Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2187/02
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO TÁVORA VITOR
Descritores: LETRA DE CÂMBIO; RELAÇÃO SUBJACENTE; ASSUNÇÃO DE DÍVIDA; NULIDADE
Data do Acordão: 06/08/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: Nº 3 DO ARTIGO 6º DO CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS; ARTIGO 289º, 1142º ARTIGO 1 143º DO CÓDIGO CIVIL; ARTSº 660º Nº 2, 684º Nº 3 E 690º Nº 1 DO CÓDIGO DE PRO-CESSO CIVIL E NO ARTIGO 28º DA LULL
Sumário: 1. Nas relações imediatas a letra perde o cariz abstracto e autónomo que caracteriza os títulos de cré-dito. Contudo as limitações emergentes da relação jurí-dica subjacente à emissão do título, terão que ser con-cretamente invocadas e provadas pela parte interessada.
2. Sendo marido e mulher devedores de vários mútuos e simultaneamente únicos sócios de uma sociedade comercial, integra-se na figura da assunção cumulativa de dívida por parte desta última, o facto de na quali-dade de gerente ter um deles subscrito e entregue ao A. um letra de câmbio sacada por este último, titulando quantias recebidas deste.
3. Declarados nulos os contratos de mútuo por falta de forma, nem por isso deixa a sociedade acei-tante de estar obrigada em regime de solidariedade pas-siva com os Mutuários, a restituir por força do pre-cei-tuado no artigo 289º do Código Civil, a quantia titu-lada pela letra.
4. O nº 3 do artigo 6º do Código das Sociedades Comerciais ao vedar à sociedade a prestação de garan-tias a favor de terceiros não tem aplicação à "assunção de dívida".
5. Por outro lado ainda que se entendesse que no caso vertente havia sido prestada uma garantia, o dis-posto no referido normativo legal não pode ser oposto a terceiros de boa-fé, contra os quais é ineficaz.
6. O conhecimento da aludida ineficácia não é ofi-cioso.
7. Declarada a nulidade de um contrato de mútuo por inobservância das formalidades legais, são devidos juros à taxa legal desde o momento em que o mutuante se viu desembolsado das quantias mutuadas.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal de Relação de Coimbra.
A, casado, suinicultor, resi-dente no lugar da Bouça, freguesia de Colmeias, conce-lho de Leiria, veio intentar contra:
B e mulher C, comerciantes, residentes na rua da Escola, Bidoeira de Cima, Leiria e
Litosuínos – Comércio de Suínos, Limitada, com sede na rua da Escola, freguesia de Bidoeira de Cima, Leiria, a presente acção com processo ordinário tendo pedido a condenação solidária dos Réus a pagarem ao Autor a quantia de 11 000 000000 (onze milhões de escu-dos), acrescida de esc. 857 670$00 de juros moratórias vencidos e contados até 30 de Junho de 1999 e dos vin-cendos, à taxa legal, até efectivo e integral paga-mento; Condenação dos 1ºs Réus a pagarem ao Autor a quantia de esc. 2 470 000$00, acrescida de esc. 230 042$00 de juros moratórias vencidos e contados até 30 de Junho de 1999 e dos vincendos, à taxa legal, até efectivo pagamento.
Alegou para tanto e em resumo, que emprestou aos 1ºs Réus várias quantias em dinheiro para eles satisfa-zerem compromissos da sua vida pessoal e dos seus negó-cios. No princípio do ano de 1998, os Réus deviam-lhe esc. 19 470 000$00.
Nos presentes autos reclama apenas a quantia de esc. 13 470 000$00.
Os 1ºs Réus e a Ré Litosuínos são responsáveis solidários pelo pagamento da quantia de onze milhões de escudos. Os 1ºs Réus respondem, ainda, pelo pagamento da parte restante.
Os Réus contestaram, concluindo pela improcedência parcial da acção.
Para tanto alegaram que a dívida ao Autor é de 11 000 000$00 e que a obrigação do seu pagamento foi assu-mida pela Ré Litosuínos.
O Autor respondeu.
No saneador conheceu-se da validade e regularidade da instância, tendo-se procedido à selecção da matéria de facto relevante para a decisão da causa.
Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e em consequência:
- Condenou os RR. Manuel Mendes Lisboa e mulher Maria Clara Alves Lisboa a restituir ao Autor a quantia de esc. 12 720 000$00 acrescida de juros à taxa legal desde a citação dos RR. até efectivo pagamento.
- Absolveu os primeiros RR. da parte restante do pedido.
- Absolveu a Ré do pedido.
Daí o presente recurso de apelação interposto pelo Autor, o qual no termo da sua alegação pediu a revoga-ção da sentença na parte em que absolveu a Ré Litosuí-nos do pedido, condenando-se a mesma solidariamente com o casal Réu no pagamento do valor da dívida represen-tada pela letra de onze milhões de escudos, acrescida de juros moratórios legais desde a data do vencimento, revogando-se assim a decisão recorrida na parte em que condena os RR. Lisboa e mulher em juros moratórios à taxa legal apenas na data da citação e substituindo-se a decisão nessa parte por outra que os condene desde a data da emissão dos cheques e do vencimento da letra.
