Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
904/11.5TBLSA
Nº Convencional: JTRC
Relator: VIRGÍLIO MATEUS
Descritores: INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
INDEFERIMENTO LIMINAR
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 09/18/2012
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS186, .238, 239 CIRE, 342 CC
Sumário: 1. Quando não haja motivo para indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo, é proferido o despacho inicial nos termos do art. 239º/1 do CIRE, sem que o juiz tenha de justificar o não indeferimento, a não ser que tenha sido suscitada a questão do indeferimento por algum interessado.
2. Para se indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante ao abrigo do disposto na alínea d) do nº1 do artigo 238º do CIRE, é necessária a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: i)a não apresentação à insolvência ou apresentação à insolvência para além do prazo de seis meses desde a verificação da situação de insolvência; ii) – a existência de prejuízos decorrentes desse incumprimento; iii)o conhecimento de que não havia qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.
3. Para apreciação do primeiro requisito, importa primeiramente estabelecer a data a partir da qual ocorreu a situação de insolvência, e se conta o dito prazo de seis meses.
3. Atribuindo-se o sentido de causalidade à expressão legal «com prejuízo … para os credores», tal significa dever ser o próprio incumprimento do ónus (ou do dever) de apresentação a causar o prejuízo dos credores.
4. No contexto do preceito da dita al. d), o prejuízo para os credores não consiste no avolumar da dívida pelos juros.
5. O terceiro requisito cumulativo acima enunciado só pode considerar-se verificado se a partir dos factos provados se puder concluir que o requerente do pedido de exoneração, ao omitir a apresentação no prazo, sabia, ou pelo menos não podia ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.
6. Os factos que traduzem os ditos requisitos são factos impeditivos da pretensão dos impetrantes, não cabendo a estes, mas sim aos credores ou ao administrador, alegá-los e prová-los (art. 342º/2 do CC).
7. Não são subsumíveis à al. e) do nº 1 do art. 238º do CIRE, por força da remissão legal para o art. 186º, as condutas cuja prática ocorreu para além dos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NESTA RELAÇÃO DE COIMBRA O SEGUINTE:

I – Relatório:
            Os cônjuges A (…) e F (…) apresentaram-se à insolvência em 9.11.2011 e requereram a exoneração de passivo restante, declarando que preenchem os requisitos legais e se dispõem a observar as condições exigidas nos artigos 237º e segs do CIRE.

            Ouvido o administrador da insolvência, o mesmo pronunciou-se pelo indeferimento do pedido de exoneração (fls. 473 e segs). Também a fls. 183 a 185 a credora A (…) se pronunciou pelo indeferimento do pedido de exoneração.

            Foi proferido despacho que indeferiu este pedido, com fundamento no disposto nas al. d) e e) do nº do artigo 238º do CIRE ([1]).

            Inconformados, os insolventes apelaram da decisão, concluindo a sua alegação:
1) Vêm as presentes Alegações de Recurso interposto pelos insolventes, da douta decisão deste Tribunal, que indeferiu liminarmente o pedido de Exoneração do Passivo Restante, com fundamento no preceituado nas alíneas d) e e) do artigo 238 do CIRE.
2) Salvo o devido respeito por melhor opinião, entendem os ora Recorrentes que a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, carece de fundamentação não só fáctica como também legal.
3) O processo de exoneração do passivo restante apresenta uma dupla oportunidade de os credores obterem a satisfação dos seus créditos, dado que, após o encerramento do processo de insolvência e a repartição do saldo do património actual pelos credores, ainda se efectua a cessão do rendimento disponível dos devedores a um fiduciário durante cinco anos.
4) Os insolventes não acompanham a decisão sufragada pelo tribunal a quo.
5) O despacho recorrido não contém factos suficientes que justifiquem o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.
6) Relativamente ao vertido na alínea d) do artigo 238º do CIRE, aqueles são pessoas singulares e, uma vez que não exploram economicamente nenhuma empresa, não se encontram onerados com o dever de se apresentarem à insolvência, ao abrigo do artigo 18.º n.º 2 do CIRE.
7) Além disso, para que se mostre preenchido o requisito imposto pelo artigo 238º nº1 alínea d) do CIRE, é necessário que se tenha verificado, cumulativamente, prejuízo para os credores;
8) O conceito de prejuízo consiste numa desvantagem económica diversa do simples vencimento dos juros, consistindo, por exemplo, no abandono, degradação ou dissipação de bens no período de que dispunha para se apresentar à insolvência – cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 12-05-02009 (disponível em www.dgsi.pt), o que não sucedeu no caso sub judice.
9) Quanto ao outro pressuposto negativo que fundamentou a decisão de indeferimento proferida pelo tribunal a quo, a alínea e) do artigo 238º nº1 do CIRE, estamos em crer que os insolventes não agiram com culpa mas como mera negligência, não se podendo valorar da mesma forma tal postura.
10) Os insolventes estavam convictos de a sua situação económica poderia melhorar em termos de não se tornar necessária a declaração de insolvência.
11) Essa negação da realidade, fez com que os mesmos fossem sobrevivendo graças a preciosas ajudas de familiares e amigos, que quando cessaram, os obrigou a efectuar o pedido.
12) Note-se no entanto que os mesmos direccionam os escassos rendimentos de que auferem para a satisfação das necessidades básicas do seu agregado familiar, pelo que nunca se poderá afirmar que os insolventes não têm adoptado um comportamento pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa-fé no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência.
13) Ora, tanto basta para que se conclua pela não verificação das situações previstas no artigo 238º nº 1 alíneas d) e e) do CIRE, que fundamentaram a decisão recorrida do indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante formulado pelos insolventes, pois que sendo, como vimos, vários os requisitos cumulativos que integram as referidas alíneas, a falta de um deles é, por si só, bastante para afastar o aludido indeferimento liminar, viabilizando-se, assim, a passagem à fase processual seguinte. Termos em que e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, deferido o pedido de exoneração do passivo, tempestivamente, apresentado.

O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão.

            Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

            As duas únicas questões essenciais a apreciar consistem em saber se deve manter-se o indeferimento liminar do pedido de exoneração à luz do disposto nas al. d) e e) do nº 1 do artigo 238º, sendo certo que basta a verificação da situação prevista em qualquer uma das alíneas para que o pedido deva ser liminarmente indeferido.

