Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1079/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. ISAÍAS PÁDUA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS EMERGENTES
Data do Acordão: 05/04/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO PARCIAL
Legislação Nacional: ARTº 496º DO C. CIV.
Sumário:

I – A indemnização pela perda ou diminuição da capacidade aquisitiva deve ser calculada em atenção ao tempo provável de vida da vítima e esperança média de vida, de forma a representar um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual, até final desse período .
II – É de valorar e de indemnizar o dano futuro de natureza patrimonial decorrente de incapacidade permanente parcial decorrente de as lesões sofridas pela vítima deixarem sequelas permanentes, susceptíveis de se poderem reflectir negativamente no futuro, em termos de capacidade de trabalho e de progressão na carreira, muito embora não originem perdas de rendimentos imediatos .
III – Na aplicação de critérios de equidade deve visar-se a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei, devendo o julgador ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida .
IV – Quaisquer tabelas financeiras que possam servir para o cálculo do valor indemnizatório não são vinculativas, servindo apenas como critério geral de orientação para a determinação equitativa do dano, ou seja, como auxiliar na determinação da quantificação do dano
Decisão Texto Integral:
10

Apelação 1079/04
(3ª secção)
Relator: Isaías Pádua
Adjuntos:
Dr Cardoso Albuquerque
Dr Garcia Calejo
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Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório
1- BB, com os demais sinais dos autos, começou por instaurar acção declarativa, com forma de processo sumário, contra a CC, pedindo, em consequência dos alegados danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência de um acidente de viação em que se viu envolvido com o condutor do veículo segurado na última e de cuja produção este foi exclusivamente culpado, a condenação da mesma a indemnizá-lo na quantia total de esc. 2.473.018$00, e ainda naquilo que se viesse a liquidar em execução de sentença.
No final veio a ser proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a acção, condenou a aludida ré a indemnizar o autor na quantia de esc. 529.854$00, acrescida dos juros de mora legais vencidos desde a citação da ré e até ao seu integral pagamento, e bem assim ainda na quantia que se viesse a liquidar em execução de sentença, respeitante aos danos referidos no “corpo” daquela peça.
Mais tarde, em 11/10/2001, e por apenso àquela acção, veio o autor intentar a presente execução para liquidação das quantias referidas na decisão ali proferida, sob a forma sumária, contra a CC (hoje DD), acabando por pedir que esta seja condenada a pagar-lhe a pensão mensal vitalícia na quantia de esc. 12.912$00, em 14 meses actualizada anualmente pelo valor de actualização salarial da função pública, bem como ainda o montante de esc. 901.297$00 referente a despesas e juros devidos a contar da citação.

2- Após ter sido citada para o efeito, a executada na sua contestação, para além de ter impugnado alguns dos factos alegados pelo exequente, defendeu-se ainda alegando que na sua liquidação este não respeitou os limites fixados a tal propósito na sentença exequenda.
Pelo que terminou pedindo que a liquidação do pedido exequendo seja feito em conformidade com a prova produzida a propósito e sempre dentro dos limites estipulados na sentença dada à execução.

3- No despacho que então foi proferido afirmou-se, de forma tabelar, a validade e a regularidade da instância, tendo-se, depois, procedido à selecção da matéria de facto, a qual não foi objecto de qualquer censura.

4- Mais tarde e após a instrução do processo – nomeadamente com a realização de um exame pericial ao exequente -, procedeu-se à realização do julgamento – sem a gravação da audiência -, e com a resposta aos pontos da base instrutória a não ser objecto de qualquer reclamação.

5- Seguiu-se depois a prolação da sentença, na qual, e com base nos fundamentos ali aduzidos, se decidiu, além do mais, condenar a CC a indemnizar o autor-exequente na “quantia de Esc: 7.063.705$00/€ 35.233,61 (sete mil e sessenta e três e setecentos e cinco escudos/ trinta e cinco mil e duzentos e trinta e três euros e sessenta e um cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal, a contar da data da citação, absolvendo-se a R. do demais peticionado”.

