Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1054/03.3TBCTB-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HÉLDER ROQUE
Descritores: EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
Data do Acordão: 02/27/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO - 2º J.
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 265º, 802º, 804º, 812º, 812º-A DO CPC, 428º E 777º Nº1 DO CC
Sumário: 1. A exigibilidade da obrigação coincide com o seu vencimento, não sendo exigível a prestação quando a obrigação está sujeita a prazo que ainda se não venceu, ou a uma condição que ainda se não verificou.

2. A excepção do não cumprimento do contrato não legitima o incumprimento definitivo deste pelo contraente fiel, mas, tão-só, o seu cumprimento dilatório como forma de coagir o contraente faltoso a satisfazer, igualmente, aquilo que tem de cumprir.

3. Encontrando-se o exequente vinculado ao cumprimento de uma contra-prestação, arguida a excepção do não cumprimento do contrato pelo executado, aquele está obrigado a cumpri-la como devedor, só podendo afastar os efeitos substantivos da aludida excepção, provando que já cumpriu ou que o executado deve cumprir, em primeiro lugar.

4. Tendo a acção executiva sido instaurada, sem a observância, por parte do credor, do requisito da exigibilidade da prestação, incumbindo-lhe a alegação e a prova, por via não documental, de ter efectuado ou oferecido a sua contra-prestação, deveria o processo ter sido feito concluso ao Juiz para proferir despacho liminar, podendo e devendo suprir as irregularidades do requerimento executivo e determinar o seu aperfeiçoamento, com o convite ao exequente no sentido de realizar a prova complementar do título.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

A...”, com sede na Zona Industrial, Rua H, em Castelo Branco, interpôs recurso de apelação da decisão que, nos autos de oposição á execução comum, em que é exequente, deduzida pelos executados B... e mulher, C..., residentes no X..., Orjais, na Covilhã, julgou procedente, por provada, a oposição deduzida e, em consequência, declarou extinta a execução, terminando as suas alegações, onde solicita a sua revogação com o prosseguimento da execução, ou, então, a prolação de despacho de aperfeiçoamento, de modo a possibilitar ao exequente a prova complementar do título executivo que omitiu requerer, formulando as seguintes conclusões:

1ª - Os executados nunca alegaram, nos autos, a falta e/ou a insuficiência do título executivo, supra referida. Não poderia ter considerado provada e procedente a oposição deduzida à execução, tal como o fez. Quanto muito poderia o juiz “a quo” ter indeferido liminarmente a execução ao abrigo do disposto no art. 811-A nº1, a), do CPC por força do art. 820º do CPC, preceito que permite o conhecimento oficioso ao julgador da, alegada, insuficiência do título executivo. Só por tal meio a meritíssima Juiz “a quo” poderia extinguir a execução, o que não fez, limitando-se a julgar extinta a execução por procedente e provada a oposição dos executados. A sentença é nula por ter conhecido para além dos factos alegados pelas partes (art. 668º nº1, d), do CPC).

2ª - A execução ora extinta pelo Juiz “a quo” correu no traslado do acórdão exequendo do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra. A recorrente juntou à execução certidão da sentença da primeira instância do acórdão da Relação de Coimbra e a menção que não havia transitado em julgado por os ora executados terem interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, com efeitos devolutivos. A recorrente no seu requerimento executivo alega que o título executivo é uma sentença, a qual junta e se deve dar como reproduzida. Do título executivo, para o qual se remete e se dá por reproduzido, constam vários factos provados, os quais se devem dar como alegados na acção executiva, dos quais se destacam para a resolução do problema em apreço, os seguintes:

- Em 08/11/1999 a A. enviou aos RR. uma missiva que se referencia o assunto como proposta nº1236/99....;

- Em 26 de Junho de 2000 a autora escreveu ao R. referindo que se encontra nas suas instalações de Castelo Branco, há dois meses, o painel frigorífico e solicitando sejam tomadas as devidas providências, para arranjar um armazém para podermos colocar o painel o mais perto possível da obra e que proceda à liquidação do referido painel podendo em conjunto estudar uma modalidade de pagamento favorável às duas partes;

- Em 04 de Julho de 2000, o R. comunicou por escrito à A., em resposta à carta mencionada no facto 07 que não lhes efectuei qualquer encomenda do mesmo (painel), apenas lhe solicitei o envio de uma proposta (orçamento). Mais referiu, nesse escrito que “...não estabeleci com V. Exªs qualquer compromisso de aquisição, quer verbal, quer por escrito” e “atendendo a que não estou interessado na aquisição do painel constante da V/ proposta nº1236/99, tomo a liberdade de a devolver”.

