Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
473/03.0TMCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: REGINA ROSA
Descritores: INVENTÁRIO
DIVÓRCIO
RECLAMAÇÃO
BENS COMUNS
BENS PRÓPRIOS
Data do Acordão: 03/13/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 1345º, 1349º, Nº 3, 1350º, Nº 1, E 1404º, Nº 3, DO CPC
Sumário: I – Mercê do disposto no artº 1404º, nº 3, in fine, observam-se no inventário subsequente a divórcio, as regras que disciplinam o processo de inventário.

II – Do artº 1349º, nº 3, do CPC resulta que não reconhecendo o cabeça-de-casal a existência dos bens cuja falta foi acusada, uma vez indicadas as provas e efectuadas as diligências probatórias necessárias, o juiz decidirá da existência dos bens e da pertinência da sua relacionação ou, se considerar que a questão da titularidade dos bens requer profunda análise e averiguação, então abstém-se de proferir decisão, relegando os interessados para os meios comuns – artºs 1350º, nº 1, e 1336º, nº 2, CPC.

III – A relação especificada dos bens comuns apresentada no processo de divórcio (artº 1419º, nº 1) não determina quais os bens que hão-de ser objecto de partilha para os efeitos do artº 1345º CPC, sendo admissível o relacionamento de outros cuja falta ou exclusão dessa relação seja alegada ou reclamada.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