6- Não se tendo conformado com tal decisão, a ré-executada dela interpôs recurso, o qual foi admitido como apelação.
6-1 Nas suas correspondentes alegações de recurso, juntas a fls. 85/89, aquela apelante concluiu as mesmas nos seguintes termos:
“1- A sentença recorrida é nula, porque condenou em quantidade superior e em objecto diverso do pedido e não se pronunciou sobre o pedido da pensão vitalícia formulado pelo exequente – sem ter especificado os fundamentos dessa omissão.
2- E não respeitou os limites do título executivo – tendo atribuído indemnização por incapacidade profissional ocorrida em Maio de 1997 quando só estavam em questão danos resultantes de incapacidade que o exequente tivesse “enquanto trabalhava na campanha do azeite”, que, confessadamente só durava até fins de Janeiro de 1997.
3- E condenou a recorrente a pagar ao exequente 35.233,61 € quando o pedido do A. na acção declarativa não ultrapassava 9.692,46 € e o da execução, mesmo que se considerassem (indevidamente) pensões pedidas, não chegava a 20.000 €.
4- Por outro lado, na sentença recorrida confundiu-se incapacidade permanente geral ou genérica sem rebate profissional com incapacidade parcial permanente profissional,
5- Tendo-se calculado uma indemnização fundada numa inexistente capacidade profissional de 16%,
6- Dado que o acidente dos autos só gerou ao exequente uma IPP geral sem rebate profissional.
7- A IPP que o acidente gerou ao exequente só poderia fundamentar danos morais ou não patrimoniais, mas os danos morais ou não patrimoniais que o acidente gerou ao exequente foram fixados em sentença declarativa e foram já pagos, não sendo objecto de liquidação neste processo.
8- Consequentemente, a sentença recorrida violou o disposto no artº 668º - d) e e) do CPC – pelo que deve ser declarada nula.
9- Violou também o disposto nos artºs. 562º, 563º e 564º do Cód. Civil.
10- A indemnização dos danos do exequente, nos termos e nos limites do título executivo deve ser só de 590,58 € - correspondentes aos 118.400$00 que o exequente deixou de ganhar do dia do acidente (8.12.96) ao último dia do mês de Janeiro seguinte.”

7- Nas suas contra-alegações, apresentadas a fls. 93/98, o exequente-apelado pugnou pela improcedência total do recurso, com a consequente manutenção do julgado.

