Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
172/06.0TBMMV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SILVA FREITAS
Descritores: ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
ARRENDATÁRIO
ARRENDAMENTO RURAL
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
EMPARCELAMENTO
Data do Acordão: 10/09/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MONTEMOR-O-VELHO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 28.º DO RAR E ARTIGOS 193.º; 416.º DO CÓDIGO CIVIL; DECRETO-LEI N.º 384/88, DE 25 DE OUTUBRO; LEI N.º 79/88, DE 7 DE JULHO; DECRETO-LEI N.º 103/90, DE 22 DE MARÇO.
Sumário: 1. Titulares do direito de preferência na venda ou dação em cumprimento de prédio arrendado são os arrendatários (ou arrendatário) com contrato em vigor há pelo menos três anos (art. 28.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de Outubro).
2. A preferência é reconhecida não apenas no caso de venda ou dação em cumprimento do prédio arrendado mas ainda quando ocorra uma venda ou dação em cumprimento de uma quota de compropriedade detida sobre o mesmo prédio.
3. O direito de preferência do arrendatário rural existe também na venda de fracções ideais da propriedade do terreno e de quinhões hereditários onde o terreno arrendado se integre
4. É inepta a petição cuja conclusão ou pedido briga com a causa de pedir. Se o autor formula um pedido que, longe de ter a sua justificação na causa de pedir, está em flagrante oposição com ela, a ineptidão é manifesta.
5. É inepta a petição inicial em que o autor, para preferir na venda, invoca a sua qualidade de arrendatário rural de um prédio que não é o vendido.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra



A... propôs a presente acção declarativa (acção de preferência) contra B.. e C... e esposa D..., invocando, em síntese, os seguintes fundamentos:
Alega o Autor que foi casado com a Ré B..., que neste Tribunal correram termos os respectivos processos de divórcio e de inventário para separação de meações, já findos por decisões transitadas em julgado, e que no inventário foi relacionado e adjudicado àquela Ré um prédio rústico composto de terra de semeadura, sito em Alverca, freguesia fiscal de Verride e administrativa de Ereira, deste concelho, inscrito na matriz sob o artigo 987º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Montemor-o-Velho sob o nº 145.
Mais alega que lhe foi entregue pelo Instituto de Hidráulica, Engenharia Rural e Ambiente – Projecto do Mondego (IHERA), o lote nº 538, o qual resultou de uma operação de recomposição predial executada por aquela entidade, e que é composto pelo artigo 987º e por uma área de 25.446 m2, que pertence ao Estado, através do IHERA, sendo que em 1 de Janeiro de 2000 o Estado, através da mesma entidade, deu esta área de 25.446 m2 de arrendamento ao Autor.
Alega ainda que a Ré B... vendeu o artigo 987º aos Réus Vítor e Cremilde, por escritura de compra e venda celebrada em 22.06.2005, pelo preço declarado de € 2.500,00, sem ter dado previamente conhecimento ao Autor da sua intenção e das condições de venda.
Como entende assistir-lhe o direito de preferir na compra, em virtude de ser arrendatário da restante parte do Lote nº 538, nos termos do artigo 28º do Regime do Arrendamento Rural, pede que se reconheça esse direito, condenando-se os Réus compradores a abrirem mão do prédio a seu favor mediante o depósito do preço devido, e bem assim a reconhecer-se ao Autor o direito de se substituir aos Réus compradores em qualquer inscrição matricial ou de registo que porventura tenha sido feita a seu favor.
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Em sede de contestação, os Réus invocaram a ineptidão da petição inicial, por contradição entre o pedido e a causa de pedir, uma vez que o Autor invoca simultaneamente a qualidade de proprietário do lote e de rendeiro de parte dele, terminando por pedir nessa última qualidade.
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Respondeu o Autor que em lado algum invocou a qualidade de proprietário do lote, sendo a petição clara e inteligível, e inexistindo qualquer contradição entre o
pedido e a causa de pedir.
Relativamente à excepção de caducidade, também invocada na contestação, o Autor veio dizer o seguinte:
A data em que o Autor teve conhecimento da escritura de compra e venda é a que está alegada na petição inicial.
É falso que tenha havido alguma carta a comunicar a intenção de alienação do prédio, nos termos alegados em 19 da contestação.
Apesar de a escritura ter sido feita em 22-06-2005, nunca os Réus procederam ao registo da aquisição, não permitindo a publicidade do acto.
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Foi proferida sentença a julgar inepta a petição inicial, por contradição entre o pedido e a causa de pedir, declarando-se nulo todo o processado e, consequentemente, absolvendo os Réus da instância.
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O Autor interpôs recurso dessa decisão.
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O recurso foi admitido como recurso de apelação e com efeito meramente devolutivo.
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O Recorrente apresentou doutas alegações em que formulou as seguintes Conclusões:
I
A petição encontra-se bem fundamentada nos factos que constituem o Direito de Preferência invocado pelo Apelante.
II
Não há qualquer contradição entre o pedido e a causa de pedir.
III
Em face dos factos alegados, documentos juntos e posição de cada uma das partes relativamente a cada facto, deveria ter sido elaborado Douto despacho saneador, e não julgar-se a acção inepta.
IV
Há erro na Interpretação e Aplicação do Direito.
V
Indicam-se como violadas, entre outras, as normas constantes dos artigos 28º do RAR, e 416º do Código Civil.
VI
Termos em que, deverão Vossas Excelências dar provimento a este recurso de Apelação, e revogar-se a Douta decisão que antecede, proferindo-se Douto Acórdão que revogue a Douta decisão de julgar inepta a petição inicial, e seja mandado elaborar Douto despacho saneador, prosseguindo os autos os seus
termos normais, assim se fazendo a Costumada Justiça.
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Em doutas contra-alegações apresentadas, os Recorridos C... e mulher D...s Moreno formularam as seguintes Conclusões:
1. O Apelante invoca na presente Acção a qualidade de arrendatário de um prédio rústico (prédio rústico do Estado com a área de 25.446 m2, omisso na matriz) e pretende exercer o direito de preferência sobre outro prédio rústico, com o artigo de matriz 987, da freguesia de Verride, Concelho de Montemor-o-Velho, de que não é, nem nunca foi, arrendatário.
2. Existe contradição entre o pedido e a causa de pedir, pelo que, ao julgar inepta a petição inicial, a decisão recorrida julgou acertadamente, não sendo passível de censura.
3. Na decisão recorrida fez-se correcta interpretação e aplicação da lei, não tendo sido violados o art. 28º do RAR, nem o art. 416º do C. Civil, nem quaisquer outras normas.
Termos em que, deve ser confirmada a decisão recorrida, assim se negando provimento ao presente recurso, como é de Justiça.
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Foram colhidos os vistos dos Ex.mos Juízes-Adjuntos.
Cumpre-nos decidir.
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O Autor A... propôs a presente acção para o exercício do direito de preferência, sob a forma sumária, e alegou, essencialmente, na petição inicial, os seguintes factos:
O Autor foi casado com a primeira Ré, tendo contraído matrimónio em 14-03-1982, da qual se divorciou em 21-05-2002, por Douta Sentença transitada em julgado em 31-05-2002 no processo 462/2001 da Comarca de Montemor-o-Velho.
Neste Tribunal correram igualmente Autos de Inventário, por apenso ao processo de divórcio, com o n.º 462-A/2001, tendo os mesmos transitado em julgado em 28-02-2005.
