Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1161/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS BARREIRA
Descritores: CRIME INFORMÁTICO
DIREITOS DE AUTOR
Data do Acordão: 07/12/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 3º, 6º E 9º DA LEI 109/91, DE 17/8, ARTº 14º DO DECRETO-LEI 252/94, DE 20/10
Sumário: 1. A instalação de um único programa informático licenciado em vários computadores de um empresa traduz-se numa reprodução de programa não autorizada.

2. O tipo legal de crime de reprodução de um programa informático protegido não exige intenção de lucro.

3. Para o preenchimento do tipo legal de crime é irrelevante que o programa não tenha sido reproduzido em suportes magnéticos móveis, mas apenas instalado noutros computadores.

Decisão Texto Integral:

I - RELATÓRIO
No processo comum singular nº 6/03. 8 EACBR da Vara de Competência Mista e Juízos Criminais de Coimbra, 1º Juízo Criminal, após a realização da audiência de julgamento foi proferido acórdão que condenou os arguidos:
1 - A..., com sede em Estrada de Coselas, Lote 2, Edifício Valeformoso, em Coimbra;
2 - B... e
3 – C..., ambos com domicílio profissional na sede da 1ª arguida,
Pela prática, em co-autoria material (art. 26° CP), de um crime de reprodução ilegítima de programa protegido, p. e p. pelos artigos 9°, n.º 1, da Lei nº 109/91, de 17.08, e 14º nºs 1 e 2, do DL nº 252/94, de 20.10, sendo que, quanto à primeira arguida, em conjugação com os art.s 3º, nº 1, e 10º, ambos da supra referida Lei, este último na redacção dada pelo DL nº 323/2001, de 17.12,
Nas penas individuais de:
- Sessenta (60) dias de multa, à razão de sessenta euros (€ 60,00) por dia, num total de três mil e seiscentos euros (€ 3.600,00), no que respeita à arguida A...; e
- Sessenta (60) dias de multa, à razão de dez euros (€ 10,00) e cinco euros (€ 5,00) por dia, num total de seiscentos euros ( € 600,00) e trezentos euros ( € 300,00), no que respeita aos arguidos B... e Sandra, respectivamente, e, verificada que seja a hipótese do art.º 49º, nº 1, do C. Penal, em alternativa, quarenta ( quarenta) dias de prisão subsidiária.
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Inconformados, recorreram os arguidos A..., e B..., apresentando as suas motivações e conclusões que o Ex. mo Relator considerou demasiado extensas e, portanto, não concisas, como a lei exige.
Pelo mesmo foram, então, convidados os recorrentes a, em 10 dias, apresentar as mesmas devidamente concisas.
Apresentaram, seguidamente, então, as seguintes conclusões :