            II- Fundamentos:

            Foi a seguinte a fundamentação de facto exarada no despacho recorrido:
«Tendo subjacente as considerações supra expostas, cabe apreciar o alegado pelos insolventes e a demais prova junta aos autos, designadamente o carreado pelo administrador da insolvência, os documentos de fls. 17, 19, 21, 22, 198 a 202 a 217, 237 a 472.
Os insolventes são casados em regime de bens de comunhão de adquiridos desde 18/12/1983.
Têm um filho nascido a 10/10/1996.
A insolvente A (…) encontra-se desempregada há 5 anos.
O insolvente F(…)aufere um rendimento ilíquido de 790,24 Euros como vigilante por conta da empresa “Securitas, SA”.
Em 2006 os insolventes declararam IRS um rendimento bruto de 11.233,13 Euros.
Em 2007 os insolventes declararam um rendimento bruto de 9.980,01 Euros.
Em 2008 os insolventes declararam um rendimento bruto de 10.594,86 Euros.
Em 2009 os insolventes declararam um rendimento bruto de 10.321,44 Euros.
Em 2010 os insolventes declararam um rendimento bruto de 11.771,54 Euros.
Os insolventes apresentavam em 16.4.2003 junto do Banco Santander (que cedeu o seu crédito à Arrow Global Portugal Limited) um saldo devedor da conta à ordem no valor empréstimo no valor de 34.840,03 Euros, sendo tal valor em dÍvida actualmente de 40.378,24 Euros.
Os insolventes junto da CGD têm um saldo devedor em conta à ordem no valor actual de 28.686,81 Euros.
Os insolventes junto do BES têm um saldo devedor em conta à ordem no valor actual de 3.058,92 Euros.
Os insolventes no âmbito de um ALD de uma viatura têm uma dívida para com a Finicrédito no valor de 7.925,70 Euros.
Os insolventes têm uma dívida para com a GE Consumer Finance no valor de 148.350,00 Euros por dois contratos de abertura de crédito celebrados em 18/1/1993 e 10/12/1993 respectivamente.
Os insolventes têm uma dívida para com a Proval no valor de 9.275,03 Euros em virtude de um contrato de aluguer de micro-computador e impressora.
Os insolventes têm uma dívida ao Banco Santander Totta, SA no valor de 44.225,93 Euros em virtude de um contrato de mútuo.
Conforme refere e bem o administrador da insolvência, «O crédito da Caixa Geral de Depósitos, no valor inicial de € 14.963,94, reporta-se a Janeiro de 1994, foi alegadamente constituído para pequenas reparações num imóvel destinado a habitação e encontra-se em incumprimento, incluindo capital e juros desde 6/09/1995. O crédito reclamado pela Arrow Global Portugal, Limited, que resultou da cessão do crédito anteriormente detido pelo Banco Santander Portugal, reporta-se em parte a descoberto de conta e empréstimo titulado por livrança efectuado em 31/12/2001, com vencimento em 28/04/2003. Verifica-se que o empréstimo não foi pago e que foram accionados judicialmente os créditos, tendo os aqui insolventes sido citados em 21/10/2003. Mais se alcança que à data da contracção do empréstimo titulado por livrança, os insolventes já se encontravam em incumprimento com os credores Caixa Geral de Depósitos desde 1995 e com a GE Consumer pelo menos desde 1994. Os créditos reclamados pela GE Consumer, Lda., referem-se à contracção de empréstimos efectuada em Janeiro e Dezembro de 1993. Os insolventes cessaram os pagamentos em 1994 quanto ao segundo empréstimo e em 1995 quanto ao primeiro».

            Apreciemos agora as questões de direito:

            Previamente, convém tecermos algumas considerações sobre alguns entendimentos da 1ª instância acerca do instituto de exoneração do passivo restante, expressos no despacho recorrido, estranhamente ainda antes de ter exarado a fundamentação de facto. Tais considerações permitir-nos-ão contextualizar melhor a solução a dar a cada uma das questões.
- Segundo a 1ª instância, «neste processo o juiz tem intervenção na fase inicial verificando se estão ou não reunidos os pressupostos legais que permitem a concessão do benefício. Se entender que estão, profere despacho liminar de deferimento desse pedido. Se achar que não estão, indefere liminarmente o referido pedido».
Todavia, a lei não ordena que o juiz, se entender que não estão reunidos os pressupostos legais para o indeferimento, profira despacho liminar a justificar o deferimento do pedido de exoneração. O que a lei diz no artigo 239º/1 é que «Não havendo motivo para indeferimento liminar, é proferido o despacho inicial, na assembleia de apreciação do relatório, ou nos 10 dias subsequentes». E esse despacho inicial é aquele cujo conteúdo vem especificado no nº2 desse artigo, o qual não se confunde com despacho liminar de deferimento: apenas pressupõe implícito o não indeferimento e portanto o deferimento. Situação semelhante ocorria perante o artigo 474º do CCPC antes da reforma de 1995/1996, que regulava o indeferimento liminar da petição inicial; mas, não sendo caso de indeferimento, ao juiz apenas competia proferir despacho de citação: não tinha de proferir despacho a justificar o deferimento liminar.
Só assim não é, ou seja, o juiz apenas tem de justificar o não indeferimento, quando a questão do indeferimento tenha sido suscitada por algum interessado.
Por outro lado, não basta simplesmente entender ou achar. O juiz deve abster-se da utilização de critérios meramente pessoais, antes deve observar o princípio da separação de poderes e aplicar a lei segundo os cânones de interpretação, designadamente constantes do artigo 9º do Código Civil.

- Diz o despacho que «as causas de indeferimento liminar do pedido de exoneração encontram-se no artº 238º do mesmo código, sendo a sua enumeração taxativa». Está correcta a afirmação: a enumeração é taxativa, sendo vedado ao juiz indeferir com base em outros fundamentos, ainda que análogos aos previstos na lei.

