Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2791/08.1TBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: CONTRATO DE ADESÃO
Data do Acordão: 01/12/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: POMBAL – 3ºJUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 5º, 6º, 7º E 8º DO DEC. LEI Nº 446/85, DE 25/10
Sumário: I – Os problemas colocados pelos contratos de adesão são, fundamentalmente, de três ordens: no plano de formação do contrato, aumentam consideravelmente o risco de o aderente desconhecer cláusulas que vão fazer parte do contrato; no plano do conteúdo favorecem a inserção de cláusulas abusivas; no plano processual, mostram a inadequação e insuficiência do normal controlo judiciário, que actua à posteriori, depende da iniciativa processual do lesado e tem os seus efeitos circunscritos ao caso concreto.

II - Em face disto, um controlo eficaz terá de actuar em três direcções: pela consagração de medidas destinadas a obter, em cada contrato que se venha a concluir, um efectivo e real acordo sobre todos os aspectos da regulamentação contratual; pela proibição de cláusulas abusivas; e pela atribuição de legitimidade processual activa a certas instituições (como o Ministério Público) ou organizações (como as associações de defesa do consumidor) para desencadearem um controlo preventivo (que além de permitir superar a habitual inércia do aderente se mostra mais adequado à generalidade e indeterminação que caracteriza este processo negocial), isto é, um controlo sobre as “condições gerais” antes e independentemente de já haver sido celebrado um qualquer contrato.

III - No que respeita ao “risco de desconhecimento das cláusulas pelo aderente”, a fim de o combater impõe o artigo 5.º do DL 446/85, de 25/10, o dever de comunicação prévia, e na íntegra, ao aderente, das cláusulas contratuais gerais que a empresa pretenda fazer inserir no contrato (n.º 1).

IV - Esta comunicação deve ser feita de modo adequado e com a devida antecedência, procurando o legislador, deste modo, possibilitar ao aderente o conhecimento antecipado da existência das condições gerais que irão integrar o contrato, bem como o conhecimento do seu conteúdo, exigindo-lhe, para esse efeito, também a ele, um comportamento diligente (n.º 2).

V - Acresce, a cargo de quem utilize as referidas cláusulas, um dever de informação, consagrado no artigo 6.º do referido diploma, cuja extensão dependerá das circunstâncias, por forma a tornar acessível ao aderente a compreensão do seu conteúdo, mormente dos aspectos técnicos envolvidos. Devem ainda ser prestados, nos termos da lei, todos os esclarecimentos razoáveis que tenham sido solicitados (n.º 2).

VI - Por outro lado, partindo do princípio de que as cláusulas que tenham sido objecto de um acordo específico (por ex. cláusulas manuscritas) traduzem melhor do que outras um efectivo consenso, consagra-se no artigo 7.º do DL 446/85, de 25 de Outubro, a prevalência de tais cláusulas sobre quaisquer cláusulas contratuais gerais.

VII - Como o escopo da lei é, neste campo, o de evitar a sujeição do aderente a cláusulas que não lhe tenham sido previamente comunicadas, ou que o foram mas com violação do dever de informação (em prejuízo, assim, do seu conhecimento efectivo), a consequência, nos termos do artigo 8.º, reside da sua exclusão dos contratos singulares (art. 8.º als. a) e b) do citado DL 446/85).

VIII - Isso quer dizer que não se consideram integradas no contrato as cláusulas contratuais gerais que não respeitaram os requisitos da sua inclusão, o que significa, em suma, que o acordo estabelecido entre as partes não abrange essas cláusulas.

IX - O contrato, porém, manter-se-á na parte restante, com recurso às normas supletivas aplicáveis e, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos, consagradas no artigo 239.º do Código Civil - é esta a solução do artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei em apreço, impondo-se, porém, a nulidade do contrato singular, nos termos da mesma norma, quando o recurso àqueles elementos não obste, ainda assim, a uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais ou a um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa-fé.

Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

1. O autor, A...., intentou (22/12/2008) contra os réus, B.... e sua mulher C...., todos com os melhores sinais dos autos, a presente acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato (nos termos do DL 269/98, de 1/9), pedindo a condenação dos réus solidariamente entre si: 1) a pagarem-lhe a importância de € 1.093.64, acrescida de juros comerciais vencidos e vincendos até integral pagamento; 2) e, a título de indemnização acordada, pelo incumprimento contratual, a quantia de € 8.612.42, acrescida de juros que à taxa legal de 4% sobre ela se vencerem desde a citação e até integral pagamento.

Para o efeito, alegou, em síntese, o seguinte:

O réu marido pretendeu adquirir um veículo automóvel ( X....., com matrícula 00-XX-00), tendo para o efeito contactado a firma D..... Porém, como não dispunha ou não podia pagar de pronto o preço do referido veículo solicitou à dita firma que possibilitasse o aluguer do mesmo por um período de 84 meses com a colaboração ou intervenção do autor.

Assim, por contrato particular, datado de 10/12/2006, deu de aluguer ao réu o dito veículo - adquirindo-o previamente à D... -, por um prazo de 84 meses, sendo mensal a periodicidade dos alugueres, no montante de € 238,67 cada um (€ 193,52 de aluguer propriamente dito, mais € 40,64 de IVA à taxa aplicável e € 4,51 de prémio de seguro); sendo que o réu solicitou, ainda, a celebração de um seguro de vida Protecção Total, obrigando-se a pagar mensalmente o valor do respectivo prémio, juntamente com o valor do aluguer mensal acordado, que passou a ser de € 273,41 a partir de 10 de Janeiro de 2007, ou seja, do primeiro aluguer.