Da relação de bens do casal fazia parte um prédio rústico, composto por terra de semeadura, sito em Alverca, freguesia fiscal de Verride e administrativa de Ereira, deste concelho, inscrito na matriz sob o artigo 987, com o valor patrimonial tributário de 1.067,23 Euros, e descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o n.º 145.
Este prédio encontra-se abrangido pelo Perímetro de Emparcelamento do “Campo de Montemor”, também designado por Perímetro de Emparcelamento de Montemor/Ereira, que abrange terrenos situados nos Concelhos de Montemor-o-Velho e Figueira da Foz, acontecendo que, por força das obras de Emparcelamento, em 11-11-1999 foi entregue ao Autor o Lote nº 538 pelo Instituto de Hidráulica, Engenharia Rural e Ambiente – Projecto do Mondego (IHERA), conforme Auto de Entrega de Lote.
Esse Lote resultou de uma operação de recomposição predial executada pelo IHERA, que teve por base uma operação colectiva de trocas, de modo que nos termos do artigo 12º do DL 384/88, de 25-10, os prédios atribuídos ficam subrogados no lugar dos que lhe pertencia antes do emparcelamento.
O Auto de Emparcelamento tem o valor de Escritura Pública, e titula o Direito de Propriedade sobre o lote em causa, tendo sido lavrado pelo IHERA.
Na composição deste lote, para além do antigo artigo 987º, com a área de 1050 m2, faz parte ainda a área de 25.446 m2, que pertence ao Estado (IHERA), conforme descrição do lote que se juntou como Doc. nº 5 e se deu por integralmente reproduzido.
Na sequência desta recomposição predial, foi celebrado um contrato de Arrendamento Rural em 1 de Janeiro de 2000, no qual o Estado (IHERA) deu de arrendamento a área de 25.446 m2 do lote 538 ao ora Autor, conforme Contrato de Arrendamento Rural que se juntou como Doc. nº 6.
Lote esse que hoje abrange igualmente o prédio rústico com a matriz nº 987, apesar de ainda estar omisso na respectiva matriz predial.
Porém, em virtude do Inventário por divórcio, esse prédio rústico ficou a pertencer à 1ª Ré.
O Autor desde que o prédio lhe foi adjudicado que manifestou a sua intenção de o adquirir, em virtude de ser arrendatário da restante parte do Lote 538.
Facto esse que era do conhecimento directo da 1ª Ré, pois toda a alteração provocada pelas obras de Empreendimento e o contrato de arrendamento ocorreram na constância do seu matrimónio com o Autor.
No entanto, veio agora o Autor a saber que a 1ª Ré tinha efectuado uma Escritura de Compra e Venda no Cartório Notarial de Isilda Maria Gonçalves Duarte da Silva Barbas, em Montemor-o-Velho, no passado dia 22-06-2005, tendo vendido o prédio em causa com a matriz rústica 987 da freguesia administrativa de Ereira ao segundo Réu, pelo preço declarado de 2.500,00 Euros.
Sem ter dado previamente conhecimento ao Autor da sua intenção de vender o referido prédio, bem como das condições de venda do mesmo, e nomeadamente da pessoa do comprador e demais cláusulas do contrato, para que o Autor pudesse, querendo, comprar esse prédio.
Os Réus compradores não eram, ao tempo da celebração da Escritura de Compra e Venda referida, proprietários de qualquer prédio confinante com o prédio adquirido.
Como o Autor era arrendatário de parte do Lote 538, era a 1ª Ré obrigada a dar-
lhe preferência na venda do prédio, bem como ao Estado.
E por isso o Autor tem direito de preferência na venda do prédio vendido, nos termos do artigo 28º do Regime do Arrendamento Rural.
Os Réus violaram o disposto no artigo 416º do Código Civil, aplicável por força do artigo 28º do RAR.
Os Réus celebraram a Escritura de Compra e Venda de 22-06-2005 no maior sigilo, e não requereram o registo da aquisição.
Tendo sabido apenas agora em 2006, no mês de Fevereiro, que tinha sido celebrada uma escritura de compra e venda do terreno em causa.
Tendo solicitado a certidão dessa escritura no dia 12-02-2006, data em que considera ter tido conhecimento da venda.
O valor atribuído ao prédio é exagerado, e não corresponde ao valor real do mesmo, que terá sido muito inferior.
O custo da escritura foi de 238,10 Euros, de que se juntou certidão do recibo nº 333.
O IMT pago pelo adquirente foi de 125,00 Euros.
No entanto, apesar de suspeitar que o valor da transacção é inferior ao declarado, irá depositar a quantia de 3.000,00 Euros.
O Autor, na qualidade de arrendatário de parte do Lote que engloba o prédio vendido, tem o direito de haver para si o prédio vendido, exercendo por esta via o Direito de Preferência que lhe assiste.
Nestes termos, devia a acção ser julgada procedente e provada, e por via dela, reconhecer-se ao Autor o Direito de Preferência na venda do prédio identificado, e em consequência condenarem-se os Réus compradores a abrirem mão dele em favor do Autor, mediante o depósito do preço devido com todas as consequências legais, e bem assim a reconhecer-se ao Autor o direito de se substituir aos Réus compradores em qualquer inscrição matricial ou de registo que porventura tenha sido entretanto feita a seu favor.
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Os Réus C... e mulher D...s Moreno vieram contestar por excepção e por impugnação.
Por excepção, invocaram a ineptidão da petição inicial e a caducidade.
Quanto à ineptidão da petição inicial, os Réus invocaram o seguinte:
O Autor invoca a existência de um lote de terras (nº 538), e alega que lhe foi dado de arrendamento uma área de 25.446 m2 desse lote, conforme contrato que juntou.
Simultaneamente, o Autor alega que, por força das obras de Emparcelamento, em 11.11.1999 lhe foi entregue o lote 538 pelo IHERA, conforme Auto de Entrega de Lote. Alega que esse lote resultou de uma operação de recomposição predial pelo IHERA, de modo que os prédios atribuídos ficam subrogados no lugar dos que lhe pertencia antes do emparcelamento, nos termos do artigo 12.º do Dec. Lei 384/88, de 25.10, e alega que o Auto de Emparcelamento tem o valor de Escritura Pública, e titula o Direito de Propriedade sobre o lote em causa, tendo sido lavrado pelo IHERA.
Isto é, o Autor invoca simultaneamente a qualidade de proprietário do lote e de rendeiro de parte dele, terminando por pedir com base nesta última qualidade.
Assim sendo, é manifesta a contradição entre a causa de pedir e entre parte desta e o pedido, na parte em que se intitulando como proprietário pede como rendeiro.
Por impugnação, os Réus vieram dizer, essencialmente, o seguinte:
Antes de mais, o Autor alega que a 1ª Ré estava obrigada a dar-lhe a preferência na venda do prédio em causa, bem como ao Estado.
Sendo o Estado também preferente, como o Autor alega, incumbia-lhe (ao Autor) alegar e provar que o Estado renunciou ao seu direito de preferir na venda, para mais tratando-se de prédio rústico sito em Perímetro de Emparcelamento ou de recomposição predial, ou então demonstrar que era o melhor preferente, que tinha a primazia na preferência a qualquer outro.
E o Autor não alegou ou demonstrou uma coisa nem outra.
