Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | HENRIQUE ANTUNES | ||
Descritores: | SEGURO DE DANOS DANO EMERGENTE RESPONSABILIDADE SEGURADORA PRIVAÇÃO DO USO | ||
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Data do Acordão: | 05/19/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE VISEU – ST. COMBA DÃO – SEC. COMP. GENÉRICA | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | DECRETO-LEI Nº 72/2008, DE 16 DE ABRIL, RECTIFICADO PELAS DECLARAÇÕES DE RECTIFICAÇÃO NºS 32-A/2008, DE 13 DE JUNHO E 39/2008, DE 23 DE JULHO (REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE SEGURO). | ||
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Sumário: | 1. Apesar de se tratar de um dano emergente, o segurador só responde pela privação do uso da coisa segura se assim se tiver convencionado no contrato de seguro. 2. O atraso no retardamento, pelo segurador, da realização da prestação indemnizatória a que, por força do contrato de seguro, se vinculou, respeita à violação do dever principal ou primário de prestar e não à ofensa de qualquer dever acessório. 3. Nos seguros de danos, o segurador está vinculado à realização de uma prestação indemnizatória puramente pecuniária, de origem contratual, pelo que, no caso de atraso na realização dessa prestação, a única indemnização devida é a correspondente aos juros legais, contados desde a data da constituição em mora. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: Relatório. F... interpôs recurso ordinário de apelação da sentença da Sra. Juíza de Direito do Tribunal Judicial da Comarca de Santa Comba Dão – actualmente reconformado em Secção de Competência Genérica da Instância Local de Santa Comba Dão da Comarca de Viseu - que, julgando parcialmente procedente a acção de declarativa de condenação, com processo comum, sumário pelo valor, que intentou contra Z..., SA, condenou esta a pagar-lhe a quantia de € 13. 325,00. O recorrente rematou a sua alegação com estas conclusões: ... Na resposta, a apelada concluiu, naturalmente, pela improcedência do recurso. ... 3. Fundamentos. 3.1. Delimitação objectiva do âmbito do recurso. Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada, mesmo que só tacitamente, no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 635 nºs 2, 1ª parte, e 3, do nCPC). O recorrente cumulou, na petição inicial, dois pedidos: o de pagamento da quantia de € 17.000,00, a título de reparação pela perda total do veículo; o de pagamento o prejuízo inerente à imobilização do veículo automóvel ...-DC, desde a data do sinistro até à data em que, efectivamente, forem reparados os prejuízos. No caso, a sentença impugnada desamparou, in totum, este último pedido, tendo adiantado, para justificar essa decisão de improcedência, este argumento: o contrato não prevê a indemnização da privação do uso do veículo segurado (não figurando na apólice qualquer menção a essa cobertura nem remissão para a condição especial nº 009 da responsabilidade civil facultativa - onde se prevê essa matéria). E é a esta decisão de improcedência – e só a esta - que o recorrente se mostra hostil. Maneira que, face à vinculação temática desta Relação ao conteúdo da decisão impugnada e da alegação do recorrente, a única questão que importa resolver é a de saber se a apelada está ou não adstrita ao dever de reparar o dano da privação do uso do veículo automóvel, comprovadamente suportado pelo autor. A resolução deste problema vincula, naturalmente, ao exame do conteúdo contrato de seguro e dos pressupostos do dever de reparação do dano da privação do uso da coisa segura. Se há realidade que se tem por indiscutível é a de que entre o recorrente e a apelada foi concluído um contrato, típico e nominado, de seguro. Importa, contudo, determinar o regime jurídico que lhe é aplicável. 3.2. Conteúdo contrato de seguro e pressupostos do dever de reparação do dano da privação do uso. Diz-se contrato de seguro o contrato pelo qual uma pessoa transfere para outra o risco de verificação de um dano, na esfera própria ou alheia, mediante o pagamento de uma remuneração. A pessoa que transfere o risco diz-se tomador ou subscritor do seguro, a que assume esse risco e percebe a remuneração – prémio – diz-se segurador; o dano eventual é o sinistro; a pessoa cuja esfera jurídica é protegida é o segurado – que pode ou não coincidir com o tomador do seguro (artºs 1, 16 nº 1 e 24 nº 1 da LCS). Enquanto o segurador e o tomador do seguro assumem, por definição, a posição de partes num contrato de seguro, outras pessoas podem ocupar a posição de parte ou de terceiro nesse mesmo contrato. Entre estas avulta, evidentemente, a figura do segurado – o sujeito que se situa dentro da esfera de protecção directa e não meramente reflexa do seguro, de quem pode