A falta de pagamento de qualquer dos ditos alugueres implicava a possibilidade de resolução do contrato, que se tornaria efectiva após comunicação em tal sentido feita ao réu que, por sua vez, seria obrigado a restituir o veículo - perdendo os alugueres até então pagos -, a pagar os alugueres em mora, o valor dos danos que o veículo apresentasse e, ainda, uma indemnização para fazer face aos prejuízos resultantes da sua desvalorização e do próprio incumprimento do contrato, a qual não seria inferior a 50% do valor total dos alugueres acordados.

Os alugueres deveriam ser pagos até ao dia 10 do mês a que respeitassem, por meio de transferência bancária, tendo o réu recebido o veículo, que passou a utilizar.

Porém, o réu não cumpriu com o ajustado, pois não pagou o 18.º dos alugueres acordados, que se venceu em 10 de Maio de 2008, tendo feito a entrega do veiculo automóvel em 24 de Agosto de 2008, assinando na mesma data uma declaração dando o contrato como rescindido e dispensando o envio da carta de rescisão, assim se tendo operado a resolução contratual.

Por via da resolução operada, além de se ter constituído na obrigação de lhe restituir o veículo - o que já fez - o réu constituiu-se, igualmente, na obrigação de o indemnizar nos termos acordados.

Pelo que, assim, ficou o réu a dever-lhe os alugueres vencidos até à data da resolução (o 18.º ao 21.º, inclusive) e a indemnização livremente acordada, ou seja, 50% do valor dos alugueres que teriam de ser pagos caso o contrato tivesse sido cumprido até final.

Pelo pagamento de tais importâncias é também solidariamente responsável a ré mulher, dado que o aludido contrato foi celebrado pelo réu B... tendo em vista o proveito comum do casal dos RR., pois o sobredito veículo foi utilizado em proveito ou benefício comum do casal.

2. Citados para o efeito, os RR. contestaram, quer por via de excepção, quer por via de impugnação.

Desde logo, invocaram a ilegitimidade passiva da ré mulher, com o fundamento do aludido contrato ter tido como partes exclusivas o A. e o R. marido, não tendo o mesmo sido celebrado tendo em vista o proveito comum do casal.

Depois, a invocaram a existência de erro na celebração do contrato com consequente anulabilidade do negócio, com o alegado fundamento de o réu ter assinado o contrato na convicção de estar a comprar uma viatura a crédito, com a possibilidade de passado o período de carência económica em que se encontrava poder amortizar o valor em dívida, jamais tendo pretendido efectuar um contrato de aluguer. O réu limitou-se a assinar e aceitar o clausulado que o grupo D... e o A. lhe apresentaram, aderindo a esse modelo, não o tendo discutido nem estipulado qualquer conteúdo.

Por outro lado, invocaram ainda o incumprimento do A., alegando que a rescisão do contrato não foi efectuada nos termos ali previstos, isto é, através de carta registada enviada para o último domicílio indicado pelo réu. Antes o Autor enviou dois funcionários que, junto da habitação dos réus, denegrindo a enxovalhando os seus nomes na localidade onde vivem, obrigaram o réu marido a entregar a viatura e a assinar a declaração junta aos autos. Não tendo sido feita nos termos contratualmente estipulados, a rescisão não existiu nem foi eficaz em relação ao réu, devendo por isso ser declarada nula.

Por fim, invocaram a existência de um contrato de adesão e o facto de as cláusulas n.º 10 n.º 3 e 4 (indemnização em caso de resolução) e 12 n.º 4 das (perda da caução, em caso de rescisão) se integrarem no conceito de cláusulas abusivas, cujo conteúdo é manifestamente atentatório e contrário à boa-fé.

Concretizando, alegaram a que a cláusula 10.ª n.º 3 e 4 mais não é do que uma cláusula penal desproporcional e ilustrativa da desigualdade contratual entre as partes, prevendo uma indemnização arbitrariamente fixada pelo autor, pois se num primeiro momento a faz depender da desvalorização do veículo e do incumprimento do contrato, a verdade é que num segundo momento fixa sempre o valor mínimo dessa indemnização em pelo menos 50% do valor total dos alugueres referidos nas condições particulares, sem ser feita qualquer avaliação ao real desgaste do veículo e sem justificar os prejuízos resultantes do não cumprimento. Neste financiamento, onde todos os encargos que existem são suportados pelo réu, tal cláusula penal é, pois, desproporcional à luz do disposto no artigo 19.º do DL 446/85, de 25/10.

Por seu turno, com base na cláusula 12.ª n.º 4 - segundo a qual em caso de rescisão ou denúncia, nos termos da cláusula 10.ª o valor da caução reverterá na sua totalidade para o locador, sem prejuízo do referido no n.º 4 da cláusula 10.º - o autor acha-se no direito de se apropriar de € 3.360,00 e de a esse valor não imputar a indemnização que peticiona, sendo, por isso, manifestamente contrária à boa-fé e desproporcional à luz do disposto no artigo 19.º do citado DL 446/85.

