Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2818/06.1TBVIS-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
DEPÓSITO
FALTA
POSSE ADMINISTRATIVA
Data do Acordão: 06/05/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 10º, Nº 4, 20º, Nº 5, E 70º DO CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES (LEI Nº 168/99 DE 18/09)
Sumário: I – Com a posse administrativa visa-se que, nos processos de expropriação urgentes, motivados por fins de utilidade pública, a entidade expropriante entre o mais rápido possível na disponibilidade dos bens a expropriar, por forma a realizar o fim público que norteia essa expropriação.

II – Entre os diversos requisitos ou condições legais exigidos para tal efeito conta-se o de a entidade expropriante ter efectuado previamente o depósito da quantia determinada na previsão do montante dos encargos a suportar com a expropriação, em instituição bancária e à ordem do expropriado e demais interessados, salvo as excepções prevista na lei.

III – Nas situações em que exista omissão ou atraso no depósito prédio correspondente a uma expropriação por utilidade pública, fica a entidade expropriante obrigada ao pagamento de juros moratórios (artº 70º), não sendo, porém, atingida a validade da posse administrativa já efectivada, nem constituindo qualquer impedimento a uma futura investidura administrativa na posse.

Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório
1. A... , na qualidade de entidade expropriante interpôs recurso do despacho proferido, em 05/04/2006, nos autos de expropriação (então no processo autuado sob o nº 1108/06.4TBVIS do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viseu e que actualmente, por força de posterior apensação, corre os seus termos no 2º Juízo Cível daquele mesmo Tribunal, autuado sob o nº 2818/06.1TBVIS), no qual tinham a qualidade de expropriados B... e sua mulher C... , na parte relativa ao seguemento do mesmo em que decidiu: “(...) na falta de depósito da quantia mencionada no artº 10, nº 4 a investidura na posse não pode efectivar-se. Assim sendo, a entidade expropriante não tendo efectuado o depósito da quantia prevista não deve ser investida na posse em respeito pela citada norma legal”.
Despacho esse proferido, a requerimento dos expropriados, à luz do artº 42 do C .Exp., em que a srª juiz a quo ordenou também à entidade expropriante que remetesse o processo a juízo.

2. Recurso esse que foi admitido como agravo, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.

3. Nas alegações de tal recurso, a agravante concluiu as mesmas nos seguintes termos:
1. A não efectivação do depósito prévio não obsta à investidura administrativa na posse da parcela;
2. No presente caso, havendo fundada dúvida sobre a identidade dos eventuais interessados e identificação do prédio expropriado, a entidade expropriante não se encontra obrigada a proceder ao depósito prévio;
3. De igual modo, o facto da investidura não ser efectuada no prazo de 90 dia após a publicação da DUP, não obriga à realização do depósito prévio, o qual será sempre dispensado atento o carácter urgente da Declaração de Utilidade Pública;
4. A publicação da DUP com carácter de urgência confere de imediato à entidade expropriante a posse administrativa do bem expropriado;
5. A decisão recorrida violou o disposto no artigo 15.º, nº 2, artigo 20 n.º 5 todos do Código das Expropriações e o artigo 205.º n.º 1 da CRP.

4. Nas suas contra-alegações, aqueles expropriados pugnaram pela improcedência do agravo, com a manutenção da decisão recorrida, pedindo ainda a condenação da agravante como litigante de má fé.

5. No tribunal a quo sustentou-se, de forma tabelar, o despacho recorrido.

6. Corridos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.
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II- Fundamentação
A) De facto
Com relevância para a decisão do presente recurso, devem ter-se, além do mais, como assentes (por resultarem das diversas peças processuais e documentos que foram juntos a estes autos) os factos acima descritos sob o ponto I (vg. nº 1 ) e bem assim ainda os seguintes:
1. Por despacho proferido, em 05/01/2005 - e no âmbito da competência que lhe foi delegada para o efeito pelo Ministro da Tutela –, pelo Secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação dos bens imóveis e direitos a eles inerentes, necessários à execução da obra da Scut Interior Norte – A24/IP3 – IP5/Castro Daire Sul – Ligação à EN16, identificados no mapa de expropriações e na planta parcelar em anexo (junto a fls. 131 destes autos) e da qual faz parte a parcela nº 13, com a área de 765 m2.