I- RELATÓRIO
I.1- A..., requereu em 23.9.04 a instauração de inventário para partilha dos bens que ao ex-casal formado por ele e por B... pertence.
Nomeado cabeça-de-casal, apresentou o requerente a relação de bens, contra a qual reclamou a requerida B...., acusando, além do mais, a falta de relacionamento de bens móveis, créditos e débitos do dissolvido casal (fls.181-188), vindo a responder a tal reclamação o cabeça-de-casal nos termos do seu requerimento a fls.207 a 213.
Foi então proferido em 8.4.05 o despacho de fls.246-248, no qual se decidiu apenas proceder à partilha dos bens relacionados sob os nºs 1 a 64 e 66 a 68, e remeter as partes para os meios comuns para decidirem da natureza própria ou comum de tudo o mais que consta da relação de bens e reclamação.
I.2- Inconformada, veio a requerida interpor o presente recurso de agravo, tendo, na sua alegação, formulado estas úteis conclusões:
1ª- A tramitação própria do processo de inventário não foi minimamente assegurada, não tendo havido lugar a qualquer produção de prova;
2ª- Nada prova que a Mmª Juíza não pudesse decidir da reclamação apresentada, uma vez que não se colocaram questões de especial complexidade;
3ª- A Mmª Juíza limitou-se a remeter os interessados para os meios comuns sem sequer se pronunciar sobre a documentação junto com a reclamação pela recorrente, ou ponderar a produção de outros meios de prova estritamente indispensáveis a essa decisão;
4ª- Não existem no processo elementos que permitissem à Mmª Juíza concluir que a questão posta exigia uma mais larga, variada e cuidada indagação do que a sumária instrução do inventário.
I.3- Não foram apresentadas contra-alegações.
Foi mantido o despacho recorrido.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II - FUNDAMENTOS
Os elementos a tomar em conta para a decisão deste recurso, são os acima relatados.
A única questão suscitada é a de saber se era lícito ao juiz deixar de proceder ás diligências julgadas necessárias, posto que por forma sumária, quanto à questão da falta de relacionação de certos bens ou de exclusão de outros que foram relacionados, remetendo os interessados para os meios comuns nos termos do art.1350º/1,C.P.C. (como os demais a citar sem menção de origem).
Desde já adianta-se que a recorrente tem razão no inconformismo que manifesta perante o decidido.
A decisão de remessa das partes para os meios comuns, vem assim fundamentada: “A lei impõe que para haver conversão do divórcio litigioso em divórcio por mútuo consentimento os cônjuges terão que juntar a relação dos bens comuns. O cabeça-de-casal e a reclamante, fizeram-no. Portanto, a conclusão a tirar é que a relação que consta de fls.115 é a relação dos bens pertencentes ao casal, porque foi exactamente isso que eles declararam na altura. Tendo em conta esta posição das partes, entende ser inconveniente discutir a natureza própria ou comum de tudo o mais neste processo. Portanto, o que haverá que dividir neste processo de inventário são os bens que constam daquela relação.”.
Ou seja, no entender da 1ª instância a relação especificada dos bens comuns apresentada no processo de divórcio (art.1419º/1) determina quais os bens que hão-de ser objecto de partilha para os efeitos do art.1345º. Os demais cuja falta ou exclusão na relação (junta no processo de inventário pelo cabeça-de-casal) vem acusada na reclamação, por ser controvertida a sua natureza de bens comuns ou próprios dos cônjuges, entende-se não tomar posição sobre esta questão, remetendo-se, sem mais, os interessados para os meios ordinários, para aí ser indagada e atribuída a sua natureza (se comum ou própria). Isto não obstante ter sido apresentada no inventário uma relação de bens de todo não coincidente com aquela que foi junta no processo de divórcio (fls.115), e os interessados terem requerido a produção de prova documental e testemunhal na reclamação e na resposta à mesma.
Com o devido respeito, não pode concordar-se com tal entendimento.
Mercê do disposto no art.1404º/3, in fine, observam-se no inventário subsequente a divórcio, as regras que disciplinam o processo de inventário.
Ora, segundo resulta do art.1349º/3, não reconhecendo o cabeça-de-casal a existência dos bens cuja falta foi acusada, indicadas as provas e efectuadas as diligências probatórias necessárias, o juiz decidirá da existência de bens e da pertinência da sua relacionação.
Se concluir que a prova produzida não lhe permite considerar como pertencendo ou não ao acervo a partilhar (no caso, ao património comum dos cônjuges) os bens em crise, ou considerando que a questão da titularidade dos bens requer profunda análise e averiguação que sumariamente não possam ser indagada no processo de inventário, abstém-se de proferir decisão, relegando os interessados para os meios comuns. É o que decorre do disposto nos arts.1350º/1 e 1336º/2.
Neste último dispõe-se que “só é admissível a (…) remessa dos interessados para os meios comuns, quando a complexidade da matéria de facto subjacente à questão a dirimir torne inconveniente a decisão incidental no inventário, por implicar redução das garantias das partes”.
No caso presente, as questões levantadas pela recorrente nos pontos 2º a 11ºda sua reclamação, designadamente a falta de relacionamento do recheio de duas casas, do saldo das contas bancárias do casal e de um crédito sobre terceiro, tendo em conta a resposta do cabeça-de-casal a essas questões, não têm subjacente matéria de facto de grande complexidade a exigir diligências e provas demoradas. Relativamente a esses bens, apurar se eles devem relacionar-se como comuns do património a partilhar, afigura-se possível a produção de prova sumária e rápida neste processo, sem necessidade de relegar os interessados para os meios comuns, afim de aí fazerem definir os direitos em conflito. A não ser que, produzidas e analisadas as provas oferecidas, efectuadas diligências que o juiz julgue necessárias, este conclua que as questões suscitadas exigem produção de prova mais ampla do que a sumária instrução no inventário. Neste caso, decidirá, justificadamente, remeter os interessados para os meios ordinários.
Não foi isto que se verificou na situação em análise, em que o tribunal decidiu, sem justificação plausível e sem produção da prova oferecida pelos interessados que lhe permitisse formular um juízo, remetê-los para os meios comuns para aí ser decidida a titularidade dos bens em falta.
Aqui chegados, temos pois que o recurso merece ser provido.
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III - DECISÃO
Acorda-se, pelo exposto, em conceder provimento ao agravo, e em consequência revoga-se o despacho agravado (ponto 2º a fls.247), que deverá ser substituído por outro em que se ordene a produção de prova apresentada com vista a apurar-se se são comuns ou próprios os bens cuja falta de relacionamento foi acusada.
Sem custas.