Desse modo, devem aquelas duas cláusulas ser consideradas como não escritas.

Por outro lado, e para o caso de não ser declarada a nulidade daquelas cláusulas defenderam ainda os RR. que, resultando das condições particulares do contrato que o total do aluguer fixo é de € 4.140,00, caso subsista ao autor o direito à indemnização peticionada esse valor seria de € 2.070,00 e não o que é peticionado.

Por outro lado ainda, na ausência de avaliação à desvalorização do veículo não é possível determinar o quantum indemnizatório, pelo que o valor da indemnização peticionada, além de mal calculado, é um valor imposto, arbitrário, calculado à revelia da desvalorização do veículo.

Sendo condescender, aludiram ainda que essa indemnização andará muito longe da franquia dos 50%, uma vez que, para além de sobre o veículo não ter existido qualquer avaliação para apurar o seu estado e a sua desvalorização, esta sempre existiu, apesar do cuidado e do uso cauteloso que o réu marido deu à viatura. Mas tendo a mesma sido recebida pelo autor e uma vez que não a inspeccionou e não peticiona qualquer valor a título de reparações ou danos que a mesma tenha apresentado, é possível concluir que foi entregue em bom estado de conservação.

Acresce que o R. entregou já € 3.360,00 a título de caução, referindo-se na cláusula 12.ª n.º 3 que a mesma responderá pelo pagamento de todas as importâncias ou indemnizações que o locatário haja de efectuar ou pagar, motivo porque qualquer quantia a que, eventualmente, o autor tenha direito, deverá ser imputada àquela caução.

Porém, tal indemnização pelo desgaste/desvalorização do veículo já está mais do que compensada pelo baixo preço pago pelo autor na aquisição da carrinha X....., uma vez que foi descontado o valor de € 7.500 correspondente à retoma de um Y... propriedade do réu.

3. Designada que foi data para julgamento, no início da audiência o A. apresentou, à luz do artº 3º, nº 4, do CPC, requerimento através do qual respondeu às excepções deduzidas pelos RR., tendo peticionado, ainda, a sua condenação como ligantes de má-fé.

4. Seguiu-se a prolação da sentença onde, após se ter fixado aí a matéria de facto, a final, julgando-se a acção parcialmente procedente, se decidiu nos seguintes termos:

condenar o Réu B... a pagar ao Autor a quantia de 1093,64€, referente aos alugueres vencidos em 10 de Maio, de Junho, 10 de Julho e 10 de Agosto de 2008, devidos no âmbito do contrato de ALD celebrado com o Autor, datado de 10 de Dezembro de 2006 e resolvido em 24 de Agosto de 2008, quantia essa a que acrescem juros comerciais vincendos sobre cada um dos alugueres, desde as datas em que deveriam ser pagos até integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado.

Mais decido absolver a Ré C... de todos os pedidos formulados.”

5. Não se conformando inteiramente com tal sentença, o autor dela apelou.

6. Nas correspondentes alegações de recurso que apresentou, o autor concluiu as mesmas nos seguintes termos:

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7. Contra-alegaram os RR., pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção do julgado.

8. Cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.


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II- Fundamentação

A)De facto.

Pelo tribunal da 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:

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B) De direito.

1. Do objecto do recurso.

É sabido (entendimento que continua a manter-se com a actual reforma introduzida pelo DL nº 303/2007 de 24/8 - artºs 684, nº 3, e 685-A, nº 1, da actual versão do CPC) que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se fixa e delimita o seu objecto.

Importa também deixar, desde já, salientado que, tal como vem sendo dominantemente entendido, o vocábulo “questões” referido no artº 660, nº 2, do CPC, de que o tribunal deva conhecer, não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir (vidé, por todos, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.”, e Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.”), sem prejuízo daquelas questões de que o tribunal possa ou deva conhecer oficiosamente.

Ora, compulsando as conclusões das alegações do presente recurso, verifica-se que as questões que importa aqui apreciar são as seguintes:

a) Do cumprimento ou não pelo autor dos deveres de comunicação e informação relativamente às condições (cláusulas) gerais insertas no contrato que celebrou com o réu.

b) Do abuso de direito.

c) Da responsabilidade da ré (mulher) pelas dívidas contraídas pelo réu (marido) com a outorga do contrato que celebrou com o autor.


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2. Quanto à 1ª questão.

Antes de entrarmos na apreciação da concreta questão supra elencada em 1º lugar, e para melhor compreensão e situação da mesma e da problemática que a envolve, convirá fazer uma breve resenha dos passos que foram dados ou seguidos (até ela) na sentença recorrida pelo srº juiz a quo.

Relembremos que o autor formulou nesta acção contra os RR. o seguinte pedido de condenação solidária: 1) a pagarem-lhe a importância de € 1.093.64, acrescida de juros comerciais vencidos e vincendos até integral pagamento; 2) e, a título de indemnização acordada, pelo incumprimento contratual, a quantia de € 8.612.42, acrescida de juros que à taxa legal de 4% sobre ela se vencerem desde a citação e até integral pagamento.

Pedido esse formulado com base no incumprimento por parte do R. do contrato que este celebrou consigo, e que, com esse fundamento, acabou o A. por proceder à sua resolução, tudo nos termos e condições que acima se deixaram descritos.

