Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3664/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. COELHO DE MATOS
Descritores: DEFESA POR EXCEPÇÃO
Data do Acordão: 04/27/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SERTÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURO DE APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTIGO 488.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
Sumário:

1. No Código de Processo Civil revisto (Dec. Lei n.º 329-A/95, de 12/12) passou a ser obrigatório distinguir claramente a defesa por excepção da defesa por impugnação e concluir na contestação em conformidade, ou seja, o réu, a par da identificação do processo (intróito), tem de “expor as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor” (narração), começando, primeiro, pelas excepções, e, depois, pela impugnação, e, no final, deverá indicar o efeito jurídico, de direito processual ou material, resultante da defesa apresentada (conclusões) - artigo 488.º.
2. Por conseguinte, na contestação não haverá excepção se o réu se opõe ao incumprimento dum contrato promessa, cuja existência e validade já é posta em causa na petição inicial.
3. Logo, se o que se diz na contestação já encontra oposição na própria petição inicial, os factos naquela articulados têm-se por controvertidos e não aceites pelo facto de o autor não responder à contestação.
Decisão Texto Integral:
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Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

1. AA e mulher BB; CC e mulher DD e EE e marido GG, demandaram, na comarca da Sertã, FF, para que seja condenado a pagar-lhes uma indemnização de 50.000.000$00, a título de cláusula penal pelo incumprimento de um contrato promessa de cessão de quotas, alegadamente celebrado entre autores e réu.