Apresentou as seguintes,

Conclusões.

1) Com o aceite da letra, a Apelada Litosuínos ficou constituída na obrigação de pagar o respectivo montante, sendo irrelevante a intenção das partes, ao convencionarem na sua emissão, quanto ao exercício da faculdade de desconto;
2) Pois que se com o aceite o obrigado cambiário, o aceitante, fica obrigado ao pagamento, o aceitante é sempre livre de endossar a letra, mesmo que tal não seja o seu propósito na data da emissão;
3) O aceite da letra pela apelada Litosuínos, segundo a factualidade provada, tem por efeito a assun-ção da dívida.
4) As normas dos artsº 28º da LULL, 595º nº 1 e 2 e 840º nº 1 do Cód. Civil deveriam ser interpretadas e aplicadas no sentido de que, com o aceite e entrega ao sacador, aqui Apelante, da letra de câmbio junta aos autos, a Apelada Litosuínos assumiu solidariamente com os Apelados Lisboa e mulher, a obrigação de pagamento do valor representado pela letra;
5) A relação jurídica cambiária é um negócio abs-tracto, por si mesmo idóneo para satisfazer, tanto a obrigação de restituir fundada nos mútuos, como a obri-gação de restituir fundada na nulidade dos mesmos;
6) A nulidade dos mútuos não se transmite ao con-trato de assunção de dívida;
7) Tendo decidido que a nulidade dos mútuos se transmite ao contrato de assunção de dívida, a decisão recorrida violou, entre outras, as normas dos artigos 595º e 219º do Código Civil, bem como a norma do artigo 840º do mesmo Diploma Legal.
8) A letra de câmbio dos autos, uma vez declarada a nulidade dos empréstimos com efeito retroactivo, passa a valer como título jurídico da obrigação de res-tituir fundada na nulidade dos empréstimos;
9) Decidindo de modo diverso, a sentença recorrida violou os princípios da literalidade e da abstracção, próprios das obrigações cartulares, a regra do efeito retroactivo da declaração de nulidade do negócio jurí-dico, e o princípio da restituição, em consequência da nulidade de tudo o que tiver sido prestado;
10) Com o que infringiu o disposto no artº 289º do Código Civil;
11) A "assunção de dívida" não constitui tecnica-mente a prestação de garantia a dívida doutras entida-des, segundo a previsão da norma do artigo 6º nº 5 do Código das Sociedades Comerciais.
12) A norma do artigo 6º do CSC, conjugada com as regras dos artsº 260º nºs 1 e 2 também do CSC, deve ser interpretada no sentido de que a assunção de dívida deve ser considerada como eficaz nas relações entre a sociedade e terceiros, sempre que a sociedade não ale-gue e não prove que o terceiro sabia ou não podia igno-rar, tendo em conta as circunstâncias, que o acto pra-ticado não respeitava as limitações resultantes do seu fim, ou do respectivo objecto social;
13) Ainda assim, a sociedade por quotas não pode opor a terceiros, em benefício dos quais assumiu uma dívida, por contrato com os seus sócios, devedores pri-mitivos, as limitações de capacidade resultantes do seu fim e do respectivo objecto social, quando a sociedade tenha assumido o acto por deliberação expressa ou tácita dos sócios;
14) A sanção legalmente associada à prática, pelos gerentes das sociedades por quotas, de actos alheios ao respectivo objecto social, não é a nulidade, mas a ine-ficácia, dependente da arguição da sociedade para poder ser conhecida em Juízo;
15) Mas, nesse caso, a ineficácia não opera se a sociedade assumiu o acto praticado pelos seus gerentes, por deliberação expressa ou tácita dos sócios;
16) Sendo a sociedade por quotas demandada por acto hipoteticamente praticado nessas condições, a arguição e prova dos requisitos da ineficácia constitui matéria da excepção, competindo à sociedade o ónus da prova dos mesmos;
17) Na acção, a Apelada Litosuínos nunca alegou sequer, que a dívida assumida a não responsabilizasse;
18) Por sua vez, os Apelados Lisboa e mulher, que são os únicos sócios da Apelada Litosuínos, também não alegaram que a dívida não fosse da responsabilidade da Litosuínos, sociedade que representaram na constituição do mandato forense que serviu de base à defesa;
19) A existir proibição legal de assunção de dívida por parte de uma sociedade por quotas em relação aos seus sócios, tal proibição, sancionada com a mera ineficácia, foi estabelecida no interesse dos sócios, e é um interesse disponível dos sócios;
20) Os Apelados Lisboa e Mulher e a co-Apelada Litosuínos, ao convencionarem o aceite da letra e ao entregá-la ao Apelante, manifestaram a sua renúncia tácita, mas inequívoca, a prevalecer-se da invocada ineficácia;
21) Renúncia essa, tácita, mas inequívoca, que exprimiram ao oferecer contestação, sendo, para o efeito de tal defesa, a Apelada Litosuínos representada na constituição de mandato forense, pelos próprios Ape-lados Manuel Lisboa e Mulher, seus sócios-gerentes; contestação essa em que apenas discutem o montante da dívida, e os termos em que alegadamente tinham já pro-cedido à sua parcial amortização;