A 1ª importância reclamada (tendo como capital € 1.093.64) reportava-se ao total dos alugueres em dívida (pelo R.) até ao momento em que o A. resolveu (com justo fundamento) o dito contrato (e correspondente aos alugueres mensais 18º a 21º, vencidos nos dias 10/5/2008 a 10/8/2008).

Já a 2ª importância reclamada (tendo como capital € 8.612.42) reportava-se à indemnização que o A. defendeu ter direito a receber, na sequência desse incumprimento contratual, à luz do que se encontrava, a esse propósito, estipulado contratualmente (e que adiante melhor nos referiremos).

O srº juiz a quo começou por qualificar juridicamente o dito contrato celebrado entre o A. e o R. marido como sendo um contrato de aluguer de longa duração (ALD), considerando-o depois substancialmente válido e não haver razões para proceder à sua anulação como base no invocado erro vício do R. marido.

Conclui depois ter havido incumprimento contratual por parte do R., por ter entretanto deixado de pagar os alugueres mensais que foram contratualmente estipulados, pelo que considerou válida a resolução desse contrato efectuada, com base nesse fundamento, pelo A.. E à luz dessa resolução do contrato entendeu o srº juiz a quo que o R. caiu, desde logo, na obrigação de restituir ao A. o veículo que lhe fora alugado na sequência do dito contrato – entrega essa entretanto já feita pelo R. – e bem assim ainda de lhe pagar os alugueres vencidos (e ainda não pagos) até à data em que ocorreu a resolução do contrato (abarcando desse modo os alugueres vencidos em 10/5; 10/6; 10/7 e 10/8 do ano de 2008, num total de € 1.093.64), acrescidos dos juros moratórios, comerciais, vencidos sobre cada uma das importâncias referentes a cada um daqueles alugueres (e desde a data do vencimento de cada um deles) e até ao seu integral pagamento, o que significa (tal como resulta do dispositivo final da sentença) que, pelo menos, em relação do R. marido, aquele 1º pedido foi julgado procedente.

Prosseguindo na sua análise, o srº juiz a quo veio depois a enquadrar juridicamente o sobredito contrato no âmbito dos contratos de adesão, ou seja, acabou por o caracterizar e qualificar como consubstanciando em si um verdadeiro contrato de adesão.

De seguida, tomando por base tal enquadramento e na continuação da análise do contrato em causa à luz dos factos apurados, aquele srº juiz veio a concluir não ter o A. feito prova de ter comunicado, no momento da sua celebração, ao R., de forma adequada e efectiva (e consequentemente também não lhe explicou o seu conteúdo), as condições (cláusulas) gerais insertas o referido contrato, tal como estava obrigado, pelo que, à luz do artº 8 al. a) do DL nº 446/85 de 25/10, decidiu excluir tais condições gerais do contrato (o que motivou, na sua perspectiva, e desde logo, a desnecessidade de apreciação do alegado carácter abusivo das mesmas).

Dado que a indemnização reclamada pelo A., e que consubstancia a 2ª parte do seu pedido nos termos que acima deixámos referidos, tinha por base o disposto nas cláusulas 10.3 e 10.4 e 12.4 insertas naquelas condições gerais que foram excluídas do contrato, o srº juiz a quo integrou, à luz do disposto no artº 9 nº 1 daquele citado DL, aquela parte afectada do contrato, aplicando-lhe as normas supletivas do Código Civil, E daí que tenha considerado, à luz do disposto no artº 801, nº 2, do CC, que, a par do direito à resolução do contrato por incumprimento do mesmo, o A. teria direito a ser ainda indemnizado pelo chamado interesse contratual negativo, ou seja, no caso, pelos danos que não teria sofrido se não tivesse ocorrido aquela resolução do contrato. Porém, considerando que no caso não foram alegados pelo A. quaisquer factos integradores de tais danos, aquele srº juiz decidiu não lhe atribuir qualquer indemnização (pelo incumprimento contratual).

Ora, compulsando as conclusões de recurso (em sintonia, aliás, com a parte motivatória que as precede) verifica-se que o A./apelante não coloca em crise aquele percurso feito na sentença recorrida pelo srº juiz a quo quanto à análise e caracterização da figura contratual reportada ao contrato que celebrou com o R. marido, aceitando inclusive a qualificação ali feita quanto à sua natureza de contrato de adesão, apenas se insurgindo, no que a tal diz respeito, contra a conclusão ali extraída no que concerne à não demonstração pelo A. de ter cumprido os deveres de comunicação e informação ao R. quanto ao teor das cláusulas que integram as condições gerais do referido contrato, defendendo o apelante ter cumprido tais deveres (e daí não haver, no seu entender, razões para a exclusão de tais condições gerais do contrato).

Assim, em face ao exposto, apenas nos iremos aqui pronunciar sobre a questão de saber se o A. logrou ou não demonstrar ter cumprido aqueles deveres de comunicação e informação que lhe são impostos à luz do citado DL nº 446/85 (na sua actual redacção), no que concerne às condições gerais insertas no sobredito contrato (sendo certo que, de qualquer modo, todo o demais percurso acima descrito feito pelo srº juiz a quo que o levou até à qualificação – inclusive - do contrato como sendo de adesão, se encontra feito, a nosso ver, de forma minuciosa e bem dissecada, isto é, de forma proficiente, quer à luz dos factos apurados, quer à luz dos normativos legais aplicáveis ao caso, e que merece a nossa inteira concordância, pelo que, com vista evitarmos a cair em repetições, e à luz do disposto no artº 713, nº 5, do CPC, para ele sempre nos remeteríamos).