1- Não concordam os recorrentes com a condenação no processo em causa, porque em seu entender, não cometeram qualquer crime.
2- Não concordam os recorrentes com que o enquadramento Jurídico - -Penal da sentença (fls.356 e 357) artigo 14º do Dec. Lei 252/94, de 20.10, e nº1, do artigo 9° da Lei 109/91 de Agosto.
3- O titular de uma licença tem obrigações, mas também tem direitos, e há excepções aos actos sujeitos a autorização, que não foram tidas em conta na douta sentença.
4- O referido enquadramento legal não se aplica ao caso concreto porque os actos praticados pelos arguidos são perfeitamente legais ao abrigo do Artigo 6.° do Dec. Lei nº 252/94, de 20 de Outubro, que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva 91/250/CEE do Conselho, de 14 de Maio.
5- Nos artigos 4° e 5° da Directiva 91/250/CEE do Conselho, de 14 de Maio, transposta pelo Dec. Lei 252 /94, já estavam legalmente protegidos os referidos actos sujeitos a autorização e as suas excepções. Constando do preâmbulo da directiva o seguinte esclarecimento sobre estas excepções:
"Considerando que os direitos exclusivos do autor para impedir a reprodução não autorizada da sua obra devem ser sujeitos a uma excepção limitada, no caso de se tratar de um programa de computador, de forma a permitir a reprodução tecnicamente necessária para a utilização daquele programa pelo seu legítimo
adquirente;
"Considerando que um dos objectivos desta excepção é o de permitir a interacção de todos os elementos de um sistema informático, incluindo os de diferentes fabricantes, de forma a poderem funcionar conjuntamente;
"Considerando que uma excepção deste tipo aos direitos exclusivos do autor não pode ser aplicada de forma a colidir com uma exploração normal do programa ou a prejudicar os interesses legítimos do titular do direito." (Legislação de Direito da Informática - Armando Veiga, Coimbra Editora 2004, pág. 355, Cap.ºIII - Protecção Jurídica de Software). "
6- Sobre as referidas excepções em "101 Perguntas e Respostas do Direito da Internet e da Informática", pág. 243, diz o seguinte:
" É defendido que o direito exclusivo de reprodução deve ser sujeito a uma excepção para permitir certos actos de reprodução temporária, que são reproduções transitórias e pontuais, constituindo parte integrante e essencial de um processo tecnológico efectuado com o objectivo de possibilitar uma transmissão eficaz numa rede entre terceiros por parte de um intermediário e a utilização legítima de uma obra ou de outros materiais protegidos. Note-se que esses actos de reprodução não deverão ter em si, qualquer valor económico."
7- Ora, no caso concreto a A..., S.A, era utente legítima de uma licença do Norton Antivírus 2002 e outra licença do Page Maker 5.0
8- Conforme consta dos factos provados na douta sentença pág. 354 e 355: na data da visita inspectiva estava em curso o processo de reconversão do sistema informático da A..., S.A., preenchendo assim os requisitos previstos na excepção do artigo 6º, do Dec. Lei nº 252/94, de 20 de Outubro.
9- A " reprodução de programas informáticos " mais concretamente as várias instalações temporárias dos referidos programas, não colidiu em nada com os direitos de autor, nem os arguidos obtiveram qualquer valor económico como a seguir se demonstra:
10- No que se refere ao Pague Mater, se os arguidos instalassem o Programa apenas num computador, transferissem o seu conteúdo e desinstalassem e assim sucessivamente, o resultado seria o mesmo e não seria necessário adquirir mais licenças e não eram acusados de qualquer crime.
11- No que se refere ao Norton Antivírus, os direitos de autor também não foram prejudicados, porque o Norton Antivírus 2002 era incompatível com o XP, os arguidos tinham forçosamente de adquirir novo software compatível, no caso concreto o Panda.
12- Além de que, na sequência do referido processo de conversão, foram adquiridas muito mais licenças, beneficiando assim os seus autores com a referida reestruturação.
13- Também não concordam os arguidos com a seguinte afirmação constante da douta sentença a fls. 357:
"A actuação dos arguidos B...e Sandra, enquanto representantes da arguida A..., tem por fim obter para a sociedade e, consequentemente, para si, vantagem patrimonial ou proveitos ilegítimos ou indevidos. "
a) Porque, no que se refere à arguida Sandra, é apenas funcionária da empresa, recebe o seu salário ao fim do mês, não obtendo assim qualquer proveito com a instalação do software em causa.
b) No que se refere ao arguido Armando, com a prática do "suposto crime de que vem acusado" não tinha qualquer vantagem patrimonia1 ou proveito ilegítimo para si ou para a sua representada, uma vez que na sequência do processo de remodelação do sistema informático teve de adquirir novo hardware e novas licenças para o novo software, e as licenças que tinha do Pague Mater e do Norton Antivírus 2002, logo que a remodelação informática ficou concluída deixaram de ter qualquer utilidade.
14- Diz a Douta sentença Fls. 358 que: "Os motivos determinantes fundam-se na perspectiva de contenção de custos, poupança de tempo e ganho de produtividade, assim como na facilidade de cópia dos programas em causa - num campo de franco desenvolvimento e onde a pirataria informática começa a revelar foros exponenciais preocupantes e a actividade de risco tem compensado;
15- Ora, no caso concreto, os arguidos não tiveram quaisquer lucros, contenções de custos, muito pelo contrário, tiveram despesas acrescidas com a compra de novo Hardware, software e novas licenças.
16- No que se refere à poupança de tempo e de produtividade, a mesma só foi possível após a conclusão da renovação e total adaptação do referido sistema informático já com o novo Software.
17- No que se refere à " pirataria informática", somos de opinião que esta expressão não pode ser aplicada ao caso concreto, nem aos arguidos, que se dedicam à construção de obras públicas e não à reprodução ilegal de software.
18- No caso concreto, os programas de computador não se encontravam reproduzidos em disquetes ou Cds para venda ou divulgação ou comunicação pública, etc.,
19- Os programas em causa estavam instalado provisoriamente em vários computadores para que fosse transferido e convertido o seu conteúdo para outros programas mais recentes e com os quais os trabalhadores soubessem trabalhar, e estivessem protegidos de vírus até à renovação e adaptação de todo o sistema informático (Hardware e Software) se encontrar concluída.
20- Diz a Douta sentença na determinação da medida concreta - fls 358 - que:
" A intensidade da culpa é elevada - dolo directo (específico) : os arguidos representaram os factos e actuaram com intenção de os realizar."
21- Ora, não podem os recorrentes concordar com esta afirmação, uma vez que agiram sempre convencidos de que estavam a actuar dentro da legalidade.
22- Se o legislador admite a excepção do artigo 6º do Dec. - Lei 252/94, é porque entendeu que em determinadas situações, o utente já tão desprotegido face ao poderio das multinacionais, também tem direitos, e que pode praticar actos que não são criminalmente censuráveis.
Ora, no caso concreto os arguidos consideram que com os seus actos não violaram a lei, apenas exerceram o seu direito.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. as Ex. as Doutamente suprirão, deverá a douta sentença da lª instância ser revogada , devendo os arguidos ser absolvidos da prática do crime de que vêm acusados, só assim se fazendo a devida JUSTIÇA!