O lote 538 foi constituído, de facto, pelo prédio ora preferido, único prédio de que o Autor e a 1ª Ré (sua ex-mulher) eram proprietários no Perímetro de Emparcelamento, a que lhe foi agregado um terreno ou prédio do Estado com a área de 25.446 m2, para, assim, se constituir uma exploração agrícola condizente com os objectivos a que a Lei do Emparcelamento se propõe (art. 1º, nº 1, do Dec. Lei 384/88, de 25.10).
Após esta recomposição predial, a exploração agrícola que dela resultou foi entregue ao Autor e à sua ex-mulher (1ª Ré) para estes a explorarem, de forma provisória ou precária, e nunca a título de propriedade, continuando distintos os dois prédios componentes.
Tanto assim é que, em 1.1.2000, ou seja, posteriormente à outorga do Auto de Entrega (outorga em 11.11.1999), o Estado (proprietário) celebrou com o Autor (arrendatário), um contrato de arrendamento rural, segundo o qual aquele “deu de arrendamento ao A. a área de 25.446 m2 do lote 538”.
Esse contrato, como dele resulta, foi celebrado pelo prazo de apenas um ano (de 1.1.2000 até 31.12.2000), conforme o disposto no art. 30º do Dec. Lei 385/88, de 25.10, aplicável aos arrendamentos de prédios adquiridos para fins de emparcelamento.
Foi estabelecida a renda anual de 115.779$00.
Foi estabelecida uma cláusula sobre as condições de fruição pelo A..
No contrato figurava uma cláusula sobre benfeitorias, que não podiam ser feitas sem o consentimento expresso do Estado (IHERA), e uma vez realizadas sem esse consentimento não podiam ser levantadas ou indemnizadas.
No contrato estava prevista a sua resolução pelo Estado, se em determinado prazo o Autor não apresentasse os elementos indispensáveis à realização do auto de emparcelamento, nos termos e com os efeitos previstos nos artigos 7º, 18º, 19º e 23º do Dec. Lei nº 103/90, de 22 de Março (diploma regulamentador da Lei do Emparcelamento).
O contrato previa também a sua caducidade, no caso de ser lavrado a favor do Autor o auto de emparcelamento.
Este contrato foi-se renovando sucessiva e continuadamente, tendo sido denunciado pelo Estado por ofício de 28.10.2005 (recebido pelo Autor em 31.10.2005), para 31.12.2005.
Entretanto, em 1.1.2006, o Estado deu de arrendamento aos 2ºs RR. a referida área de 25.446 m2 do lote 538 do perímetro de emparcelamento Montemor/Ereira, a mesma área e o mesmo lote, tendo o contrato sido reduzido a escrito em 23.2.2006.
O contrato de arrendamento celebrado com o Autor, era, como é o de agora celebrado com os 2ºs RR., provisório ou precário, a que corresponde uma posse também provisória ou precária, como resulta de todo o seu clausulado.
Antes já o Autor se divorciou da 1ª Ré e partilhou com ela os bens comuns nos Autos de Inventário, transitados em julgado em 28.2.2005, que correram termos neste Tribunal com o n.º 462-A/2001.
O Autor, que foi o cabeça-de-casal no referido inventário, não relacionou qualquer lote nem a área do Estado, mas tão-somente o prédio rústico inscrito na matriz sob o art. 987, da freguesia de Ereira, o prédio ora preferido, de que ele com a 1ª Ré eram titulares ou proprietários.
Este prédio, no inventário, ficou a pertencer à 1ª Ré, como prédio distinto, e não integrando um lote juridicamente constituído.
No verso do “Auto de Entrega de Lote” de 11.11.1999, junto pelo Autor com a petição inicial, consta: “O Auto de Emparcelamento, documento com valor de escritura pública, a que se refere o artigo 18º do Decreto-Lei nº 103/90, de 22 de Março, e que irá titular o direito de propriedade sobre o lote em causa, será lavrado pelo Instituto de Hidráulica, Engenharia Rural e Ambiente, logo que este disponha dos elementos que a legislação sobre emparcelamento reputa indispensáveis, relativos aos titulares e respectivos prédios rústicos”.
Só a partir de então é que o lote se transforma em prédio, constituído e titulado de jure, dele se podendo a partir de então extrair todas as consequências jurídicas, designadamente quanto à titularidade ou propriedade e também para efeitos de registo predial e inscrição matricial.
Sucede que o Auto de Emparcelamento, a que se reporta o art. 18º do Dec. Lei 103/90, de 22 de Março, ainda hoje se encontra por lavrar, encontrando-se agora a exploração dos terrenos, enquanto lote (de facto), provisória ou precariamente entregue aos 2ºs RR., ou seja, o lote continua apenas constituído de facto, por dois prédios distintos pertencentes a proprietários diferentes, embora a serem explorados conjuntamente, como acontecia antes.
Deste modo, não tem o Autor o direito de preferência que invoca na presente acção, também porque o prédio preferido nem sequer era o que o Autor trazia de renda.
Os Réus pediram na conclusão da contestação:
1. Devia a petição inicial ser considerada inepta, devendo ser considerado nulo o processo, com as legais consequências;
2. No caso de assim não se entender, devia a acção ser julgada não provada e improcedente, e os RR. serem da mesma absolvidos, com todas as consequências legais;
3. Caso se entenda ter o A. o direito de preferência que invoca, devia ser julgada procedente a excepção de caducidade do exercício do mesmo, e os RR. serem absolvidos do pedido, com as legais consequências.
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O Autor veio ainda requerer a ampliação da causa de pedir e do pedido, com os seguintes fundamentos:
O Autor desconhece se o documento junto é verdadeiro.
Desconhece se as assinaturas nele constantes são verdadeiras.
Designadamente, a assinatura de quem intervém em nome do IDRHA.
Desconhece se quem assina em nome do IDRHA é competente para vincular tal Instituto.
No entanto, a ser verdadeiro tal contrato, o mesmo constitui a concessão de direitos ao Réu que são incompatíveis com os direitos do Autor emergentes do contrato por ele celebrado com o mesmo Instituto, e que considera estar em vigor.
Não podendo tal contrato ser oponível ao Autor, sendo nulo.
Desde que o Autor celebrou o contrato de arrendamento dos autos, que tem agricultado o terreno em causa ininterruptamente, sem oposição ou intervenção de quem quer que seja até à presente data.
Pagando pontualmente a renda estipulada ao referido Instituto, do qual o mesmo recebe o respectivo recibo de quitação.
Devendo, por isso, o contrato agora apresentado pelo Réu ser considerado e declarado nulo, e sem qualquer efeito, condenando-se os Réus C... e mulher a tal reconhecerem, e a absterem-se de praticar qualquer acto que impeça o normal uso e fruição do Autor sobre esse terreno, emergente do contrato de arrendamento de que o mesmo é titular, e que se encontra em vigor, devendo ainda condenar-se os Réus a indemnizarem por todos os prejuízos causados com actos que eventualmente pratiquem no referido terreno, prejuízos esses a liquidar-se em sede de Execução de Sentença.
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Notificados do requerimento do Autor para ampliação da causa de pedir e do pedido, os Réus vieram dizer, essencialmente, o seguinte:
O requerimento do Autor não é admissível e deve ser indeferido.
Na falta de acordo, como é o caso, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada na réplica se o processo a admitir, a não ser que a alteração ou ampliação seja consequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor (nº 1 do art. 273º do C.P.C.).
A presente acção segue os termos do processo sumário, e este não comporta ou admite réplica (arts. 783º e ss. do C.P.C.).