22) Ao não decidir a lide a respeito da assunção de dívida pela Litosuínos, por aplicação das normas dos nsº l e 4 do artº 6º, e dos artsº 260º nsº 1 e 2 do CSC a decisão recorrida incorreu em erro na determinação do direito aplicável;
23) Ao decidir a dúvida sobre se existia justifi-cado interesse próprio da sociedade garante na assunção da dívida contra o Apelante, a decisão recorrida violou as normas dos artsº. 342º nº 2 do Cód. Civil e do artº 489º do Cód, Proc. Civil;
24) A decisão recorrida não apreciou, nem decidiu, como devia, a questão da regularidade jurídica da assunção de dívida pela Ré Litosuínos à luz do princí-pio da proibição do abuso do direito, matéria que é do conhecimento oficioso, com o que violou o princípio contido do artº 344º do Cód. Civil;
25) No circunstancialismo fáctico dado por pro-vado, a decisão de considerar inválida a assunção de dívida contraria o princípio da proibição do abuso de direito;
26) Podendo as relações jurídicas de letra e de cheque visar eficazmente o cumprimento da obrigação de restituir fundada na nulidade dos contratos de mútuo, era lícito ao Apelante, como consequência da declaração de nulidade com eficácia retroactiva, reclamar dos Ape-lados juros desde a data do vencimento da letra e da emissão dos chegues;
27) Retroagindo a declaração de nulidade os seus efeitos à data da conclusão dos negócios de mútuo nulos por vício de forma a decisão recorrida incorreu em erro de interpretação da norma do artigo 289º nº 1 do Código Civil, erro que se projectou na decisão do pedido de juros.
28) Decretada a nulidade dos mútuos, os Réus devem ser considerados como possuidores de má fé desde os momentos em que receberam os capitais emprestados, e, por conseguinte, responsáveis pelos juros, como frutos civis dos capitais recebidos de empréstimo;
29) A decisão recorrida violou, assim, as normas dos artigos 1 260º e 1 271º do Cód. Civil, na sua con-jugação com a já referida norma do artº 280º nº 1 do mesmo Código, ao reportar o início da equiparação dos Apelados a possuidores de má fé à data da citação quando, na verdade eles devem ser considerados como possuidores de má fé desde que receberam os capitais emprestados;
30) A norma do artº 1 271º, do Cód. Civil deve ser interpretada no sentido de que, no caso da nulidade do mútuo, por vício de forma, o sujeito responsável pela restituição dos capitais mutuados deve ser considerado como possuidor sem título, e conhecedor de que, retendo-os em seu poder, lesava direitos de outrem, desde que os recebeu;
31) A decisão recorrida violou., entre outras, as disposições dos artigos 28º da LULL, 595º nsº 1 e 2, 840º nº 1, 219º, 289º do Código Civil, 6º nsº 1 e 3 do CSC, 260 CSC, seus nsº 1 e 2, 342º nº 2 do Código Civil, 489º do Código de Processo Civil, 1 260º e 1 271º do Código de Processo Civil.
Contra-alegaram os apelados defendendo a manuten-ção da sentença.
A fls. 254 ss foi requerida e admitida sucessiva-mente a intervenção principal de Manuel da Silva Mota, Caixa Geral de Depósitos, Banco Comercial Português, José da Silva Catarino e mulher Maria Isaurinda Rolo Gomes Catarino.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. FUNDAMENTOS.
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O Tribunal deu como provados os seguintes,

2.1. Factos.
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2.1.1. A partir do ano de 1995, os 1ºs Réus, por várias vezes, pediram ao Autor empréstimos de dinheiro em quantias diversas, sempre superio-res a 200 000$00, por curto prazo, normalmente por tempo não superior a uma semana.
2.1.2. Tais empréstimos eram feitos por meros acor-dos verbais, entregando o Autor aos 1ºs Réus as quantias que estes lhe pediam e entregando estes ao Autor, para satisfação da obrigação de restituírem o capital de cada um desses empréstimos, cheques de con-tas bancárias pessoais, de montante igual ao capital emprestado, datados dos dias em que a restituição deve-ria ser feita por apresentação a pagamento desses che-ques nos Bancos sacados.
2.1.3. O Autor e os 1ºs Réus acordaram que tais empréstimos venciam juros, por todo o tempo em que o Autor se mantivesse desembolsado do capital emprestado.
2.1.4. Durante vários meses, os 1ºs Réus foram cum-prindo os compromissos assumidos com o Autor, resti-tuindo o capital emprestado e respectivos juros, o que fortaleceu a confiança do Autor na honradez dos 1ºs Réus e por isso lhes continuou a fazer novos emprésti-mos nos mesmos moldes.
2.1.5. Mais tarde e invocando dificuldades finan-ceiras de médio prazo, os 1ºs Réus pediram ao Autor empréstimos de quantias em dinheiro por prazos de seis meses, aos quais o Autor correspondeu, entregando-lhes as quantias pedidas e recebendo cheques sacados de con-tas pessoais dos 1ºs Réus de montante igual ao capital e respectivos juros, datados por aqueles dos dias em que pela apresentação dos mesmos a pagamento, o Autor deveria reaver as quantias emprestadas.
