Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
480/07.3GAMLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO VENTURA
Descritores: REINCIDÊNCIA
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 07/16/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA MEALHADA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA (PARCIALMENTE)
Legislação Nacional: ARTIGOS
Sumário: I. – A circunstância modificativa da pena reincidência depende da verificação de pressupostos formais e de um feição material.
II. - São pressupostos formais a presença de crimes dolosos; a punição de qualquer deles com prisão efectiva de duração superior a seis meses; o trânsito em julgado da condenação ou condenações anteriores; o cumprimento total ou parcial da punição pela condenação anterior; e a conexão entre os crimes, materializada na exigência de que entre a prática do crime anterior e aquele em que se perspectiva a verificação da reincidência, não tenham decorrido mais de cinco anos, descontado o período de privação da liberdade. O pressuposto material decorre da exigência de que a condenação ou condenações anteriores não tenham servido ao agente de suficiente advertência contra o crime
III. - O regime vigente de atenuação especial da pena, constante dos artºs. 72º e 73º do CP, destina-se a responder a situações em que a ilicitude do facto e a culpa mas também a necessidade da pena e as exigências de prevenção se revelem diminuídas de forma acentuada. Como salienta Figueiredo Dias, constitui uma válvula de segurança do sistema penal, respondendo a hipóteses especiais em que existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá considerado quando fixou os limites da moldura penal respectiva.
IV. - Na ponderação concreta da pena, tendo em atenção os critérios do artº 71º do C.P., cumpre determinar a medida da sanção tendo como limite e suporte axiológico a culpa do agente e em função das exigências da prevenção de futuros crimes, sem esquecer que a finalidade última da intervenção penal é a reinserção social do delinquente, sendo incompatível com o Estado de direito democrático finalidade retributiva.
V. - No modelo que enforma o regime penal vigente, norteado, como decorre do artº 40º do CP, pelo binómio prevenção-culpa, cumpre encontrar primeiro uma moldura de prevenção geral positiva, determinada em função da necessidade de tutela das expectativas comunitárias na manutenção e reforço da validade da norma violada. Fixada esta, correspondendo nos seus limites inferior e superior à protecção óptima e protecção mínima do bem jurídico afectado, deve o julgador encontrar a medida concreta da pena em conjugação com as exigências de prevenção especial de socialização do agente, sem ultrapassar a culpa revelada na conduta antijurídica.
VI. – A escolha de uma pena de substituição como é a suspensão da execução da pena implica como se escreveu no Ac. do STJ de 30/6/93, citando Jescheck: «na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose favorável ao agente, baseada num risco prudencial. A suspensão da pena funciona como um instituto em que se une o juízo de desvalor ético-social contido na sentença com o apelo, fortalecido pela ameaça de executar no futuro a pena, à vontade do condenado em se integrar na sociedade. O tribunal deve estar disposto a assumir um risco prudente; mas se existirem sérias dúvidas sobre a capacidade do condenado para compreender a oportunidade de ressocialização que se oferece, a prognose deve ser negativa».
VII. - Porém, ainda que centrada na pessoa do arguido no momento actual e na avaliação da respectiva capacidade de socialização em liberdade, ou seja, em considerações radicadas na prevenção especial, a decisão que aprecie a propriedade de escolha por esta, ou outra, pena de substituição, deve atender igualmente às exigências de ponderação geral positiva, para que a reacção penal responda adequadamente às expectativas comunitárias na manutenção (e reforço) da validade da norma violada e assegure a protecção do bem jurídico afectado.
VIII. - O balanceamento terá que ser operado entre as finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial de socialização, em que a primeira exerce função limitadora da segunda.
Decisão Texto Integral: Por sentença proferida em 16/10/2007 no processo nº 480/07.3 GAMLD do Tribunal Judicial da Mealhada, foi o arguido JA condenado pela prática de um crime de desobediência qualificada p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs. 348º, nº1 e 2 do CP e 22º, nºs 1 e 2 do D.L. nº54/75, de 12/2, na pena de um ano e quatro meses de prisão.
Inconformados com essa condenação, vieram o arguido e o Ministério Público interpor recurso.
O arguido extraiu das motivações as seguintes conclusões:

1 - A condenação do Recorrente, nos termos da Douta Sentença colocada em crise, peca por excessiva e infundada;

2 - Quer na escolha da pena, quer na determinação da sua medida concreta, não foram atendidas de forma adequada as circunstâncias a favor do Recorrente, tendo sido valoradas de forma muito mais significativa as circunstâncias que militam em seu desfavor.

3 - A pena de prisão em que o Recorrente foi condenado (1 ano e 4 meses) deverá:

Ser substituída por pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos do disposto no artigo 58.° do Código Penal;

ou em alternativa

Ser especialmente atenuada e suspensa na sua execução de harmonia com o estabelecido nos art°s 50.°, 72.° e 73.° do Código Penal.

4 - O crime de desobediência qualificada é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias (artigo 348.°, n.° 2 do Código Penal).

5 - Não há culpa sem pena e a medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa, pelo que a sanção criminal só pode fundar-se na constatação de que deve reprovar-se o autor do crime pela formação da vontade que o conduziu a decidir o facto e que essa sanção nunca pode ser mais grave do que aquilo que o autor mereça segundo a sua culpabilidade.

6 - "Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa da liberdade e pena não privativa da liberdade, o tribunal deve dar preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição" (artigo 70.° do Código Penal).

7 - A determinação da pena em sentido estrito tem como princípios regulativos essenciais a culpa e a prevenção, conforme o disposto no artigo 71.°, n.° 1 do Código Penal, sendo que o modo como estes princípios regulativos irão influir no processo de determinação do quantum da pena se reconduz a dois postulados ou pressupostos: o de que as finalidades de aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e na reintegração do agente na comunidade, e o de que toda a pena há-de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta cuja medida não poderá em caso algum ultrapassar (art.° 40º, n.°s 1 e 2 do Código Penal).

8 - As finalidades de aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e na reinserção do agente na comunidade.

9 - A pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa. A culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas.

10 - Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena. Esta deve, em toda a sua extensão evitar a quebra da integração social do agente e servir a sua reintegração na comunidade.

11 - No caso sub judice, não deverá o Venerando Tribunal olvidar as nefastas consequências que a aplicação de uma pena de prisão efectiva irá causar ao nível da inserção social do Recorrente (pessoa que se encontra socialmente integrado).

12 - In casu, provou-se que o Recorrente apenas circulou com o veículo apreendido, face à necessidade imperiosa de o utilizar como instrumento de trabalho, para sobreviver e conseguir o dinheiro que lhe permitisse proceder ao pagamento da apólice de seguro daquele, o que efectivamente veio a acontecer (cfr. fls. 47 dos autos).

13 - Resultou provado (cfr. Douta Sentença Recorrida), para além do mais, que:

"6. O arguido sofreu acidente que lhe provocou a deficiência de um braço, pelo que se encontra reformado por invalidez, auferindo cerca de €230 de pensão."

b) "8. Vive em casa arrendada, pagando de renda €220, fazendo alguns biscates para sobreviver, no âmbito dos quais necessitou de utilizar o veículo dos autos."

