Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | SERRA LEITÃO | ||
Descritores: | INTERESSE EM AGIR PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS | ||
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Data do Acordão: | 11/05/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL DO TRABALHO DE TOMAR | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 234º, Nº 1; 288º, Nº 1; 493º, NºS 1 E 2; 494º, Nº1, AL.B); E 495º DO CPC; 54º, Nº 1, DO CÓDIGO PROCESSO TRABALHO | ||
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Sumário: | I – O pressuposto processual chamado de “interesse em agir”, não explicitamente referido na lei processual, consiste em o direito do demandante estar carecido de tutela judicial (interesse em recorrer ao processo judicial). II – Nas acções de simples apreciação, o aludido “interesse em agir” tem de se consubstanciar num estado de incerteza objectiva que possa comprometer o valor ou a negociabilidade da própria relação jurídica. III – A falta deste pressuposto conduz ao indeferimento liminar da petição inicial. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da Secção Social do T. Relação de Coimbra
A FREGUESIA DE MONSANTO, Concelho de ALCANENA, intentou acção declarativa de simples apreciação, com processo comum contra A...., alegando em resumo: - que celebrou com o R em 26/7/05 um contrato de trabalho a termo certo - Por força desse contrato o R passou a ocupar-se da limpeza dos locais públicos que estão ao cuidado da Freguesia, nomeadamente ruas, largos, cemitério e escola - À data de 26/7/05 estava em vigor o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho da A. Pública, aprovado pela L. 23/04 de 22/6 - Tal regime jurídico aplicava - se à A. Local - O contrato de trabalho em causa não pode por força de lei, transformar-se em contrato sem termo - A A jamais fez alguma declaração no sentido de renovar o aludido contrato - O R passou a fazer constar à Junta de Freguesia que presta o seu trabalho, mediante contrato por tempo indeterminado - Enquanto a A não pretende manter o R ao seu serviço, por ser de todo improdutivo e ter passado a desobedecer às ordens da junta - Face a estas circunstâncias importa esclarecer o tipo de vínculo existente entre A e Ré - A A entende que o contrato se tornou nulo. Termina pedindo que o Tribunal declare que o contrato em causa se tornou nulo. Recebida a p. inicial foi proferido despacho que indeferiu liminarmente a p. inicial, com base na “ falta de interesse em agir” por parte da A, absolvendo consequentemente o R da instância. Discordando agravou a A alegando e concluindo: 1- Face à fundamentação e ao pedido está-se perante uma acção de mera declaração positiva e não de uma acção declarativa constitutiva como concluiu o Tribunal recorrido 2- Entende a Doutrina e a Jurisprudência que este tipo de acções- de mera declaração – é destinada a definir uma situação tornada incerta, visando o A obter a simples declaração (munida da força especial que compete às decisões judiciais) da existência ou inexistência de um direito ou de um facto jurídico, pretendendo o A reagir contra uma situação de incerteza 3- Desde logo Sr.ª Dr.ª Juíza recorrida entendeu mal o pedido, pois não se pediu que fosse declarado nulo o contrato de trabalho, mas que fosse declarado que ele se tornou nulo 4- A Sr.ª Dr.ª Juíza recorrida qualificou erradamente a acção como declarativa constitutiva e tal errada qualificação impunha logicamente uma decisão no sentido da que foi proferida; mas o pedido não visa a mudança na ordem jurídica existente; visa tão só esclarecê-la 5- O pedido efectuado jamais é idóneo a compatibilizar-se com um pedido de acção declarativa constitutiva 6- A situação trazida ao Tribunal é idónea a revelar uma incerteza/ conflitualidade real, séria e objectiva, geradora de danos para a A até de índole moral, sendo que a Freguesia uma vez conhecedora da L. 23/04 de 22/06, não pode estar passivamente, muito provavelmente pactuando com essa situação de ilegalidade 7- A A até para poder agir disciplinarmente, face ao conteúdo da lei 23/04 deve previamente ver definida a situação jurídica em que o R exerce o seu trabalho 8- E a presente acção é adequada a esclarecer tal situação jurídica, sendo as decisões judiciais a única forma de obter com segurança a clarificação que se impõe 9- A acção intentada tem muita utilidade prática e assim sendo, não pode o A deixar de ter interesse processual 10- A acção não visa propósitos inúteis e muito menos vexatórios 11- Tratando-se de uma acção meramente declarativa (positiva) em que a prova compete à A e em que o julgamento a efectuar é fundamentalmente de direito, a Freguesia escolheu um caminho de lealdade para com o R. 12- A decisão recorrida, fez indevida interpretação e aplicação ao caso concreto das disposições contidas nas a) e c) do nº 2 do artº 4º do CPC 13- A decisão recorrida, substantivamente posterga o direito constitucional de “ a todos é assegurado o acesso ao direito e aos Tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos” (artº 20º nº 1) Não houve contra alegações. Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir DOS FACTOS A factualidade relevante para a decisão do pleito consta já do relatório supra escrito pelo que é despiciendo estar aqui a proceder à sua repetição. DO DIREITO Pelo que no caso concreto cumpre apenas decidir se se verifica ou não o pressuposto processual inominado do “ interesse em agir” por banda da A e cuja inexistência considerada no Tribunal recorrido deu origem ao indeferimento da p. inicial. Vejamos então. Convirá desde logo considerar algumas definições teóricas relativas ao caso. Diz o artº 4º nº 2 e suas alíneas a) e c) – respectivamente - que as acções declarativas podem ser de simples apreciação, de condenação ou constitutivas. As de simples apreciação (que podem ser positivas ou negativas) têm por fim obter unicamente a declaração de existência ou inexistência de um direito ou de um facto. Por seu turno nas acções constitutivas a finalidade é autorizar uma mudança na ordem jurídica existente. Assim enquanto que a acção declarativa de simples apreciação reconhece ou aprecia uma situação pré – existente, a acção constitutiva cria uma situação nova (cfr. A. Reis, CPC Anotado, I Vol. 3ª ed. Reimpressão, pág. 23). Para além disso as acções constitutivas existem para tutela de direitos potestativos. E por estes entende-se o poder conferido ao respectivo titular em ordem à produção de um efeito jurídico mediante uma declaração de vontade do titular só “ de per si”, com ou sem formalidades, ou através de prévia decisão judicial. O titular passivo de tais direitos está constituído na necessidade de suportar o exercício desses direitos, bem como a produção das respectivas consequências jurídicas. Os direitos potestativos são assim direitos à formação de direitos- neste sentido Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I, pág. 108 e Manuel de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, I Vol., págs. 12 e segs. Finalmente há que definir o pressuposto processual denominado por “ interesse em agir”, que embora a lei explicitamente a ele se não refira, a sua existência é admitida de há muito quer pela doutrina, quer pela jurisprudência- cfr. p. ex. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de processo Civil, ed. 1976, págs. 79 e segs.-. Este pressuposto inominado no dizer de tal autor consiste em o direito do demandante estar carecido de tutela judicial. É o interesse em utilizar a arma judiciária – em recorrer- ao processo- Ora este pressuposto nas acções constitutivas não tem relevo especial- Deriva do facto de o direito potestativo correspondente não ser daqueles que se exercem por simples declaração unilateral de vontade do titular ( A e ob. citada, pág. 80 e também A. Varela,/ J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual de processo Civil, 2ª ed. pág. 185). Já no que concerne às acções de simples apreciação o aludido “ interesse em agir” tem de se consubstanciar num estado de incerteza objectiva que possa comprometer o valor ou a negociabilidade da própria relação jurídica – A. Castro, ob. citada, pág. 117.-. Ora bem. No caso concreto a decisão recorrida entendeu que se estava perante uma acção constitutiva e por isso carecia a A de interesse processual (ou seja não tinha necessidade de recorrer ao tribunal) pois que por uma sua mera declaração receptícia emitida ao R, poderia declara nulo o contrato de trabalho que os vincula, tendo em atenção o que dispõem os artºs 286º e 224º nº1 do CCv. A A por seu turno entende que propôs uma acção de simples apreciação, em que pretende que se reconheça a nulidade do contrato que a liga ao R. E se é certo que o pedido final, não estará a nosso ver, muito correctamente formulado, a verdade é que da análise da p. inicial nomeadamente do seu artº 14º, o que aqui agravante requer ao Tribunal que declare qual a situação jurídica em que se encontra perante o agravado, ou seja qual o tipo de vínculo que os liga. Desta forma, entendemos - salvo o devido respeito - que se estará perante uma acção de simples apreciação positiva e não constitutiva, hipótese última esta em que a A concorda em que não tinha interesse em agir, conforme as suas doutas alegações de recurso. Mas mesmo tratando-se de uma acção de simples apreciação positiva, carece ela desse interesse processual. E por esta razão. É que como vimos neste tipo de acções o “ interesse em agir” tem de se consubstanciar num estado de incerteza objectiva que possa comprometer o valor ou a negociabilidade da própria relação jurídica. Como refere A. Castro in ob. citada, pág. 117 para que este pressuposto se verifique, “ não bastará um estado de incerteza subjectiva, como seria o caso de alguém se sentir incerto, duvidoso “ ab intrínseco”, acerca da existência de um seu direito e vir a tribunal solicitar a declaração de tal situação jurídica. De outro modo qualquer pessoa poderia, por mero descargo de consciência, por uma incerteza puramente subjectiva ocupar a atenção do tribunal”( itálico nosso). E continua este A “ Por isso haverá que requerer-se como pressuposto da acção um estado de incerteza objectiva da situação jurídica respectiva, originado em dúvidas levantadas pela autoridade, quando perante ela é invocada a respectiva relação jurídica, ou pela contraparte ou terceiro de molde a que esse estado de dúvida afecte seriamente o direito em causa”. Nada disto a A alega no seu petitório, limitando-se a dizer (cfr. artº 12º da p. inicial) que “ o R passou a fazer constar à Junta que presta o seu trabalho por tempo indeterminado”. Ora “ fazer constar” é inócuo. E para além disso a A não invoca que alguma vez perante o R referisse que o contrato era nulo e que este pusesse tal afirmação em causa. O que vale dizer que o tal estado de incerteza objectiva não se indicia (antes pelo contrário já que a A alega como seu viu que na sua óptica o contrato enferma de nulidade) pois no fundo o que a A pretende é através da declaração da nulidade do contrato pôr termo à relação laboral. Mas isso não se obtém com a propositura de uma acção de simples apreciação. É ir longe de mais, até porque mesmo da eventual declaração de nulidade decorreriam consequências legais que não poderiam pura e simplesmente serem conhecidas neste processo. Por tudo isto entendemos que falta o pressuposto processual em apreço. A ausência dele faz com que seja vedado ao juiz o conhecimento do mérito da causa (A. Castro in ob. citada, II Vol. pág. 254). Correcta pois (ainda que com fundamentação diferente) se mostra a decisão recorrida, ao indeferir liminarmente a p. inicial, com a consequente absolvição da instância do R – artºs 234 nº 1 A, 288º nº 1, 493º nºs 1 e 2, 494º nº1 b), 495º todos do CPC e 54º nº1 do CPT.- Termos em que e por todo o expendido, se nega provimento ao agravo. Custas pela impugnante |