A exigibilidade da obrigação exequenda tem de se verificar no momento da propositura da acção executiva, pelo que, quando não resultem do próprio título, há que desenvolver uma actividade preliminar para que, no momento da propositura, tal requisito se verifique, isto é obriga a uma prova complementar do título (cfr. art. 804º do CPC).

Face ao supra exposto, a recorrente considera que a exigibilidade da obrigação exequenda se verificava na altura da propositura da acção executiva em 16/05/2005, já que consta do título executivo o oferecimento da prestação do recorrente (entrega do painel frigorífico), a qual foi negada categoricamente pelos executados (cfr. factos provados provenientes da matéria assente nº3.1.6; 3.1.7; 3.1.8 do Ac. da Relação de Coimbra).

Por outro lado, a acção executiva foi proposta em 16/05/2005, consta do título executivo (certidão do traslado do acórdão da Relação de Coimbra) emitido em 12/05/2005, que este não havia transitado em julgado por os ora executados terem interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, com efeitos devolutivos.

Com o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça os executados, renovaram a sua intenção, anteriormente expressa pela carta de 04/07/2000, em negar a existência de qualquer encomenda à recorrente, em não a aceitarem e em a devolver a esta.

3ª - Assim, a obrigação da prova complementar que a meritíssima Juiz “a quo” alega impender sob a recorrente, nos termos do art. 840º do CPC, não existe para a recorrente, já que resulta do título executivo a sua exigibilidade (oferta da prestação do exequente).

4ª - Em reforço de todo o exposto, o douto acórdão da Relação de Coimbra (título executivo), o qual condena os executados a pagar à exequente até à quantia de 150€/mês pelo dano resultante da ocupação do espaço nas instalações desta.

São os executados os principais interessados em proceder ao levantamento da câmara frigorífica e pagar o que devem, pois continua-se a avolumar o valor devido ao título da indemnização referido.

Porém, os executados nunca pretenderam levantar a encomenda nem pagar o valor em que foram condenados, tal como alegam na sua oposição, já que pretendem reclamar coisas a que não têm direito (motores da câmara frigorífica).

5ª - Mesmo que se considerasse, o que não se concede, que o recorrente estava obrigado a fazer a prova que ofereceu a sua prestação aos executados - ao R. marido, o qual contraiu a dívida, e à R. mulher a quem a dívida se comunicou por ter sido contraída no proveito comum do casal, não poderia a meritíssima Juiz “a quo” por fim ao processo executivo, tal como o fez.

Deveria ter proferido um despacho de aperfeiçoamento nos termos do art. 820º do CPC, tomando em conta o princípio da cooperação entre as partes e o tribunal, devendo a lei processual ser interpretada no sentido mais favorável a esse princípio.

Pelo que a sua oposição não podia ser recebida por não preencher nenhum dos fundamentos constantes do art. 814º do CPC.

Nas suas contra-alegações, os executados concluem no sentido de que a decisão, por todos os fundamentos alegados, deve ser mantida, nos exactos termos em que foi proferida.

Com interesse relevante para a apreciação e decisão do mérito da apelação, importa reter a seguinte factualidade:

1 – A exequente deu à execução o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que, na parte que aqui interessa considerar, condenou os oponentes a pagar à exequente a quantia de 43166.26€, resultante da soma das parcelas de 23343.67€ e 19822.59€, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva resultante do § 3º, do art. 102º, do Código Comercial, sendo a taxa, a partir de 01.10.2004, a que resulta da Portaria nº 1105/04, de 31.8, publicada no DR, IIª série, de 16.10, actualmente, de 9,09%, aviso nº 310/2005, da Direcção Geral do Tesouro, publicado no DR, IIª série, de 14.01.2005, vencidos desde a citação, em 21.5.2003, e vincendos, até integral e efectivo pagamento.