14 - Perante os factos provados facilmente se constata que actualmente, no nosso país, é humanamente impossível sobreviver com a quantia de €10,00 mensais (quantia que resta ao Recorrente após proceder ao pagamento da sua renda de casa).

15 - Tais necessidades levaram o ora Recorrente a desobedecer a uma ordem legítima, circulando com o veículo para poder trabalhar e assim prover não só à sua subsistência, mas também para poder pagar o prémio do seguro (recorde-se que o veículo havia sido apreendido por falta de seguro).

16 - Considerando o Tribunal a quo provado que o Recorrente utilizou o veículo dos autos apenas com a finalidade de efectuar alguns biscates para sobreviver e fazer face a todas as despesas inerentes ao dia-a-dia de qualquer cidadão, bem como para regularizar o seguro de responsabilidade civil da viatura em causa, resulta que a gravidade da conduta do mesmo deveria ter sido considerada diminuta.

17 - Diferente seria se o Recorrente tivesse, por exemplo, utilizado a referida viatura, sabendo que a mesma estava apreendida, apenas por mero capricho, para passear, para executar furtos ou cometer outros actos ilícitos, etc.

18 - Conforme consta da Douta Sentença Recorrida, nos dias seguintes aos factos o Recorrente celebrou o contrato de seguro de responsabilidade civil obrigatório do veículo, pagando a respectiva apólice.

19 - O que denota a boa fé do ora Recorrente em ter tudo legalizado para poder circular com a viatura e, também assim, viver a sua vida conforme o direito.

20 - As consequências do crime praticado não foram tão gravosas.

21 - A pena aplicada ao Recorrente é manifestamente excessiva face à gravidade dos factos, violando assim o Princípio da Culpa como Medida da Pena.

22 - O Recorrente confessou prontamente o crime que praticou e mostrou-se arrependido.

23 - Não foi dada como provada a perigosidade do Recorrente e que o mesmo se apresente como uma ameaça para a comunidade.

24 - Verifica-se que, entre 2003 e a data dos factos, nenhum outro crime foi praticado pelo ora Recorrente.

25 - Durante este período de tempo, conseguiu o Recorrente organizar a sua vida, conforme o direito, encontrando-se inserido social e profissionalmente.

26 - Condenar o Recorrente a uma pena privativa da liberdade é promover o desmoronamento de todo o esforço levado a cabo pelo mesmo nestes últimos quatro anos da sua vida.

27 - Não deverá olvidar o Venerando Tribunal todos os motivos que justificam a revogação/alteração da pena aplicada, designadamente os motivos pelos quais o Recorrente usou a viatura apreendida.

28 - Será justo que, com a nova reforma dos Códigos Penal e Processo Penal, sejam restituídos à liberdade arguidos fortemente indiciados da prática de crimes gravíssimos (v.g. violações, homicídios, etc.), e se queira enviar para a prisão o ora Recorrente que apenas utilizou o veículo para prover à sua subsistência e honrar os seus compromissos enquanto cidadão fazendo e pagando o seguro de responsabilidade civil automóvel, para evitar problemas a terceiros em caso de acidente? Cremos que não!

29 - As exigências de prevenção geral e especial ficam salvaguardadas com a aplicação ao Recorrente de uma pena não privativa da liberdade, devendo a Douta Sentença ser revogada e ser aplicada ao Recorrente uma pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.

30 - Se ao agente dever ser aplicada pena de prisão em medida não superior a um ano, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 58.° do Código Penal).

31 - Com a nova redacção dada pela Lei n.° 59l2007, de 04 de Setembro, foi intenção do Legislador Penal aumentar o número de situações em que esta pena pode ser aplicada, bastando para isso verificar que tal pena se aplica actualmente "Se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos (...)".

32 - Se dúvidas já não existiam anteriormente quanto à aplicação da pena de prisão em ultima ratio, as alterações agora introduzidas pelo Legislador Penal vieram reforçar significativamente esse entendimento.

33 - Conforme se pode ver no Ponto 5 da exposição dos motivos da Proposta de Lei n.° 98/X que deu origem à Lei n.° 57/2007 de 04 de Setembro, que procedeu à última alteração ao Código Penal, foi intenção do legislador, de forma a tornar as sanções mais eficazes e promover a reintegração social dos condenados, prever novas penas substitutivas da pena de prisão e alargar o âmbito de aplicação das já existentes, o que efectivamente aconteceu.

34 - Reúne o caso sub judice todos os requisitos necessários para ser aplicada ao ora Recorrente a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.

35 – Sem prescindir, caso V. Ex.as assim não entendam, e se decidam pela aceitação da pena aplicada, deverá tal pena, atendendo ao grau de culpa e às exigências de prevenção, quer geral, quer especial, ser atenuada e ainda declarada suspensa na sua execução por se verificarem os pressupostos previstos nos artigos 50 °, 72.° e 73.° do Código Penal.

36 - "O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ílícitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena" (artigo 72.°, n.° 1 do Código Penal).

37 - O artigo 72.°, n.° 2 do Código Penal elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, que deverão ser consideradas para os efeitos do n.° 1.

38 — O Tribunal a quo não valorou outras circunstâncias susceptíveis de levar à atenuação especial da pena, no caso concreto.

39 - In casu, devia ter valorado, entre outras, as seguintes circunstâncias:

o arrependimento manifestado pelo Recorrente em sede de audiência de discussão e julgamento;

a confissão integral e sem reservas do mesmo;

os motivos que o levaram à prática dos factos (ter o agente actuado sob um certo "estado de necessidade");

a diminuta gravidade do crime do qual não resultaram consequências para bens ou pessoas;

o não cometimento de qualquer crime pelo Recorrente nos últimos quatro anos;

a inserção do Recorrente na sociedade;

a intenção do legislador penal em reforçar o carácter de ultima ratio da pena de prisão.

40 - Todas estas circunstâncias justificam uma atenuação da pena aplicada, bem como a sua suspensão.

41 — O Recorrente encontra-se perfeitamente integrado na sociedade, não existindo dúvidas de que a simples ameaça de prisão é, por si só, suficiente para proteger os bens jurídicos em causa (cfr. artigo 40.° n.° 1 do Código Penal).

42 - Decidindo-se os Venerandos Desembargadores pela atenuação da pena, suspendendo-a na sua execução, serão plenamente cumpridos os fins que se visam com a aplicação da pena (cfr. artigo 40° do Código Penal).

43 - Foram violadas pelo Tribunal a quo as disposições contidas nos artigos 40.°, 50.°, 58.°, 70.°, 71 °, 72.° e 73.°, todos do Código Penal.

44 - A pena de prisão em que foi condenado o Recorrente é elevada e viola os Princípios da Culpa e da Reintegração Social do Agente.