- Continua dizendo o despacho que, «Na medida em que tal benefício implica sacrifício dos interesses dos credores, o mesmo não é discricionariamente concedido».
Em primeiro lugar, cumpre sublinhar que o instituto da exoneração do passivo restante tem socialmente um valor importantíssimo, além do seu valor legal, e não merece qualquer soslaio de desfavor pelo julgador em relação aos interesses dos credores. Não se trata de comparar a posição do insolvente, que nada ou pouco pagará no período probatório de cessão e só tem benefícios, e por outro lado a posição dos credores, que só têm perdas.
Consta do nº 45 do preâmbulo do DL nº 53/04, de 18.3, que aprovou o C.I.R.E., o seguinte: “O Código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa fé incorridas em situação de insolvência, (…) através do regime da «exoneração do passivo restante».
O princípio geral nesta matéria é o de poder ser concedida ao devedor pessoa singular a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste.
A efectiva obtenção de tal benefício supõe, portanto, que, após a sujeição a processo de insolvência, o devedor permaneça por um período de cinco anos – designado período da cessão – ainda adstrito ao pagamento dos créditos da insolvência que não hajam sido integralmente satisfeitos. Durante esse período, ele assume, entre várias outras obrigações, a de ceder o seu rendimento disponível a um fiduciário (entidade designada pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência), que afectará os montantes recebidos ao pagamento dos credores. No termo desse período, tendo o devedor cumprido, para com os credores, todos os deveres que sobre ele impendiam, é proferido despacho de exoneração, que liberta o devedor das eventuais dívidas ainda pendentes de pagamento.
A ponderação dos requisitos exigidos ao devedor e da conduta recta que ele teve necessariamente de adoptar justificará, então, que lhe seja concedido o benefício da exoneração, permitindo a sua reintegração plena na vida económica”.
Daí se vê que não se deve confundir a apreciação a fazer no momento liminar, com o despacho de exoneração definitiva que poderá ter lugar no termo do período de cessão (art. 244º). Mesmo havendo deferimento liminar, pode o procedimento findar antes do termo do período de cessão, v.g. pelo pagamento integral, ou pela cessação antecipada regulada no artigo 243º.
Também cabe dizer que não é adequado pretender-se implicitamente que o regime da insolvência menoriza ou põe na sombra ou obnubila os interesses dos insolventes pessoas singulares que pedem a dita exoneração, perante os interesses dos credores. Como se a protecção dos credores se fizesse através dum regime-regra e a dos insolventes se fizesse através dum regime-excepção. (Note-se que a 1ª instância afirmou no despacho que “no nosso ordenamento jurídico, a figura da exoneração do passivo restante tem de ser vista como uma excepção e não a regra” ([2]) – o que não tem qualquer apoio na lei).
É que o despacho liminar que admita o pedido de exoneração não concede nem pode conceder logo a exoneração, apenas viabiliza a continuação do procedimento com abertura do período de cessão que durará até cinco anos mas ficando o insolvente sujeito a determinados deveres específicos. E nesse período podem ocorrer várias situações, sob o prisma do interesse dos credores: o insolvente solve os créditos, na totalidade, terminando o procedimento pelo pagamento integral, o que pode ocorrer antes de decorridos os cinco anos; paga apenas parte ou nada consegue pagar; ou a exoneração é indeferida a requerimento dos credores ou do A.I. ou do fiduciário, terminando o procedimento e a perspectiva de obtenção da exoneração. Claro que com subordinação aos deveres específicos do período de cessão, o insolvente vai tentar obter meios de pagar na medida do que for legalmente possível e exigível. E, se pagar tudo ou parte, há benefício para os credores; se nada for possível ser pago, então os credores não ficam mais prejudicados do que ficariam se o instituto não funcionasse e não houvesse período probatório (ou de cessão). Há mais garantias (melhores expectativas de) que o insolvente pague se se viabilizar o período de cessão e se o insolvente não infringir os deveres, do que haveria se o instituto de exoneração não existisse. De modo que, de acordo com a doutrina de alguns Autores, o procedimento não representa benefício apenas para o insolvente com a correspondente prejuízo para os credores. O benefício visado não é unilateral mas plurilateral. Se, como diz o referido preâmbulo no nº 21, «o processo de insolvência tem por finalidade o pagamento, na medida em que ele seja ainda possível, dos créditos da insolvência», então pode dizer-se que o procedimento em causa está previsto na lei como um dos meios possíveis de prosseguir essa finalidade ([3]). Não é, portanto, correcto pretender-se que para o devedor apenas há benefício e para os credores apenas há perda ou sacrifício dos seus interesses, como se o período probatório ou de cessão se destinasse apenas a beneficiar a esfera patrimonial do devedor. Além disso, a subordinação a determinados deveres mostra que o instituto visa mais do que aspectos patrimoniais: visa também a chamada “reeducação” do devedor, mesmo que este nada tenha conseguido pagar; e com esta “reeducação” ou recuperação económica beneficiarão também os demais agentes económicos e a actividade económica em geral.
Certo é também que seria inútil, contraproducente ou injustificado manter um procedimento até cinco anos e viabilizar o período de cessão, se o insolvente mostrar à partida que não se pode esperar dele uma actuação de boa fé: daí a previsão legal de determinadas situações que determinam liminarmente aquela inviabilização. É pela verificação de qualquer dessas situações que se pode dizer que o insolvente não merece uma segunda oportunidade. Algumas dessas situações são as previstas nas al. d) e e) do nº 1 do artigo 238º, aplicadas no despacho recorrido.