2. O réu contestou e logo após, o sr. Juiz, considerando ter havido contestação por excepção peremptória, julgou assentes, por acordo, os factos alegadas na contestação, tendo em conta o disposto no artigo 490°, n° 1, e 505°, do Código de Processo Civil, dado que os autores não deduziram qualquer resposta.
Deu, então, como provados os seguintes factos:
1) Os Autores AA, CC e EE são os únicos sócios-gerentes da sociedade HH, com sede na Vila de Rei.
2) Por contrato promessa de cessão de quotas de 20/12/2000, conforme documento junto aos autos a fls. 12 a 14 e cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, os Autores AA, CC e EE prometeram ceder, e os respectivos cônjuges autorizar tal cedência, ao Réu, para ele ou para pessoas por ele indicadas, as suas quotas em tal sociedade. Do mesmo documento consta que a escritura de cessão de quotas seria celebrada nos 30 dias seguintes àquele em que transitar em julgado a sentença do processo de divórcio do Réu ou, se tal trânsito não tiver ocorrido entretanto, até 15 de Julho de 2001.
3) Consta, ainda, que o contrato produziria efeitos a partir do dia 1 de Janeiro de 2001 e que, como sinal e principio de pagamento do preço das cessões prometidas, o Réu entregou nesta data aos Autores dois cheques no montante global de 5.000.000$00 com vencimentos nos dias 23 e 31 do corrente mês.
4) Tais cheques foram o n° 5153100421, da II - Tapada das Mercês, no montante de 2.000.000$00, e o n° 5149000522, da II -Tapada das Mercês, no montante de 3.000.000$00.
5) Tais cheques foram assinados pelo Réu FF e foram apresentados a pagamento no dia 26/12/00 e 2/01/2001 e devolvidos, respectivamente, no dia 28/12/2000 e 04/01/2001 por terem sido revogados pelo Réu, alegando falta de vicio na formação da vontade.
6) Nos termos da clausula 12.ª do contrato atrás referido, estipulou-se que a parte que não cumprir pontualmente o contrato fica obrigado a indemnizar a outra parte por perdas e danos, que, como clausula penal, se liquida já no montante de cinquenta milhões de escudos.
7) A cláusula 8ª do contrato estabelece que o pagamento da parte restante do preço considera-se realizado com o pagamento do saldo referido na cláusula 5.ª (deduzindo-se- lhe os 5.000.000$00 do sinal já prestados) e com a substituição dos primeiros outorgantes pelo segundo, até à data da escritura de cessões, nas garantias pessoais dadas pelos primeiros à JJ para garantia do pagamento de um financiamento no montante actual de 147.826.088$00 concedido pela dita Caixa à Sociedade.
8) Antes de assinarem o contrato promessa os outorgantes foram advertidos de que, dado o clausurado em 8.ª, a possibilidade de cumprimento do contrato ficava dependente de terceiro.
9) Os Autores afirmaram que a JJ lhes tinha garantido que poderiam fazer o negócio nos termos contratados porque ela concordava com a substituição dos avales dos Autores pelo aval do Réu. Tendo sido alertados que nenhum banco troca, em princípio, várias garantias por uma e que não se mostre mais vantajosa - como era o caso do Réu que tinha património inferior ao dos Autores - os Autores garantiram que a JJ já aprovara a dita substituição de avales.
10) O Réu acreditou nos Autores e ficou convencido de que a JJ aprovara já a substituição dos avales.
11) No seguimento do referido supra, o Réu assinou o contrato e passou e entregou aos Autores os cheques supra mencionados.
12) Se o Réu soubesse que a JJ não aprovava a substituição dos avales não teria outorgado o contrato e não teria entregue os cheques, pois que não tinha possibilidades de pagar o montante do financiamento nem obter empréstimo para esse efeito.
13) Depois de assinado o contrato, alguns dos Autores e o Réu foram tratar da substituição dos avales na dependência de Vila de Rei da JJ, mas o respectivo gerente disse-Ihes que não tinha poderes para o efeito pelo que teriam de falar com o gerente da Dependência Distrital da Caixa, em Castelo Branco. Os Autores CC e EE e o Réu foram lá logo e o gerente da Caixa de Castelo Branco disse-Ihes que não aceitava que os Autores deixassem de ser avalistas da dívida da sociedade tendo dito ao Réu que fosse tratar de obter m financiamento no seu banco e pagasse à Caixa. Este facto ocorreu poucas horas depois de ter sido assinado o contrato promessa.
14) Como o Réu não tinha crédito para tanto disse logo aos Autores que, assim, não poderia consumar-se o contrato.
15) Os Autores não disseram nada, não se prontificaram a resolver o problema dos avales nem fizeram nada para o resolver. Por isso o Réu deu instruções ao seu banco para não pagar os cheques.
16) Os Autores acordaram que o pagamento da maior parte do preço das cessões de quotas seria realizado com a sua substituição pelo Réu nas garantias dadas pelos Autores à JJ.
17) Autores sempre souberam que a possibilidade de realização do negócio prometido ficava dependente da aceitação da referida substituição de avales por parte da JJ.


3. Em face de tal quadro factual, o sr. juiz julgou de mérito, declarando a improcedência da acção e absolvendo o réu do pedido.
Os autores não se conformam e apelam da decisão, concluindo:
A. O tribunal decidiu já a presente acção alegando a falta de resposta dos Autores às excepções invocadas pelo réu e dando como provados todos os factos por ele articulados.
B. Ora as "excepções" deduzidas pelo réu têm de ser especificadas – artigo 488º do Código de Processo Civil
C. O A. só pode responder com a réplica à contestação se forem deduzidas excepções - artigo 502º n° 1 do Código de Processo Civil.
D. Se não foi especificada qualquer excepção na contestação ao A. está vedada a replica - logo os factos alegados pelo réu não podem ser dados como não impugnados e provados.
E. E os factos alegados pelo réu são apenas uma oposição à posição factual alegada pelos AA e, como tal, não podem ser aceites como excepção.
F. Motivo, pelo qual, o Tribunal ainda, não tem factos suficientes para decidir de mérito a presente acção.
G. Devendo ser proferido Despacho Saneador - aliás foi esta a notificação que os recorrentes receberam em 1º lugar no dia 28.04.2003 e seguir o processo os trâmites legais posteriores.
H. Pelo que o Tribunal ao decidir como decidiu violou o disposto nos artigos 488.º, 490.º, 502.º, 505.º e 668.º n° I alínea d) todos Código de Processo Civil.
I. Devendo ser revogada a douta sentença, por uma outra decisão que mande baixar os Autos, para ser proferido Despacho Saneador e posterior julgamento.