8- Corridos que foram os vistos legais, cumpre-nos apreciar e decidir.
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II- Fundamentação de Facto
Da discussão da causa na 1ª instância foram dados como assentes, por provados, (os quais não foram objecto de qualquer impugnação) os seguintes factos:
A) Por sentença datada de 1 de Junho de 1999 nos autos de acção declarativa, sob a forma de processo sumário, aos quais estes estão apensos, foi a ré, ora executada, condenada a indemnizar o autor na quantia de Esc: 529.854$00 e na quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, por relativamente aos danos patrimoniais não ter o autor provado até que data permaneceu com incapacidade geral a contar da data do acidente e por não se ter apurado o grau de incapacidade permanente parcial com que o autor ficou.
B) Nessa sentença deu-se como provada a seguinte factualidade:
“ 1. No dia 08.12.1996 ocorreu um acidente de viação em Belmonte, área desta comarca, no qual foi interveniente o veículo pesado de mercadorias, marca Ford, de cor bege, de matrícula KKK, propriedade de M.T.A., com sede na Guarda.
2. A proprietária do veículo FC mencionada em 1. havia transferido para a R. a sua responsabilidade civil emergente de acidentes de viação com referência a tal veículo, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º 5.455.964, cuja cópia se encontra junta a fls. 39, cujo teor aqui se dá inteiramente por reproduzido.
3. Na data referida em 1. era dia de feira em Belmonte.
4. Em consequência do mencionado acidente o A. ficou com dois dedos cortados.
5. O Hospital Distrital da Covilhã apresentou ao A. o valor de esc. 783.164$00 reportado à assistência ao mesmo prestada.
6. Na data referida em 1. o A. encontrava-se na zona de venda de gado na feira mencionada em 3.
7. O A. dirigiu-se para o veículo em que se transportara propriedade de seu pai, Júlio Pereira dos Santos.
8. Ao chegar junto de tal veículo o A. abriu a porta do lado do condutor, ficando de pé no espaço disponível entre a porta de tal veículo, preparando-se para nele entrar.
9. Tendo colocado a mão esquerda no aro da porta de tal veículo para que este não fosse bater no veículo FC que se encontrava estacionado do lado esquerdo daquele.
10. O espaço entre ambos os referidos veículos era reduzido.
11. A determinada altura sentiu uma forte pressão na parte superior da dita mão esquerda.
12. A qual ficou entalada entre a referida porta e uma corda com nós existente na parte exterior do taipal direito da parte traseira do veículo FC.
13. Ao pôr em movimento o veículo KKK o condutor do mesmo, EEE, iniciou a marcha sem tomar as precauções necessárias ao arranque.
14. E, por efeito da condução em sentido rotativo esquerdo, foi chocar com a mão esquerda do A. e a porta esquerda do veículo onde este a tinha colocado.
15. Em virtude do que sofreu o A. no dedo grande da dita mão um corte de 2/3 e no anelar de 1/3.
16. Foi internado de urgência no Hospital Distrital da Covilhã onde lhe não foi feito tratamento de implante e lhe foram serrados os ossos de tais dedos, pela parte exterior, e cozidos os mesmos.
17. Ficando sem parte de tais dedos.
18. O A. sofreu muitas dores.
19. E actualmente queixa-se de dores em tais dedos.
20. E dificuldades em segurar objectos, dada a perda das últimas falanges do 3.º dedo, perda da falangeta do 4.º dedo, deformação da 1.ª articulação interfalangica do 5.º dedo.
21. O A. ficou com incapacidade geral, desde a data do acidente até data não apurada.
22. O A. ficou com uma incapacidade permanente parcial não se apurando, contudo, qual o grau de incapacidade.
23. Após a alta hospitalar deslocou-se por várias vezes ao Hospital Distrital da Covilhã para consulta, exames médicos e renovação de medicamentos.
24. Na altura dos factos o A. trabalhava num lagar de azeite.
25. Auferindo em tal actividade esc. 400$00/hora.
26. Trabalhando 8 horas diárias à razão de 6 dias por semana.
27. Suportou esc. 19.854$00 a título de despesas médicas e medicamentos.
28. E esc. 10.000$00 em transportes.
29. O veículo aludido em 7., de matrícula DZ-69-70, era conduzido pelo A. por conta e no interesse do respectivo proprietário mencionado.
30. Veículo esse que se encontrava estacionado ao lado do veículo FC num largo de Belmonte.
31. Sendo pequeno o intervalo entre ambos.”
C) O A ficou com uma incapacidade permanente parcial de 16%.
D) A incapacidade geral com que o A ficou deu-se entre 8.12.1996 a 12.12.1996 e 01.04.1997 a 10.04.1997.
E) À data do acidente o exequente tinha 19 anos de idade.
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III- Fundamentação de Direito
1- Delimitação do objecto do recurso.
Como é sabido, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se que se define o objecto e delimita o âmbito dos recursos, isto é, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitados pelas conclusões das alegações dos recorrentes, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. disposições conjugadas dos artºs 664, 684, nº 3, e 690, nºs 1 e 4, todos do CPC, bem ainda, a esse propósito, entre muitos outros, Acs da RC de 5/11/2002; do STJ de 2/10/203; de 27/9/94, de 13/3/91, de 25/6/80, e da RP de 25/11/93, respectivamente, in “ Rec. ver nº 2076/03, 3ª Sec; CJ, Ano XXVII, T5, pág 15”; “CJ, Acs. do STJ, Ano II, T3 – 77”; “Act. Jur. Ano III, nº 17, pag. 3”; “BMJ nº 359-522” e “CJ, Ano XVIII, T5 –232”).
Por outro lado, como resulta do prescrito no nº 2 do artº 660 do CPC, é dever do julgador resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Vem, também, sendo dominantemente entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a derimir (vidé, por todos, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª Sc”, e Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.”).
2- Ora compulsando as conclusões do presente recurso afigura-se-nos que, essencialmente, as questões que importa aqui apreciar e decidir são as seguintes:
a) Saber se a sentença recorrida enferma dos vícios de nulidade previstos nas alíneas d) (por omissão de pronúncia), e e) (por condenação em objecto diverso e quantidade superior do pedido) do nº 1 do artº 668 do CPC?
b) Saber se a liquidação e a fixação, feita a final, do “quantum” indemnizatório relativamente aos danos sofridos pelo autor (ora exequente) - cuja liquidação na acção declarativa ora executada se relegou para execução de sentença – se mostram correctamente efectuadas ou ajustadas?