Por outro lado, a alteração ou ampliação pretendida não é consequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor, pelo que, por estas razões, a causa de pedir não pode ser alterada ou ampliada.
Quanto ao pedido, este pode ser alterado ou ampliado na réplica e pode, além disso, o autor, em qualquer altura, reduzi-lo e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo (nº 2 do art. 273º do C.P.C.).
A ampliação requerida não é o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
Com efeito, no pedido primitivo, o Autor pretende que lhe seja reconhecido o direito de preferência sobre o prédio em causa, e em consequência serem os RR. compradores condenados a abrirem mão do prédio a favor do Autor.
Agora, no requerimento, pretende que o contrato de arrendamento celebrado pelo R., sobre a área de terreno referida no art. 8º da petição inicial, seja declarado nulo e sem qualquer efeito, condenando-se os RR. a tal reconhecerem e a absterem-se de praticar actos que impeçam o uso do Autor sobre esse terreno.
Assim, o pedido do requerimento não constitui o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
E os Réus concluíram nos seguintes termos:
a) – Deve a requerida ampliação da causa de pedir e do pedido não ser admitida, devendo ser indeferido o requerimento do Autor, com as legais consequências;
b) – Se se entender que o contrato de arrendamento rural celebrado com o R. marido sobre a área de terreno em causa, é nulo, deve o contrato de arrendamento rural celebrado com o Autor sobre a mesma área de terreno, não só ser declarado denunciado, como considerado também nulo, devendo a acção ser desde logo julgada improcedente, por falta de fundamento válido (falta de causa de pedir);
c) – Deve o Autor ser condenado como litigante de má fé, ou seja, no pagamento de multa e de indemnização aos RR. que inclua todas as despesas por estes realizadas, incluindo as despesas com o seu mandatário constituído.
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Notificado do requerimento dos Réus, o Autor veio dizer o seguinte:
Mantém a ampliação da causa de pedir e do pedido, devido ao facto de se terem verificado factos que foram conhecidos supervenientemente.
Tal ampliação é efectuada à luz do artigo 273º do C.P.C., pois foi efectuada em sede de resposta à contestação dos Réus.
Tal como mantém os pedidos já efectuados na petição inicial.
O segundo contrato é nulo, e como tal terá de ser declarado, por ser incompatível com os direitos do Autor.
O Autor limitou-se a exercer os seus direitos nos termos legais.
Não alterou qualquer facto, nem deduz pretensão que não seja legal.
Quem anda a litigar de má fé, são os Réus, que foram propor uma Providência Cautelar à revelia da presente acção, que tem o nº 323/06.5TBMMV, pendente nesta Comarca, e aí omitindo que o Autor aqui invoca relações contratuais sobre uma parte do lote, fundado em contrato de arrendamento rural.
O Autor concluiu como na petição inicial e na ampliação do pedido, devendo os Réus serem condenados como litigantes de má fé em indemnização a favor do Autor, em montante nunca inferior ao valor da acção.
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Depois de expostos os termos da causa, deve notar-se que na sentença recorrida não se fez menção dos factos que podiam ser considerados como provados.
Por isso, ao abrigo do disposto no artigo 659.º, n.º 3, em conjugação com o estatuído no artigo 713.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, julgamos como provados os factos seguintes:
A)
O Autor foi casado com a primeira Ré, tendo contraído matrimónio em 14 de Março de 1982, da qual se divorciou por sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Montemor-o-Velho, de 21 de Maio de 2002, e que transitou em julgado em 31 de Maio de 2002.
B)
No Tribunal Judicial de Montemor-o-Velho correram termos uns autos de Inventário/Partilha de Bens em Casos Especiais, com o nº 462-A/2001, tendo a sentença transitado em julgado no dia 28 de Fevereiro de 2005.
C)
Da relação de bens do casal fazia parte um prédio rústico, composto por terra de semeadura, sito em Alverca, freguesia fiscal de Verride e administrativa de Ereira, concelho de Montemor-o-Velho, inscrito na matriz sob o artigo 987, descrito na Conservatória do Registo Predial de Montemor-o-Velho, sob o nº 145.
D)
Esse prédio encontra-se abrangido pelo Perímetro de Emparcelamento do “Campo de Montemor”, também designado por Perímetro de Emparcelamento de Montemor/Ereira, que abrange terrenos situados nos Concelhos de Montemor-o-Velho e Figueira da Foz.
E)
Na Conservatória do Registo Predial de Montemor-o-Velho, sob o n.º 145 da Freguesia de Ereira, encontra-se descrito o prédio rústico situado em Alverca, com a área total de 1050 m2, com o n.º 987 de matriz, composto de terra de semeadura, a confrontar de Norte, António de Oliveira Duarte; Sul, Júlio Machado; Nascente, Bento Malva Matoso; Poente, João Matoso, Freguesia fiscal de Verride, sendo sujeito activo, B.., divorciada, por virtude de partilha judicial subsequente a divórcio.
F)
Em 22 de Junho de 2005, no Cartório Notarial de Montemor-o-Velho, foi celebrada escritura de compra e venda, com os outorgantes:
B.., divorciada, residente na freguesia de Meãs, do concelho de Montemor-o-Velho, e C..., casado com D... Moreno sob o regime de comunhão de adquiridos, residente na freguesia de Ereira, do mesmo concelho.
Pela Primeira Outorgante foi dito que “pela presente escritura, pelo preço de Dois Mil e Quinhentos Euros, que já recebeu, vende ao segundo outorgante o prédio rústico, composto de terra de semeadura, sito em Alverca, freguesia fiscal de Verride e administrativa de Ereira, deste concelho, inscrito na matriz sob o art. 987, com o valor patrimonial tributário de 1.067,23 €, descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o número cento e quarenta e cinco, registado a favor da vendedora pela inscrição G apresentação três de doze de Maio de dois mil e cinco.
Que contíguo a este prédio vendido não possui qualquer outro terreno de cultura”.
Disse o Segundo Outorgante:
“Que aceita esta venda nos termos exarados”.
G)
Com data de 11 de Novembro de 1999, foi lavrado pelo IHERA, Instituto de Hidráulica, Engenharia Rural e Ambiente, do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, o Auto de Entrega de Lote, relativo ao “Lote nº 538”, do Perímetro de Emparcelamento de Montemor/Ereira.
Desse Auto de Entrega de Lote consta, nomeadamente:
“Este resultou de uma operação de recomposição predial executada pelo Instituto de Hidráulica, Engenharia Rural e Ambiente, pessoa colectiva com o nº 600044270 e sede na Avenida Afonso Costa, 3, 1949-002 Lisboa, que teve por base uma operação colectiva de trocas, de modo que nos termos do artigo 12º do Decreto-Lei 384/88, de 25 de Outubro, o(s) prédio(s) atribuído(s) fica(m) subrogado(s) no lugar do(s) que lhe pertencia(m) antes do emparcelamento, como consta do Boletim Individual de Proprietário que se junta e obteve a sua aprovação.
O Auto de Emparcelamento, documento com valor de escritura pública, a que se refere o artigo 18º do Decreto-Lei nº 103/90, de 22 de Março e que irá titular o direito de propriedade sobre o lote em causa, será lavrado pelo Instituto de Hidráulica, Engenharia Rural e Ambiente, logo que este disponha dos elementos que a legislação sobre emparcelamento reputa indispensáveis, relativos aos titulares e respectivos prédios rústicos”.