 -Depois de afirmar que “o benefício” não é discricionariamente concedido, o despacho refere: «Para que este regime possa e deva ser atribuído torna-se necessário que o devedor preencha determinados requisitos e desde logo que tenha tido um «comportamento anterior ou actual pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa fé no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência», aferindo-se da sua boa conduta, dando-se aqui especial cuidado na apreciação, apertando-a, com ponderação de dados objectivos «passíveis de revelarem se a pessoa se afigura ou não merecedora de uma nova oportunidade e apta para observar a conduta que lhe será imposta», Ac. da R.P. de 09-01-2006, supra citado e Assunção Cristas, Novo Direito da Insolvência, Revista da Faculdade de Direito da UNL, 2005, Ed. Especial, pág. 264».
Não é bem assim.
Primeiro, se é certo que o pedido não deve ser discricionariamente concedido, não é menos certo que o pedido não deve ser discricionariamente rejeitado.
Segundo, não é ao impetrante que cabe alegar e provar ter tido boa conduta; pelo contrário, a alegação e prova dos factos subsumíveis às situações geradoras do indeferimento liminar competem aos credores ou ao administrador de insolvência (cf. acórdãos do STJ de 21.10.2010, de 6.7.2011 e de 19.4.2012, respectivamente nos Pºs 3850/09, 72/95/08 e 434/11, acessíveis na net através da dgsi).
Terceiro, podemos dizer, em harmonia com o voto de vencido no acórdão desta Relação de 11.7.2012 (2ª secção), proferido no Pº 712/11.4T2AVR-B.C1, que:
«O art. 238º do CIRE não erige, a critérios ou requisitos do demérito do pedido de exoneração, os conceitos de conteúdo indeterminado designados ilicitude, desonestidade, opacidade e má fé, aos quais o juiz deva atender no seu livre arbítrio, à parte das situações taxativamente previstas nas diversas alíneas do seu nº 1. O juiz do processo tem é de apreciar os factos à luz das alíneas cujas normas tenha elegido como aplicáveis, de modo a concluir se os factos provados se subsumem ou não a alguma das situações ali previstas (ver o art. 8º/2 do CC).
«A doutrina é que induziu os valores conceptuais da licitude, honestidade, transparência e boa fé a partir do regime do procedimento da exoneração do passivo restante, chegando inclusive a designá-los como requisitos. Assim, logo em 2005, era publicada a opinião doutrinária de Assunção Cristas, (in Themis, Revista da Faculdade de Direito da UNL, 2005, Edição especial, Almedina, a pág. 170), segundo a qual «para que o juiz profira despacho inicial é necessário que o devedor preencha determinados requisitos de ordem substantiva, a saber:
- tenha tido um comportamento anterior ou actual pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa fé no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência (al. b), d), f) e g) do nº 1 do art. 238º);
- não tenha um passado recente (nos dez anos anteriores) de insolvência […];
- não tenha tido culpa na criação ou agravamento da situação de insolvência (al. e) do nº 1 do art. 238º)».
«Trata-se de elaboração doutrinária, que dá uma noção geral, mas que não pode ser, sem mais, transposta para o labor da apreciação judicial, que tem de ser mais rigorosa. Desde logo, as situações previstas nas al. b), d), f) e g) do nº 1 do art. 238º são de natureza heterogénea e não são utilmente, para o aplicador do direito, agrupáveis num único requisito. Debalde se tentará encontrar no artigo 238º o requisito de “ter tido um comportamento anterior ou actual pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa fé” ([4]). Estes conceitos são muito mais genéricos do que as situações descritas nas ditas alíneas, ou seja, abrangem muitas outras situações além das que ali são descritas – de modo que é muito fácil subsumir os factos apurados a um ou outro daqueles conceitos, sem que tais factos caibam na definição das situações adrede previstas nas alíneas do art. 238º/1. Basta que o insolvente tenha contraído diversas obrigações ao longo de anos (vg, quatro, cinco, dez ou vinte anos…) para que se possa concluir que a conduta não foi correcta ou até de má fé ou não é merecedora de nova oportunidade, pois que depois da primeira obrigação foram contraídas outras em prejuízo do primeiro credor, sem que o provado mostre que o insolvente tinha meios para pagar… e cai-se no arbítrio judicial.
«O tribunal está vinculado à aplicação da lei e não da doutrina, embora esta, como fonte meramente mediata do direito, possa contribuir, como auxiliar, para uma melhor interpretação».

Como referiu o STJ, no seu acórdão de 19.4.2012 acima citado (Pº 434/11): «Trata-se, pois, neste despacho liminar, de aferir tão só da existência de condições mínimas para o pedido ser apreciado pela assembleia de credores, condições estas que se destinam a decidir se ao devedor deve ser dada uma oportunidade de se submeter a um período probatório - cfr. artigo 239º - que, no final pode reconduzir à exoneração do passivo restante – cfr. artigos 244º e 245º. Ou seja, o não indeferimento liminar de um pedido de exoneração do passivo restante não significa que ele venha necessariamente a ser concedido. Significa tão só que se pode proferir o despacho inicial em que se determina o início de um prazo de cinco anos, designado por período de cessão, durante o qual o rendimento disponível do devedor se considera cedido a uma entidade, denominada de fiduciário – cfr. artigo 239º do citado diploma. Só findo este período é que o juiz decide sobre a concessão ou não exoneração do passivo restante – cfr. artigo 244º também do CIRE».
 

Posto isto, vamos apreciar directamente as questões colocadas sobre a aplicação das al. d) e e) do nº 1 do artigo 238º.

 

            1ª)- Sobre a aplicação da al. d) do nº 1 do artigo 238º do CIRE:
Aí se preceitua que «o pedido de exoneração é liminarmente indeferido se: … d) O devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica».
Na formulação dos doutos acórdãos do STJ de 21.10.2010 (Pº 3850/09.TBVLG-D.P1.S1 – Oliveira Vasconcelos) e de 19.4.2012 (Pº 434/11.5TJCBR-D.C1.S1), são três os requisitos previstos na transcrita alínea d) do nº1 do artigo 238º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ([5]), cuja verificação cumulativa impede a concessão do pedido de exoneração do devedor: 1º) – a não apresentação à insolvência ou apresentação à insolvência para além do prazo de seis meses desde a verificação da situação de insolvência; 2º) – a existência de prejuízos decorrentes desse incumprimento; 3º) – o conhecimento de que não havia qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.
No caso, como pessoas singulares não titulares de empresa, os insolventes não tinham o dever jurídico de se apresentar à insolvência (dever que não lhes é imposto pelo art. 18º/1 e 2), mas sim o ónus jurídico de se apresentarem nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, pois que, se se abstiveram dessa apresentação em seis meses e a declaração de insolvência foi pedida depois, tal abstenção ou atraso, quando qualificado por determinadas circunstâncias (as dos 2º e 3º requisitos), implica uma desvantagem: o indeferimento liminar do pedido de exoneração.
Assim, para a verificação do requisito da não apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, importa primeiramente estabelecer a data a partir da qual ocorreu a situação de insolvência, ou seja, a data em que o devedor se encontrou impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas (art. 3º/1). A impossibilidade de cumprir não tem de coincidir com a data do incumprimento. Como a lei não manda que o julgador a fixe na sentença de declaração de insolvência, a data da verificação da situação de insolvência há-de ser estabelecida no despacho de indeferimento liminar, naturalmente em atenção à situação apurada naquela sentença.
Estabelecendo a 1ª instância a data de verificação da situação de insolvência e tendo em conta o período de seis meses a partir do qual se pode dizer que os insolventes não cumpriram o ónus de apresentação, caberia então, de seguida, indagar se a conduta incumpridora dos devedores desde o final de 2009 foi tal que se mostrem preenchidos os 2º e 3º requisitos: com essa conduta prejudicaram os credores? e sabiam, ou não podiam ignorar sem culpa grave, não existir quaisquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica?
A expressão «com prejuízo … para os credores” tem causado grande perplexidade, como se constata em variadíssimos acórdãos publicados, quanto ao seu significado jurídico, no contexto, e leva-nos a ponderá-la. Com essa banal expressão (banal e sem rigor científico, mas que se deve presumir útil e intencional – cf art. 9º/3 do CC), o legislador terá pretendido exigir que, para haver indeferimento, a própria abstenção ou atraso tenha causado prejuízo aos credores? Ou ter-se-á bastado com a circunstância de a abstenção ou atraso ter sido acompanhado de outras condutas elas sim causadoras de prejuízo aos credores? Na primeira hipótese, teria sido mais rigorosa a expressão v.g. “daí resultando prejuízo aos credores”, com utilização do gerúndio em correspondência com “e sabendo…” e com utilização do termo “resultar”, indiciador do nexo de