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O Mº Pº pugna pela manutenção do decidido em 1ª Instância.

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E, junto desta Relação, dando por reproduzido o douto parecer de fls. 384 a 397, o Ex. mo Procurador-Geral-Adjunto, pugna por essa mesma manutenção.
*
Em resposta, no âmbito do disposto no artº417º, n.º 2, do C. P. Penal, os arguidos nada mais disseram.

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Corridos os vistos legais e efectuada a audiência, cumpre decidir.

***

II – FUNDAMENTAÇÃO – OS FACTOS
Vejamos antes de mais:
Os Factos Provados:
. Em 15.01.2003, cerca das 14 horas, no 2.ºandar B do Edifício Valformoso, na Estrada de Coselhas, em Coimbra, onde a 1.ª arguida tinha a sua sede, foi efectuada uma acção de fiscalização pela IGAE e constatado encontrarem-se instalados 24 computadores e 1 servidor, utilizados pela 1.ª arguida para o desenvolvimento da sua actividade de execução de trabalhos de construção civil e obras públicas.
. Solicitadas que foram as competentes licenças respeitantes ao software instalado naqueles vários computadores e após o confronto das mesmas com os programas instalados, verificou-se que:
- O Norton Antivírus 2002, apenas com licença para um utilizador, estava instalado em 19 computadores;
- O Pague Mater 5.0, com licença para um utilizador, estava instalado em 11 computadores;
- O Nero-Burning Rom, não tinha licença e estava instalado num computador;
- O Borlan Delphi, sem licença estava instalado num computador; e
- O Dr. Solomon’s Antivírus, também sem licença, estava instalado num computador.
. Os arguidos B...– administrador da 1.ª arguida – e C...– técnica de informática responsável pela área da informática na 1.ª arguida – utilizavam, o Norton Antivírus 2002 e o Pague Mater 5.0, sem que tivessem a necessária autorização ou licença para cada um dos computadores em que se encontravam instalados, agindo em nome e no interesse da 1.ª arguida;
. Agiram de comum acordo e em concertação de esforços, de forma voluntária, livre e consciente;
. Sabiam a sua conduta proibida e punida pela lei penal.
. …
. A 1.ª arguida havia entrado em processo conversão e alteração de sistema informático, de certificação de qualidade da empresa;
. O processo de certificação de qualidade da empresa – cerca de 400 modelos funcionais de certificação definidos e desenhados – foi executado num computador com Pague Mater 5.0, sendo intenção da mesma que fosse esse o software a utilizar futuramente pela empresa em todos os computadores.
. Porque o sistema Pague Mater 5.0 foi entendido pela arguida C...e pelos fornecedores da empresa como obsoleto, sendo difícil conseguir colocar o mesmo a trabalhar em rede, além de que apenas 1 pessoa na empresa sabia operar com esse software, optou a 1.ª arguida por adquirir pacotes Office XP ( Word e Excel ).
. O Pague Mater 5.0 estava instalado para converter os documentos da certificação referentes a cada departamento para o Word.
. A 1.ª arguida já havia encomendado o Panda Antivírus, para instalar no servidor central, estando a sua entrega atrasada.
. Quando a 1.ª arguida comprou os computadores o Nero–Burning Rom já vinha instalado de origem, como oferta de software vendido.
. O Borlan Delphi foi instalado pelo arguido Paulo num dos computadores da empresa arguida, sem autorização da responsável pela informática;
. Este programa foi-lhe oferecido na compra de uma revista da especialidade.
. O Dr. Solomon’s Antivírus, veio instalado de origem no computador.