Esse documento lavrado em duplicado, foi assinado por A..., residente em Coutada, Meãs do Campo, freguesia de Meãs, concelho de Montemor-o-Velho, por duas testemunhas (António Manuel dos Santos Trindade e Carlos Augusto Andrade Soares) e pelo Engenheiro António João dos Santos, representante do IHERA e Coordenador do Sector de Estruturação Fundiária do Projecto do Mondego.
H)
Com data de 1 de Janeiro de 2000, foi celebrado, por documento escrito, o Contrato de Arrendamento Rural nº 17/2000, relativo a prédio da Reserva de Terras do Estado, entre o Instituto de Hidráulica, Engenharia Rural e Ambiente (IHERA), entidade equiparada a pessoa colectiva com o nº 600044270, com sede em Lisboa, na Avenida Afonso Costa, nº 3, representado por Idálio Rodrigues Ferreira Reis, Chefe da Equipa de Projecto, e A..., residente em Coutada – 3140 – 166 Meãs Campo, aquele como primeiro outorgante e este como segundo outorgante.
I)
O referido contrato é relativo a um prédio rústico da reserva de terras do Estado, de que o primeiro outorgante é dono, sito no lugar de Remolha, concelho de Montemor-o-Velho, com a área de 25.446 metros quadrados, omisso na respectiva matriz predial, incorporado no lote nº 538 da carta topográfica do perímetro de emparcelamento de Montemor/Ereira, concelho de Montemor-o-Velho.
J)
Desse contrato constam as cláusulas seguintes:
1º - (Prazo e renovação do contrato):
“O presente contrato tem início em 1 de Janeiro de 2.000 e termo em 31 de Dezembro de 2.000 e considera-se automática e sucessivamente renovado por períodos de um ano, se não for denunciado por alguma das partes com a antecedência mínima de trinta dias relativamente ao seu termo”.
2º - (Retribuição):
“1. A renda total anual é de 115.779$00, sem prejuízo da sua actualização nos termos da lei em vigor, e deve ser paga ao primeiro outorgante até ao último dia
do vencimento do contrato.
2. Para esse efeito, o primeiro outorgante emitirá um documento antes da data de vencimento do contrato.
3. No caso de o segundo outorgante não receber o documento emitido pelo IHERA, deverá, no prazo de quinze dias após a data de vencimento, efectuar o pagamento da renda directamente na sede do primeiro outorgante ou através de cheque ou vale de correio dirigido ao Presidente do IHERA, indicando o seu nome e residência, o prédio rústico e o ano a que se refere a renda”.
3º (Condições de fruição):
“O segundo outorgante obriga-se a aplicar os conhecimentos e técnicas necessárias à racional exploração do prédio rústico, por forma a atingir os níveis de produtividade consentâneos com a sua capacidade, no respeito pelo regime imperativo do uso da terra”.
4º (Benfeitorias):
“1. O segundo outorgante não poderá realizar quaisquer benfeitorias sem o consentimento expresso do primeiro outorgante.
2. As benfeitorias realizadas sem consentimento não poderão ser levantadas, nem conferirão direito a indemnização”.
5º (Resolução do contrato):
“O primeiro outorgante pode pedir a resolução do contrato no decurso do prazo se, no prazo de dezoito meses a contar da data em que para tal for notificado, o segundo outorgante não apresentar os elementos indispensáveis para lavrar o auto de emparcelamento, nos termos e com os efeitos previstos nos artigos 7º, 18º, 19º e 23º do Decreto-Lei nº 103/90, de 22 de Março”.
6º (Caducidade do contrato):
“Sem prejuízo do disposto no artigo 1º, o contrato caduca assim que for lavrado a favor do segundo outorgante o auto de emparcelamento a que se refere o artigo anterior”.
7º (Disposições finais):
“1. O presente contrato rege-se, na parte em que for omisso, pelo disposto na lei do arrendamento rural, devendo as questões dele emergentes ser dirimidas de acordo com o estipulado no artigo 35º do Decreto-Lei nº 385/88, de 25 de Outubro, na parte aplicável.
2. Este contrato está isento de selo e de qualquer outro imposto, taxa ou emolumento e não carece de visto do Tribunal de Contas, nos termos do disposto no artigo 40º do Decreto-Lei nº 136/97, de 31 de Maio e 61º, nº 2 do Decreto-Lei nº 375/86, de 6 de Novembro.
3. O presente contrato é lavrado em duplicado, destinando-se o original ao primeiro outorgante e o duplicado ao segundo outorgante”.
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O Decreto-Lei n.º 384/88, de 25 de Outubro, estabeleceu, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 79/88, de 7 de Julho, as bases gerais do emparcelamento e fraccionamento de prédios rústicos e de explorações agrícolas.
De acordo com o disposto no artigo 24.º, daquele Decreto-Lei, houve necessidade de proceder à regulamentação de tal matéria.
A regulamentação das bases gerais do regime de emparcelamento e fraccionamento de prédios rústicos, consta do Decreto-Lei n.º 103/90, de 22 de Março.
Segundo dispõe o artigo 1.º, “O Estado promove a execução de operações de emparcelamento integral quando elas constituam base indispensável para:
a) A execução de programas integrados de desenvolvimento agrícola regional;
b) O ordenamento do espaço agrícola e a reconversão cultural;
c) A reestruturação da propriedade rústica e da empresa agrícola afectadas pela realização de grandes obras públicas, nomeadamente auto-estradas, caminhos de ferro, barragens e aeroportos”.
De acordo com o disposto no artigo 7.º, n.º 1, “A determinação da situação jurídica dos prédios consiste na definição dos direitos, ónus e encargos que sobre eles impendem, bem como na identificação dos respectivos titulares”.
“Para os efeitos do número anterior, a DGHEA deve recorrer aos meios disponíveis, solicitando, nomeadamente, informação directa pelos titulares ou pelos seus representantes legais e procedendo à consulta dos títulos existentes, bem como das matrizes e do registo predial” (art. 7.º, n.º 2).
“Quando surgirem dúvidas acerca da propriedade de alguma parcela, é considerado proprietário, na falta de título suficiente, aquele que estiver na posse da parcela de acordo com o regime da usucapião” (art. 7.º, n.º 3).
O artigo 18.º, do mencionado Decreto-Lei n.º 103/90, de 22/03, estabelece:
“1 – Concluída a execução do projecto, é lavrado auto pela DGHEA, em relação a cada proprietário, no qual se deve fazer menção dos bens que lhe pertenciam, dos que em substituição destes lhe ficam a pertencer e dos direitos, ónus e encargos que incidiam sobre os primeiros e são transferidos para os segundos.
2 – Quando nos prédios resultantes do emparcelamento forem também incorporados terrenos de reserva de terras, o auto citado no número anterior, que tem, para todos os efeitos, o valor de escritura pública, deve fazer igualmente menção do facto e da hipoteca constituída por força do n.º 2 do art. 35.º, bem como as condições de pagamento do valor dos terrenos.
3 – O auto deve conter, nomeadamente, os elementos seguintes:
a) A identificação completa e a residência dos titulares dos direitos;
b) A causa da aquisição;
c) A espécie, o valor e a duração dos direitos, ónus e encargos;
d) A natureza e a descrição completa dos novos prédios;
e) A situação matricial dos novos prédios expressa pelos artigos de matriz ou pela menção de estarem omissos;
f) A indicação do respectivo valor declarado;
g) A indicação dos melhoramentos fundiários e rurais de carácter individual ou colectivo de que tenha beneficiado cada um dos novos prédios”.