2. Naquela decisão colegial deu-se como provado que:

a) em 8.11.99, a exequente enviou aos oponentes uma carta, onde referenciava o assunto como proposta n.º1236/9, e onde referia que, em resposta à v/ consulta, junto enviava a melhor proposta para o eventual fornecimento e montagem de uma câmara frigorífica com paredes e tectos construídos com painéis isotérmicos pré-fabricados, acessórios isotérmicos e equipamento frigorífico, pelo valor de 19 870 360$00, acrescido de IVA, à taxa de 17%.

b) em 4.7.2000, o oponente comunicou à exequente, por escrito, que não havia efectuado qualquer encomenda do painel, apenas havia solicitado o envio de uma proposta, um orçamento, pelo que o devolveu, dado não estar interessado na sua aquisição.

c) em finais de 1999, o oponente encomendou à exequente a câmara frigorífica, bem como o equipamento frigorífico, tendo aceite o orçamento que lhe havia sido entregue por esta.

d) O preço da câmara frigorífica, a sua montagem e o equipamento frigorífico era de 99112.94€, sem IVA.

e) Com vista à execução da encomenda, a exequente encomendou, em 29.11.1999, e pagou, mais tarde, ao seu fornecedor a referida câmara frigorífica, com as dimensões específicas para o pavilhão dos oponentes.

f) O preço da câmara frigorífica é de 23.343,67€, incluindo o IVA, à taxa de 17%.

g) A exequente ficou sem o lucro esperado de 19822.59€, relativamente à venda do equipamento frigorífico e à sua montagem, correspondente a 20% do preço.

3. Na decisão exequenda, considerou-se que o réu [ora executados] também tem o direito de exigir a entrega do mesmo equipamento, pois a indemnização em que irá ser condenado abrange o seu valor, e, sem essa entrega, a autora [aqui exequente] obteria um injusto locupletamento, à custa do réu.

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Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

A única questão a decidir na presente apelação, em função da qual se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil (CPC), consiste em saber se a inexigibilidade da obrigação constante do título executivo determina, sem mais, a extinção da execução.

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DA EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO EXEQUENDA

A decisão recorrida, considerando que a exequente não ofereceu qualquer prova da verificação do pressuposto de promoção da execução, que equiparou ao da exigibilidade, ou seja, de ter disponibilizado a sua prestação contra a exigência da que lhe é devida, julgou extinta a execução.

Dispõe o artigo 802º, do CPC, que “a execução principia pelas diligências, a requerer pelo exequente, destinadas a tornar a obrigação certa, exigível e líquida, se o não for em face do título executivo”.

A decisão exequenda, que aqui serve de título, condenou os executados, ora oponentes, a pagar à exequente a quantia de 43166.26€, esclarecendo que aqueles têm direito a exigir desta a entrega do equipamento, objecto da prestação em dívida.

A exigibilidade constitui um dos requisitos da exequibilidade do título, um dos pressupostos substanciais da obrigação exequenda, indispensável à promoção da execução, na hipótese de a obrigação não se encontrar ainda exigível, em face do título executivo, nos termos do estipulado pelo artigo 802º, do CPC, citado.

A exigibilidade da obrigação coincide com o seu vencimento1, não sendo exigível a prestação quando a obrigação está sujeita a prazo que ainda se não venceu, ou a uma condição que ainda se não verificou.

É exigível a prestação quando a obrigação se encontrar vencida ou o seu vencimento estiver depende, de acordo com estipulação expressa ou com a norma geral supletiva do artigo 777º, nº 1, do Código Civil (CC), de simples interpelação do devedor.

Diz-se que a obrigação não é ainda exigível, nomeadamente, quando, entre outras causas, estando dependente de uma contraprestação, a efectuar pelo credor ou por terceiro, estes ainda a não satisfizeram, nos termos do disposto pelo artigo 428º, do CC.

Revertendo ao caso concreto, importa considerar que a exequente não provou, nem sequer alegou, ter efectuado ou oferecido aos executados a sua contra-prestação, não demonstrando a verificação do aludido pressuposto de promoção da execução.