2.1.6. A partir de finais de 1997, os 1ºs Réus, invocando maiores dificuldades de pagamento, propuseram ao Autor a prorrogação dos empréstimos anteriormente concedidos.
2.1.7. Tendo o Autor concordado com tal pedido, por acordo de ambos, os 1ºs Réus substituíram alguns cheques que estavam na posse do Autor para satisfação de empréstimos anteriormente concedidos por novos che-ques com datas posteriores que entregaram ao Autor.
2.1.8. Para restituição da quantia de 1 470 000$00, que o Autor emprestou aos 1ºs Réus, a 1ª Ré preencheu, subscreveu e entregou ao Autor o cheque nº 2523859526, datado de 15 de Junho de 1998, sacado sobre uma conta do casal Réu na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Leiria, no montante de 1 470 000000.
2.1.9. Para restituição da quantia de esc. 1 000 000$00, que o Autor emprestou aos 1ºs Réus, a 1ª Ré preencheu, subscreveu e entregou ao Autor o cheque nº 3423859525, datado de 15 de Junho de 1998, sacado sobre uma conta do casal Réu na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Leiria, no montante de 1 000 000000.
2.1.10. Os cheques a que se alude em H) e I), jun-tos a fls. 22 e 23 dos autos, apresentados a pagamento não foram pagos e foram devolvidos com a menção de "falta de provisão”.
2.1.11. A 2ª Ré aceitou com a data de 25 de Maio de 1998 e com vencimento a 25 de Agosto do mesmo ano, uma letra de câmbio no valor de 11 000 000$00, junta a fls. 28, a qual não foi paga na data do seu vencimento nem posteriormente.
2.1.12. Os 1sº Réus são sócios e gerentes da 2ª Ré, cujo objecto social é a cria, engorda e comerciali-zação de suínos.
2.1.13. Os Réus compram e vendem suínos.
2.1.14. O Autor, ao exigir aos 1ºs Réus, em con-trapartida de cada um dos empréstimos, a entrega de cheques subscritos por qualquer um deles, de valor igual ao do capital emprestado, tinha em vista a res-ponsabilização directa daqueles e do seu património pessoal para o reembolso de tais quantias.
2.1.15. Os 1ºs Réus ou apenas a Ré mulher preen-cheram, subscreveram e entregaram ao Autor, a fim de lhe restituírem dinheiro já recebido dele, para além dos que se alude em H) e I):
- O cheque nº 2123859548, de 18 de Abril de 1998, sacado sobre a conta do casal na Caixa de Crédito Agrí-cola Mútuo de Leiria, no valor de 6 000 000000;
- O cheque nº 5003875075, de 2 de Maio de 1998, sacado sobre a conta do casal no Finibanco de Meiri-nhas, no valor de 1 000 000$00;
- O cheque nº 5308951294, de 17 de Abril de 1998, sacado sobre uma conta de que é titular a 2ª Ré no Banco Bilbao Vyzcaia, no valor de 3 250 000$00;
- O cheque nº 8916454630, de 15 de Julho de 1998, sacado sobre a conta do casal no Banco de Comércio e Indústria de Leiria, no valor de 3 000 000$00.
- O cheque nº 8016454631, de 15 de Julho de 1998, sacado sobre a conta do casal no Banco de Comércio e Indústria de Leiria, no valor de esc. 3 000 000$00.
2.1.16. Os dois últimos cheques a que se alude em 5º), apresentados a pagamento pelo Autor, no prazo de oito dias, a contar das datas da sua emissão, foram devolvidos sem serem pagos, com a menção de cheques revogados justa causa extravio.
2.1.17. Para facilitar ao Autor a restituição do capital que representavam os cheques de 6 000 000$00, de 3 250 000$00 e de 1 000 000$00, os 1ºs Réus acorda-ram com o Autor na emissão da letra aludida em K) para ser descontada pelo Autor numa instituição de Cré-dito – 9º).
2.1.18. Os 1ºs Réus, verificando as dificuldades que os estavam a impossibilitar de honrar os seus com-promissos com o Autor, propuseram a este e ele aceitou uma porção de porcos para amortização da dívida.
2.1.19. Tais porcos foram entregues ao Autor em 5 e 11 de Março de 1998 pela 2ª Ré no montante de 5 087 644$00.
2.1.20. A Ré mulher ficou inibida do uso de che-ques.
2.1.21. O preço da venda dos porcos, esc. 5 087 644$00, foi descontado no capital dos empréstimos fei-tos aos 1ºs Réus.
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2.2. O Direito.
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Nos termos do precei-tuado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Pro-cesso Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhe-cimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso deli-mitam os poderes de cognição deste Tri-bunal. Nesta conformi-dade e conside-rando também a natu-reza jurídica da maté-ria versada, cumpre focar os seguintes pontos:
- A questão.
- A nulidade dos contratos de mútuo e seus refle-xos no caso vertente.
- A problemática dos juros.
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2.2.1. A questão.