 causalidade ([6]). Então, a exigência de nexo causal entre a conduta omissiva e o prejuízo seria evidente. Na segunda hipótese, seria mais curial a utilização de expressão a significar “por  ocasião de” e causalidade, por exemplo algo semelhante a “sendo essa abstenção ou atraso acompanhado de conduta causadora de prejuízo para os credores, e sabendo…” ou “aproveitando a abstenção ou atraso para prejudicar os credores, e sabendo…”. Nesta segunda hipótese, a par do atraso ainda se teria de encontrar uma outra diferente conduta do devedor, de cuja prática resultasse o prejuízo para os credores, por exemplo: comportamentos que fizessem diminuir o acervo patri-monial do devedor (acervo que é garantia geral dos credores) ou onerassem o seu património, v.g. dissipação de bens, alienação, constituição de hipoteca ou outras garantias especiais; condutas geradoras de novos débitos; favorecimento de algum dos credores em detrimento dos restantes.
Recorrendo ao elemento literal da interpretação, a dúvida começa pela utilização da preposição “com”. Veja-se, como auxiliar de análise, o seguinte trecho de M. Rodrigues Lapa, in Estilística da Língua Portuguesa, 11ª ed, Coimbra Ed, 1984, p. 261:

«É conhecido já o sentido de causalidade que por vezes oferece a preposição: «Com o seu passinho miúdo, parecia uma arvela contente». A preposição é ainda um elemento de caracte-rização, exprimindo o modo de ser; mas sentimos que o morfema contém um significado acessório causal: «devido ao seu passinho miúdo; por causa do seu passinho miúdo». O alto valor expressivo da preposição está em reunir numa síntese perfeita estas diversas representações. A significação causal já vem de longe, na história da língua. Dois exemplos apenas, tirados da História trágico-marítima, nos quais é perfeitamente nítida essa ideia de causalidade: «E tornámos ao nosso caminho, de que nunca nos virámos, com o grande desejo que tínhamos de chegar». - «Que, com o dinheiro que em um dia se fazia naquela água, ao outro houvesse quem a fosse buscar».

«Da relação primitiva de companhia é natural que se tivesse desenvolvido a de simulta-neidade; duma relação de espaço passou-se para outra correlativa de tempo. É assim que vemos funcionar a preposição, já no período clássico, em frases como esta: «Então me disseram que me não agastasse, que eles queriam ir a terra, como logo foram, com me deixarem no seu batel arre-cadado». Hoje, substituiríamos o com por uma construção de gerúndio: «deixando-me, ao mesmo tempo, [no seu batel arrecadado]». Mas estoutra frase quinhentista é perfeitamente actual: «Cada um se recolheu, esperando a tornada da manhã, com a qual passámos o rio». Aqui o com vale o mesmo que durante.

«Resta falar no sentido concessivo da preposição (…)» (os sublinhados são nossos).

Dos vários sentidos possíveis da preposição com, o contexto leva-nos a considerar aqui mais adequado o de causalidade, pois que o prejuízo exige logicamente a sua causação e a ligação mais lógica entre a conduta de não apresentação e o prejuízo é a de causalidade. O que está de harmonia com a doutrina dos dois últimos acórdãos do Supremo acima citados e à sua enunciação do 2º requisito. E tal significa dever ser o próprio incumprimento do ónus de apresentação a causar o prejuízo dos credores. Não tem na letra da lei o mínimo de correspondência verbal (cf. art. 9º/2 do CC) a consideração de outras condutas causadoras do prejuízo, além da não apresen-tação atempada, pois que a preposição com não introduz a indicação de outra conduta do devedor em simultâneo com a conduta da não apresentação: introduz sim o termo prejuízo, o qual consiste não em conduta do devedor mas num resultado ou consequência da conduta antes descrita na mesma al. d) ([7]).

Indagando agora o significado de “prejuízo”, e atendendo à equivalência de sentido entre dano e prejuízo ([8]), podemos partir da noção geral doutrinária, por exemplo em Ribeiro de Faria, Direito da Obrigações, I, 2003, p. 480 s: «Dano é toda a perda causada em bens jurídicos, legalmente tutelados, de carácter patrimonial ou não». O conceito de dano pode ser real ou patrimonial e varia conforme o instituto em que se insere: por exemplo, na responsabilidade civil pode consistir em dano emergente e em lucro cessante; no enriquecimento sem causa, pode consistir no enriquecimento injustificado ou no empobrecimento e discute-se se pode ou não incluir o chamado lucro por intervenção ([9]) ([10]). Outra de várias classificações dos danos distingue entre os de natureza patrimonial e os de natureza não patrimonial. Claro que, situando-nos no âmbito de processo de insolvência, o prejuízo para os credores há-de ser de natureza patrimonial, repercutindo-se nos créditos ou nas suas garantias (geral ou especiais).

O que pareceria mais evidente é que a não apresentação atempada à insolvência causaria sempre prejuízo aos credores, pelo menos consistente no avolumar dos créditos por força dos juros de mora vencidos no período de incumprimento. Todavia, ocorrendo sempre esse prejuízo, quedaria inútil a expressão legal «com prejuízo em qualquer dos casos para os credores», contra a presunção do artigo 9º/3 do Código Civil, pois que ao inscrevê-la no preceito o legislador deve ter tido em conta (e isso presume-se) que haverá casos em que a não apresentação atempada à insolvência não implica prejuízo para os credores e haverá outros casos em que implica, só pretendendo relevar-se (negativamente) estes últimos.

Daí que, conforme os doutos acórdãos do Supremo ultimamente citados, do facto de o devedor se atrasar na apresentação à insolvência não se pode concluir imediata ou automaticamente que daí advieram prejuízos para os credores.

Como diz o referido acórdão de 19.4.2012 (o qual revogou o acórdão desta Relação de 9.1.2012):

…«Entendemos que do simples facto de o devedor se atrasar na apresentação à insolvência não se pode concluir automaticamente que daí advieram prejuízos para os credores. Na verdade e recordando o que se escreveu no citado acórdão, resulta do princípio, ínsito nº3 do art. 9º do Código Civil, de que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”. Ora, se se entendesse que pelo facto de o devedor se atrasar a apresentar-se à insolvência resultavam automaticamente prejuízos para os credores, então não se compreendia por que razão o legislador autonomizou o requisito de prejuízo. Só se compreende esta autonomização se este prejuízo não resultar automaticamente do atraso, mas sim de factos de onde se possa concluir que o devedor teve uma conduta ilícita, desonesta, pouco transparente e de má fé e que dessa conduta resultaram prejuízos para os credores. Assim o exige o pressuposto ético que está imanente na medida em causa».