2. Declaração essa que foi publicada no DR nº 20 Suplemento, II Série, de 28/01/2005.
3. Os expropriados foram notificados pela expropriante daqueles actos declaração de utilidade pública e bem assim da autorização que lhe foi concedida para a posse administrativa imediata do bem a expropriar.
4. No dia 31/03/2005, foi realizada a Vistoria Ad Perpetuam Rei Memoriam (tendo sido lavrada em Auto em 14/04/2005), com a presença daquele expropriado, B... e do seu filho José Manuel Carvalho Silvestre, em representação dos expropriados (cfr. fls. 65/76 destes autos).
5. Na 1ª parte do despacho recorrido ordenou-se, à luz do disposto nos artºs 42, nº 2 al. b), e 43 do C.Exp. - e mediante prévio requerimento feito nesse sentido dos expropriados – à entidade expropriante a remessa ao tribunal do respectivo processo a fim de ser distribuído como expropriação litigiosa.
6. No dia 03/05/2005, a entidade expropriante, representada no acto por Pedro Manuel Castanheira Pereira, tomou a posse administrativa da referida parcela (cfr. auto junto a fls. 66 a 67 destes autos)
7. Até, pelo menos, à data em que foi proferido o despacho recorrido a expropriante não havia ainda efectuado o depósito da quantia mencionada no artº 10, nº 4, do C. Exp.
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B) De direito
1. Delimitação do objecto do recurso
1.1 Como é sabido, é pelas conclusões das alegações do recursos que se fixa e delimita o objecto dos mesmos (cfr. artºs 684, nº 3, e 690, nº 1, todos do CPC).
É também sabido que, dentro de tal âmbito, deve o tribunal resolver todas as questões que lhe sejam submetidas a apreciação, exceptuando-se aquelas questões cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras (cfr. 1ª parte do nº 2 do artº 660 do CPC).
Por fim, vem, também, sendo dominantemente entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a derimir (vidé, por todos, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.” e Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.”).
Ora, calcorreando as conclusões e contra-alegações do presente recurso - tal como, aliás, decorre do que se deixou atrás exarado – são duas as questões que importa aqui a apreciar e decidir:
a) Saber se a falta do depósito prévio pela expropriante da quantia mencionada no artº 10, nº 4, da C. das Expropriações impede aquela de ser investida na posse administrativa da parcela de terreno expropriada.
b) Saber se a agravante deve ser condenada como litigante de má fé.
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2. Quanto à 1ª questão
Da falta do chamado “depósito prévio”.
Como é sabido, o legislador do actual Código das Expropriações (à semelhança do que, aliás, já sucedia com o anterior), aprovado pela Lei nº 168/99 de 18/9 (e a cujo diploma se referirão os normativos a seguir indicados sem a menção da sua origem), no domínio das expropriações previu a possibilidade da entidade expropriante entrar antecipadamente na posse do bem que se pretenda expropriar.
Sem entrarmos aqui, por desnecessário, em divagações sobre tal figura ou instituto (vg. sua natureza e pressupostos que presidem à autorização para a sua concessão, etc.), diremos tão somente que com a posse administrativa visa-se fundamentalmente que, nos processos urgentes de expropriação motivados por fins de utilidade pública, a entidade expropriante entre o mais rápido possível na disponibilidade dos bens a expropriar por forma a realizar o tal fim público que norteia essa expropriação.
Entre os diversos requisitos ou condições legais exigidos para que a entidade expropriante possa entrar na posse administrativa do bem expropriado (vg., entre outros mais específicos, autorização prévia feita nesse sentido pela entidade competente que declarou a utilidade pública da expropriação – cfr. artº 19º – ; notificação prévia da D.U.P ao expropriado e demais interessados conhecidos e bem assim daquela autorização da tomada de posse administrativa e que tenha ainda sido já realizada a vistoria ad perpetuam rei memoriam – cfr. artº 20º als. a) e c), e cuja análise aqui nos dispensamos de fazer por a sua existência não ter sido posta em causa e resultar claramente dos autos) exige-se que a entidade expropriante tenha efectuado já, ou seja, previamente, o depósito da quantia determinada na previsão do montante dos encargos a suportar com a expropriação, em instituição bancária do lugar do domicilio ou sede da entidade expropriante, à ordem do expropriado e demais interessados, e desde que sejam conhecidos e não houver dúvidas sobre a titularidade dos direitos afectados (cfr. artºs 20º, nº 1 al. b), e 10, nº 4).