O artigo 19.º dispõe o seguinte:
“1 – O auto constitui documento bastante para prova dos actos ou factos que dele constem, designadamente para os efeitos seguintes:
a) Registo da aquisição dos prédios resultantes da remodelação predial a favor dos proprietários;
b) Registo de quaisquer outros direitos, ónus ou encargos;
c) Inscrição dos novos prédios nas respectivas matrizes em substituição das inscrições que caduquem.
2 – As inscrições e alterações nas matrizes prediais são feitas oficiosamente em presença de certidão ou fotocópia do auto, devidamente legalizada, a remeter às competentes repartições de finanças pela DGHEA.
3 – A DGHEA tem legitimidade para requerer os actos de registo predial a favor dos titulares mencionados nos autos, tomando a responsabilidade do pagamento dos respectivos encargos, de que será reembolsada por aqueles”.
De acordo com o disposto no artigo 23.º, “Os resultados das operações de emparcelamento são titulados por auto lavrado pela DGHEA, nos termos e com os efeitos previstos nos arts. 18.º e 19.º, ou por escritura pública ou contrato de arrendamento celebrado de acordo com minuta aprovada pela DGHEA”.
A referência a estas disposições legais justifica-se porque, pela análise do seu conteúdo, se pode concluir que ainda não foi lavrado o auto de emparcelamento com o valor de escritura pública, embora tivesse sido lavrado o auto de entrega de lote.
É que, nos termos do artigo 18.º, n.º 1, do citado Decreto-Lei, concluída a execução do projecto, é lavrado auto, em relação a cada proprietário, no qual se deve fazer menção dos bens que lhe pertenciam, dos bens que em substituição destes lhe ficam a pertencer e dos direitos, ónus e encargos que incidiam sobre os primeiros e são transferidos para os segundos.
O próprio Autor, na petição inicial da presente acção, não deixou de reconhecer, no respectivo artigo 8.º, que, na composição do lote, para além do antigo artigo 987º, com a área de 1050 m2, faz parte ainda a área de 25.446 m2, que pertence ao Estado.
E, por outro lado, nos artigos 9.º e 10.º da mesma petição inicial, referiu que, na sequência desta recomposição predial, foi celebrado um contrato de arrendamento rural em 1 de Janeiro de 2000, no qual o Estado (IHERA) lhe deu de arrendamento a área de 25.446 m2 do lote 538, lote esse que hoje abrange igualmente o prédio rústico com a matriz nº 987, apesar de ainda estar omisso na respectiva matriz predial.
Acresce que, no requerimento de ampliação da causa de pedir e do pedido, o Autor reafirma que o contrato de arrendamento de que o mesmo é titular, se encontra em vigor, pedindo, em consequência, e além do mais, a condenação dos Réus a absterem-se de praticar qualquer acto que impeça o normal uso e fruição do Autor sobre esse terreno.
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Pode dizer-se que o Autor comprovou que foi lavrado, com a data de 11 de Novembro de 1999, o Auto de Entrega de Lote, respeitante ao lote n.º 538, e que o Autor refere ser composto, além do artigo 987, com a área de 1050 m2, pela área de 25.446 m2, pertencente ao Estado (IHERA).
No entanto, não foi lavrado o Auto de Emparcelamento, documento com valor de escritura, a que se refere o artigo 18.º, do Decreto-Lei n.º 103/90, de 22 de Março, o qual, como se refere no Auto de Entrega de Lote, seria lavrado pelo Instituto de Hidráulica, Engenharia Rural e Ambiente, logo que dispusesse dos elementos que a legislação sobre emparcelamento reputa indispensáveis, relativos aos titulares e respectivos prédios rústicos.
O próprio Autor reconhece que o lote 538 é constituído por dois prédios rústicos distintos, pertencentes a proprietários diferentes, como resulta da sua alegação nos artigos 8.º, 10.º, 11.º e 12.º, da petição inicial.
E é em relação ao mencionado prédio rústico, inscrito na matriz rústica da freguesia administrativa de Ereira sob o artigo 987º, que o Autor pretende exercer o direito de preferência, com fundamento nos artigos 28.º, do Regime do Arrendamento Rural, e 416.º, do Código Civil.
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O artigo 28.º, do Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de Outubro, dispõe o seguinte:
“1 – No caso de venda ou dação em cumprimento do prédio arrendado, aos respectivos arrendatários com, pelo menos, três anos de vigência do contrato assiste o direito de preferirem na transmissão.
2 – O direito de preferência do arrendatário cede perante o exercício desse direito por co-herdeiro ou comproprietário.
3 – Sempre que o arrendatário exerça o direito de preferência referido no presente artigo, tem de cultivar o prédio directamente, como seu proprietário, durante, pelo menos, cinco anos, salvo caso de força maior, devidamente comprovado.
4 – Em caso de inobservância do disposto no número anterior, o adquirente fica obrigado a pagar ao anterior proprietário o valor equivalente ao quíntuplo da última renda vencida e a transmitir a propriedade ao preterido com o exercício da preferência, se este o desejar, pelo preço por que adquiriu o prédio.
5 – No caso de exercício judicial desse direito, o preço será pago ou depositado
dentro de 30 dias após o trânsito em julgado da respectiva sentença, sob pena de caducidade do direito e do arrendamento.
6 – No caso de procedência do direito de preferência há isenção de sisa.
7 – Ficam também isentas de sisa todas as transmissões onerosas de prédios a favor dos respectivos arrendatários rurais desde que exista contrato escrito há, pelo menos, três anos, com assinaturas reconhecidas notarialmente ou autenticadas pelos serviços oficiais competentes”.
Por outro lado, o artigo 27.º do mesmo Diploma prevê que quando “a cessação do contrato de arrendamento ocorrer por causa não imputável ao arrendatário, este goza do direito de preferência nos contratos de arrendamento celebrados nos cinco anos seguintes”.
O direito de preferência do arrendatário rural foi introduzido na legislação portuguesa pelo Decreto-Lei n.º 201/75, de 15 de Abril, o qual foi substituído pouco tempo depois pela Lei n.º 76/77, de 29 de Setembro.
Este diploma manteve-se em vigor durante vários anos, com as alterações que foram introduzidas pela Lei n.º 76/79, vindo a ser revogado pelo citado Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de Outubro – (cf., sobre a preferência do arrendatário rural, Dr. Agostinho Cardoso Guedes, in O Exercício do Direito de Preferência, Porto 2006, Publicações Universidade Católica, págs. 195-199).
Por seu turno, o artigo 416.º, do Código Civil, sob a epígrafe Conhecimento do preferente, estabelece o seguinte:
“1. Querendo vender a coisa que é objecto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato.
2. Recebida a comunicação, deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo de oito dias, sob pena de caducidade, salvo se estiver vinculado a prazo mais curto ou o obrigado lhe assinar prazo mais longo”.
Como observou o Prof. Antunes Varela, “(…), os direitos legais de preferência conferem ao respectivo titular a faculdade de, em igualdade de condições («tanto por tanto»), ele se substituir a qualquer adquirente da coisa sobre que incidam, em certas formas de alienação.
A fim de possibilitar o seu exercício, o obrigado à preferência deve comunicar ao titular do direito o projecto de alienação e as cláusulas do respectivo contrato.