afirmar-se que está coberto pelo seguro. O segurado é, portanto, aquele por conta de quem o tomador celebra o seguro. Nos casos subjectivamente mais simples, o segurado será o próprio tomador do seguro, o tomador-segurado; nos demais casos, estar-se-á face a um ou mais terceiros-segurados. Numa palavra: o segurado não é, necessariamente, quem contrata o seguro, mas sim quem por ele fica coberto. O risco é, evidentemente, o elemento nuclear do seguro: não há seguro sem risco. O sinistro, por seu lado, corresponde à verificação, no todo ou em parte, dos factos compreendidos no risco assumido pelo segurador. O universo de factos possíveis, previstos no contrato de seguro, cuja verificação determinará a realização da prestação por parte do segurador, representa a cobertura-objecto do contrato; o estado de vinculação do segurador, durante o período convencionado no contrato, conducente à constituição de uma obrigação da prestar, em caso de ocorrência daqueles factos, representa a cobertura-garantia. A delimitação daquele universo de factos – que compõem a cobertura-objecto – é feita, em regra, segundo a técnica da definição primária da chamada cobertura de base e da subsequente descrição de sucessivos níveis de exclusões. No caso por exemplo, dos seguros de responsabilidade civil, pode delimitar-se o âmbito de cobertura a partir de uma pessoa – v.g., responsabilidade civil geral – de uma coisa – v.g., uma automóvel. Mas essa delimitação pode não se ficar por aí: após a fixação da pessoa ou da coisa que servirá de ponto de referência ao seguro, bem como os interesses que se cobrem, podem seguir-se outros níveis, sucessivamente mais precisos, de delimitação. Assim pode, por exemplo, descrever-se as circunstâncias em que poderá ocorrer o dano, v.g., a actividade profissional desenvolvida pelo segurado. Estas exclusões não são, em princípio, cláusulas de exclusão da responsabilidade – mas regras que definem o âmbito de cobertura do seguro. Essa delimitação pode ser feira positiva e negativamente, e dentro da delimitação negativa, através de exclusões objectivas – v.g., guerra – ou subjectivas, como por exemplo, o sinistro deliberadamente provocado. O que não é lícito é, através das exclusões, desvirtuar o objecto do contrato, i.e., modificar a natureza dos riscos cobertos tendo em conta o tipo de contrato de seguro celebrado[1]. O Código Comercial falava em seguros contra riscos. Mas esta expressão devia ser entendida no sentido actual de danos: seguros contra danos. Em sentido amplo e próprio, o risco assumido, pelo contrato de seguro, pelo segurador, é o de qualquer evento futuro, aleatório na sua verificação ou no momento da sua verificação e que obrigue aquele a satisfazer determinada prestação. Verificado o sinistro, o segurador deve pagar ao segurado o capital seguro, até ao limite do dano, ou para usar a linguagem corrente, juridicamente pouco rigorosa, a indemnização. Descritivamente, o contrato de seguro é oneroso, sinalagmático e aleatório, visto que implica um esforço económico de ambas as partes, a remuneração paga por uma delas liga-se à vantagem proporcionada pela outra e a atribuição dessa vantagem depende de um facto alheio à vontade de qualquer delas. Ao contrário do que sucedia no Código Comercial, a lei deixou de exigir a forma escrita como requisito de validade – ad substantiam – do contrato de seguro, passando a apólice, formalizada num documento escrito ou quando convencionado em suporte electrónico duradouro, a assumir o objectivo prático da prova – ad probationem – do contrato (artºs 426 do Código Comercial e 32 nº 1 e 34 nº 2 da LCS)[2]. O contrato de seguro deixou de ser formal para passar a ser um negócio consensual, devendo ser formalizado num instrumento escrito – a apólice – mas não necessariamente num documento de papel. A formalização do contrato num instrumento escrito, que se designa por apólice de seguro, e a sua entrega ao tomador do seguro, constituem obrigações do segurador. O contrato de seguro releva, largamente, da autonomia privada. De harmonia com o Código Comercial, o contrato de seguro regulava-se pelas estipulações, gerais e especiais, da respectiva apólice, não proibidas por lei, e na sua falta ou insuficiência pelas disposições do mesmo Código (artº 426); de acordo com a LCS, o contrato de seguro rege-se pelo princípio da liberdade contratual, com os limites indicados na lei (artº 11). O conteúdo do contrato – da apólice – é muito complexo dado que deve conter toda uma série de elementos, entre os quais, o objecto do seguro, a sua natureza e valor, o risco contra que se faz o seguro, a quantia segurada e o prémio do seguro (artº 37 da LCS). Portanto, é, em regra, o contrato que recorta – em razão da actuação pelas partes da sua autonomia