Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FERREIRA DE BARROS | ||
Descritores: | CONTRATO DE EMPREITADA CUMPRIMENTO DEFEITUOSO EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO | ||
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Data do Acordão: | 09/27/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA PARCIALMENTE | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 428º E 1208º DO CC DO CÓDIGO CIVIL | ||
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Sumário: | 1. A excepção de não cumprimento do contrato ou de cumprimento defeituoso do contrato constitui uma excepção material dilatória, porque o demandado não recusa ao demandante o direito que alega, apenas pretendendo um efeito dilatório, isto é, realizar a sua prestação no momento em que o demandante realizar a prestação a que está obrigado; 2. O exercício da excepção de incumprimento ou cumprimento defeituoso da prestação só é legítimo se não contrariar os ditames da boa fé, sendo de arredar face a uma falta pouco significativa da contraparte, ou então conduzir a boa fé à redução de tal exercício em termos proporcionais à parte ainda não executada pelo contraente faltoso; 3. Tratando-se de uma excepção material dilatória, a sua procedência não deve obstar ao conhecimento do mérito da acção, devendo o demandado ser condenado a realizar a sua prestação contra o cumprimento simultâneo da contraprestação por parte do demandante ou seu cumprimento sem defeito. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I)- RELATÓRIO A... intentou, no Tribunal de Leiria, acção declarativa, sob a forma de processo sumário, contra B..., pedindo a condenação da Ré ao pagamento da quantia de € 5.000, acrescida de juros de mora vencidos, desde 31.12.2001 até 06.11.2003, no montante de €1.100, e vincendos até integral pagamento. Para o efeito, a Autora alegou, em síntese, ter fornecido à Ré uma cobertura metálica e respectiva montagem, pelo preço global de € 42.602,33, ficando a obra concluída em finais de Dezembro de 2001. A Ré apenas pagou a quantia de € 37.614,34, estando, ainda, em dívida a quantia de € 5.000,00. Sem êxito foi a Ré interpelada várias vezes para o pagamento. Citada, a Ré contestou, defendendo a improcedência da acção e absolvição do pedido. Alegou ter a obra sido executada pela Autora com atraso de um ano, com a aplicação de material avariado, concretamente, com a aplicação de uma telha dobrada e aplicação de telhas acrílicas perfuradas. A Ré comunicou à Autora que não dava a obra por concluída enquanto os ditos materiais não fossem substituídos e, por isso, reteve o pagamento da quantia de € 5.000,00 que pagará logo que esses materiais sejam substituídos. A Autora não respondeu à matéria de excepção. Prosseguindo os autos os seus regulares termos, com prolação do despacho saneador, selecção da factualidade relevante, instrução e julgamento, foi, por fim, proferida sentença a julgar a acção improcedente e não provada, absolvendo a Ré do pedido. Inconformada com tal decisão, apelou a Autora, pugnando pelo total êxito da demanda, e extraindo da sua alegação de recurso as seguintes conclusões: 1ª- O Tribunal a quo não teve na devida atenção o disposto nos arts. 664º e 264º, n.º2, do CPC, ao servir-se de factos não articulados pelas partes, tendo fundado a sua decisão em conclusões que não foram suportadas por quaisquer factos (pois nem sequer foram alegados pelas partes); 2ª-A Ré não invocou quaisquer consequências resultantes da colocação das 4 telhas acrílicas perfuradas e de uma dobrada, de molde a justificar a invocada excepção de não cumprimento do contrato; 3ª-Pelo que ao julgar procedente tal excepção, o Tribunal a quo fez uma interpretação menos correcta do disposto no art. 428º do CC; 4ª-A Ré nunca demandou a Autora no sentido da eliminação dos defeitos, pois a obra cumpre cabalmente o fim a que se destina, estando já prescrito aquele direito (art. 1225, n.