Factos não Provados:
. O Nero-Burning Rom, o Borlan Delphi, e o Dr. Solomon’s Antivírus, careciam de licença para sua utilização.
. O arguido Paulo utilizava, o Norton Antivírus 2002 e o Pague Mater 5.0, agindo em nome e no interesse da 1.ª arguida;
. Agiu de forma voluntária, livre e consciente;
. Sabia a sua conduta proibida e punida pela lei penal.
. O Norton Antivírus havia sido instalado para proteger provisoriamente os computadores e para activar os sistemas operativos nos computadores já ligados à rede;
. A arguida C...estava convencida de que essa única licença existente, relativa ao Norton Antivírus seria suficiente uma vez que esses computadores estavam ligados à rede.
. Quaisquer outros factos emergentes da discussão da causa para além dos que ficaram descritos como provados.
Convicção do Tribunal:

Foram determinantes para a fundamentar:
***

III – FUNDAMENTAÇÃO – OS FACTOS E O DDIREITO
Apesar de tudo o que os recorrentes alegam, as questões colocadas à apreciação e decisão do Tribunal, são as seguintes:
- Saber se os actos por si praticados – instalação em vários outros computadores dos programas Norton Antivírus e Pague Mater 5.0, ambos apenas com licença para um utilizador – não constituem crime, enquadrando-se no disposto no art.º 6º, nº 3, do DL nº 252/94, de 20.10.
- Saber se a actuação dos arguidos B...e Sandra, enquanto representantes da arguida A..., não teve por finalidade obter para a sociedade e, consequentemente, para si, vantagem patrimonial ou privilégios ilegítimos e indevidos ( porque a C...é apenas funcionária da A..., não tem poderes de representação da mesma, recebe o seu salário ao fim do mês, não obtendo qualquer vantagem patrimonial ou proveito ilegítimo com a instalação do software em causa; e porque o Arguido Armando, efectivamente representante da arguida A..., com a prática do suposto crime não tinha qualquer vantagem patrimonial ou proveito ilegítimo para si ou para a sua representada, pois que na sequência do processo de remodelação do sistema informático teve de adquirir novo hardware e novas licenças, e as licenças que tinha do Pague Mater e do Norton Antivírus deixaram de ter utilidade logo que a remodelação ficou concluída.).
- Saber se, o facto que praticaram não é ilícito por terem actuado no exercício de um direito – art.º 31º, do C. Penal -, ao abrigo do disposto no art.º 6º, nº 3, do DL nº 252/94, de 20.10.

Relativamente à primeira questão, verificamos que não assiste a razão aos recorrentes.
Com efeito:
Vejamos o tipo legal de crime de reprodução ilegítima de programa protegido.
São as seguintes as disposições legais que versam sobre o mesmo:

“Art.º 14.º do DL 252/94, de 20.10:
1. Um programa de computador é penalmente protegido contra a reprodução não autorizada.
2. É aplicável ao programa de computador o disposto no n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto.”