Nestes termos e esperando e confiando no Douto suprimento de V. Ex.as deverá ser dado provimento ao presente Recurso, e, por via dele,

Ser a pena aplicada pelo Tribunal a quo substituída por pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos do disposto no artigo 58.° do Código Penal;

Ou em alternativa

Ser especialmente atenuada e suspensa na sua execução, de harmonia com o estabelecido nos art.os 50.°, 72.° e 73.° do Código Penal,

Assim se fazendo inteira e sã JUSTIÇA!
Por seu turno, o magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo rematou o seu recurso com a seguinte síntese conclusiva:

Ao condenar o arguido como reincidente, violou o Tribunal o disposto no art.° 75°, n.° 1, do Código Penal;

Com efeito, no processo n.° 3/07.TAAND, processo tomado em consideração pelo Tribunal para efeitos de reincidência, o arguido foi condenado em pena de 6 meses de prisão, logo, não superior a 6 meses de prisão, pelo que não se preenche este requisito exigido pelo n.° 1 do art.° 75° do Código Penal;

Sumária e subsidiariamente refere-se que, mesmo que estivessem reunidos os requisitos formais para se punir o arguido como reincidente, a matéria de facto dada como provada na sentença proferida não se revelaria suficiente para sustentar tal condenação agravada;

É que a reincidência não funciona de forma automática como consequência da reiteração criminosa, apenas relevando a que esteja ligada a um defeito da personalidade que leve o agente a ser indiferente à solene advertência contida na sua condenação anterior, não constando da sentença matéria de facto que suporte o juízo formulado na ai. q) do ponto 4 dos factos provados na sentença;

Sumária e subsidiariamente, acrescenta-se ainda que, mesmo que estivessem reunidos os pressupostos formais da reincidência, o Tribunal, ao concluir fixar-se o limite mínimo da moldura da reincidência em um ano e quatro meses de prisão, ao invés do limite mínimo legalmente previsto para o tipo, elevado de um terço, que, no caso, seria de 40 dias nos termos das disposições conjugadas dos art.°s 348°, n.° 2, e 41°, n.° 1, do Código Penal, violou o art.° 76°, n.° 1, do Código Penal;

Assente que não se encontram preenchidos os requisitos para punir o arguido como reincidente, e concordando com o juízo efectuado pelo Tribunal na escolha da natureza da pena a aplicar ao arguido, entendemos que, atentos os antecedentes criminais do arguido, reveladores de uma tendência para resistir e desrespeitar a autoridade pública, impõe-se uma condenação em pena de prisão efectiva por ser esta a única reacção capaz de sensibilizar o arguido para a validade das normas violadas e, consequentemente, evitar a prática de novos crimes;

No entanto, considerando a correcta moldura abstracta da pena aplicável - 30 dias a dois anos de prisão - consideramos que o Tribunal, por ter incorrido nos erros atrás referidos, violou os art.°s 70° e 71° do Código Penal, revelando-se excessiva a pena de um ano e quatro meses de prisão em que condenou o arguido, defendendo como justa e adequada a condenação do arguido numa pena de prisão efectiva próxima dos oito meses de prisão, pena esta que não deverá ser substituída nem suspensa uma vez que a sua execução é exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de novos crimes pelo arguido.
Não houve resposta a qualquer dos recursos.
Neste Tribunal, a Srª. Procuradora-Geral adjunta emitiu parecer, no sentido da procedência do recurso interposto pelo Ministério Público.
Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do CPP, não houve resposta.
Foram colhidos os vistos e procedeu-se a conferência.
Fundamentação
Delimitação do objecto do recurso
É pacífica a doutrina e jurisprudência[1] no sentido de que o âmbito do recurso delimita-se face às conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso[2].
As questões colocadas nos recursos prendem-se com a verificação da circunstância modificativa reincidência e com a determinação concreta da pena, mormente a pretendida imposição de trabalho a favor da comunidade ou, em alternativa, a atenuação especial da pena e suspensão da execução da pena de prisão.
Da decisão recorrida
Vejamos, antes de mais, a decisão recorrida[3]:

II — Fundamentação de Facto

Factos Provados:

Instruída e discutida a causa resultaram provados os seguintes factos:

No dia 20 de Agosto de 2007, a GNR de Anadia procedeu à apreensão do veiculo matricula XX-XX-XX, por circular na via Pública e não possuir seguro de responsabilidade civil obrigatório, tendo sido o arguido JA, proprietário do veiculo, nomeado fiel depositário e notificada de que a sua utilização a faria incorrer na prática de um crime de desobediência.

Porém, no dia 19 de Setembro de 2007, cerca das 11h20, no entroncamento da EN234 com a localidade de Barrô, freguesia do Luso, desta comarca, o arguido conduziu o referido veículo, deslocando-o para a berma do sentido oposto, tendo plena consciência de que não cumpriu a ordem de não utilização que lhe havia sido dada aquando da apreensão.

O arguido actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que tal estava vedado e que esta conduta era proibida e punida pela lei penal.

Mais se provou:

O arguido já sofreu as seguintes condenações:

Por decisão do processo singular n°158/90, do Tribunal Judicial de Águeda, foi condenado pela prática em 16-09­-1989, pelo crime de falsas declarações, na pena 2,5 meses de prisão, substituída por igual tempo de multa e taxa diária de 200$, e em alternativa 50 dias de prisão.

Por decisão do processo singular n°35/92, do Tribunal Judicial de Águeda, foi condenado por sentença de 13-05‑1992, pelo crime de emissão de cheque sem provisão, na pena 7 meses de prisão, que lhe foi perdoada.

Por decisão do processo singular n°210/93, do Tribunal Judicial de Anadia, foi condenado pela prática em 5-07-1993, pelo crime condução sem carta, na pena de 100 dias de prisão à taxa diária de 500$, ou em alternativa 66 dias de prisão, a qual foi posteriormente declarada perdoada.

Por decisão do processo singular n°331/93, do Tribunal Judicial de Anadia, foi condenado por sentença de 21-10-93, pela prática em 20-10-1993, pelo crime de condução sem carta, na pena 6 meses de prisão, a qual foi posteriormente foi declarada perdoada.

Por decisão do processo comum colectivo n°30/97, do Tribunal Judicial de Albergaria a Velha, foi condenado por sentença de 27-04-1994, pela prática em Dezembro de 1990 do crime de falsificação de documento, na pena 12 meses de prisão e 18 meses de multa, a 200$, ou em alternativa, 12 dias de prisão, tendo sido posteriormente perdoada a totalidade da multa e respectiva alternativa.

Por decisão do processo singular n°109/94, do Tribunal Judicial de Anadia, foi condenado por sentença de 24-06­-1994, pela prática em 22-07-93, pelo crime de condução ilegal na pena de 7 meses de prisão declarada perdoada.

Por decisão do processo singular n°716/95, do Tribunal Judicial de Anadia, foi condenado por sentença de 07-04­-1995, pela prática em 12-12-93, pelo crime de ofensas corporais, na pena de 8 meses de prisão declarada perdoada, perdão posteriormente revogado; todavia foi novamente perdoado a totalidade da pena de prisão, nos termos da Lei n° 29/99, de 12 de Maio.

Por decisão do processo singular n°60/96, do Tribunal Judicial de Anadia, foi condenado por sentença de 14-11-1996, pela prática em 17-08-85, pelo crime de cheque sem provisão, na pena de 40 dias de multa à razão diária de 700$, declarada perdoada.

Por decisão do processo comum colectivo n°50/99, da Vara Mista de Coimbra, foi condenado por acórdão de 04-05-2000, pela prática em 27-09-98, pelo crime de receptação na pena de 12 meses de prisão, suspensa pelo período de 3 anos; a qual foi posteriormente revogada, ordenando-se o cumprimento da pena.