º3 do CC); 5ª-Estamos face a um manifesto abuso de direito e de uma clara violação do princípio da boa fé que deve presidir a todas as relações contratuais; 6ª-A Ré usufrui em pleno das instalações, retendo a quantia de € 5.000,00, reduzindo, assim e de forma unilateral, sem qualquer critério, o preço convencionado. A Ré contra-alegou no sentido da manutenção do julgado. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II)- OS FACTOS A 1ª instância deu por assente a seguinte factualidade: 1- A Autora dedica-se à venda de coberturas e estruturas metálicas; 2-A Autora, no âmbito dessa sua actividade, forneceu à Ré, a pedido desta, uma cobertura metálica e respectiva montagem, pelo preço global de € 42.602,33; 3-A Ré pagou à Autora, por conta do preço assim convencionado, o montante de € 37.614,34; 4-Tendo a Ré, em finais de Dezembro de 2001, emitido e entregue à Autora o cheque n.º 43672403, sacado sobre o Montepio Geral, no montante de € 8.467.34); 5-Antes de tal data a Ré havia já pago à Autora a quantia de 1.000.000$00 em 10.11.2000, 1.708.200$00 em 02.06.2001, 2.135.250$00 em 06.06.2001 e 1.000.000$00 em 12.12.2001; 6-Na sequência da adjudicação da obra à Autora a Ré constatou sucessivos atrasos na efectivação dos trabalhos, tendo alertado a Autora para tal facto; 7-Devido à pressão efectuada pela Ré, a Autora acabou por colocar na obra uma telha dobrada; 8-E colocou, ainda, 4 telhas acrílicas perfuradas; 9-Acto imediato, a Ré anunciou à Autora que não dava a obra por concluída até que aqueles materiais fossem substituídos; 10-E que, em consequência, retinha o pagamento da quantia de € 5.000,00 até que tais materiais fossem substituídos. III)- O DIREITO Tendo em apreço as conclusões da alegação, a definir, em princípio, o objecto do recurso, a questão nuclear submetida a julgamento deste Tribunal consiste em saber se deve ou não proceder a excepção de não cumprimento do contrato invocada pela Ré. Sem qualquer discrepância a esse respeito, foi correctamente qualificado como empreitada o contrato celebrado entre a Autora e Ré, tendo em conta a definição desse tipo contratual emergente do art. 1207º do CC. E, nos termos do art. 1208º do mesmo diploma, o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato. Sobre o dono da obra recai, como obrigação principal, a prestação do preço convencionado, como flui da noção legal do mencionado contrato. Tratando-se de um contrato bilateral, em que ocorre interdependência, nexo de causalidade e correspectividade entre as obrigações que resultam para ambos os contraentes, pode um deles excepcionar o não cumprimento nos termos do n.º1 do art. 428º do CC. Ou seja, “se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação, enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”. A excepção de não cumprimento é a faculdade que, nos contratos bilaterais, tem por objectivo sancionar o dever de cumprimento simultâneo das obrigações compreendidas no sinalagma funcional, limitando-se um dos contraentes a retardar a sua prestação até que a outra seja cumprida Cfr. “A Excepção de Não Cumprimento do Contrato no Direito Civil Português”, p. 51. de José João Abrantes, “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, p. 329, de Calvão da Silva e acórdãos do STJ publicados na CJ 1999, 2º, p. 163, . Constitui uma excepção material dilatória, porque o demandado não recusa ao demandante o direito que alega, mas apenas pretende um efeito dilatório, isto é, realizar a sua prestação no momento em demandante realize a prestação a que está obrigado. Ao invocar, na contestação, a excepção de cumprimento defeituoso (“exceptio non rite adimpleti contrctus”), a Ré alegou, a propósito, ter a Autora aplicado na obra material avariado, concretamente, a aplicação de uma telha dobrada e telhas acrílicas perfuradas. Como acima se relatou, a Ré sequer respondeu à matéria de excepção, logo aceitando a execução defeituosa da obra. Mas o exercício da excepção de incumprimento ou de cumprimento defeituoso só é legítimo se não contrariar os ditames da boa fé, sendo de arredar