privada – a sua exacta posição jurídica, as precisas prestações a que reciprocamente se vincularam. Já se observou que seguro é o contrato pelo qual uma parte, mediante retribuição, suporta um risco económico, da outra parte ou de terceiro, obrigando-se a dotar a contraparte ou o terceiro, dos meios adequados à supressão ou à minimização das consequências negativas, reais ou potenciais, da verificação de um determinado facto. A LCS classifica os contratos de seguro à luz de uma divisão fundamental: os seguros de danos e os seguros de pessoas (artºs 123 a 174 e 175 a 217). Os seguros de danos são os contratos de seguro que têm por finalidade a cobertura de riscos relativos a coisas, bens materiais, créditos e outros direitos patrimoniais (artº 123 da LCS); dizem-se seguros de pessoas, os contratos de seguro que têm por finalidade a cobertura de riscos relativos à vida, saúde e integridade física de uma pessoa ou grupo de pessoas (artº 175 da LCS). De harmonia com o critério da sua obrigatoriedade, os seguros dizem-se facultativos ou obrigatórios, consoante são celebrados livremente pelo tomador do seguro ou por imposição legal. De acordo com o critério do objecto da prestação do segurador, distinguem-se os seguros de prestações indemnizatórias ou convencionadas, consoante o segurador se obriga a prestar o valor correspondente aos danos resultantes do sinistro ou um valor previamente fixado no contrato. A lei limita os seguros de danos aos danos patrimoniais, o que inculca, a inadmissibilidade, nesta espécie de seguros, da segurabilidade dos danos não patrimoniais suportados pelo próprio segurado[11]. O problema da ressarcibilidade do dano da privação do uso está longe de merecer uma resposta jurisprudencial acorde. Desde logo quanto à exacta natureza desse dano: enquanto algumas decisões sustentam que se trata de um dano não patrimonial[12], outras concluem pela sua patrimonialidade[13]. A privação de uso de um bem pode, portanto, dar origem tanto a um dano patrimonial como a um dano não patrimonial; quando ocorra esta última espécie de dano, ele será indemnizável de harmonia com os critérios específicos de valoração e mensurabilidade desse tipo de dano. Contudo, a clivagem jurisprudencial, não se limita à qualificação da natureza do dano de privação do uso. Mesmo quando se aceita a sua patrimonialidade, verifica-se uma nítida fractura entre as decisões para as quais basta, para que seja reparável, a demonstração do não uso do bem atingido[14] – e aquelas que julgam insuficiente essa demonstração, sendo ainda necessária a prova de um autónomo ou específico dano patrimonial[15]. A privação do uso de um bem constitui, por si, um dano patrimonial, visto que constitui lesão do direito real de propriedade ou de outro direito que autorize o uso do bem, traduzida na exclusão de uma das faculdades de que ao proprietário ou ao titular daquele outro direito, é lícito gozar: a de uso e fruição da coisa (artº 1305 do Código Civil). O uso de um bem constitui uma situação favorável que o direito amplamente tutela: a supressão dessa faculdade constitui, juridicamente, um dano. Para satisfazer as necessidades de mobilidade, as pessoas, físicas ou meramente jurídicas, sujeitam-se ao sacrifício económico grave que a aquisição e a manutenção de um veículo automóvel sempre representam. O facto que torne materialmente indisponíveis todas ou algumas das utilidades que é possível extrair desse bem – que têm, naturalmente, uma expressão pecuniária - deve ser encarado como um dano que, como tal, deve ser objecto de reparação adequada (artºs 562, 564 nº 1 e 566 nº 2 do Código Civil). Decerto que muitas vezes será difícil, por recurso à teoria da diferença, mensurar esse e dano e a indemnização que lhe deve corresponder. Mas esta dificuldade não é intransponível: nesta conjuntura sempre restará a tribunal a ultima ratio de julgamento representada pela apreciação equitativa do valor do dano (artº 566 nº 3 do Código Civil)[16]. De resto, uma jurisprudência reiterada sustenta que, uma vez provado o dano da privação do uso, por exemplo, de um veículo automóvel, a medida da sua indemnização é dada pelo custo de aluguer uma viatura de idênticas características, mesmo que o lesado não tenha efectivamente alugado um veículo de substituição[17]. Este pecúlio de considerações é suficiente para resolver a questão concreta controversa, objecto da impugnação. 3.3. Concretização. No caso do recurso, é indubitável, de um aspecto, que entre o recorrente e a recorrida foi concluído um típico contrato de seguro de coisa – o veículo automóvel ...