“Art.º 9.º da Lei 109/91, de 17.08:
1. Quem, não estando para tanto autorizado, reproduzir, divulgar ou comunicar ao público um programa informático protegido por lei será punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.(…)”

“Art.º 5º do DL nº 252/94, de 20. 10:
O titular do programa pode fazer ou autorizar:
a) A reprodução permanente ou transitória, por qualquer forma ou processo, de todo ou de parte do programa;
b) Qualquer transformação do programa e a reprodução do programa derivado, sem prejuízo dos direitos de quem realiza a transformação.”

“Art.º 6º, do DL nº 252/94, de 20.10:
1. Não obstante o disposto no artigo anterior, todo o utente legítimo pode, sem autorização do titular do programa:
a) Providenciar uma cópia de apoio no âmbito dessa utilização;
b) Observar, estudar ou ensaiar o funcionamento do programa, para determinar as ideias e os princípios que estiveram na base de algum dos seus elementos, quando efectuar qualquer operação de carregamento, visualização, execução, transmissão ou armazenamento.
2. É nula qualquer estipulação em contrário ao disposto no número anterior.
3. O utente legítimo de um programa pode sempre, para utilizar o programa ou para corrigir erros, carregá-lo visualizá-lo, executá-lo, transmiti-lo e armazená-lo, mesmo se esses actos implicarem operações previstas no nº1, salvo estipulação contratual referente a algum ponto específico.”

“Art.º 3.º da Lei 109/91, de 17.08:
1. As pessoas colectivas, sociedades e meras associações de facto são penalmente responsáveis pelos crimes previstos na lei, quando cometidos em seu nome e no interesse colectivo pelos seus órgãos ou representantes.
2.(...)..
3. A responsabilidade das entidades referidas no n.º 1 não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes.
4. (...).”.

O referido DL nº 252/94, resultou da transposição – nem sempre próxima da tradução por o nosso ordenamento jurídico já conter normas e princípios, com consagração no direito objectivo - para a ordem interna portuguesa da Directiva nº 91/250/CEE do Conselho, de 14.05.
Por isso, o art.º 5º do referido DL nº 252/94, de 20.10, que se inspirou nas alíneas a) e b) da referida Directiva, dispensou qualquer referência à segunda parte da alínea a) da Directiva, onde se lê: “ Se operações como o carregamento, visualização, execução, transmissão ou armazenamento de um programa de computador carecerem dessa reprodução, essas operações devem ser submetidas a autorização do titular.”
Assim, qual o significado do termo reprodução?
Não pode ser o defendido pela tese da “multiplicação de exemplares”- Oliveira Ascensão, Direito Civil – Direitos de Autor e Direitos Conexos, Coimbra, pág. 478 e sgs.
Mas antes o de que a utilização de um programa de computador mediante o seu carregamento em memória (loading) envolve geralmente a reprodução do mesmo – Garcia Marques e Lourenço Martins, Direito da Informática, Almedina, pág. 457 e sgs.
Isto é: aquelas operações de carregamento, visualização, execução, transmissão ou armazenamento de um programa implicam normalmente a reprodução do programa em sentido técnico e também jurídico, e que o conceito de reprodução, para efeitos penais e civis, se basta com a memorização em computador.
Por conseguinte:
“(…) a tese de que a reprodução implica a necessidade da “multiplicação de exemplares” em suporte físico, para além de se não conformar com a hermenêutica interpretativa, levaria ainda a resultados inadmissíveis, mesmo no campo da responsabilidade civil: um programa inserido numa rede informática, usado por centenas de utilizadores no seu posto de trabalho não implicaria qualquer reprodução do mesmo; um programa transferido de Lisboa para Los Angeles ou daqui para Tóquio, computador a computador, não implicava reprodução. O seu autor veria ( ou nem veria sequer) impotente os seus programas passar…( ob. cit. pág. 459.)”
É que “… não convence o argumento de que não constitui reprodução a instalação de uma cópia licenciada num computador a que outro tem acesso, todos integrados na mesma unidade orgânica.” (…) Não é proibida a ligação dos computadores entre si, por forma que um sirva os outros, o que é proibido é instalar em computadores, sejam eles servidores ou clientes, reproduções ou cópias de programas de computadores( não licenciadas, entenda-se) – Ac. da Relação de Lisboa, de 12.10.1995, C. J., Ano XX, pág. 111.
Por seu turno, o nº 3, do art.º6º citado, funda-se no nº 1, do art.º 5º da Directiva, o qual confere ao legítimo adquirente/utente do programa a possibilidade de realização das operações mencionadas nas alíneas a) e b) do art.º 4º da Directiva, apenas quando utiliza o programa para a sua finalidade normal ou pretende corrigir-lhe eventuais erros (sendo que pode haver disposição contratual específica em contrário).
Face ao exposto, concordamos com a Ex. ma Procuradora Adjunta – argumentos a que o Ex. mo Senhor Procurador-Geral-Adjunto também adere – quando refere:
Como fácil é de ver da análise dos normativos supra não tem, pois, qualquer consistência nem apoio legal a tese defendida pelos recorrentes no sentido de a sua conduta ser lícita por se integrar no número 3, do citado artigo 6º.
Na verdade (…) é inequívoco que o comportamento dos arguidos – consistente na instalação em mais 18 computadores do programa Norton Antivírus e em mais 10computaodres do programa Pague Mater, para os quais dispunham de uma única licença – se traduziu numa reprodução de programa de computador não autorizada, sabido que muitos autores e as decisões dos tribunais portugueses não têm exigido a publicidade dessa reprodução.
De facto, também não se tratou de uma reprodução transitória ou temporária, como alegam, pois que, como eles próprios reconheceram, há 6 meses que a A... estava em processo de conversão e alteração do sistema informático.
Tão pouco estavam a fazer um uso normal daqueles programas ou a corrigir qualquer erro dos mesmos.”
Acrescentamos, por outro lado, que este tipo legal de crime não exige a intenção de lucro, pelo que o que os recorrentes alegam no sentido de que, com tal instalação daqueles programas, não obtiveram qualquer valor económico, é totalmente irrelevante para o preenchimento dos elementos constitutivos do crime.
É, no entanto, relevante para a determinação concreta da medida da pena, pelo que voltaremos a falar deste assunto na análise da segunda questão colocada pelos recorrentes.
Finalmente, face ao que referimos supra, é, pois, também irrelevante, para o preenchimento do tipo legal de crime em causa, que os programas de computador não estivessem reproduzidos em disquetes ou CDs para venda ou divulgação pública, mas “apenas” instalados noutros computadores.