face a uma falta pouco significativa do contraparte ou do demandante. É que a boa fé constitui um limite à alegação de tal excepção face ao cumprimento inexacto do contrato Cfr. “Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada”, p. 329, de Romano Martinez. , podendo levar inclusivamente à sua negação, ou pelo menos, à sua redução em determinadas circunstâncias. Como a parte da prestação recusada pelo excipiente deve ser proporcional à parte ainda não executada pelo contraente faltoso Neste sentido José João Abrantes, obra citada, p. 107 e 110; “Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra”, p. 125, João Cura Mariano, e acórdão do STJ publicado na CJ 2000, 3º, p. 150 a 154. . E sobre o autor recai o ónus de alegar e provar que a recusa do pagamento por parte do réu não é causa justificativa, dado o cumprimento defeituoso ser insignificante e até desproporcionado relativamente à prestação que reclama Neste sentido, veja-se o acórdão do STJ citado na nota anterior. . Extemporaneamente veio, porém, a Apelante, no recurso, alegar que a obra cumpre cabalmente o fim a que se destina, tendo caducado o direito de eliminação dos defeitos ou que é insignificante o cumprimento defeituoso face ao crédito ao preço ainda em dívida. E a matéria de facto apurada não permite concluir que os defeitos da obra sejam insignificantes ou de valor desproporcionado relativamente ao preço em dívida (€ 5000,00), pois mal se compreende que a Autora, apesar da imediata denúncia dos defeitos pela Ré, não os tenha eliminado. E a colocação na obra de uma telha dobrada e 4 telhas acrílicas perfuradas constitui vício que reduz o valor da obra e a aptidão do telhado para o fim a que é destinado, no caso, a cobertura de um pavilhão. Na sentença impugnada foi a Ré absolvida do pedido, mas tratando-se, no caso, de uma excepção material dilatória, a sua procedência não deve obstar ao conhecimento do mérito da acção. O demandado deve ser condenado a realizar a prestação pedida contra o cumprimento simultâneo da contraprestação Cfr. obra citada de Calvão da Silva, p. 335 e acórdão da Relação de Guimarães, publicado na CJ 2003, 2º, p. 281. . Como efeito principal da excepção de não cumprimento decorre para o excipiente apenas o direito à suspensão da exigibilidade da sua obrigação, direito que se manterá actuante enquanto se verificar o estado de recusa de cumprimento da parte contrária, sem com isso incorrer em mora Cfr. citada obra de José João Abrantes, p. 129. . Por outro lado, e tal é imperioso para invocar tal excepção, ficou assente ter Ré denunciado os defeitos da obra e reclamado a sua eliminação ou substituição dos materiais, logo após a conclusão da obra. Diga-se, finalmente, em resposta à conclusão 1ª, que não excede a matéria de facto alegada pela Ré, considerar-se provado que foram colocadas pela Autora 4 telhas acrílicas perfuradas, quando a Ré não alegara, na contestação, a quantidade das mesmas telhas. Face à indeterminação alegada, a 1ª instância limitou-se apenas a concretizar o número. Em suma, não merece qualquer censura a sentença impugnada ao reconhecer a procedência da invocada excepção de cumprimento defeituoso da prestação por banda da Autora (empreiteira). Todavia, como se assinalou, a procedência de tal excepção não obsta ao conhecimento do mérito da acção, ou seja, a Ré não deve ser absolvida, sem mais, do pedido, como foi. Diversamente, deve ser condenada a pagar o preço em falta (€ 5.000,00), sem juros de mora, contra o cumprimento simultâneo, e sem vício, da prestação por parte da Autora ou da eliminação dos defeitos ou substituição da telha dobrada e das 4 telhas acrílicas perfuradas. IV)- DECISÃO Nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em negar provimento ao recurso, mas indo a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de € 5.000,00 contra a simultânea eliminação dos defeitos acima identificados por parte da Autora. Custas, em ambas as instâncias, a cargo da Autora. COIMBRA, 27-10-2005 |