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Adelino Ruas Pimenta, intentou a presente acção contra os RR. Manuel Mendes Lisboa e mulher Maria Clara Alves Lisboa, e Litosuínos – Comércio de Suínos, Limi-tada, tendo pedido a condenação solidária dos Réus a pagarem ao Autor a quantia de 11 000 000000 (onze milhões de escudos), acrescida de esc. 857 670$00 de juros moratórias vencidos e contados até 30 de Junho de 1999 e dos vincendos, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento. Pediu ainda condenação dos 1ºs Réus a pagarem ao Autor a quantia de 2 470 000$00, acrescida de esc. 230 042$00 de juros moratórias vencidos e con-tados até 30 de Junho de 1999 e dos vincendos, à taxa legal, até efectivo pagamento.
A sentença apelada porém julgou a acção parcial-mente procedente e em consequência:
- Condenou apenas os RR. Manuel Mendes Lisboa e mulher Maria Clara Alves Lisboa a restituir ao Autor a quantia de esc. 12 720 000$00 acrescida de juros à taxa legal desde a citação dos RR. até efectivo pagamento.
- Absolveu os primeiros RR. da parte restante do pedido.
- Absolveu a Ré do pedido.
Opondo-se ao decidido, apelou o Autor pedindo a alteração da sentença nos termos abordados nos itens que se seguem.
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2.2.1. A nulidade dos contratos de mútuo e seus reflexos no caso vertente.
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Vem provado que a partir do ano de 1995, os 1ºs Réus, por várias vezes, pediram ao Autor empréstimos de dinheiro em quantias diversas, sempre superio-res a 200 000$00, por curto prazo, normalmente por tempo não superior a uma semana. Tais contratos foram feitos por meros acordos verbais entregando o Autor aos 1ºs RR. as quantias que estes lhe pediam e entregando estes ao Autor para satisfação da obrigação de restituírem o capital de cada um desses empréstimos, cheques de con-tas bancárias pessoais de montante igual ao capital emprestado, datados do dia em que a restituição deveria ser feita por apresentação a pagamento desses cheques nos Bancos sacados.
Mos termos do preceituado no artigo 1 142º do Código Civil – Diploma a que doravante pertencerão os restantes normativos citados sem menção de origem –
"mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade. De harmonia com o disposto no artigo 1 143º na redacção que lhe foi conferida pelo DL 163/95 de 13 de Julho, aqui aplicável, "o contrato de mútuo de valor superior a 3 000 000$00 só é válido se for celebrado por escritura pública e o de valor supe-rior a 200 000$00 se o for por documento assinado pelo mutuário".
Nesta conformidade e face aos mútuos supra-aponta-dos, uma conclusão se impõe: são nulos. Ora nos termos do preceituado no artigo 289º nº 1 "Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente".
Como resultado da nulidade dos mútuos e à partida, terão os 1sº RR. que restituir ao Autor o capital cor-respondente às quantias que aquele lhe emprestou e que vêm referidas nos factos provados.
Sucede porém, que a fim de facilitar ao Autor a restituição do capital que havia emprestado aos RR. e que se encontrava titulado pelos cheques de esc. 6 000 000$00, 3 250 000$00 e esc. 1 000 000$00 os 1sº RR. (o casal Lisboa) acordaram com o Autor na emissão da letra no montante de esc. 11 000 000$00, aludida na alínea K) dos Factos Assentes, com aceite da Ré Litosuínos. Este aceite consubstancia, na tese do Autor, mais do que uma garantia, antes a assunção de dívidas que eram dos 1ºs RR. o que co-responsabiliza a Ré face ao Autor; e sendo nulos os mútuos nem por isso deixa a letra de valer por si como título cambiário abstracto ou autónomo e sempre como título da obrigação de restituir com base na refe-rida nulidade. Baseado neste aceite o Autor demandou solidariamente a Ré a pagar com os 1ºs RR. a importân-cia do capital que a letra titulava.
A sentença apelada entendeu contudo que a intenção das partes não foi a de que a Litosuínos pagasse a letra ao sacador, mas apenas viabilizar um contrato com uma instituição de crédito que permitiria ao Autor ver-se assim reembolsado das importâncias dos empréstimos de esc. 6 000 000$00, 3 250 000$00 e 1 000 000$00 a que acima se alude. É que mesmo a entender-se que aquela pretendeu assumir a dívida, ao aceitar a letra de fls. 84, a mesma teria como subjacentes contratos nulos e esse vício transferiu-se para referida assunção. Acresce ainda exis-tir um outro elemento que tornaria nula a assunção de dívida; é que de harmonia com o pre-ceituado no artigo 6º nº 3 do Código das Sociedades Comerciais "Considera-se contrária ao fim da sociedade, a prestação de garan-tias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir justificado inte-resse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em rela-ção de domínio ou de grupo".
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Para se enquadrar devidamente esta questão teremos de fazer uma análise das relações jurídicas em pre-sença; por um lado estamos em face de contratos de mútuo celebrados entre o Autor e os 1sº RR.. Como tal não produzem os seus efeitos normais já que nulos por falta de forma; os efeitos decorrentes do contrato são aqui os da respectiva nulidade. Mas, por outro lado, estamos perante o aceite de uma letra por parte da 2ª Ré; nos termos do preceituado no artigo 28º da LULL, "o sacado obriga-se pelo aceite a pagar a letra à data do vencimento". Mas a quem? Em princípio sempre ao porta-dor mediato nos termos do artigo 17º da LULL a menos que aquele ao aceitar a letra tenha agido consciente-mente em detrimento do devedor.