Depósito esse que é uma decorrência da obrigatoriedade imposta no artº 1º, de pagamento contemporâneo de justa indemnização (cfr. João Pedro de Melo Ferreira, in “Código das Expropriações Anotado, Coimbra Editora, 2007, págs. 160/161, nota 4”).
Porém, tal condição ou regra sofre de algumas excepções: em primeiro lugar as previstas no nº 5 do citado artº 20º e, em segundo lugar, aquela que decorre do artº 160 da recente Lei n º 53-A/2006 de 29/12 (ainda não publicada à data dos factos aqui em apreciação).
Lei esta última que passou, através daquele seu normativo, a dispor que a entidade expropriante, quando for de direito público, pode ser dispensada do depósito prévio, a que refere a al. b) do nº 1 do citado artº 20º, desde que preste caução por qualquer das formas legalmente admissíveis.
No concerne às excepções referidas em primeiro lugar, elas resultam do disposto no nº 5 do citado artº 20º quando dispõe que o depósito prévio é dispensado:
“a) Se a expropriação for urgente, devendo mesmo ser efectuado no prazo de 90 dias contados nos termos do artigo 279º do Código Civil, a partir da data de publicação da declaração de utilidade.
b) Se os expropriados e demais interessados não forem conhecidos ou houver dúvidas sobre a titularidade dos direitos afectados, devendo o mesmo ser efectuado no prazo de 10 dias a contar do momento em que sejam conhecidos ou resolvido o incidente regulado no artº 53”.
Ora, no caso em apreço, é manifesto que nenhuma das situações de excepção, atrás referidas, ocorre.
Na verdade, sendo certo que estamos perante uma expropriação urgente, é claro que a expropriante não efectuou o referido depósito no prazo de 90 dias a após a data da publicação da D.U.P..
Por outro, nada nos autos existe que coloque dúvidas sobre a titularidade da parcela em causa expropriada, quer mesmo sobre a sua identificação. Dúvidas essas que tem de ser legítimas e concretamente fundamentadas em factos concretizados, não bastando a simples alegação feita em abstracto, como fez a agravante nas suas alegações de recurso, sobre a existência dessas dúvidas. Aliás, essas alegadas dúvidas não encontram qualquer respaldo ou eco (antes pelo contrário) nas diversas peças e documentos juntos autos, documentando alguns dos actos atrás referidos e bem assim a notificação deles feita pela expropriante aos próprios expropriados ou aos seus representantes (vg., por ex., fls. 66/67 – auto de tomada de posse administrativa; 99 - planta parcelar onde se encontra assinalada a parcela a expropriar; fls. 57 a 65 – envio, pela expropriante, ao expropriado David, ao seu mandatário e bem assim à sua usufrutuária, Ana Esteves, de cópia desse auto de tomada de posse administrativa; 75/76 e ss. – referente ao auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam, e plantas com ele juntas, onde, além do mais, se dá conta que nessa vistoria esteve presente aquele expropriado e o seu filho em representação dos expropriados; 69 a 79 – envio pela expropriante àquele expropriado e ao seu mandatário do relatório daquela vistoria; 86/88 – conhecimento àquele expropriado da autorização concedida à expropriante para tomada de posse administrativa dos bens a expropriar; 103/105 destes autos – comunicação àquele mesmo expropriado, pela expropriante, que ia ser requerida a declaração de utilidade pública com carácter de urgência das expropriações necessárias à Obra “Concessão Norscut – A24/IP3 – Scut Interior Norte – Ligação à EN16” e que a sua parcela de terreno, com a área de 765 m2, ia ser atingida, etc, etc.).
Por fim, também a expropriante não prestou então qualquer caução (sendo certo que, como acima se deixou referido, o respectivo diploma que introduziu tal excepção não havia ainda na altura sequer sido publicado).
Logo, não tendo a expropriante procedido (dentro do prazo legalmente estipulado para o efeito) ao referido depósito prévio e nem tendo ocorrido nenhuma das situações de excepção que dispensavam o mesmo, coloca-se então a questão de saber qual a consequência daí decorrente?