A excepção de não cumprimento do contrato é uma excepção dilatória de direito material que se destina a permitir que, nos contratos bilaterais com obrigações, reciprocamente, interligadas por um sinalagma genético-funcional, em que não haja prazos diferentes para o cumprimento das prestações, o contraente fiel não cumpra enquanto o contraente faltoso não cumprir, também.

Trata-se de uma excepção que não legitima o incumprimento definitivo do contrato pelo contraente fiel, mas, tão-só, que lhe consente o cumprimento dilatório como forma de coagir o contraente faltoso a satisfazer, igualmente, aquilo que tem de cumprir.

Assim sendo, encontrando-se, também, a exequente vinculada ao cumprimento de uma contra-prestação, arguida a excepção, aquela está obrigada a satisfazê-la como devedora, para obviar os efeitos substantivos da aludida excepção, porquanto só poderá afastá-la provando que já cumpriu ou que os executados devem cumprir, em primeiro lugar2.

Com efeito, o contraente, a quem se exige o cumprimento, não deve ser obrigado a provar que se verificam os requisitos da «exceptio non adimpleti contratus», dado que o direito a esta é uma consequência do contrato bilateral, sendo antes a exequente que, para se subtrair aos efeitos da excepção, terá de fazer a prova que já cumpriu pela sua parte ou ofereceu o cumprimento perfeito, pois é ao devedor que compete provar que cumpriu, e não ao credor que a obrigação não foi cumprida3.

Ora, tendo a acção executiva sido instaurada, sem a observância, por parte do credor, ora exequente, do requisito da exigibilidade da prestação, incumbindo-lhe, «in casu», a alegação e a prova de ter efectuado ou oferecido a sua contra-prestação, por via não documental, deveria o processo ter sido feito concluso ao Juiz para proferir despacho liminar, podendo e devendo suprir as irregularidades do requerimento executivo e determinar o seu aperfeiçoamento, com o convite à exequente no sentido de realizar a prova complementar do título, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 804º, nºs 1 e 2, 812º, nºs 1 e 4, 812º-A, nºs 1 e 2, b) e 265º, nº 2, todos do CPC4.

Como assim, procedem, apenas, em parte, as alegações da exequente, revogando-se, consequentemente, a decisão recorrida, de modo a que a Exª Juiz profira despacho de aperfeiçoamento do requerimento executivo, possibilitando aquela a prova complementar do título, com a alegação e prova de ter efectuado ou oferecido a sua contra-prestação aos executados.

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CONCLUSÕES:

I - A exigibilidade da obrigação coincide com o seu vencimento, não sendo exigível a prestação quando a obrigação está sujeita a prazo que ainda se não venceu, ou a uma condição que ainda se não verificou.

II - A excepção do não cumprimento do contrato não legitima o incumprimento definitivo deste pelo contraente fiel, mas, tão-só, o seu cumprimento dilatório como forma de coagir o contraente faltoso a satisfazer, igualmente, aquilo que tem de cumprir.

III - Encontrando-se o exequente vinculado ao cumprimento de uma contra-prestação, arguida a excepção do não cumprimento do contrato pelo executado, aquele está obrigada a cumpri-la como devedor, só podendo afastar os efeitos substantivos da aludida excepção, provando que já cumpriu ou que o executado deve cumprir, em primeiro lugar.

IV - Tendo a acção executiva sido instaurada, sem a observância, por parte do credor, do requisito da exigibilidade da prestação, incumbindo-lhe a alegação e a prova, por via não documental, de ter efectuado ou oferecido a sua contra-prestação, deveria o processo ter sido feito concluso ao Juiz para proferir despacho liminar, podendo e devendo suprir as irregularidades do requerimento executivo e determinar o seu aperfeiçoamento, com o convite ao exequente no sentido de realizar a prova complementar do título.

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DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar a apelação, parcialmente procedente, e, em consequência, revogam a sentença recorrida, devendo a Exª Juiz proferir despacho de aperfeiçoamento do requerimento executivo, por forma a possibilitar à exequente a prova complementar do título, com a alegação e prova de ter efectuado ou oferecido a sua contra-prestação aos executados.

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Custas da apelação, a cargo dos executados.