Sucede porém que estamos no plano das relações imediatas; a letra que a sociedade Litosuínos aceitou ainda não entrou em circulação, permanecendo na posse do sacador. E então pergunta-se: O que é que se pode esperar da subscrição da letra? Que função desempenha?
Se a encarássemos como uma garantia dos contratos de mútuo teremos que extrair desse facto a conclusão de que a letra perderia a sua razão de ser, já que sendo nulo o mútuo nula será a obrigação de garantia titulada pela letra. No entanto está provado que a letra foi emitida – resposta ao quesito 7º da BI – "para facili-tar ao Autor a restituição do capital que representam os cheques de esc. 6 000 000$00, 3 250 000$00 e 1 000 000$00"; os primeiros RR. acordaram com o Autor na emissão de uma letra aceite pela Litosuínos de que são também os únicos sócios para ser descontada pelo Autor numa instituição de crédito. À primeira vista podería-mos ser tentados a concluir que a sociedade Litosuínos ao aceitar a letra não assumiu pois a obrigação de pagar aquelas quantias ao Autor, limitando-se a ofere-cer-lhe mais um meio condicionado (uma facilidade) de obter o pagamento da dívida e que só poderia ser usada com a finalidade de que o Autor sacador pudesse des-contá-la numa instituição bancária e assim ver-se pago o seu crédito; mas não já que a Litosuínos pagasse directamente a letra ao sacador. Quer dizer: O título representaria assim por parte da aceitante uma letra de favor; a Litosuínos só teria que pagar a letra caso a mesma tivesse sido endossada a terceiro de boa-fé que exigisse o respectivo pagamento; a abstracção e autono-mia da obrigação cambiária não vigoram nas relações imediatas, já que nelas cabe o apuramento da relação jurídica subjacente à emissão de uma letra. Esta parece no fundo ter sido a posição tomada pelo Sr. Juiz ao referir que a letra tinha simplesmente a função de facilitar o desconto.
Só que nada permite concluir que ao emitir a letra a Litosuínos pretendesse restringir o seu alcance à de mera datio pro solvendo. Tal é patente desde logo pela leitura dos artigos 21º e 22º da contestação onde se afirma que "em Maio de 1998 o A. solicitou aos RR. uma letra para titular a totalidade da dívida. Os RR. ace-deram em a Litosuínos assumir o pagamento da totalidade do capital em dívida e dos juros a acertar posterior-mente aquando do integral pagamento do crédito do Autor. Ora com esse aceite verificou-se de facto uma assunção de dívida por parte da Litosuínos que não exo-nera o devedor primitivo nos termos do preceituado no artigo 595º nº 2 do Código Civil, já que o credor nada declarou expressamente nesse sentido. A letra em causa cobre assim não apenas o direito de desconto numa ins-tituição bancária por parte do Autor como igualmente a possibilidade de este exigir o respectivo montante demandando directamente a Ré.
Só que a referida assunção reporta-se a negócios nulos por vício de forma; mas tal não obsta a que a assunção da dívida seja válida, ficando a letra a ser-vir de título para restituição das quantias mutuadas com o fundamento na nulidade por vício de forma dos contratos que as titulam.
Nesta medida sendo a assunção válida, a obrigação da Ré Litosuínos é convolada para o dever de indemnizar com base na nulidade dos contratos de mútuo.
Todavia e porque estamos no domínio das "relações imediatas", é possível restringir o montante da dívida a pagar pela Litosuínos a esc. 10 250 000$00 já que é esse o valor em dívida ao Autor (6 000 000$00 + 1 000 000$00 + 3 250 000$00) que esta assumiu e em cujo paga-mento irá solidariamente condenada com os 1sº RR..
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Contudo ainda assim o Sr. Juiz refere que a respon-sabilização da sociedade não poderia ter lugar, atento desde logo a incapacidade societária a que se reporta o artigo 6º nº 3 do Código das Sociedades Comerciais. Estabelece este normativo legal que "consi-dera-se contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entida-des, salvo se existir interesse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo". Esse interesse terá que ser pro-vado pelo interessado na obtenção da garantia Assim decidiu aliás o Ac. da Rel. de Coimbra de 17-10-2000 (R. 1935/00) in Col. de Jur., 2000, 4, 37. . Nesta medida também o Autor não poderia em princípio valer-se de qualquer garantia representada pela letra, porque muito embora tivesse alegado que a mesma fora aceite no interesse da sociedade cfr. quesito 11º, ao mesmo foi res-pondido "não provado".
Só que na sequência da posição por nós adoptada, a Ré Litosuínos não é mera garante antes se perfilando como assumidora da dívida. Por outro lado, já o nº 4 do mesmo Diploma Legal estatui que "as cláusulas contra-tuais e as deliberações sociais que fixem à sociedade determinado objecto ou proíbam a prática de certos actos não limitam a capacidade da sociedade, mas cons-tituem os órgãos da sociedade no dever de não excederem esse objecto ou de não praticarem esses actos" Cfr. Brito Correia Direito Comercial 2º Volume Sociedades Comerciais AAFDL, pags. 248 a 253; . Este normativo, ao transpor para o nosso direito interno a 1ª Directiva do Conselho da CEE nº 68/151, de 9 de Março de 1968, pretendeu evitar que as sociedades comerciais pudessem invocar o seu objecto ou delibera-ções dos sócios para impedir a sua vinculação por actos praticados pelos seus representantes perante terceiros de boa fé.