4. Os apelados não contra-alegaram. O processo tem os vistos. Cumpre conhecer e decidir.
Diz o artigo 488º do Código de Processo Civil , na redacção que resultou do Dec. Lei n.º 329-A/95, de 12/12 que: “na contestação deve o réu individualizar a acção e expor as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor, especificando separadamente as excepções que deduza. (sublinhado nosso).
Quererá, então, isto significar algo de relevante, quanto ao aspecto formal da contestação? Vejamos:
Dizia o artigo na redacção anterior que: “na contestação deve o réu individualizar a acção, expor as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor e, no final, especificar os factos contidos no articulado que considera provados e aqueles cuja prova se propõe fazer”.
Como se vê, a redacção do preceito apresenta significativas diferenças do antigo direito para o resultante do Código revisto. E a este propósito referiu-se expressamente no preâmbulo do diploma de 95: “em matéria de contestação, por razões de clareza e em concretização do princípio da boa fé processual, estabeleceu-se que o réu deverá deduzir especificada e discriminadamente a matéria relativa às excepções deduzidas e formular, a final, e em correspectividade com a exigência formal de dedução do pedido que é feita ao autor, as conclusões da sua defesa”.
No foi, pois, por acaso que surgiu a nova formulação do preceito. É que, tratando-se de matéria bastante sensível e objecto de análises, nem sempre concordantes na jurisprudência e doutrina, entendeu o legislador pôr as coisas a claro e, consequentemente, a salvo de costumados subterfúgios, ainda que nem sempre com segundas intenções, mas que poderiam perigar as posições assumidas pelo autor na sua petição inicial, sempre que não se apercebesse de que na defesa haviam verdadeiras excepções a que era necessário deduzir logo oposição, sob pena de se considerarem provadas e apanhá-lo de surpresa.
No seu Código de Processo Civil anotado (13ª edição, a págs. 218) Abílio Neto escreve, a propósito desta nova redacção do preceito: “passou a ser obrigatório distinguir claramente a defesa por excepção da defesa por impugnação e concluir na contestação em conformidade, ou seja, o réu, a par da identificação do processo (intróito), tem de “expor as razões de facto e direito por que se opõe à pretensão do autor” (narração), começando, primeiro, pelas excepções, e, depois, pela impugnação, e, no final, deverá indicar o efeito jurídico, de direito processual ou material, resultante da defesa apresentada (conclusões)”. E é isto mesmo que resulta da lei. Está tudo dito.

Por conseguinte, volvendo agora ao caso dos autos, podemos constatar que a contestação, mesmo alegando factos que eventualmente permitam concluir que há defesa por excepção, o certo é que se opõe, no essencial, ao incumprimento de um contrato promessa, cuja existência e validade até é posta em causa.
Ou seja, a contestação opõe-se ao que, no seu conjunto, se afirma na petição inicial. Ou, vistas as coisas por outro prisma, o que se diz na contestação já encontra oposição na própria petição inicial E desse modo os factos articulados por ambas as partes são, no essencial, factos controvertidos.
Logo, devendo esses factos ser sujeitos a prova, a decisão de mérito, no saneador, foi precipitada, sem que, com isso se pretenda fazer qualquer juízo de valor sobre a qualificação dos factos feita pelo sr. Juiz, sobre a existência de excepções.
Não é disso que se cuida no recurso, mas sim da regularidade formal da própria contestação, cujos efeitos não podem deixar de ser os que deixamos consignados. Têm razão os apelantes.

5. Decisão
Por todo o exposto, acordam os juizes desta Relação em julgar procedente a apelação, em consequência do que revogam a sentença recorrida, para que se proceda à condensação dos factos e termos posteriores.
Custas a final.
Coimbra,
Relator: Coelho de Matos; Adjuntos: Custódio Costa e Ferreira de Barros