Tratamento idêntico mereceu também, na douta sentença recorrida, a questão ora em apreço, e daí a forma mais perfunctória como a abordaremos, e tendo por base os considerandos ali já feitos sobre quer sobre os contratados de adesão, quer sobre o regime da cláusulas contratuais gerais e a sua razão de ser.

Começaremos por sublinhar que no que concerne à questão sub júdice - à semelhança, aliás, das demais, e ressalvado sempre o devido respeito – o apelante parte, em defesa da sua tese do cumprimento dos aludidos deveres, de pressupostos factuais que, em nossa modesta opinião, não encontram respaldo nos factos dados como assentes, por provados.

Servindo-nos – semelhança do que se fez na sentença recorrida – dos ensinamentos do prof. Pinto Monteiro - que vem dedicando particular estudo e reflexão sobre a problemática que nos ocupa – (in “Estudos de Direito do Consumidor, Centro de Direito do Consumo, nº 3 – 2001, págs. 138 a 141”) os problemas colocados pelos contratos de adesão “são, fundamentalmente, de três ordens: no plano de formação do contrato, aumentam consideravelmente o risco de o aderente desconhecer cláusulas que vão fazer parte do contrato; no plano do conteúdo favorecem a inserção de cláusulas abusivas; no plano processual, mostram a inadequação e insuficiência do normal controlo judiciário, que actua à posteriori, depende da iniciativa processual do lesado e tem os seus efeitos circunscritos ao caso concreto.

Em face disto – continua o referido mestre – um controlo eficaz terá de actuar em três direcções: pela consagração de medidas destinadas a obter, em cada contrato que se venha a concluir, um efectivo e real acordo sobre todos os aspectos da regulamentação contratual; pela proibição de cláusulas abusivas; e pela atribuição de legitimidade processual activa a certas instituições (como o Ministério Público) ou organizações (como as associações de defesa do consumidor) para desencadearem um controlo preventivo (que além de permitir superar a habitual inércia do aderente se mostra mais adequado à generalidade e indeterminação que caracteriza este processo negocial), isto é, um controlo sobre as “condições gerais” antes e independentemente de já haver sido celebrado um qualquer contrato.

No que respeita ao primeiro problema referido – o risco de desconhecimento das cláusulas pelo aderente –, afim de o combater impõe o artigo 5.º do citado DL 446/85 o dever de comunicação prévia, e na íntegra, ao aderente, das cláusulas contratuais gerais que a empresa pretenda fazer inserir no contrato (n.º 1). Esta comunicação deve ser feita de modo adequado e com a devida antecedência, procurando o legislador, deste modo, possibilitar ao aderente o conhecimento antecipado da existência das condições gerais que irão integrar o contrato, bem como o conhecimento do seu conteúdo, exigindo-lhe, para esse efeito, também a ele, um comportamento diligente (n.º 2).

Acresce, a cargo de quem utilize as referidas cláusulas, um dever de informação, consagrado no artigo 6.º do referido diploma, cuja extensão dependerá das circunstâncias, por forma a tornar acessível ao aderente a compreensão do seu conteúdo, mormente dos aspectos técnicos envolvidos. Devem ainda ser prestados, nos termos da lei, todos os esclarecimentos razoáveis que tenham sido solicitados (n.º 2).

É claro que o conteúdo deste dever de informação, bem como os termos porque deve ser feita a comunicação prévia das cláusulas contratuais gerais, dependem das circunstâncias, sendo de considerar, designadamente, o facto de existirem já anteriores relações contratuais ou de o aderente ser uma empresa ou um simples consumidor final.

Por outro lado, partindo do princípio de que as cláusulas que tenham sido objecto de um acordo específico (por ex. cláusulas manuscritas) traduzem melhor do que outras um efectivo consenso, consagra-se no artigo 7.º do DL 446/85, de 25 de Outubro, a prevalência de tais cláusulas sobre quaisquer cláusulas contratuais gerais.

Como o escopo da lei é, neste campo, o de evitar a sujeição do aderente a cláusulas que não lhe tenham sido previamente comunicadas, ou que o foram, mas com violação do dever de informação (em prejuízo, assim, do seu conhecimento efectivo), a consequência, nos termos do artigo 8.º, reside da sua exclusão dos contratos singulares (art. 8.º als. a) e b) do citado DL 446/85). Isso quer dizer que não se consideram integradas no contrato as cláusulas contratuais gerais que não respeitaram os requisitos da sua inclusão, o que significa, em suma, que o acordo estabelecido entre as partes não abrange essas cláusulas.

O contrato, porém, manter-se-á na parte restante, com recurso às normas supletivas aplicáveis e, se necessário às regras de integração dos negócios jurídicos, consagradas no artigo 239.º do Código Civil. É esta a solução do artigo 9.º n.º 1 do Decreto-Lei em apreço, impondo-se, porém, a nulidade do contrato singular, nos termos da mesma norma, quando o recurso àqueles elementos não obste, ainda assim, a uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais ou a um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa-fé.