E mais à frente diz:

«O atraso na apresentação à insolvência não pode causar prejuízo aos credores com a invocação de que os juros se avolumam na medida em que continuam a ser contados até àquela apresentação. Na verdade, o regime estabelecido na primeira parte do nº2 do artigo 151º no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, que estabelecia a cessação da contagem dos juros “na data da declaração de falência” deixou de existir com o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, passando os juros a ser considerados créditos subordinados, nos termos da alínea b) do nº1 do artigo 48º deste Código – neste sentido, ver Carvalho Fernandes e João Labareda “in” ob. cit., em anotação ao artigo 91º. Quer dizer, actualmente e em face do regime estabelecido no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, os créditos continuam a vencer juros após a apresentação à insolvência, pelo que o atraso desta apresentação nunca ocasionaria qualquer prejuízo aos credores. Dito doutro modo: se no regime anterior, estabelecido no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência se podia pôr a hipótese de quanto mais tarde o devedor se apresentasse à insolvência, mais tarde cessaria a contagem de juros, com o consequente aumento do volume da dívida, no regime actual, que se aplica ao presente processo, tal hipótese não tem cabimento, uma vez que os credores continuam a ter direito ao juros, com a consequente irrelevância do atraso da apresentação à insolvência para o avolumar da dívida».

Consequentemente, para efeito da al. d), o prejuízo causado há-de ser outro que não o simples avolumar da dívida através dos juros.

 
Quanto ao 3º requisito cumulativo acima enunciado, ele só pode considerar-se verificado se a partir dos factos provados se puder concluir que o requerente do pedido de exoneração, ao omitir a apresentação no prazo, sabia, ou pelo menos não podia ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.
Mais uma vez, estamos perante factos impeditivos da pretensão dos impetrantes (art. 342º/2 do CC). Não cabia aos requerentes alegar e provar factos donde resultasse que apesar do atraso na apresentação à insolvência sabiam existir perspectiva séria de melhoria da sua situação económica, mas sim aos credores ou ao A.I. alegar e provar factos donde resultasse que aqueles além de se atrasarem na apresentação à insolvência sabiam, ou pelo menos não podiam ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.
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Vejamos agora a fundamentação de direito do despacho, donde se destaca o seguinte, após ter exarado os factos provados:
«Daqui resulta em nosso entender que os insolventes há mais de 15 anos que suportam o seu nível de vida através da contracção sucessiva de empréstimos os quais nunca eram pagos na sua totalidade, sendo que alguns destes ainda em débito serviram para pagamento de encargos anteriores, uma vez que os rendimentos declarados não são suficientes para solver os mesmos.
«Por outro lado, resulta a nosso ver evidente que os insolventes ao manterem um elevado nível de endividamento em face das suas condições económicas estava a agravar a possibilidade de no futuro pagar aos credores.
«Como refere o administrador da insolvência e de forma acertada a nosso ver, «(…)tal atraso não só reduziu a possibilidade de cobrança, como fez aumentar o volume dos créditos e dividas contraídas sem qualquer respaldo no aumento, valorização ou criação de património, que garantisse o seu pagamento. Não parece que seja merecedora de tal confiança, a considerar no referido juízo de prognose, quem deixou arrastar, ainda que estribado em meras hipóteses de natureza quase idílica quanto ao sucesso comercial, a inelutável apresentação à insolvência, mesmo após ter sido citado e executado, durante anos, em vários processos de execução. Tudo sem que possa ser desconsiderado que algum do crédito contraído e que não havendo sido pago foi objecto de execução judicial, foi contraído, como supra se explanou, quando os insolventes já se encontravam em incumprimento junto de outras instituições financeiras».
«A actuação dos insolventes foi ao longo dos anos “leviana” na forma como se endividaram para suportar um modo de vida que manifestamente os seus rendimentos não o permitiam.
(…) «Em poucas palavras, a “exoneração” não é certamente para quem e de quem, sem prejuízo das coisas lhe poderem ter objectivamente corrido mal, se sabia e diria, à partida, num juízo de prognose póstuma, que as coisas iriam, em face do montante de endividamento contraído e dos rendimentos disponíveis, segura, forçosa e inevitavelmente correr mal. É o caso de quem, num curto lapso de tempo, contrai dívidas “ao consumo” cujo “serviço” mensal da dívida ultrapassa a totalidade do seu rendimento líquido mensal; uma vez que não se pode dizer, de quem assim procede, que pauta a sua conduta por regras de rectidão, honestidade, transparência e boa fé. De pouco ou nada vale argumentar com o “critério” das instituições financeiras de crédito e que se estas emprestaram foi por que se acharam, no seu “elevado critério”, que os devedores tinham condições para pagar. Sabemos hoje, todos, é público e notório, o ponto a que se chegou a prudência – ou a falta dela – na concessão de crédito. Ademais, a imprudência, mais ou menos generalizada, das instituições financeiras na avaliação dos riscos de crédito, não apaga, nem encobre, a falta de rectidão, honestidade, transparência e boa fé dos devedores». (…)
«De todo o exposto resulta evidente que a actuação dos insolventes ao contrair os empréstimos, vieram a agravar a sua situação de insolvência. Por outro lado, estando em causa dívidas já vencidas desde 1994/1995, as mesmas acarretam, o imediato vencimento de juros de mora, pelo que o atraso do devedor em apresentar-se à insolvência causa, necessária e directamente, prejuízo aos credores, em virtude do avolumar do passivo daí decorrente, independentemente do valor desses juros ser mais ou menor elevado.
(…) «Exigia-se, portanto, que os insolventes se apresentassem à insolvência logo que tais situações começaram a ser recorrentes, o que manifestamente ocorreu há muito mais tempo do que os 6 meses mencionados na lei.
«Por fim, de todo o supra exposto resulta claro a culpa dos insolventes na criação e agravamento da situação de insolvência e na sua não apresentação atempada à insolvência.
«Pelo exposto, e em conformidade com o preceituado no artigo 238., n.º 1, als. d), e e) do CIRE, indefere-se liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante».

