pura e simplesmente serem conhecidas neste processo.

Por tudo isto entendemos que falta o pressuposto processual em apreço.

A ausência dele faz com que seja vedado ao juiz o conhecimento do mérito da causa (A. Castro in ob. citada, II Vol. pág. 254).

Correcta pois (ainda que com fundamentação diferente) se mostra a decisão recorrida, ao indeferir liminarmente a p. inicial, com a consequente absolvição da instância do R – artºs 234 nº 1 A, 288º nº 1, 493º nºs 1 e 2, 494º nº1 b), 495º todos do CPC e 54º nº1 do CPT.-

Termos em que e por todo o expendido, se nega provimento ao agravo.

                                                  Custas pela impugnante