Esta disposição por si afastaria a nulidade que a sentença apelada entendeu estar ferido o aceite da letra para com o Autor. Aliás sempre se poderá acres-centar que nº 3 do artigo 6º do Código das Sociedades Comerciais funciona em benefício dos sócios que aliás são os primeiros RR..
Há pois que considerar os legítimos interesses de terceiro de boa-fé, havendo que conciliar o preceituado no artigo 6º com o disposto nos artigos 260º e 408º do Código das Sociedades Comerciais. Da conjugação destes normativos legais, resulta que a sociedade por quotas não pode opor a terceiros as limitações constantes do contrato de sociedade ou resultantes da deliberação dos sócios, a menos que prove que sabia ou não podia igno-rar que o acto praticado não respeitava a lei ou os estatutos da sociedade Cfr. Ac. do S.T.J. de 17-02-2000 (P. 1218/99) in Bol. do Min. da Just., 494, 366. Na Doutrina Cfr. Pedro de Albuquerque "A vinculação das Sociedades Comerciais por Garantias de Dívidas a Terceiros" in ROA 55º III pags. 689 a 711. Carlos Osório de Castro "Da Prestação de garantias a outras sociedades" in ROA pags. 565 a 593. . Daqui resulta que o comporta-mento em contrário por parte da sociedade gera a mera "ineficácia" dos actos praticados em relação a tercei-ros não sendo de conhecimento oficioso, já que tão pouco os RR. levantaram esta questão.
Mesmo que assim se não fosse funcionaria em pleno a válvula de escape do sistema, "o abuso do direito" na vertente da figura de venire contra factum proprium,
que obstaria a que os RR., únicos sócios da Litosuínos, viessem retirar ao Autor uma garantia que eles próprios haviam prestado embora noutra veste, a de responsáveis únicos por aquela sociedade. +
2.2.3. A problemática dos juros.
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Pedia o Autor que os 1sº e 2º Réus fossem condena-dos a pagar solidariamente ao Autor o capital mutuado acrescido de juros vencidos e vincendos a contar da data da emissão dos cheques à taxa legal até efectivo pagamento.
Efectivamente estava acordado entre A. e os 1sº RR. que os empréstimos venciam juros a todo o tempo em que o Autor se mantivesse desembolsado do capital emprestado (alínea C) da especificação).
No entanto a sentença considerou prejudicada aquela estipulação por virtude da nulidade do negócio e condenou apenas os primeiros RR. no pagamento de juros ao A. e apenas desde a data da citação para a presente acção. Na tese do aresto o direito que releva para o caso vertente é o do Autor à restituição do dinheiro por força da nulidade dos contratos de mútuo; e sendo nesta que a obrigação de juros se funda, os RR. só sou-beram que estavam a lesar o direito do Autor a partir da citação.
Em sede de recurso o Autor insistindo na sua tese, entende que os juros são devidos a partir do momento em que os AA. receberam os capitais mutuados, uma vez que terão de considerar-se de má-fé desde essa data e não apenas desde a data da citação.
O problema do vencimento dos juros em caso de nuli-dade do contrato de mútuo não congrega ainda unani-midade de tratamento por parte da Jurisprudência. A concepção tradicional vem entendendo que declarada a nulidade do contrato cai por terra a base de sustenta-ção dos juros nos termos acordados, já que era o mútuo a fonte daquela obrigação Cfr. a título de exemplo os Acs. da Rel. do Porto de 2-2-1999 (R. 9821365) in Bol. do Min. da Just., 484, 441; de 24-3-1998 (R. 9820010) in Bol. do Min. da Just., 475, 773. de 7-12-1995 (R. 744/95) in Bol. do Min. da Just., 452, 486. . E nesta perspectiva os juros serão só devidos desde a data da citação para a acção, momento em que se interpela o Réu para pagar os juros com fundamento na nulidade do contrato. Sucede porém, como bem referem Pires de Lima e Antunes Varela, que "em consequência de um negócio nulo pode ter-se constituído uma relação jurídica possessória, nos ter-mos do artigo 1 251º do Código Civil; nestes casos as disposições dos artigos 1 269º ss são directamente aplicáveis Cfr. AA. citados "Código Civil Anotado I, Coimbra Editora, 4ª edição, pags. 265. Cfr. ainda na Jurisprudência Ac. da Rel. de Lisboa de 22-4-1999 (R. 1931/99) in Col. de Jur., 1999, 2, 121.