Por sua vez, e ainda a propósito do aludido dever de comunicação imposto pelo citado artº 5 daquele DL, não podermos deixar de citar – dada a sua oportunidade, e tal como igualmente se faz na sentença recorrida - Almeno de Sá (in “Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva Sobre Cláusulas Abusivas, Almedina, 2005, 2ª ed. revista e actualizada,  págs. 241/242), quando escreve que «não poder esquecer-se que é sobre o utilizador que a lei faz recair o encargo de comunicar na íntegra à contraparte as cláusulas contratuais gerais, a fim de que estas possam ser incorporadas no contrato singular, pelo que não basta a mera invocação de um “dever saber” que recairia sobre o cliente, quer no concerne à normal utilização das condições gerais pelo proponente nos contratos que habitualmente celebra, quer no que respeita ao conteúdo dessas condições. De facto, não é isso que elimina a exigência legal de comunicação à contraparte das condições negociais gerais – exigência que constitui, em certo sentido, como que uma “formalização” do evento de inclusão das cláusulas no contrato singular – nem a articulada necessidade de se proporcionar ao cliente a possibilidade de uma exigível tomada de conhecimento do conteúdo do clausulado: não é o cliente quem deve, por iniciativa própria, tentar efectivamente conhecer as condições gerais, é ao utilizador que compete proporcionar-lhe condições para tal.»

O momento relevante para o cumprimento dos requisitos da inclusão das cláusulas é – como refere o último autor, in “Ob. cit., pág. 242” – o da celebração do contrato, significando tal que quanto ao ónus de possibilitar ao cliente o conhecimento das condições gerais, deve ele seguramente cumprir-se antes que a contraparte se vincule de forma definitiva, o que - no dizer ali daquele mesmo autor – não só é razoável, como se infere claramente da lei (referindo-se, nomeadamente, ao estatuído no artºs 5, nº 2, e 8 al. d), do citado DL nº 446/85).

Ainda nesse périplo pela doutrina, e discorrendo sobre o dever de comunicação previsto naquele citado artº 5, dizem os profs. Mário Júlio de Almeida Costa e António Menezes Cordeiro (in “Cláusulas Contratuais Gerais, Livraria Almedina, 1987, pág. 24”) que “em qualquer caso, o exercício efectivo e, portanto, eficaz da autonomia privada reclama uma vontade bem formada e correctamente formulada pelos aderentes, máxime um conhecimento exacto do clausulado”.

Resta-nos, por fim, referir que, tal como estatui o nº 3 do daquele citado artº 5, “o ónus de prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais”. Ónus de prova esse que, aliás, e como referem aqueles últimos autores (in “Ob. cit. pág. 25”) é uma decorrência do regime geral consagrado no artº 342, nº 1, do CC.

Posto isto, isto é, tendo por base tais considerandos de cariz teórico-técnico e aplicando-os ao caso em apreço, basta calcorrear a matéria factual apurada, para facilmente, a nosso ver, se concluir que o A. não só não demonstrou, como lhe competia, que cumpriu (por si ou mesmo por intermédio de terceiro) o dever de comunicação a que estava obrigado em relação ao R. marido, no que concerne às condições gerais insertas no sobredito contrato que com ele celebrou (e consequentemente, também não cumpriu o dever de informação), como inclusivamente é possível ainda extrair de tal matéria precisamente o contrário, ou seja, que efectivamente não cumpriu mesmo tais deveres (cfr. artº s 5 e 6 do DL nº 446/85 e, factos nºs 10., 11. e 12. que constam da matéria factual provada, e particularmente o último).

E daí que nenhuma censura nos mereça a decisão do tribunal a quo ao ter considerado como excluídas do contrato as condições gerais que integravam o mesmo. E o mesmo sucedendo no que concerne à decisão subsequente de, pelas razões que supra deixámos expressas, não ter atribuído ao A. qualquer indemnização como consequência do incumprimento contratual por parte do R. marido.

Refira-se ainda que tal decisão deixou prejudicada a questão de indagar do carácter abusivo de algumas das cláusulas insertas em tais condições gerais, e muito particularmente no que concerne às cláusulas 10ª, nº 4, e 12ª, nº 4, em relação às quais, diga-se, muito haveria, provavelmente, de dizer a tal propósito.


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3. Quanto à 2ª questão.

Invoca o A. que o comportamento dos RR. e a sua pretensão formulada nesta acção configuram uma situação de abuso de direito.

Convém referir que só agora (nas suas alegações de recurso) o A. faz tal invocação de defesa.

Se é certo que os tribunais de recurso se destinam a apreciar questões já anteriormente submetidas à apreciação do tribunal de cuja decisão se recorre, todavia, vem sendo dominantemente entendido que o instituto do abuso de direito se enquadra naquelas situações ou questões de que o tribunal (seja em que instância for) sempre poderá oficiosamente conhecer (cfr. artº 660, nº 2 – finé – do CPC).