Face ao exposto, improcede esta conclusão dos recorrentes.

Relativamente à segunda questão (Saber se a actuação dos arguidos B...e Sandra, enquanto representantes da arguida A..., não teve por finalidade obter para a sociedade e, consequentemente, para si, vantagem patrimonial ou privilégios ilegítimos e indevidos ( porque a C...é apenas funcionária da A... SA, não tem poderes de representação da mesma, recebe o seu salário ao fim do mês, não obtendo qualquer vantagem patrimonial ou proveito ilegítimo com a instalação do software em causa; e porque o Arguido Armando, efectivamente representante da arguida A..., com a prática do suposto crime não tinha qualquer vantagem patrimonial ou proveito ilegítimo para si ou para a sua representada, pois que na sequência do processo de remodelação do sistema informático teve de adquirir novo hardware e novas licenças, e as licenças que tinha do Pague Mater e do Norton Antivírus deixaram de ter utilidade logo que a remodelação ficou concluída.), verificamos que também não assiste a razão aos recorrentes.
Com efeito:
Como os recorrentes referem, optaram por instalar simultaneamente os programas em vários computadores, por ser mais fácil de converter o seu conteúdo no único tempo disponível da única pessoa que sabia operar com eles, precisando até que, para instalar o programa, são 6 disquetes e demoram cerca de 10 minutos cada uma a instalar e a conversão do seu conteúdo foi feita conforma a disponibilidade do trabalhador em causa.
Então, tudo isto não se traduz em manifesta vantagem económica ? Ou o provérbio inglês “Time is Money” não é conhecido dos recorrentes?
Daí que o M. mo Juiz a quo tenha escrito – e bem – ao falar relativamente aos motivos determinantes: “… contenção de custos, poupança de tempo e ganho de produtividade, assim como na facilidade de cópia dos programas em causa (cfr. fls. 358, 5º parágrafo).
En passant e genericamente diremos ainda: todos conhecemos os custos elevados de bons programas de computadores e a facilidade com que os mesmos são copiados, usados e vendidos – a chamada pirataria informática também existe – e muito – neste âmbito.
Finalmente:
É verdade que as licenças do Pague Mater e do Norton Antivírus que arguidos/recorrentes possuíam deixaram de ter utilidade logo que a remodelação informática ficou concluída.
Mas, o certo é que, à data da inspecção que originou estes autos, elas ainda tinham toda a utilidade de tal modo que, havendo apenas uma licença de cada, os programas estavam instalados em muitos outros computadores, como vimos.
No que diz respeito à C...ser ou não ser representante da sociedade arguida, evidentemente que a questão não se reporta ao termo técnico “representação”, mas tão só aquele que resulta dos factos provados: “ como técnica responsável pela área da informática da arguida A..., agindo em nome e no interesse desta…”
Da mesma forma manifesta é a improcedência da contra-argumentação dos recorrentes quanto aos motivos considerados determinantes pelo M. mo juiz a quo na sentença recorrida (que eles próprios de forma expressiva os denunciam, como acima oportunamente o salientámos).