-DC - no qual o primeiro figura na qualidade de tomador/segurado, e, de outro, que se verificou o facto compreendido no risco assumido pelo segurador – o sinistro: dano causado por capotamento. Também se não controverte que, por força do sinistro, o recorrente suporta, desde a data da sua verificação, um dano: a privação do uso do veículo segurado, viatura que o apelante utilizava, diariamente, nas suas deslocações. Mas também esta fora de dúvida uma outra realidade: que no contrato de seguro que vincula o apelante e a apelada se não se convencionou o dever do segurador de reparar aquele dano. No entanto, já adquirimos, à certeza, que uma coisa é o dano da privação do uso da coisa segura, enquanto objecto da cobertura do seguro, outra, deveras diferente, é da reparabilidade desse dano quando seja imputável à violação, pelo segurador, de uma qualquer obrigação a que se vinculou por força do contrato, como, por exemplo, do retardamento da obrigação de satisfazer a prestação a que, por força do contrato, se adstringiu. E é na violação do dever de prontamente liquidar o sinistro e, portanto, no retardamento da obrigação de satisfazer a prestação a que, por força do contrato a apelada ficou adstrita – e não na convenção que tenha por objecto a reparação do dano da privação do uso – que apelante faz radicar o seu direito a ser indemnizado de um tal dano. O recorrente apela, a este propósito, à violação de deveres acessórios de conduta, a que, por força do princípio da boa-fé, a recorrente estaria vinculada, mais exactamente, à falta de resolução, atempada, por parte da recorrida, no pagamento da indemnização. Embora a problemática dos deveres acessórios seja particularmente complexa, não deve oferecer dúvida séria de que aqueles se distinguem, com clareza, em função do seu fundamento final designadamente, do dever de prestar principal: enquanto este dever – que se funda na autonomia privada - visa a satisfação do direito do credor na prestação - aqueles – que têm a sua raiz na boa fé - promovem o interesse do credor na integralidade da própria prestação e ainda na indemnidade dos seus interesses colaterais: património e integridade, física e psíquíca, desse mesmo credor (artºs 398 nº 1 e 762 nº 2 do Código Civil)[18]. È comum o distinguo entre os deveres acessórios de informação, de segurança e de lealdade[19]: este último obrigaria as partes, designadamente, a uma actuação séria, evitando condutas que atinjam o dever de prestar ou a sua utilidade para o credor, e vincularia, tanto o devedor como o credor - através do princípio da tutela da confiança, derivado da boa fé – a adoptar todas as condutas necessárias para prevenir danos pessoais ou patrimoniais na esfera da contraparte. É discutível se a violação de deveres acessórios é susceptível de justificar um dever de cumprimento; tem-se, porém, por certo que prevaricação de deveres dessa espécie é idónea a fundar uma pretensão indemnizatória. Assentes estes pontos, o que logo fere a atenção é a circunstância de a matéria de facto apurada na instância recorrida não contemplar o facto relativo à data em que a apelada constatou o sinistro e a partir da qual se conta o prazo de 30 dias, em cujo terminus ad quem, a lei faz situar a constituição da apelada em mora no tocante à realização da prestação a que, por força do contrato, ficou vinculada. Ausência que se explica pelo facto de um tal facto não ter sido objecto de oportuna e adequada alegação. É ocioso relevar a importância de um tal facto, dado que – mesmo na retórica argumentativa do recorrente – só a partir da constatação do sinistro é que a apelada ficaria vinculada ao dever de prestar que para ela decorre do contrato e, portanto, ao dever acessório de pagamento atempado da indemnização. Simplesmente, não parece que no caso haja espaço para debater o problema da violação, pela apelante, de um qualquer dever acessório, dado que – segundo a alegação mesma do recorrente – não está em causa a ofensa de um dever daquela espécie – mas a violação do dever principal ou primário de prestar, ele mesmo. Dever que outro não é senão o de satisfazer, com pontualidade, no tempo devido, a prestação a que ficou adstrita por força do contrato de seguro (artºs 406 nº 1, 1ª parte, 762 nº 1 do Código Civil). Prestação que consiste, por se tratar de um seguro de danos, no pagamento, de harmonia com o princípio indemnizatório num quantum de indemnização, correspondente aos danos sofridos pelo segurado – prestação indemnizatória. Prestação indemnizatória que, no caso, é uma pura obrigação pecuniária de prestação única: o de pagamento da quantia de € 13.325,00, equivalente ao valor do capital seguro convencionado, deduzido do valor do salvado. Portanto, a recorrida ficou adstrita a uma pura obrigação pecuniária, sendo certo que não se convencionou, no contrato de seguro, a vinculação do segurador ao dever de indemnizar o dano resultante da privação do uso do bem seguro. Há