A 1ª instância não só misturou a análise das situações previstas nas al. d) e e), como também não clarificou separadamente os requisitos de uma e outra.
Debruçando-nos agora mais directamente sobre a aplicação da al. d):
Já enunciámos os três requisitos dessa alínea. Os quais são cumulativos.
Os autos mostram que os insolventes se apresentaram à insolvência em 9.11.2011 (fl. 37).
Mas o despacho não fixou a data da verificação da situação de insolvência e, sem essa fixação, não tem sentido a dissertação sobre os requisitos para indeferimento nos termos da dita al. d). É que sem essa fixação não se pode apreciar se houve apresentação à insolvência para além do prazo de seis meses desde a verificação da situação de insolvência.
Por outro lado, conforme a jurisprudência do Supremo acima citada, os juros que se terão vencido não constituem o prejuízo a que se refere o 2º requisito
Também se impunha, para preenchimento do 3º requisito, que os factos provados permitissem a conclusão de que os requerentes do pedido de exoneração, ao omitirem a apresentação no dito prazo de seis meses, sabiam, ou pelo menos não podiam ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica. E cabia aos credores ou ao administrador alegar e provar tais factos. O que não se verifica.
Consequentemente, não pode considerar-se verificada a situação prevista na dita al. d). (Note-se que esta solução está em harmonia com a do acórdão desta Relação de 11.9.2012 na Ap. 4675/11, com o mesmo relator).

            2ª)- Sobre a aplicação da al. e) do nº 1 do artigo 238º do CIRE:

Aí se preceitua que «o pedido de exoneração é liminarmente indeferido se: … e) Constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186º».

E esse artigo 186º preceitua:

1 - A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.

2 - Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham:

a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor;

b) Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas;

c) Comprado mercadorias a crédito, revendendo-as ou entregando-as em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente, antes de satisfeita a obrigação;

d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros;

e) Exercido, a coberto da personalidade colectiva da empresa, se for o caso, uma actividade em proveito pessoal ou de terceiros e em prejuízo da empresa;

f) Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto;

g) Prosseguido, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência;

h) Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor;

i) Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no n.º 2 do artigo 188.º

3 - Presume-se a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular tenham incumprido:

a) O dever de requerer a declaração de insolvência;

b) A obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial.

4 - O disposto nos nºs 2 e 3 é aplicável, com as necessárias adaptações, à actuação de pessoa singular insolvente e seus administradores, onde a isso não se opuser a diversidade das situações.

5 - Se a pessoa singular insolvente não estiver obrigada a apresentar-se à insolvência, esta não será considerada culposa em virtude da mera omissão ou retardamento na apresentação, ainda que determinante de um agravamento da situação económica do insolvente.
Apesar da remissão da al. e) para o art. 186º, que contém diversos preceitos, a 1ª instância absteve-se de indicar qual ou quais os preceitos aplicáveis. Limitou-se a concluir que «De todo o exposto resulta evidente que a actuação dos insolventes ao contrair os empréstimos, vieram a agravar a sua situação de insolvência» e «Por fim, de todo o supra exposto resulta clara a culpa dos insolventes na criação e agravamento da situação de insolvência e na sua não apresentação atempada à insolvência». O que implica referência implícita à cláusula geral do art. 186º/1.
Para chegar a essa conclusão, os únicos factos concretos a que se refere a fundamentação de direito consistem na contracção de empréstimos, o último dos quais é de 31.12.2001, com vencimento em 28.4.2003.
Ora, os factos provados só relevam para os efeitos do disposto no artigo 186º se traduzirem conduta que, além do mais, não vá além dos três anos anteriores ao início do processo de insolvência (cf. a cláusula geral do nº 1). Conforme resulta da remissão da dita al. e) para o art. 186º, qualquer conduta dolosa ou gravemente culposa só relevaria se tivesse ocorrido «nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência».
Ou seja: para subsunção no art. 238º/1-e) e na cláusula geral do art. 186º/1, não basta que os factos apurados traduzam culpa do devedor na criação ou agravamento da sua situação de insolvência, para que haja indeferimento liminar do pedido de exoneração; é necessário que a conduta tenha sido dolosa ou gravemente culposa, geradora ou agravadora dessa situação, e que tal conduta tenha ocorrido nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência (no sentido de que o requisito dos três anos também se aplica a qualquer das situações previstas nos nºs 2 e 3 do artigo 186º em concretização da cláusula geral do nº 1, vide Acórdãos da Relação de Coimbra de 25.1.2011, Pº 767/10.8T2AVR-B.C1, relator José Eusébio Almeida, e de 29.05.2012, no Pº 303/10.6T2AVR-C.C1 cujos relator e adjuntos são os mesmos que no presente acórdão).
Vale aqui o que expendemos nesse acórdão de 29.05.2012:
«Perante o disposto no nº 1, são requisitos da insolvência culposa:
1) o facto inerente à actuação, por acção ou omissão, do devedor ou dos seus administradores, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência;
2) a culpa qualificada (dolo ou culpa grave);
3) e o nexo causal entre aquela actuação e a criação ou o agravamento da situação de insolvência .
             «O que o nº 2 desse artigo acrescenta é a tipificação das actuações a que se refere o nº 1 e o estabelecimento de que tais situações típicas descritas nas alíneas constituem presunções legais juris et de jure, isto é, inilídiveis, conducentes à qualificação da insolvência como culposa, como é entendimento comum na jurisprudência e na doutrina.

«Tem sido entendido que, uma vez demonstrado o facto enunciado nas alíneas do nº 2, fica estabelecido o juízo normativo de culpa do administrador, sem necessidade de demonstração do nexo causal entre a omissão dos deveres constantes das diversas alíneas do n.º 2 e a situação de insolvência ou o seu agravamento (cf. acórdão da Relação de Guimarães de 12.4.2011, Pº 3489/08, Rosa Tching, in dgsi).
«Mas, quanto ao prazo dos três anos, colhe-se da doutrina que ele deve ser tido em conta em qualquer caso.
«Conforme Carvalho Fernandes e João Labareda, in Colectânea de Estudos Sobre a Insolvência, QJ, 2009, p. 261 e 262, «no nº 1 contém-se uma norma geral do instituto, que os nºs 2 e 3 complementam e concretizam por recurso a presunções» e os ditos comportamentos «só relevam para a qualificação da insolvência como culposa se tiverem ocorrido até três anos antes do início do processo de insolvência». Acrescentam que o termo “sempre” refere-se à presunção inilidível.
«Ou seja: o termo “sempre”, como aliás sucede em normativos de vários diplomas legais, não tem um sentido de intemporalidade, pois que seria absurdo relevarem-se para o efeito comportamentos ocorridos há muitos anos, dez ou vinte ou trinta anos… quando para a generalidade das actuações ou comportamentos o nº 1 (do género cláusula geral) releva apenas o espaço de tempo de três anos. Concebe-se facilmente que um administrador pode ter tido há dez anos um comportamento previsto nalguma alínea do nº 2, sem que isso tenha afectado a solvabilidade da empresa».