Por decisão do processo singular n°207/2000, do Tribunal Judicial de Anadia, foi condenado por sentença de 30-11­-2001, pela prática em 29-06-1999, pelo crime de Falsificação, na pena de 6 meses de prisão declarada perdoada sob condição resolutiva do arguido não praticar infracções dolosas nos 3 anos subsequentes.

Por decisão do processo singular n°88/01.7TAAND, do 2° juízo, do Tribunal Judicial de Anadia, foi condenado por sentença de 29-10-2002, pela prática em 17-09-2001, pelo crime de Desobediência na pena de 3 meses de prisão.

Por decisão do processo abreviado n°609/02.8TAMLD, do Tribunal Judicial da Mealhada, foi condenado por sentença de 05-03-2003, pela prática em 07-02-2002, pelo crime de desobediência qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 18°, n°2 e 23°, n°1, do DL n°54/75, de 12/02 e art. 348°, n°2, do CP, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de 2, no total de €360, tendo-se fixado em caso de incumprimento, a pena de 120 dias de prisão subsidiária.

Por decisão do processo comum singular n°165/02.7QBAND, do Tribunal Judicial da Anadia, foi feito o cúmulo por sentença de 06-11-2003, pela prática em 03-10-2001, pelo crime de desobediência qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 17°, e 22°, do DL n°54/75, de 12/02 e art.348°, n°2 do CP, na pena de 14 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos, declarada extinta em 20-04-2006.

Por decisão do processo comum singular n°3/03.3TAAND, do Tribunal Judicial da Mealhada, foi condenado por sentença de 19-12-2003, pela prática em 17-12-2002, transitada em 19-01­-2004, do crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. art. 347° do CP, na pena seis meses de prisão.

Por decisão do processo comum singular n°28/04.1TACVL, do 2° Juízo, do Tribunal Judicial da Covilhã, foi condenado por sentença de 20-01-2005, transitada em 14-03-2005, pela prática em 21-11-2003, do crime de dano simples, p. e p. art. 212°, n°1 do CP, na pena 180 dias de multa à taxa diária de €5, num total de €900, extinta em 10-01-2007.

Por decisão do processo comum singular n°371/03.7TAAVR, do 1° JUIZO de competência criminal do Tribunal Judicial de Aveiro, foi condenado por sentença de 02-11-2005, transitada em 22-11-2005, pela prática em 04-04-2003, do crime de difamação, na pena 150 dias de multa à taxa diária de €2, num total de €300, extinta em 15-12-2006.

Podendo manter urna conduta licita e conforme ao direito, o arguido não desenvolveu qualquer esforço no sentido de se inserir na sociedade, não se inibindo de praticar os ilícitos constantes dos presentes autos, de tipo idêntico aos que fundamentaram as suas condenações, o que demonstra que as mesmas não constituíram censura suficiente em ordem a afastá-lo da prática de novos crimes, sendo especialmente censurável tal desrespeito pelas condenações anteriores.

5- O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos.

6- O arguido sofreu acidente que lhe provocou a deficiência de um braço, pelo que se encontra reformado por invalidez, auferindo cerca de €230 de pensão.

8- Vive em casa arrendada, pagando de renda €220, fazendo alguns biscates para sobreviver, no âmbito dos quais necessitou de utilizar o veiculo dos autos.

B) Factos Não Provados:

Não existem factos não provados.

C) Motivação da Convicção do Tribunal:

A convicção do tribunal, relativamente aos factos dados como provados, fundou-se na confissão integral e sem reservas do arguido em conjugação com a prova documental junta aos autos — auto de apreensão de veículo automóvel de fls. 4.

No que concerne às condições pessoais e aos antecedentes criminais teve-se em conta as decorações do arguido e o Certificado de Registo Criminal de fls. 17 e 34.

II — Fundamentação de Direito

Enquadramento jurídico-penal:

Vem o arguido acusado pela prática, de um crime de desobediência, p. e p. pelo 348°, n°1 e 2 do Cód. Penal e art. 22°, n°1 e 2, do DL n°54/75, de 12 de Fevereiro, com a última redacção introduzida pelo DL nº85/2006, de 23 de Maio

Analisemos então se dos factos apurados resulta que a conduta do arguido preenche, do ponto de vista objectivo e subjectivo, os requisitos necessários para que se conclua integrar a mesma, o tipo legal de crime por que vem acusada.

Dispõe o art. 348.°, n.° 1, do Cód. Penal que "quem faltar à obediência devida a ordem ou mandado legítimo, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias se:.. b) na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação".

Por outro lado, dispõe o art. 22°, n°1 e 2 do DL n°54/75, de 12 de Fevereiro, com a última redacção introduzida pelo DL n° 85/2006, de 23 de Maio "A apreensão, a penhora e o arresto envolvem a proibição do veiculo circular; A circulação do veiculo com infracção da proibição legal sujeita o depositário às sanções aplicáveis ao crime de desobediência qualificada".

São assim elementos constitutivos do crime de desobediência: a) que exista uma ordem ou mandato formal e substancialmente legal e legítima; b) que dimane de autoridade ou funcionário competente; c) seja regularmente comunicada; d) exista uma falta à sua obediência e (e) intenção de desobedecer.

Dos factos apurados, resulta, efectivamente, que existiu uma ordem emanada duma entidade policial, formal e substancialmente legítima, ou seja, depois de apreendido pela GNR o veiculo dos autos de matricula XX-XX-XX, o arguido foi nomeado fiel depositário e notificado de que a sua utilização o faria incorrer na prática de um crime de desobediência.

O referido auto de apreensão com a consequente intimação não pode deixar de considerar-se, sem dúvida, uma ordem legítima e emanada de autoridade competente, a qual foi regularmente comunicada (cfr. fls. 4 e 4 verso).

Porém, no dia 19 de Setembro de 2007, em localidade desta comarca, o arguido conduzia o referido veículo, tendo plena consciência de que não cumpriu a ordem legítima de não utilização que lhe havia sido dada aquando da apreensão e que lhe tinha sido regularmente comunicada, e que incorria num crime de desobediência mas mesmo assim conduziu-o, conformando-se com os resultados da sua conduta e sabendo que a mesma era proibida e punida por lei.

Também ficou provado que o actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que tal lhe estava vedado e que estas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

Assim sendo, dos factos apurados, conclui-se que resultam provados e preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de desobediência qualificada imputado ao arguido nos presentes autos.

B) Consequências Jurídicas do Crime:

Qualificados os factos, segue-se a determinação da natureza e medida da pena a aplicar:

No Crime de desobediência (arts. 348.°, n.° 1, e 2 do Cód. Penal): a moldura abstracta para este crime é de pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias.

Assim, e quanto à natureza da pena a aplicar, tendo em conta a moldura penal abstracta prevista para o crime de que o arguido vem acusado e o disposto nos arts. 70.° e 40.°, n.° 1, do Cód. Penal, entendo que no caso concreto, é de aplicar ao mesmo uma pena de prisão, por se nos afigurar já insuficiente a pena de multa para assegurar as finalidades da punição, e para reposição das normas violadas ou protecção dos bens jurídico-penais.