mora do devedor quando, por acto ilícito e culposo deste, se verifique um cumprimento retardado (artº 804 nº 2 do Código Civil). A mora é, portanto, o atraso ilícito e culposo no cumprimento da obrigação: existe mora do devedor, quando, continuando a prestação a ser possível, este não a realiza no tempo devido. Para se concluir que há mora do devedor, não basta, portanto, dizer que, no momento do cumprimento, aquele não efectuou a prestação devida; é ainda necessário que sobre ele recaia um juízo de censura ou de reprovação. Exige-se, portanto, a ilicitude e a culpa do devedor, embora, tratando-se de responsabilidade obrigacional, qualquer retardamento na efectivação da prestação seja, por presunção, atribuído a ilícito cometido com culpa pelo devedor (artº 799 nº 1 do Código Civil). Da mora do devedor emerge, como primeira consequência, uma imputação dos danos, constituindo-se aquele no dever na obrigação de reparar todos os prejuízos que, com o atraso, tenha causado ao credor (artº 804 nº 1 do Código Civil). Temos, portanto, que a recorrida se constitui em mora no tocante à sua obrigação de pagar ao recorrente a quantia de € 13.325,00. Simplesmente, dado que a mora se refere a uma obrigação pecuniária, de origem puramente contratual, a única indemnização devida ao recorrente é a correspondente aos juros legais contados desde o dia em que o devedor se constitui nessa mora, não sendo aquele admitido sequer a provar que a mora lhe causou dano superior aos juros referidos (artº 806 nºs 1 e 2 do Código Civil). Solução que corresponde, de pleno, a uma opção deliberada do legislador, dado que no projecto da autoria do Prof. Menezes Cordeiro, se estabelecia, no artº 80 – avisadamente – que para além de a mora do segurador não depender de interpelação, o segurador responde por juros moratórios à taxa legal acrescida de 3%, podendo o beneficiário provar que, por via dela, sofreu danos superiores (nº 2). Neste ponto, como aliás, em muitos outros, é clara a orientação – discutível – da LCS por uma tutela maximalista dos interesses do segurador em detrimento, designadamente, dos do segurado. Como quer que seja, desde que não se convencionou que o segurador responderia também, em caso de verificação do sinistro, pelo dano emergente, decorrente da privação do uso da coisa e que a prestação a que segurador se vinculou é uma pura obrigação contratual pecuniária, tem-se por certo que ao recorrente não assiste o direito de exigir do segurador uma qualquer prestação indemnizatória dirigida para a supressão do dano de privação do uso da coisa sinistrada. A única indemnização a que por força do retardamento, pelo segurador, do dever de prestar, lhe é lícito exigir é a correspondente aos juros legais desde a constituição do último em mora indemnização que, na espécie sujeita, lhe não deve ser concedida, por esta razão simples mas sólida: por não ter sido pedida. Em todo o caso, deve notar-se que, caso tivesse sido pedida, uma tal indemnização apenas seria devida – pelas razões já indicadas - desde a citação da apelada, dado que só nesse momento é que a última se teria constituído, no tocante à realização da prestação indemnizatória a que está vinculada, na situação de mora (artºs 804 nºs 1 e 2 e 805 nº 1 do Código Civil). Não há que ponderar o problema dos danos não patrimoniais suportados pelo recorrente – invocados en passant nas conclusões com o apelante encerrou a sua alegação - dado de um aspecto, que no seguro de danos, não é admissível, a segurabilidade dos danos não patrimoniais suportados pelo próprio segurado, e, de outro, que não foi pedida, em momento algum, a reparação daquela espécie de danos. O recurso deve, pois, improceder. Síntese recapitulativa: a) Apesar de se tratar de um dano emergente, o segurador só responde pela privação do uso da coisa segura se assim se tiver convencionado no contrato de seguro; b) O atraso no retardamento, pelo segurador, da realização da prestação indemnizatória a que, por força do contrato de seguro, se vinculou, respeita à violação do dever principal ou primário de prestar e não à ofensa de qualquer dever acessório; c) Nos seguros de danos, o segurador está vinculado à realização de uma prestação indemnizatória puramente pecuniária, de origem contratual, pelo que, no caso de atraso na realização dessa prestação, a única indemnização devida é a correspondente aos juros legais, contados desde a data da constituição em mora; O recorrente sucumbe no recurso; deverá, por esse motivo, suportar as respectivas custas (artº 527 nºs 1 e 2 do nCPC). 4. Decisão. Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso. Custas pelo recorrente. 15.05.19 Henrique Antunes (Relator) Isabel Silva Alexandre Reis
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