Se o não fizer, e consumar entretanto a alienação, o preferente tem a faculdade de, dentro de certo prazo, fazer valer o seu direito contra o adquirente.
A faculdade que assiste ao preferente de exigir a coisa das mãos de qualquer terceiro adquirente traduz-se, dada a sua eficácia absoluta e a inerência a certo objecto, num verdadeiro direito real. Não é, evidentemente, um direito real de garantia, pois não se destina a caucionar o pagamento de nenhum crédito. Não é também um direito real de gozo, visto que da faculdade de preferir não derivam, directa e imediatamente, poderes de fruição sobre a coisa que é objecto da prioridade concedida ao seu titular. As preferências legais integram-se antes na categoria de direitos a que os nossos autores têm chamado, por inspiração da doutrina alemã, direitos reais de aquisição.
Trata-se daqueles direitos que conferem ao respectivo titular o poder de adquirir sobre determinada coisa, quando ocorram certos pressupostos, um direito real de gozo. O direito real de preferência constitui precisamente a figura mais importante dos direitos reais de aquisição” – (cf. Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 103.º, pág. 476).
Segundo o Prof. Vaz Serra, o direito real de preferência “não dá um poder sobre a coisa: o seu titular não pode exercer sobre ela o domínio ou algum outro poder característico dos direitos reais de gozo, nem tem o direito de se satisfazer pelo valor dela (como nos direitos reais de garantia): o conteúdo do direito de preferência é a faculdade de aquisição da coisa, dados certos requisitos” – (cf. estudo sobre Obrigação de Preferência, in Bol. Min. da Justiça, n.º 76, págs. 244 e seguintes, maxime, pág. 252).
A qualificação do direito legal de preferência como direito real de aquisição é também referida pelo Prof. Manuel de Andrade, na Teoria Geral das Obrigações, com a colaboração do Prof. Rui de Alarcão, 2.ª edição, 1963, pág. 61.
No mesmo sentido, os demais autores que são mencionados por Antunes Varela, na citada Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 103.º, pág. 477, e nota 2).
Titulares do direito de preferência na venda ou dação em cumprimento do prédio arrendado são os arrendatários (ou arrendatário) com contrato em vigor há pelo menos três anos (art. 28.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de Outubro).
A lei fornece aqui indicações fortes no sentido de a preferência ser reconhecida não apenas no caso de venda ou dação em cumprimento do prédio arrendado mas ainda quando ocorra uma venda ou dação em cumprimento de uma quota de compropriedade detida sobre o mesmo prédio.
Só neste contexto cobra sentido o n.º 2 do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 385/88, norma que faz o direito de preferência do arrendatário ceder perante o exercício deste direito por co-herdeiro ou comproprietário – uma vez que estes direitos são exercidos na venda de quotas da compropriedade e de quinhões hereditários, só faz sentido admitir que o legislador pressupõe que o direito de preferência do arrendatário rural existe também na venda de fracções ideais da propriedade do terreno e de quinhões hereditários onde o terreno arrendado se integre – (cf. Dr. Agostinho Cardoso Guedes, in O Exercício do Direito de Preferência, 2006, págs. 196-197, e, em idêntico sentido, J. Aragão Seia, M. Costa Calvão e C. Aragão Seia, in Arrendamento Rural, 4.ª edição, Coimbra, 2003, págs. 189/190).
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Analisemos agora o caso dos autos, à luz do pedido formulado pelo Autor.
O Autor pretende que lhe seja reconhecido o direito de preferência, ao abrigo do disposto no artigo 28.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de Outubro.
E invoca que tem o direito de preferência na venda do prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo 987, sito em Alverca, freguesia fiscal de Verride e administrativa de Ereira, do concelho de Montemor-o-Velho, pedindo a condenação dos Réus compradores a abrirem mão desse prédio em seu favor (dele Autor).
Efectivamente, já vimos que, nos termos do referido artigo 28.º, n.º 1, “no caso de venda ou dação em cumprimento do prédio arrendado, aos respectivos arrendatários com, pelo menos, três anos de vigência do contrato assiste o direito de preferirem na transmissão”.
No entanto, o Autor não alegou que tivesse a qualidade de arrendatário daquele prédio rústico, antes invocando que tinha a qualidade de arrendatário, por força de um contrato de arrendamento rural, que tinha por objecto um prédio rústico da reserva de terras do Estado, de que o Estado é dono, sito no lugar de Remolha, do concelho de Montemor-o-Velho, com a área de 25.446 metros quadrados, omisso na respectiva matriz predial.
O prédio rústico que foi objecto da escritura de compra e venda celebrada em 22 de Junho de 2005, em relação ao qual se pretende exercer o direito de preferência, e que os Réus C... e mulher D... Moreno adquiriram, pertencia ao casal que foi formado pelo Autor e pela Ré vendedora B...
No entanto, esse casamento ficou dissolvido por divórcio.
E esse prédio, que se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial de Montemor-o-Velho sob o n.º 145 da freguesia de Ereira, ficou a pertencer a B.., por partilha judicial subsequente ao divórcio, como se verifica da certidão do Registo Predial de fls. 14 e 15 dos autos.
De harmonia com os factos alegados na petição inicial, o Autor não tem a qualidade de arrendatário rural relativamente a esse prédio.
Ou seja, o Autor invocou, como causa de pedir, a qualidade de arrendatário de um prédio com a área de 25.446 metros quadrados, pertencente ao Estado (IHERA), pedindo, no entanto, que lhe fosse reconhecido o direito de preferência na venda de um outro prédio, o prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo 987 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Montemor-o-Velho sob o n.º 145 da freguesia de Ereira, do qual, porém, não é arrendatário, nos termos da alegação constante da petição inicial.
É certo que o Autor alegou que esse prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo 987, e a referida área de 25.446 metros quadrados, de que o Autor invocou a qualidade de arrendatário, por força do contrato de arrendamento rural celebrado com o Instituto de Hidráulica, Engenharia Rural e Ambiente, estavam incorporados no Lote n.º 538, tendo alegado que, na composição desse Lote, para além do antigo artigo 987, com a área de 1050 m2, faz parte ainda a área de 25.446 m2, que pertence ao Estado (IHERA).
No entanto, como também se fez referência na decisão recorrida, não se encontra demonstrado nos autos que esse Lote n.º 538 passasse a constituir um prédio juridicamente autónomo.
O que o Apelante alegou e comprovou é que lhe foi entregue, através do “Auto de Entrega de Lote”, um lote de terrenos, para exploração, constituído, de facto, por dois prédios rústicos distintos, pertencentes a donos diferentes, um, o inscrito na matriz da freguesia de Verride sob o artigo 987, e que foi objecto da escritura de compra e venda, e o outro, constituído por uma área de 25.446 metros quadrados, da reserva de terras do Estado, omisso na respectiva matriz predial, e que foi objecto do referido contrato de arrendamento rural.
Trata-se, portanto, de dois prédios rústicos distintos e autónomos, embora para serem explorados em conjunto, e que só passam a constituir um único prédio, juridicamente autónomo, quando for lavrado o “Auto de Emparcelamento, documento com valor de escritura pública”, a que se refere o artigo 18º do Decreto-Lei nº 103/90, de 22 de Março, nos termos que constam do próprio “Auto de Entrega de Lote”.