Relevaram nesta decisão o facto de constarem vários antecedentes criminais no CRC do arguido, entre os quais, também se encontram duas condenações por desobediência qualificada.

Nos termos do n 1 do art. 71° do C. P. "a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e tendo em conta as exigências de prevenção".

A culpa e a prevenção são assim, os critérios gerais reguladores da medida da pena. A culpa entendida como um juízo de censura dirigido ao agente, em virtude de uma atitude desvaliosa manifestada no facto, constitui o limite máximo que a pena em caso algum poderá ultrapassar.

O limite mínimo será fixado em função de considerações de prevenção geral positiva ou de integração, que se traduzem na necessidade de protecção dos bens jurídico-penais e de reafirmação das normas violadas.

Por outro lado, devem ter-se aqui em conta considerações de prevenção especial e de socialização, que visam evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade. São estas considerações de prevenção especial de ressocialização que vão determinar, em último termo, a medida da pena.

Cabe então agora proceder à valoração dos concretos factores de medida da pena, identificando-se quais os que relevam para a culpa e para a prevenção, e tendo em conta a moldura penal abstracta acima referida.

Importa assim considerar no estabelecimento da medida concreta da pena, e relativamente à culpa que o arguido agiu com consciência de que a utilização do veículo apreendido o fazia incorrer em crime de desobediência, conformando-se com as consequências que da sua conduta poderiam advir e sabendo que a mesma era proibida e punida por lei, agindo assim a título de dolo eventual.

Por outro lado, o grau de ilicitude da sua conduta é médio, uma vez que o arguido demonstrou desrespeito por uma ordem legítima de uma autoridade pública, mas fê-lo porque necessitava de angariar meios para a sua subsistência.

Há que atender ainda às razões de prevenção: a favor do arguido depõe o facto de ter confessado integralmente e sem reservas os factos; e de nos dias seguintes ter feito seguro ao veículo; de possuir uma condição sócio-económica precária.

Contra o arguido está o facto de já ter sido condenado, pelo menos, pela prática de três ilícitos da mesma natureza e ainda de já ter sido condenado por inúmeras infracções de diferente natureza: 1 vez pelo crime de falsas declarações; 3 vezes por crime de condução sem habilitação legal; 2 vezes por cheque sem provisão; 1 vez por ofensa à integridade física; 1 vez por crime de falsificação; 1 vez por crime de receptação; 1 vez por crime de dano; 1 vez por crime de resistência sobre funcionário, 1 vez por crime de difamação.

Por outro lado, revelam-se medianamente elevadas quanto a este crime, as exigências de prevenção geral.

Tudo ponderado, e atentos os critérios do art. 71.° e 47.°, n.°s 1 e 2, ambos do C. Penal, resulta como proporcional e adequada a pena de 1 ano de prisão.

No entanto, in casu, atendendo ao certificado de registo criminal do arguido afigura-se-nos que deverá intervir o instituto da reincidência.

No CP vigente (arts 75° e 76°) a reincidência é perspectivada exclusivamente como uma causa de agravação da pena — não como uma modificação típica, seja ao nível do tipo-de-ilicito seja ao nível do tipo-de-culpa — conducente à aplicação ao agente da moldura penal cabida ao facto mas agravada no seu mínimo.

Seguiu-se, assim, a tradição do nosso direito — de fazer avultar na reincidência a vertente da culpa agravada do agente, só de forma mediata podendo entrar em linha de conta a sua perigosidade eventualmente aumentada; sem prejuízo, no entanto, da circunstância de, se na situação convergirem os pressupostos não coincidentes — da reincidência e da aplicação de uma pena relativamente indeterminada, as disposições desta última prevalecerem sobre as daquela (76, n°2).

O conceito de reincidência abrange agora, por outro lado, tanto a reincidência homótropa (entre crimes da mesma espécie ou natureza) como a polítropa (também chamada mera sucessão de crimes, que poderia dar-se entre crimes de qualquer espécie ou natureza), sujeitando a lei ambas a igual tratamento.

O artigo 75° do CP versa sobre os Pressupostos da reincidência:

"1 - É punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.

2 - O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade.

3 - As condenações proferidas por tribunais estrangeiros contam para a reincidência nos termos dos números anteriores, desde que o facto constitua crime segundo a lei portuguesa.

4 - A prescrição da pena, a amnistia, o perdão genérico e o indulto, não obstam à verificação da reincidência.

Portanto, como pressupostos formais, destaca-se a necessidade de serem praticados crimes dolosos; aos quais tenham sido aplicadas penas de prisão e respectivo trânsito em julgado; e não ter existido prescrição da reincidência.

Prima facie, a reincidência só opera entre crimes dolosos, e não entre crimes negligentes ou entre crimes dolosos e negligentes. Só relativamente a crimes que tenham sido previstos e queridos pelo agente e se fundamentem numa atitude pessoal contrária ou indiferente às normas jurídico-penais ganha sentido o pressuposto material da reincidência da não motivação do agente pela advertência contida na condenação ou condenações anteriores. Assim, dolosos são aqueles que como tal devam ser considerados não apenas segundo o seu tipo de ilícito subjectivo, mas também segundo o seu tipo de culpa. Não é doloso assim o facto cometido com erro sobre os pressupostos de uma causa de justificação ou de exclusão da culpa (16, n°2); mas já o é o facto cometido com falta censurável de consciência do ilícito (17°, n°1), o facto agravado pelo evento quando o crime base seja doloso (18°) ou o facto tentado (22°, n°1).

A Reincidência só funciona entre crimes que sejam e tenham sido punidos com penas de prisão, isto é, de prisão efectiva. Não serve a condenação em pena de multa ou em qualquer pena de substituição em sentido próprio. Mas o mesmo se não dirá quanto à pena de prisão por dias livres, ou ao regime de semidetenção, uma vez que aqui se trata substancialmente de formas de execução ou de cumprimento de uma pena de prisão. Aliás a nova redacção do art. dada pela reforma de 1995 veio estabelecer que o efeito agravante da R. se produza apenas relativamente a penas de prisão de duração superior a 6 meses.

Trânsito em julgado: É necessário que a condenação pelo crime anterior tenha já transitado em julgado quando o novo crime é cometido. Esta exigência é compreensível, pois que de outro modo a hipótese reconduzir-se-ia ao concurso de crimes; aliás, também só depois do trânsito em julgado se pode em rigor afirmar que a condenação anterior ganha a sua função de solene advertência do agente.

Prescrição da reincidência: Dispõe a lei que o crime anterior não conta para efeito de reincidência se entre a sua prática e a prática de novo crime tiverem decorrido mais de 5 anos — a este requisito chama a doutrina prescrição da reincidência. Justificação: ideia de que passado um certo período de tempo já não é mais possível estabelecer entre os crimes uma conexão material que permita reconduzir o último a uma desatenção do agente à advertência contida na condenação anterior.

No prazo de prescrição da reincidência não é contado, nos termos da 2ª parte do n°2, do art. 75°, o tempo (o curso da prescrição como se suspende) durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade.

A suspensão vale quer a privação da liberdade tenha ocorrido em Portugal, quer no estrangeiro.