A tal propósito estamos de acordo com Pedro Elias da Costa (in “Guia das Expropriações por Utilidade Pública, 2ª ed., Almedina 2003, pág. 25”) quando escreve “se o depósito não for efectuado no prazo fixado, fica a entidade expropriante obrigada ao pagamento de juros moratórios (artigo 70º), não sendo, porém, atingida a validade da posse administrativa já efectivada, nem constituindo qualquer impedimento a uma futura investidura”.
Na verdade, dispõe o artº 70º, para a fase litigiosa da expropriação, e sobre a epígrafe juros moratórios, que “os expropriados e demais interessados têm o direito de ser indemnizados pelos atrasos imputáveis à entidade expropriante no andamento do procedimento ou do processo expropriativo ou na realização de qualquer depósito no processo litigioso” (nº 1), e que “os juros moratórios incidem sobre o montante definitivo da indemnização ou sobre o montante dos depósitos conforme o caso, e a taxa respectiva é fixada nos termos do artº 559º do Código Civil” (nº 2) - Sublinhado nosso.
Afigura-se-nos, assim, e desde logo, que o princípio da indemnização inserto no nº 4 do artº 19º, impõe que se aplique, ainda que por analogia, o citado artº 70 às situações em que exista omissão ou atraso no chamado depósito prévio e a que se reporta a al. b) do nº 1 do artº 20º (neste sentido vidé ainda Luís Perestrelo, in “Código das Expropriações Anotado, 2ª ed., 2000, pág. 84, nota 6” e em igual sentido parece ir também, ao citar aquele autor a tal propósito, João Pedro de Melo Ferreira, in “Ob. cit., pág. 162, nota 10”).
Aliás, não vislumbramos razões para que assim não suceda, sendo que razões relacionadas com a própria unidade do sistema jurídico impõem mesmo tal interpretação.
Na verdade, a situação configurada é, em muito, semelhante à prevista no citado artº 70º, sendo que para ela procedem as mesmas razões que estão subjacentes a este normativo, ou seja, o do proporcionar aos expropriados uma indemnização não só justa, como, sobretudo (nesse caso), actualizada, sancionando ainda a entidade expropriante por atrasos exclusivamente a si imputáveis e que conduzam ao retardamento da conclusão do processo e, consequentemente, da atribuição do ressarcimento ou indemnização àqueles pelos bens de que se viram privados. Princípio da indemnização esse que constitui mesmo uma das pedras angulares de todo o processo expropriativo, e que volta a estar presente no acima citado nº 4 do artº 19º relacionado com a posse administrativa.
Por outro lado, razões de ordem e interesse público (que estão sempre subjacentes a uma declaração de expropriação por utilidade pública e à atribuição do seu carácter urgente) impõem igualmente, a nosso ver, tal solução interpretativa, sendo que, ao invés, são interesses da natureza meramente particular que estão por detrás do exigência do chamado depósito prévio.
Por fim, dir-se-á ainda que tal interpretação não só não colide com o princípio da justa e contemporânea indemnização plasmado no artº 62 da nossa Carta Fundamental, como inclusive, e pelo que acima deixámos expresso, está mesmo em sintonia com ele.
Pelo que, face ao exposto, somos, pois, levados à conclusão final de que nas situações em que exista omissão ou atraso no chamado depósito prévio, a que se reporta a al. b) do nº 1 do artº 20º do C.E., tal não impede que se invista administrativamente a entidade expropriante na posse dos bens a expropriar, como nem sequer atinge a validade dessa posse se ela já tiver ocorrido. Em tais situações decorre tão somente, como consequência, para a entidade expropriante a obrigação de pagamento aos expropriados dos correspondentes juros legais de mora, e bem assim de indemnizar os mesmos por outros eventuais prejuízos que tal situação lhes tenha trazido.
E nessa medida, a nossa censura (jurídica) ao despacho recorrido, o qual, assim, se revoga, para os devidos efeitos, julgando-se, desse modo, o procedente o recurso de agravo.
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3. Quanto à 2ª questão
Da condenação da agravante como litigante de má fé.
Os expropriados/agravados, nas contra-alegações (que foram notificadas à agravante) ao recurso interposto pela expropriante, pediram a condenação desta última como litigante de má fé.