Porém, compulsando quer os fundamentos aduzidos pelos RR. em sua defesa nesta acção, quer a materialidade factual inserta na descrição dos factos provados (vg. particularmente os factos nºs 12 e 14), quer ainda se tivermos em consideração os fundamentos de direito que levaram a que fosse confirmada a decisão que conduziu a que as condições gerais fossem excluídas do contrato (sendo ao abrigo de algumas delas que o A. fundava o pedido de indemnização que formulou contra os RR.), não logramos descortinar qualquer situação de abuso de direito por parte dos RR., e mais concretamente não descortinamos, e salvo sempre melhor opinião, onde é que aquele exercício do direito que acabou por lhes ser reconhecido possa, in casu, ser considerado como tendo excedido manifestamente (por forma a ofender de forma clamorosa os sentimentos da justiça) os limites impostos quer pela boa fé (nomeadamente através do invocado venire contra factum proprium), quer pelos bons costumes, quer mesmo pelo fim social ou económico desse direito (cfr. artº 334 do CC).

Pelo que, sem necessidade de outras considerações, se decide, também nesta parte, desatender a pretensão recursiva do A..


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4. Quanto à 3ª questão.

Pretende o autor, contra o decidido na 1ª instância, obter também condenação solidária da ré com o réu, no pagamento da dívida que este último contraiu para consigo na sequência da outorga do sobredito contrato, e que depois incumpriu nos termos que supra se deixaram referidos.

Para fundamentar tal pretensão o A. limitou-se a alegar que o réu e a ré são casados entre si e que a dívida foi contraída em proveito comum do casal, tendo o veículo envolvido no contrato em causa sido utilizado em proveito comum do casal.

A sentença recorrida fundamentou a improcedência dessa parte do pedido no facto de o A. não ter alegado e provado o destino concreto dado ao veículo objecto de tal contrato, que os RR. eram casados entre si em determinado regime e que o réu era o cônjuge administrador, deixando ainda ali referido que o casamento só por documento escrito pode ser provado.

Apreciemos.

Convém deixarmos sublinhado que a excepção dilatória ilegitimidade da ré, para a demanda na acção, deduzida pelos RR. no articulado da sua contestação foi julgada improcedente no início da sentença recorrida, e na parte referente ao saneamento do processo, considerando-se, pois, aí a mesma como parte legítima.

Como é sabido, ao decidir sobre a legitimidade das partes, que é um mero pressuposto processual e não uma condição de procedência da acção, o tribunal não conhece ainda da existência ou inexistência do direito que o autor se arroga. (Cfr. o prof. Antunes Varela, in “RLJ, Ano 104, pág. 102”).

Insurge-se o A., desde logo, por o tribunal a quo exigir um documento escrito para a prova do casamento entre os RR., quando é certo que esse facto se encontra confessado pelos mesmos no seu articulado da contestação e que o estado civil dos RR. não faz parte do tema a decidir nesta acção.

É sabido que o casamento é um facto sujeito a inscrição obrigatória na Conservatória do Registo Civil, e que a sua prova apenas é admissível pelos meios legalmente previstos no C.R.Civil, ou seja, por certidão, boletim ou bilhete de identidade (cfr. artºs 1, nº 1 al. d), 4 e 211 do CRC).

Porém, não obstante tais dispositivos, estamos com aquela corrente de opinião (que nos parece ser a dominante) que vai no sentido de defender não serem o mesmos aplicáveis quando os factos sujeitos a registo não constituem o thema decidendum na acção e estes não tenham sido postos em causa. E isso porque a decisão judicial não vai dizer do direito relativamente ao facto obrigatoriamente sujeito a registo, constituindo tão só um facto lateral relativamente à questão cerne da acção em causa, quando é certo que as partes estão de acordo relativamente à existência ou à ocorrência dele. (Cfr., entre muitos outros, Ac. da RLx. de 8/7/1999, in “CJ., Ano XXIV, T4 – 93” e Ac. da RC de 13/1/1988, in “CJ., Ano XIII, T5 – 80”).

Posto isto, e como resulta do supra se deixou exarado, facilmente se constata que o estado civil dos RR. não constitui o thema decidendum desta acção, sendo certo que o alegado (pelo A.) casamento entre eles não só foi impugnado pelos RR. como inclusive foi e é aceite pelos próprios (aceitação essa reafirmada mesmo agora nas suas contra-alegações de recurso).

Desse modo, deve tal facto ter-se, desde logo, admitido por acordo ou mesmo por confissão (cfr. artº 490, nº 2 do CPC).

E nessa medida deve passar a fazer parte dos assentes, por factos provados, que os RR. são casados entre si; facto esse, a assim, aqui ser considerado (cfr. artº 659, nº 3, do CPC).

Resolvida esta lateral questão, passemos então à apreciação de fundo acima elencada, e traduzida em saber se a R. mulher deve neste caso ser também responsabilizada pelas dívidas contraídas pelo R. marido na sequência do sobredito contrato que celebrou com o A.?

Como é sabido, ainda que não tenham intervido como partes em determinado negócio, como sucedeu no caso em apreço com a ré, é possível responsabilizar um dos cônjuges pelas dívidas contraídas pelo outro. Tal sucede quando ocorre alguma das situações previstas nas diversas alíneas do nº 1 do artº 1691 do CC.

Da análise dos autos parece ser claro (tal como ainda agora transparece das suas alegações de recurso), que o A. fundamentou aquele seu pedido (de condenação solidária da ré) à luz do disposto no artº 1691, nº 1 al. c), do C. Civil.