Razão de ser: durante o tempo de privação da liberdade, o efeito esperado de admonição da condenação anterior não está, pela natureza das coisas, em causa (durante este tempo o agente não está a ser experimentado quanto à particular advertência contida na condenação de que não cometa, no futuro, outros crimes).

No que concerne ao pressuposto material, segundo a ªa parte do art. 75° n°1 do CP, é pressuposto da Reincidência que se mostre, segundo as circunstâncias do caso, que a condenação(ões) anterior(es) não serviram ao agente de suficiente advertência contra o crime. É no desrespeito ou desatenção do agente por esta advertência que o legislador vê fundamento para uma maior censura e portanto para uma culpa agravada relativa ao facto cometido pelo reincidente.

Pela análise do CRC do arguido (ponto 4 dos factos provados), constata-se que estão presentes todos os pressupostos formais da reincidência no que respeita ao crime de resistência e coacção sobre funcionário (ponto 4, al.n)), bem como o pressuposto material (ponto 4, al. q)), ou seja, podendo manter uma conduta licita e conforme ao direito, o arguido não desenvolveu qualquer esforço no sentido de se inserir na sociedade, não se inibindo de praticar os ilícitos constantes dos presentes autos, de tipo idêntico aos que fundamentaram as suas condenações, o que demonstra que as mesmas não constituíram censura suficiente em ordem a afastá-lo da prática de novos crimes, sendo especialmente censurável tal desrespeito pelas condenações anteriores.

Vejamos agora as operações de determinação da pena na reincidência.
Preceitua o artigo 76° (Efeitos) do CP: 1 - Em caso de reincidência, o
limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço e o limite máximo permanece inalterado. A agravação não pode exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores. 2 - As disposições respeitantes à pena relativamente indeterminada, quando aplicáveis, prevalecem sobre as regras da punição da reincidência.

Portanto, a primeira operação é a determinação da medida da pena independentemente da reincidência. Em 1° lugar o tribunal tem de determinar a pena que concretamente deveria caber ao agente se ele não fosse reincidente, para tanto seguindo o procedimento normal da determinação da pena.

Tal operação já foi levada a cabo supra: pena de 1 ano de prisão.

A segunda operação é determinar a moldura penal da reincidência, a qual terá como limite máximo, o limite máximo previsto pela lei para o respectivo tipo de crime; e como limite mínimo o limite mínimo legalmente previsto para o tipo, elevado de um terço.

Assim, o limite máximo é de 2 anos, o limite mínimo um ano e quatro meses de prisão.

A terceira operação: determinar a medida da pena na moldura penal da reincidência.

O tribunal determina a medida concreta da pena cabida ao facto dentro da moldura penal da reincidência. Isso será feito com total observância dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72° do CP.

Assim, temos por adequada a pena mínima dentro da moldura penal da reincidência, ou seja, a pena de um ano e quatro meses de prisão, tendo em conta que o mesmo confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe eram imputados, contribuindo assim para a descoberta da verdade material

Finalmente, há a ter em conta uma Limitação: o tribunal tem, por fim, de comparar a medida da pena a que chegou sem entrar em conta com a reincidência com aquela que encontrou dentro da moldura da reincidência — segunda parte do art. 76°, n°1, a agravação determinada pela reincidência não poderá exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores. Justificação para tal: evitar que uma condenação anterior numa pena pequena possa, por efeito da Reincidência, ir ter a consequência de agravar desproporcionalmente a medida da pena pelo crime anterior.

In casu, comparadas ambas as penas, a agravação determinada pela reincidência não excedeu a medida da pena mais grave aplicada na condenação anterior pelo crime de resistência e coacção sobre funcionário que foi de seis meses.

Face ao exposto, fixa-se a pena de um ano e quatro meses de prisão.

Dispõe o n°l, do art. 50° do CP "O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição"; dispondo actualmente o n°5 "O período de suspensão tem duração igual à pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão".

No entanto, afigura-se-nos que in casu, atendendo sobretudo à conduta anterior do arguido, à sua personalidade e condições de vida, não estão reunidas as condições para suspender a pena de prisão.

Com efeito, pela análise dos antecedentes criminais do arguido, verifica-se que lhe foram proporcionadas diversas oportunidades, seja através do perdão de penas, seja da suspensão da pena de prisão, as quais não lograram obter resultados práticos, o que é bem demonstrativo da incapacidade do arguido para interiorizar que as reacções jurídico-penais são para cumprir.
Apreciação

Da reincidência
A primeira questão a conhecer prende-se com a circunstância modificativa reincidência, em relação à qual sustenta o MºPº que não estão reunidos os respectivos pressupostos formais e materiais.
Os pressupostos para a verificação da reincidência encontram-se no artº 75º do CP, avultando um conjunto de pressupostos de índole formal e outro de índole material. São pressupostos formais a presença de crimes dolosos; a punição de qualquer deles com prisão efectiva de duração superior a seis meses; o trânsito em julgado da condenação ou condenações anteriores; o cumprimento total ou parcial da punição pela condenação anterior; e a conexão entre os crimes, materializada na exigência de que entre a prática do crime anterior e aquele em que se perspectiva a verificação da reincidência, não tenham decorrido mais de cinco anos, descontado o período de privação da liberdade. O pressuposto material decorre da exigência de que a condenação ou condenações anteriores não tenham servido ao agente de suficiente advertência contra o crime.
Ora, e como bem assinala o MºPº, o Tribunal a quo ponderou, para afirmar a verificação de reincidência, a condenação referida no ponto 4, alínea n) dos factos provados, a qual não ultrapassou o limiar de seis meses de prisão efectiva exigido no artº 75º, nº1, do CP. Nessa medida, é patente que não se encontra reunido um dos pressupostos formais da reincidência – condenação anterior em pena de prisão efectiva superior a seis meses.
Fica, assim, prejudicada a questão da verificação no caso em apreço do necessário pressuposto material da reincidência ou da aplicação do artº 76º do CP[4], cumprindo ponderar a moldura penal contemplada no artº 348º, nºs. 1 e 2 do CP, ou seja, prisão até dois anos ou multa até 240 dias.