Ora, como os insolventes se apresentaram à insolvência em 9.11.2011 e o último empréstimo foi constituído em 31.12.2001, logo cerca de dez anos antes, os empréstimos contraídos não são releváveis como “elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência nos termos do artigo 186º».
Logo, também não pode considerar-se verificada a situação prevista na dita al. e).

Em síntese final:
-- Quando não haja motivo para indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo, é proferido o despacho inicial nos termos do art. 239º/1 do CIRE, sem que o juiz tenha de justificar o não indeferimento, a não ser que tenha sido suscitada a questão do indeferimento por algum interessado.

-- O procedimento de exoneração do passivo restante constitui um dos meios possíveis para a recuperação económica do insolvente, podendo resultar em benefício seja para o devedor, seja para os credores.
-- O art. 238º do CIRE não erige, a critérios ou requisitos do demérito do pedido de exoneração, os conceitos de conteúdo indeterminado designados ilicitude, desonestidade, opacidade e má fé, aos quais o juiz deva atender no seu livre arbítrio, à parte das situações taxativamente previstas nas diversas alíneas do seu nº 1.
-- Para se indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante ao abrigo do disposto na alínea d) do nº1 do artigo 238º do CIRE, é necessária a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
1º) – a não apresentação à insolvência ou apresentação à insolvência para além do prazo de seis meses desde a verificação da situação de insolvência; 
2º) – a existência de prejuízos decorrentes desse incumprimento;
3º) – o conhecimento de que não havia qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.
-- Como pessoas singulares não titulares de empresa, os insolventes não tinham o dever jurídico de se apresentar à insolvência (dever que não lhes é imposto pelo art. 18º/1 e 2), mas sim o ónus jurídico de se apresentar nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, sob pena de, se se verificassem também os 2º e 3º requisitos, verem indeferido liminarmente aquele pedido.
-- Para apreciação do 1º requisito, importa primeiramente estabelecer a data a partir da qual ocorreu a situação de insolvência, data essa a partir da qual se conta o dito prazo de seis meses.
-- Atribuindo-se o sentido de causalidade à expressão legal «com prejuízo … para os credores», tal significa dever ser o próprio incumprimento do ónus (ou do dever) de apresentação a causar o prejuízo dos credores.
-- No contexto do preceito da dita al. d), o prejuízo para os credores não consiste no avolumar da dívida pelos juros, caso contrário a expressão legal «com prejuízo … para os credores» seria inútil, contra o que o art. 9º/3 do CC manda presumir.
-- O 3º requisito cumulativo acima enunciado só pode considerar-se verificado se a partir dos factos provados se puder concluir que o requerente do pedido de exoneração, ao omitir a apresentação no prazo, sabia, ou pelo menos não podia ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.
-- Os factos que traduzem os ditos requisitos são factos impeditivos da pretensão dos impetrantes, não cabendo a estes, mas sim aos credores ou ao administrador, alegá-los e prová-los (art. 342º/2 do CC).
-- Não são subsumíveis à al. e) do nº 1 do art. 238º do CIRE, por força da remissão legal para o art. 186º, as condutas cuja prática ocorreu para além dos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.

III- Decisão:
Pelo exposto, acordam em julgar a apelação procedente, revogando a decisão recorrida e ordenando que seja proferido despacho nos termos do artigo 239º do CIRE.
Custas pela credora Arrow Global, que deduziu oposição.

Coimbra, 2012-09-18


Virgílio Mateus ( Relator )
Carvalho Martins
Carlos Moreira ( vencido, confirmaria a sentença pelas razões essencialmente nela aduzidas ).


[1] Doravante, todos os artigos citados sem menção de origem referem-se a este Código, o CIRE.


[2] Por analogia de raciocínio, também se diria, perante o regime do CPC sobre o indeferimento liminar da petição inicial ou a recusa da petição pela secretaria, que tal tem o sentido de a rejeição da petição constituir a regra e de a admissão constituir a excepção! O absurdo de tal tese é evidente.
[3] Evidentemente, a partir da crise económico-financeira despoletada em 2007/2008 e no caso de insolventes de parcos recursos financeiros e de escassas possibilidades de angariar mais do que o necessário para o sustento, o mais provável é que esses insolventes pouco ou nada consigam pagar. Mas isso não obsta ao funcionamento do instituto, aliás erigido por lei anterior, pelo contrário tornará mais premente a sua aplicação, em virtude da multiplicação das insolvências e do acirrar da crise. O juiz apenas tem de cumprir e aplicar a lei, em vez de substituir os critérios legais por critérios próprios.

4 O STJ, no seu acórdão de 19.4.2012 (relator Cons. Oliveira Vasconcelos), revogou o acórdão desta Relação de 9.01.2012, Pº 434/11 – 2ª secção, sem que, para o efeito da análise da aplicabilidade da dita al. d), tenha considerado os ditos valores da licitude, honestidade, transparência e boa fé…


[5] Doravante, todos os artigos citados sem menção de origem referem-se a este Código, o CIRE.
[6] Observe-se que no artigo 483º/1 do CC a lei usa o termo “resultar”, donde a doutrina de diversos autores colhem a indicação do nexo causal, aliás reafirmado depois no art. 563º.
[7] Cabe porém notar que, no preceito, a expressão “com prejuízo para…”, enquanto indicativa de causalidade, é banal e carente de rigor científico e até gramatical. No método directo de narração, da causa para o efeito, dir-se-á: «Com a distracção, tropeçou e caíu», onde com indica a distracção como causa do tropeço e queda. Mas se se disser “Distraíu-se, com tropeço e queda”, só por necessidade lógica se pode tomar a distracção como causa, pois que com serve propriamente para indicar o causante e não o resultado: o método utilizado aqui, como na al. d), é o da inversão.
[8] Conforme M. J. Almeida Costa, Direito da Obrigações, 9ª ed, 2003, p. 541, nota 3, a nossa lei alude indistintamente a dano e a prejuízo (ex: arts. 79º/3, 483º, 496º, 562º e 798º do CC).
[9] Cf. F. M. Pereira Coelho, O Enriquecimento e o Dano, reimp, 2003, maxime pág. 8, 32, 35 ss, 48, 64. Na dicotomia de conceitos patrimonial e real do dano, o conceito patrimonial de dano refere-se à diferença entre a situação real e a situação hipotética actual do património do lesado (v.g. art. 566º/2 do CC). Já o conceito real refere-se ao valor objectivo do prejuízo sofrido (v.g. nos art. 442º/2 e 3 e 806º do CC).
[10] Note-se que noção não se confunde com conceito.