Pedido esse que, fundamentalmente, teve por base a alegação feita pela expropriante nas suas alegações de recurso de haver fundadas dúvidas sobre a identidade dos interessados e sobre a identificação do prédio expropriado, o que só terá feito agora, sabendo tal não corresponder à verdade.
Apreciemos.
Como resulta do artº 456 do CPC, a litigância de má fé pressupõe, uma actuação dolosa ou com negligência grave - em termos da intervenção na lide -, consubstanciada, objectivamente, na ocorrência de alguma das situações previstas nas diversas alíneas do seu nº 2.
No fundo, pode dizer-se que a má fé traduz-se na violação do dever de proibidade que o artº 264 do CPC impõe às partes: dever de não formular pedidos injustos, não articular factos contrários à verdade e não requerer diligências meramente dilatórias (cfr., entre outros, Ac. STJ de 3/9/2004, “in “www.dgsi.pt/jstj”).
Porém, e como se escreveu no acordão do STJ de 11/12/2003 (in “www.dgsi.pt/jstj”) - e que passaremos a citar - “...a garantia de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, próprias do estado de direito, são incompatíveis com interpretações apertadas do artº 456, do CPC...
(...)
Por outro lado, a ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples cortina de fumo da inanidade da sua posição processual, de autor ou réu.
Há que ser, pois, muito prudente no juízo sobre a má fé processual”. (sublinhado nosso)
A esse propósito, parece-nos ainda oportuno lembrar aqui o acordão do STJ de 16/1/2002 (in “Rec. Agr. nº 3520/01- 4ª sec., Sumários, pág. 57”) ao defender que “a sustentação de teses controvertidas, bem como a interpretação de regras de direito, ainda que especiosamente feitas, pode consubstanciar uma lide temerária ou ousada, mas não integra a litigância de má fé, pois que tal não basta para que se presuma uma actuação dolosa ou com culpa grave”. (Vidé, ainda a propósito, Ac. do STJ de 10/01/2002, in “Rec. Rev. nº 3805/01, 7ª sec., Sumários”) – sublinhado nosso.
Vem também sendo entendido que a má fé deve revelar-se sobre factos que se mostrem essenciais para a decisão da causa.
Ora, postas tais considerações e aplicando as mesmas ao caso em apreço, diremos o seguinte:
Já vimos que a expropriante se insurgiu no presente recurso contra o despacho recorrido que entendeu que a falta do acima aludido depósito prévio impedia que aquela fosse investida administrativamente na posse da parcela do terreno expropriado aos agravados.
Como fundamento do seu recurso aduziu a agravante vários argumentos e entre eles a existência de dúvidas sobre a identidade dos interessados e sobre a identificação do prédio expropriado.
Facto esse que, a verificar-se, constituía um fundamento legal que dispensava a expropriante de efectuar o aludido depósito prévio.
Fundamento jurídico esse que, como acima deixámos expresso, não aderimos a ele, por não resultarem dos autos (antes bem pelo contrário) os factos em que assentava. Aliás, a esse propósito, afirmámos mesmo que as referidas dúvidas tinham de ser legítimas e concretamente fundamentadas em factos concretos, não bastando a simples alegação feita em abstracto, como fez a agravante, da existência dessas dúvidas, e que da realidade dos autos inferia-se mesmo o contrário.
Alegação essa que se nos afigura ter sido feita mais numa perspectiva de uma interpretação especiosa e temerária das regras de direito do que propriamente numa alegação visando uma deliberada alteração substancial da verdade factual (sendo certo que a realidade factual dada como assente resultou das diversas peças processuais e documentos provindos do tribunal a quo e extraídos do processo original).
Por outro lado, e como acima se viu, o recurso interposto pela agravante veio a obter provimento e com base noutro tipo de fundamentos jurídicos (e sem que a sobredita alegação tivesse influído na sua decisão).
Desse modo - muito embora reconhecendo poder estar-se numa situação limite ou de fronteira, de contornos não totalmente claros -, afigura-se-nos, por tudo o que se deixou expandido, que qualquer condenação da agravante como litigante de má fé não deixaria de conter em si algo de temerário.
Termos, pois, em que se decide por tal não condenação.
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III- Decisão
Assim, em face do exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogando-se, em consequência, o sobredito seguemento decisório do despacho recorrido (com as consequências legais daí decorrentes)
Custas pelo agravados (artº 2, nº 1 al. g) – à contrário – do CCJ).