Da atenuação especial da pena
 A título «alternativo», veio o arguido sustentar que deverá ser atenuada especialmente a pena, tendo em atenção o arrependimento, a confissão integral e sem reservas, os motivos que o levaram à pratica do facto – que considera constituir um «certo estado de necessidade» -, a diminuta gravidade do crime, o não cometimento de qualquer crime nos últimos quatro anos, a inserção do arguido na sociedade e «a intenção do legislador penal em reforçar o carácter de ultima ratio da pena de prisão».
Ora, o regime da atenuação especial da pena tem reflexos sobre a moldura da pena, cujos limites altera, pelo que deve ser apreciado antes da ponderação das penas de substituição, como resulta claro do disposto no artº 73º, nº2, do CP. Daí, apesar da conformação alternativa da pretensão do recorrente, essa questão deve ser desde já apreciada, antes da propriedade da substituição da pena por trabalho a favor da comunidade ou da suspensão de execução da pena de prisão.
O regime vigente de atenuação especial da pena, constante dos artºs. 72º e 73º do CP, destina-se a responder a situações em que a ilicitude do facto e  a culpa mas também a necessidade da pena e as exigências de prevenção se revelem diminuídas de forma acentuada[5]. Como salienta Figueiredo Dias, constitui uma válvula de segurança do sistema penal, respondendo a hipóteses especiais em que existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá considerado quando fixou os limites da moldura penal respectiva.
Então, e como válvula de segurança, necessariamente de natureza relativamente extraordinária ou mesmo excepcional[6], o campo de aplicação deste instituto será naturalmente maior nas situações em que a moldura penal apresenta limiar inferior mais elevado, o que não é o caso. O mínimo da pena coincide com o mínimo da sanção penal, seja relativamente à pena de prisão (30 dias, nos termos do artº 41º do CP), seja relativamente à pena de multa (10 dias, nos termos do artº 47º, nº1, do CP).
 Acresce que, tomando as circunstâncias evocadas pelo recorrente, mostra-se claro que nenhuma conduz a diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena.
Denota-se, desde logo, que o tribunal a quo não deu como provado que o arguido esteja arrependido. É certo que vem referido na decisão recorrida que nos dias seguintes efectuou seguro ao veículo - o que constitui facto relevante para a decisão e, então, e deveria constar do elenco dos factos provados – mas essa atitude, ainda que positiva, não equivale a plena interiorização do desvalor da conduta, rejeição e propósito genuíno de se abster da sua prática, elementos constitutivos do arrependimento.
Por outro lado, ficou provado que o arguido confessou integralmente os factos e sem reservas mas num contexto probatório que não permite conferir a esse reconhecimento particular significado para a descoberta da verdade material.
Segue-se a evocação de «um certo estado de necessidade», consubstanciada na indicação de que utilizou o veículo para se deslocar até aos locais onde efectuou trabalhos ocasionais, vulgo biscates. Porém, também aí não se denota circunstância que diminua a culpa de forma acentuada. Em questão nos presentes autos não está a simples utilização do veículo automóvel mas sim a utilização do mesmo contra ordem subsequente à circulação sem seguro, sendo certo que dias depois da sua detecção o arguido dispôs de recursos financeiros para, como se disse, proceder ao pagamento do seguro do veículo. Essa rápida capacidade financeira infirma a sustentada «necessidade» de conduzir veículo sem seguro para se deslocar até ao trabalho.
Quanto à circunstância do arguido não ter cometido crime nos últimos quatro anos, cabe referir que a sociedade espera de todos os cidadãos que se abstenham de condutas criminais pelo que é patente que tal facto não consente, sem mais, atenuação especial da pena.
Ainda, a ausência de consequências para terceiros não determina diminuição da ilicitude do facto, muito menos acentuada, desde logo porque o bem jurídico protegido no crime de desobediência qualificada praticado pelo arguido não é a circulação sem seguro automóvel mas sim a autonomia intencional do Estado.
Por fim, refere o recorrente a sua inserção na sociedade e o carácter de ultima ratio da pena privativa na liberdade. Trata-se de considerações relevantes para a opção por pena de substituição e determinação concreta da pena, sem intensidade suficiente para conduzir a atenuação especial da pena, sob pena de tornar regra o que o legislador instituiu como excepcional e subverter o programa político-criminal subjacente à instituição da moldura punitiva dos diversos tipos penais.
Cumpre, assim, afastar a pretendida atenuação especial da pena.

Da espécie e medida da pena
Aqui chegados, cumpre apreciar a questão da espécie e medida da pena, defendendo o Ministério Público que, como entendido na decisão recorrida, seja aplicada pena de prisão efectiva mas «próxima dos oito meses de prisão». Por seu turno, o arguido pretende que a pena de prisão de um ano e quatro meses de prisão seja substituída pela prestação de trabalho a favor da comunidade ou, em alternativa, suspensa na sua execução.
Importa referir que, comportando o crime de desobediência agravada pena compósita alternativa, nem um nem outro colocam em crise o afastamento da imposição de pena de multa. E, tendo em atenção o disposto no artº 70º do CP, essa decisão mostra-se correcta, na medida em que o passado criminal do arguido importa a formulação de fortes preocupações no domínio da prevenção especial de socialização. O arguido ostenta já 15 condenações, duas das quais pela prática em 03/10/2001 e 07/02/2002 do mesmo crime de desobediência qualificada p. e p. pelas disposições conjugadas do 348°, n°1 e 2 do Cód. Penal e art. 22°, n°1 e 2, do DL n°54/75, de 12 de Fevereiro, por que agora vai condenado. Na primeira condenação por desobediência foi sancionado com pena de multa e na segunda condenação pelo mesmo crime em pena de prisão cuja execução ficou suspensa e que foi declarada extinta um ano e quatro meses antes do cometimento dos factos destes autos.
A recidiva criminosa denota indiferença insensibilidade às censuras penais, conduzindo à conclusão de que reacção sancionatória similar – pena de multa - é insuficiente para satisfazer as exigências reveladas no domínio da prevenção especial de socialização. 
Cabe, assim, apreciar qual o quantum adequado da pena de prisão, para, em seguida, ponderar especificadamente o leque de penas de substituição admissíveis e respectivos pressupostos.
Na ponderação concreta da pena, tendo em atenção os critérios do artº 71º do C.P., cumpre determinar a medida da sanção tendo como limite e suporte axiológico a culpa do agente e em função das exigências da prevenção de futuros crimes, sem esquecer que a finalidade última da intervenção penal é a reinserção social do delinquente, sendo incompatível com o Estado de direito democrático finalidade retributiva[7]. No modelo que enforma o regime penal vigente, norteado, como decorre do artº 40º do CP, pelo binómio prevenção-culpa, cumpre encontrar primeiro uma moldura de prevenção geral positiva, determinada em função da necessidade de tutela das expectativas comunitárias na manutenção e reforço da validade da norma violada[8]. Fixada esta, correspondendo nos seus limites inferior e superior à protecção óptima e protecção mínima do bem jurídico afectado, deve o julgador encontrar a medida concreta da pena em conjugação com as exigências de prevenção especial de socialização do agente, sem ultrapassar a culpa revelada na conduta antijurídica. Nesta tarefa, os critérios do artº 71º do CP «têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha e medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação de valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento, ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente)»[9].
Já se referiu supra[10] alguns dos factores de determinação concreta da pena. Importa ainda referir que, nos termos provados, a violação da proibição de circulação não ultrapassou o dia 19/9/2007, o que mitiga o grau de ilicitude.
Assim, ponderando, por um lado, ilicitude mitigada, a confissão do arguido e a debilidade económica com que sobrevive mas também, por outro, o dolo directo e intenso e, especialmente, o percurso criminal marcado por repetidas condutas desviantes contra a autonomia intencional do Estado – às condenações supra referidas junta-se outra, em seis meses de prisão efectiva, pela prática em 17-12-2002 de crime de resistência e coacção sobre funcionário – conduzem a que se considere adequada às finalidades da punição, sem exceder a culpa do arguido, pena um pouco acima do ponto intermédio da moldura da prisão, ou seja, a pena de 1 (ano) e 2 (dois) meses de prisão.