Nesse dispositivo, estatui-se que são da responsabilidade de ambos os cônjuges “as dívidas contraídas na constância do matrimónio pelo cônjuge administrador, em proveito comum do casal e nos limites dos seus poderes de administração”.

Resulta, assim, de tal normativo que são requisitos ou pressupostos substanciais para que o cônjuge possa ser responsabilizado pelas dívidas contraídas pelo outro: a) que tais dívidas tenham sido contraídas na constância ou vigência do matrimónio; b) que o tenham sido em proveito comum do casal; c) e que o tenham sido no âmbito e nos limites dos poderes de administração do cônjuge que as contraiu.

Requisitos esses que são cumulativos.

Vem constituindo entendimento prevalecente que o regime previsto na citada alínea c) daquele normativo legal se aplica independentemente do regime de bens que vigore entre os cônjuges.

No tocante ao 1º requisito, calcorreando a matéria factual dada como assente (com o acrescento atrás referido) apenas se sabe que os RR. são casados entre si. Porém, nada resulta (até porque nada foi alegado a esse respeito), em termos factuais, sobre a data em que correu tal casamento, e nomeadamente se na altura em que o R. celebrou o sobredito contrato (em Dezembro de 2006) e se obrigou perante ele esse casamento já tinha sido celebrado. É que dos factos apurados nem sequer é possível extrair qualquer presunção nesse sentido.

E daí que faltando o preenchimento desse pressuposto a pretensão do A. teria, desde logo, de soçobrar.

Porém, mesmo que se considerasse que os factos apurados consentem chegar à conclusão de que na altura em que o sobredito contrato foi outorgado já os réus eram casados entre si, ou seja, de que a dívida foi contraída em plena vigência do matrimónio, sempre a aquela pretensão do A. estava condenada a naufragar, e pela razões que igualmente se passam a adiantar.

O 2º requisito pressupõe que a dívida tenha sido contraída em proveito comum do casal.

Haverá proveito comum do casal sempre que a dívida tiver sido contraída tendo em vista os interesses de comuns do casal ou seja, no interesse da sociedade familiar.

Vem constituindo também entendimento dominante que no conceito legal de proveito comum deve atender-se ao fim visado pela aplicação e não tão somente aos resultados dessa aplicação, e que o mesmo não se esgota num conteúdo puramente económico, podendo mesmo acontecer que o fim visado se reduza tão somente a um interesse intelectual, espiritual ou moral, tudo a avaliar casuisticamente, isto é, perante cada caso concreto.

Por outro lado, vem também constituindo controvérsia, na nossa doutrina e jurisprudência, o saber se o referido proveito comum constitui em si uma questão de facto e de direito?

Porém, vem igualmente ganhando predominância a corrente de opinião que de que estamos perante um questão complexa ou mista, ou seja, de que consubstancia em si uma questão de facto e também uma questão de direito. Consubstancia uma questão de facto quando de visa alcançar o destino ou fim visado pela aplicação, neste caso com a contracção da dívida, e consubstancia uma questão de direito quando se visa determinar se, face ao destino apurado que foi dado à referida aplicação, a dívida foi ou não contraída em proveito comum do casal (cfr. a propósito da temática que vimos abordando, e por todos, os profs. Pires de Lima e A. Varela, in “Código Civil Anotado, Vol. IV, 2ª ed. revista e actualizada, Coimbra Editora, págs. 329/335”).

De qualquer modo, pode-se, grosso modo, dizer que globalmente o proveio comum do casal configura em si um mero juízo conclusivo que deverá chegar-se a partir dos concretos factos alegados e provados (cfr., por todos, Ac. do STJ, de 13/11/2007, in “CJ., Ano XIII, T1, pág. 13”).

Posto isto, e reportando-nos ao caso em apreço, diremos:

Como supra deixámos expresso, o A. limitou-se alegar que o negócio foi celebrado tendo em vista o proveito comum do casal, já que o veículo que dele foi objecto foi utilizado em proveito comum do casal formado pelos RR..

Porém, calcorreando a matéria factual apurada, dela não se extrai qual o destino ou a utilização que o R. deu ou visava dar ao referido veículo, e consequentemente impedidos ficamos de formular qualquer juízo conclusivo no sentido de apurar se a dívida contraída por causa dele pelo réu foi ou não em proveito comum do casal que forma actualmente com a ré, sendo certo que era sobre o A. que impedia (nos termos do artº 342, nº 1, do CC) tal ónus de prova e que no caso presente não ocorre sequer a situação presuntiva prevista na al. d) - que invertia tal ónus de prova nos termos do artº 350 do mesmo diploma - daquele citado normativo legal (e desde logo porque não foi alegado, e muito menos foi feita a sua prova, de que dívida foi contraída no exercício do comércio do réu).

Face ao exposto, desnecessário se torna sequer analisar se o terceiro requisito se mostra ou não preenchido.

Por fim, diga-se ainda que manifestamente também não ocorre, in casu, qualquer uma das situações previstas nas restantes alíneas daquele citado artº 1691.

Termos, pois, em que por tudo o exposto, se decide negar provimento ao recurso e confirmar a, aliás, douta sentença recorrida.


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III- Decisão


Assim, em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar a douta sentença da 1ª instância.

Custas pelo A./apelante.