Improcede, pois, também esta conclusão da motivação dos recorrentes.

Relativamente à terceira questão colocada pelos recorrentes (o facto que praticaram não é ilícito porque actuaram no exercício de um direito – art.º 31º, do C. Penal -, ao abrigo do disposto no art.º 6º, nº 3, do DL nº 252/94, de 20.10), verificamos que aos recorrentes também não assiste a razão.
Com efeito, refere o art.º 31º do C. Penal:
“1. O facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade.
2. Nomeadamente, não é ilícito o facto praticado:
a) Em legítima defesa;
b) No exercício de um direito;
c) No cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima da autoridade; ou
d) Com o consentimento do titular do interesse jurídico lesado.”
Quer dizer:
Já explicámos que a actuação dos recorrentes não foi a coberto do disposto no art.º 6º, nº 3, do DL nº 252/94, de 27.10, ou de qualquer outra.
Pelo contrário, foi ilícita, pelos motivos já devidamente explanados.
Assim, sendo ilícita – como, a nosso ver, foi -, é porque não foi no exercício de qualquer direito, mas à margem de qualquer direito e contra o direito.

Improcede, pois, também esta conclusão das motivações dos recorrentes.

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Por conseguinte, resumindo e concluindo:
O bem jurídico protegido é aqui a propriedade ou direitos de autor.
O sujeito activo são todas as pessoas singulares ou colectivas ( Quem…).
A empresa arguida tinha na sua sede computadores em funcionamento com programas informáticos instalados e que não possuíam o correspondente licenciamento ou seja a necessária licença [ o Norton Antivírus 2002, apenas com licença para um utilizador, estava instalado em 19 computadores; o Pague Mater 5.0, com licença para um utilizador, estava instalado em 11 computadores ].
Tal conduta levada a cabo pelos arguidos Sandra, técnica de informática responsável pela área da informática na 1.ª arguida, e Armando, administrador da 1.ª arguida, conforma reprodução ilegítima de programa protegido.
Assim, conclui-se pelo preenchimento dos elementos constitutivos do tipo legal de crime de reprodução ilegítima de programa protegido, p. e p. pelos art.ºs 9.º, 1 da Lei n.º 109/91, de 17.08 e 14.º, 1 e 2, do DL 252/94, de 20.10, sendo que, quanto à arguida A..., em conjugação com os art.ºs 3.º, 1 e 10.º, ambos do 1.º diploma legal citado, este último com a redacção do Dec. Lei n.º 323/2001, de 17.12.

***
IV - DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes na secção criminal deste Tribunal da Relação em:
- Negar provimento ao recurso interposto pelos recorrentes.
- Confirmar a douta decisão recorrida.
Custas a cargo dos recorrentes, fixando-se em 12 UC a taxa de justiça para a recorrente A..., S. A. , e em 7 UC para o recorrente Armando.
Honorários tabelares a adiantar pelos cofres.

Coimbra,