". Desta forma, o rigor do efeitos do princí-pio da retroactividade fundamentado na nulidade do contrato fica atenuado no que toca ao contraente de boa-fé. Por outro lado é o próprio artigo 289º do Código Civil que após elencar no nº 1 os efeitos da declaração da nulidade ou anulação do negócio, não deixa, nos termos do nº 3, de referir que "é aplicável em qualquer dos casos previstos nos números anteriores, directamente ou por analogia, o disposto nos artigos 1 269º ss. Ora sob este aspecto há que atentar no artigo 1 271º ao estatuir que "o possuidor de má-fé deve res-tituir os frutos que a coisa produziu até ao termo da posse e responde, além disso pelo valor daqueles que um proprietário diligente poderia ter obtido". É certo que não há prova que nos indique que qualquer das partes, nomeadamente os 1sº RR. tenham agido de má-fé, nomeada-mente que ao receberem os capitais mutuados tivessem consciência de que o mútuo era nulo. Simplesmente não pode duvidar-se que na ausência de negócio válido, não existe título que justifique a posse dos capitais; e a posse não titulada presume-se de má-fé, de harmonia com o que dispõe o artigo 1 260º nº 2 do Código Civil. Assim, como esta presunção não se mostra ilidida, os juros incidem sobre os capitais "mutuados" a partir do momento da sua entrega aos 1ºs RR.. Esses juros são os que foram fixados pelas sucessivas Portarias a que se reporta o artigo 559º.
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O Autor limitou em parte nas suas ale-gações, o seu pedido ao capital de esc. 11 000 000$00 e juros desde 25 de Agosto de 1998, sendo certo que estando-se em presença de direitos dis-poníveis não lhe é vedado fazê-lo – artigo 273º nº 2 do Código de Processo Civil.
Aduz para o efeito que essa quantia, titu-lada tam-bém pela letra, já estava em dívida antes de 25 de Agosto, data do respectivo vencimento e a partir da qual o apelante pretende obter pagamento dos juros.
Só que se apurou que o quantitativo que a Litosuí-nos assume é apenas o referente a esc. 10 250 000$00 (6 000 000$00 + 1 000 000$00 + 3 250 000$00) e não o de esc. 11 000 000$00, por não se ter provado a dívida do restante i.e. esc. 750 000$00.
A este montante acrescem ainda as importâncias de esc. 1 470 000$00 + 1 000 000$00 igualmente pedidas e respeitantes igualmente a mútuos nulos por falta de forma legal.
O total das importâncias em dívida ascende assim a esc. 12 720 000$00.
Pela quantia de Esc. 10 250 000$00 são responsá-veis os 1ºs RR. e a Ré Litosuínos, tendo em linha de conta os factos provados. Sobre este quantitativo inci-dem juros à taxa legal desde 25 de Agosto de 1998, de harmonia com a redução do pedido pelo Autor.
Sobre o restante (esc. 1 470 000$00 + 1 000 000$00 = 2 470 000$00) e a pagar apenas pelos 1ºs RR., são devidos juros à taxa legal desde a data da emissão dos cheques que titulam as referidas parcelas.

Do exposto pode concluir-se pois o seguinte:

1) Nas relações imediatas a letra perde o cariz abstracto e autónomo que caracteriza os títulos de cré-dito. Contudo as limitações emergentes da relação jurí-dica subjacente à emissão do título, terão que ser con-cretamente invocadas e provadas pela parte interessada.
2) Sendo marido e mulher devedores de vários mútuos e simultaneamente únicos sócios de uma sociedade comercial, integra-se na figura da assunção cumulativa de dívida por parte desta última, o facto de na quali-dade de gerente ter um deles subscrito e entregue ao A. um letra de câmbio sacada por este último, titulando quantias recebidas deste.
3) Declarados nulos os contratos de mútuo por falta de forma, nem por isso deixa a sociedade acei-tante de estar obrigada em regime de solidariedade pas-siva com os Mutuários, a restituir por força do pre-cei-tuado no artigo 289º do Código Civil, a quantia titu-lada pela letra.
4) O nº 3 do artigo 6º do Código das Sociedades Comerciais ao vedar à sociedade a prestação de garan-tias a favor de terceiros não tem aplicação à "assunção de dívida".
5) Por outro lado ainda que se entendesse que no caso vertente havia sido prestada uma garantia, o dis-posto no referido normativo legal não pode ser oposto a terceiros de boa-fé, contra os quais é ineficaz.
5) O conhecimento da aludida ineficácia não é ofi-cioso.
6) Declarada a nulidade de um contrato de mútuo por inobservância das formalidades legais, são devidos juros à taxa legal desde o momento em que o mutuante se viu desembolsado das quantias mutuadas.
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3. DECISÃO.
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Na sequência do exposto acordam os Juízes que cons-tituem esta secção cível em julgar a apelação par-cialmente pro-cedente e revogando nessa medida a sen-tença apelada, condenam a Ré Litosuínos a pagar solida-riamente com os RR. Manuel Mendes Lisboa e Maria Clara Alves Lisboa ao Autor, a quantia de esc. 10 250 000$00, acres-cida de juros moratórios legais, desde 25 de Agosto de 1998; os RR. Manuel Mendes e Maria Clara vão condenados no pagamento ao Autor da quantia de esc. 2 470 000$00 (Cheques de esc. 1 470 000$00 + 1 000 000$00) acrescida de juros desde as datas de 15 de Junho e 15 de Julho de 1998 vencimento respectivo de cada um dos cheques até pagamento integral.
Custas por apelante e apelados na proporção do decaimento.