Assim, pode dizer-se que o Autor invocou como causa de pedir a qualidade de arrendatário de um prédio (ou a área de 25.446 metros quadrados da reserva de terras do Estado), e pediu que fosse admitido a exercer o direito de preferência na venda de um outro prédio, do qual não é arrendatário (o prédio inscrito na matriz predial sob o artigo 987).
A escritura de compra e venda em questão nos autos, não tem por objecto a venda de um prédio que esteja arrendado.
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Nos termos do artigo 193.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, “é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial”.
Acrescentando o n.º 2 do mesmo artigo:
“Diz-se inepta a petição:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;
b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis”.
Pode acontecer que o pedido e a causa de pedir tenham sido claramente formulados, mas entre eles haja contradição.
E a petição é inepta quando o pedido estiver em contradição com a causa de pedir. Tal como no caso do artigo 668-1-c (oposição entre os fundamentos e a decisão), trata-se aqui da contradição lógica, distinta da inconcludência jurídica, isto é, da situação em que é alegada uma causa de pedir da qual não se pode tirar, por não preenchimento da previsão normativa, o efeito jurídico pretendido, constituindo causa de improcedência da acção, embora a fronteira entre essa contradição e esta inconcludência seja difícil de estabelecer – (cf. José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, pág. 323).
Ao analisar o conceito de ineptidão da petição dado no artigo 193.º do Código de Processo Civil de 1939, o Prof. Alberto dos Reis esclareceu o seguinte:
“Na verdade, a causa de pedir deve estar para com o pedido na mesma relação lógica em que, na sentença, os fundamentos hão-de estar para com a decisão. O pedido tem, como a decisão, o valor e o significado duma conclusão; a causa de pedir, do mesmo modo que os fundamentos de facto da sentença, é a base, o ponto de apoio, uma das premissas em que assenta a conclusão. Isto basta para mostrar que entre a causa de pedir e o pedido deve existir o mesmo nexo lógico que entre as premissas dum silogismo e a sua conclusão.
A petição inicial, para ser uma peça bem elaborada e construída, deve ter a contextura lógica dum silogismo, deve poder reduzir-se, em esquema, a um raciocínio, com a sua premissa maior (razões de direito), a sua premissa menor (fundamentos de facto) e a sua conclusão (pedido). (…).
Pois bem. É da essência do silogismo que a conclusão se contenha nas premissas, no sentido de ser o corolário natural e a emanação lógica delas. Se a conclusão, em vez de ser a consequência lógica das premissas, estiver em oposição com elas, teremos, não um silogismo rigorosamente lógico, mas um raciocínio viciado, e portanto uma conclusão errada.
Compreende-se, por isso, que a lei declare inepta a petição cuja conclusão ou pedido briga com a causa de pedir. Esta é mesmo, a nosso ver, a modalidade mais característica de ineptidão. Se o autor formula um pedido que, longe de ter a sua justificação na causa de pedir, está em flagrante oposição com ela, a ineptidão é manifesta” – (cf. Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2.º, págs. 381-382).
E sobre idêntica contradição entre o pedido e a causa de pedir, também salientou:
“O pedido deve ser o corolário ou a consequência lógica da causa de pedir ou dos fundamentos em que assenta a pretensão do autor, do mesmo modo que, num silogismo, a conclusão deve ser a emanação lógica das premissas. Se, em vez disso, o pedido colidir com a causa de pedir, a ineptidão é manifesta”. (…)
Efeito. A ineptidão da petição tem como consequência a anulação de todo o processo” – (cf. Código de Processo Civil Anotado, volume I, pág. 309).
Assim, a doutrina e a jurisprudência interpretam e aplicam a contradição prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 193.º, do Código de Processo Civil, no sentido da incompatibilidade lógica entre o facto real, concreto, individual, invocado pelo autor como base da sua pretensão (causa de pedir) e o efeito jurídico por ele requerido (pedido) através da acção judicial.
“Se a crise da pretensão deduzida em juízo reside, não na falta de correspondência lógico-normativa entre o facto concreto alegado pelo autor e a providência jurisdicional por ele requerida, mas na simples falta real de um pressuposto (seja de facto, seja de direito) da concessão desta providência, a situação é de improcedência da acção – e não de contradição (lógica, normativa) entre o petitum e a causa petendi” – (cf. Prof. Antunes Varela, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 121.º, pág. 121).
Antunes Varela referiu nessa anotação que o Código de 1876 mencionava de forma indirecta e muito abreviada os requisitos da petição, como condição de admissibilidade preliminar da acção. O § único do artigo 130.º desse diploma limitava-se a prescrever que «não pode julgar-se inepto o requerimento, quando da narração ou conclusão puder depreender-se qual é o pedido e fundamento da acção».
Foi o Código de 1939 que, mercê do espírito acentuadamente analítico do autor do respectivo Projecto, não só definiu o alcance positivo da ineptidão, como nela incluiu, além da falta ou ininteligibilidade do pedido e da causa de pedir, quer a contradição entre o pedido e a causa de pedir, quer a incompatibilidade entre os pedidos cumulados (na petição) – (cf. Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 121.º, pág. 121, nota 1).
A respeito da ineptidão da petição inicial, observou o Prof. Castro Mendes que “a ideia geral é a de impedir o prosseguimento duma acção viciada por falta ou contradição interna da matéria ou objecto do processo, que mostre desde logo não ser possível um acto (unitário) de julgamento, “judicium”.
E a alínea b) remete para o caso de contradição – não basta a simples desarmonia – entre pedido e causa de pedir – (cf. Direito Processual Civil, II vol., 1987, págs. 490-491).
Segundo o Cons. Rodrigues Bastos, “a petição inicial tem de reproduzir um raciocínio lógico, em que o pedido há-de conter-se nas razões de direito e nos fundamentos de facto expostos como causa de pedir.
Se do facto jurídico invocado como causa de pedir (art. 498.º, n.º 4) deriva (admitindo que se provam os factos articulados) um efeito diferente daquele que o autor lhe atribui, a conclusão contraria as premissas e a petição é inepta”.
“A contradição a que alude a alínea b) do n.º 2, para produzir o efeito ali previsto, tem de ser intrínseca, substancial e insanável” – (cf. Notas ao Código de Processo Civil, volume I, 3.ª edição, págs. 254-255).
Como exemplos desta previsão normativa, podem mencionar-se os que foram tratados nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Outubro de 1950, in Bol. Min. da Justiça, n.º 21, pág. 193, de 10 de Novembro de 1983, in Bol. Min. da Justiça, n.º 331, pág. 445, de 5 de Abril de 1984, in Bol. Min. da Justiça, n.º 336, pág. 382, e no Acórdão da Relação do Porto, de 2 de Outubro de 1979, in Col. Jur., Ano IV, 1979, tomo 4, págs. 1275-1276).
Verificando-se uma incompatibilidade entre o pedido e a causa de pedir, cremos que não merece censura a decisão recorrida ao julgar inepta a petição inicial, por contradição entre o pedido e a causa de pedir, declarando nulo todo o processado e, consequentemente, ao absolver os Réus da instância.
Pelas razões expostas, julgando que não foram violadas as normas jurídicas invocadas pelo Apelante, ou sejam, as normas constantes do artigo 28.º, do Regime do Arrendamento Rural, e do artigo 416.º, do Código Civil, concluímos pela improcedência das conclusões das doutas alegações apresentadas.
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Nos termos expostos, acordam nesta Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, e, consequentemente, confirmam a sentença recorrida.
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Custas pelo recorrente.