Da prestação de trabalho a favor da comunidade
Como se disse, o arguido pretende que, nos termos do artº 58º do CP, seja substituída a pena de prisão pela prestação de trabalho a favor da comunidade. No momento da data dos factos, o preceito contemplava essa possibilidade para as penas de prisão em medida não superior a um ano, limite que o legislador aumentou para dois anos com a revisão introduzida pela Lei 59/2007, de 4/9, e que importa equacionar, atento o disposto no artº 2º, nº4, do CP. Manteve-se a exigência de que a escolha por essa pena de substituição apenas deve acontecer quando por esse meio seja realizada de forma adequada e suficiente as finalidades da suspensão.
Verifica-se que o arguido não concretiza qual o tipo de trabalho que se encontra em condições de desenvolver, questão que assume importância pela constatação que encontra-se reformado por invalidez na sequência de acidente que lhe provocou a deficiência de um braço. Assim, não sendo especificada a tipologia dos biscates que o arguido desenvolve, ficam fortes interrogações quanto às suas condições de saúde para desenvolver jornada normal de trabalho de qualquer tipo.
Por outro lado, pese embora venha referido nas motivações que o arguido encontra-se integrado socialmente e profissionalmente, essa conclusão não emerge, pelo menos com nitidez, dos factos provados. Não se vê como afirmar integração profissional de quem está reformado por invalidez e desenvolve biscates e o percurso desviante que evidencia depõe no sentido oposto ao da integração e estabilidade social. Acresce a indicação de que o arguido desobedeceu à ordem por «necessidade» e para prover à sua subsistência, deixando fortes preocupações de que, dada a propensão revelada, volte a escolher a mesma conduta, escudado na sua debilidade financeira e dificuldades vivenciais.
Perante esse panorama, cumpre concluir que a pretendida substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade não confronta o arguido com suficiente contra-motivação para resistir a novas tentações desviantes, ficando, então, aquém do limiar mínimo das exigências preventivas, mormente no domínio da prevenção especial de socialização.
Cumpre, então, afastar igualmente a substituição da prisão pela prestação de trabalho a favor da comunidade.

Da suspensão da execução da pena de prisão
Aqui chegados, importa apreciar a propriedade da aplicação de outra pena de substituição, a saber, a suspensão de execução da pena.
Nos termos do artº 50º, nº1, do CP, na conformação vigente à data, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida; à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. A revisão operada pela Lei 59/2007, de 4/9, elevou o limite de aplicação dessa pena de substituição para 5 anos de prisão e impôs duração do período de suspensão igual à da pena de prisão determinada na sentença.
A propósito deste instituto, escreve-se no Ac. do STJ de 30/6/93, citando Jescheck: «na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose favorável ao agente, baseada num risco prudencial. A suspensão da pena funciona como um instituto em que se une o juízo de desvalor ético-social contido na sentença com o apelo, fortalecido pela ameaça de executar no futuro a pena, à vontade do condenado em se integrar na sociedade. O tribunal deve estar disposto a assumir um risco prudente; mas se existirem sérias dúvidas sobre a capacidade do condenado para compreender a oportunidade de ressocialização que se oferece, a prognose deve ser negativa»[11].
Porém, ainda que centrada na pessoa do arguido no momento actual e na avaliação da respectiva capacidade de socialização em liberdade, ou seja, em considerações radicadas na prevenção especial, a decisão que aprecie a propriedade de escolha por esta, ou outra, pena de substituição, deve atender igualmente às exigências de ponderação geral positiva, para que a reacção penal responda adequadamente às expectativas comunitárias na manutenção (e reforço) da validade da norma violada e assegure a protecção do bem jurídico afectado. Esse necessário balanceamento entre as finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial de socialização, em que a primeira exerce função limitadora da segunda, encontra relação directa com a gravidade da pena. Nas palavras do mais Alto Tribunal: «A suspensão da mesma pena deve afigurar-se como compreensível e admissível perante o sentido jurídico da comunidade. A lei não o diz, mas é uma questão de razoabilidade e lógica jurídica, dimanada dos princípios, a afirmação de que, em termos de prevenção especial, não tem o mesmo significado na aferição na possibilidade de suspensão de execução da pena uma pena de seis meses de prisão ou uma pena de cinco anos de prisão»[12].
No caso em apreço, denotam-se sinais de sentido oposto. A circunstância do arguido ter já beneficiado dessa pena de substituição e voltado a praticar o mesmo tipo pena, ainda que depois de decorrido o período de suspensão, aponta, como se disse supra, no sentido de limitada sensibilidade à censura jurídico-penal. Mas, em sentido oposto, de consciência do desvalor social em que incorrera e de esforço para preservar a socialização em liberdade, impõe-se também equacionar a postura confessória e a iniciativa de pagamento do seguro. Por outro lado, a imagem global do facto ilícito não corresponde a gravidade que torne dificilmente compreensível e aceitável pelos cidadãos reacção penal diversa da prisão efectiva.
Em situações como a presente, deve prevalecer o princípio favor libertatis e formular-se prognose favorável ao arguido, mas também salientar que essa avaliação positiva constitui oportunidade fundamental de ressocialização e de inversão de postura vivencial, por ventura derradeira.
Face ao exposto, conclui-se pela procedência da suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artº 50º, nº1, do CP.
Dispositivo

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em:
Julgar parcialmente procedentes os recursos e condenar o arguido JA, pela prática de um crime de desobediência qualificada p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs. 348º, nº1 e 2 do CP e 22º, nºs 1 e 2 do D.L. nº54/75, de 12/2, na pena de um ano e dois meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período;
Condenar o recorrente JA nas custas criminais, fixando a taxa de justiça pelo decaimento parcial no recurso em 4 (quatro) Ucs (artºs. 515º, nº1, al. b) do CPP, 82º e 87º, nºs 1, al. b) do CCJ).
Notifique.






[1] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2ª ed., Ed. Verbo, pág. 335 e Ac. do STJ de 99/03/24, in CJ (STJ), ano VII, tº 1, pág. 247.
[2] Cfr., por exemplo, art.ºs 119.º, n.º 1, 123.º, n.º 2, 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do CPP e acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/95, publicado sob o n.º 7/95 em DR, I-A, de 28/12/95.
[3] Transcrição, mantendo, para maior compreensão do recurso, a numeração dos factos provados apesar da ausência de facto provado com o nº7..
[4] Norma que eleva o mínimo da pena aplicável em um terço, ou seja, no caso em apreço, passando o mínimo da pena de prisão a ser de 40 dias e não, como se refere na decisão recorrida, de um ano e quatro meses.
[5] Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do crime, Aequitas, 1993, p. 302 e segs.
[6] Acs. do STJ de 06/06/2007, Pº 07P1603, relator Simas Santos e de  8/3/2007, Pº 07P626, relator Costa Mortágua, www.dgsi.pt.
[7] Figueiredo Dias, Fundamento, sentido e finalidades da pena criminal, Coimbra Ed., 2001, pág. 104 e segs.
[8] Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Ed. Aequitas, 1993, pág. 227.
[9] Ac. do STJ de 28/09/2005, Pº 05P2537, relator Cons. Henriques Gaspar, www.dgsi.pt.
[10] §20 a 26.
[11] BMJ 428, pág. 353.
[12] Ac. do STJ de 05/12/2007, Pº 07P3396, relator Cons. Santos Cabral, www.dgsi.pt.