2.1 Apreciemos então tais questões, começando pela primeira, se bem que, no caso em apreço, elas estejam, de certo modo, relacionadas entre si (e por isso elas sejam tratadas, pelo menos quanto a alguns dos seus aspectos, de forma comum ou conjunta).
Como resulta do atrás expresso, nesta acção discute-se tão somente a fixação do “quantum” indemnizatório relativamente a alguns dos danos sofridos pelo autor-ora exequente no acidente de viação supra aludido, que a ré-ora executada foi igualmente condenada a indemnizar aquele na sentença proferida no respectivo processo declarativo, mas que por falta de elementos bastantes parta o efeito se relegou a sua liquidação para execução de sentença.
E quais são esses danos?
Compulsando o corpo da aludida sentença declarativa, ora dada à execução – já que tal não ficou exarado na sua parte final decisória -, verifica-se que no 4º parágrafo de fls. 11 da mesma, e que corresponde actualmente a fls. 94 dos autos, se deixou exarado o seguinte “quanto aos danos resultantes do que o A. deixou de auferir enquanto trabalhava na campanha do azeite, não logrou o mesmo fazer prova até que data permaneceu com incapacidade geral a contar da data do acidente. Por outro lado e como apenas se provou que o A. ficou com uma incapacidade permanente parcial não se apurando, contudo, qual o grau de incapacidade, o Tribunal não poderá condenar o R. em qualquer quantia indemnizatória, neste momento, por falta de elementos, em relação aos restantes danos, relegando para liquidação em execução de sentença, atento o disposto no nº 2 do artigo 661.º do C. Civil.”
Ora resulta de tal sentença que os aludidos danos aqui em causa são, numa primeira análise, apenas os relacionados com os lucros cessantes e os danos futuros, e mais concretamente aos lucros que ora exequente deixou de auferir enquanto esteve incapacitado totalmente, nomeadamente para o trabalho, e bem assim aqueles prejuízos ou danos futuros resultantes da incapacidade permanente parcial (doravante designada por IPP) com que ficou definitivamente afectado em consequência das lesões sofridas por via do referido acidente.
Calcorreando o requerimento inicial da execução verifica-se, desde logo, que, com base nos factos e cálculos por si aí alegados e efectuados, no que concerne aos segundos danos (resultantes da referida IPP), o exequente avaliou os mesmos no montante de esc. 8.315.328$00 ou então numa renda mensal vitalícia no montante de esc. 12.912$00, pela qual declarou, desde logo optar, enquanto que no que concenrne aos outros danos avaliou os mesmos na quantia total de esc. 901.297$00. E nesses termos acabou de pedir, em termos de liquidação, que a executada seja condenada a pagar-lhe a pensão mensal vitalícia na quantia de esc. 12.912$00, em 14 meses actualizada anualmente pelo valor de actualização salarial da função pública, bem como ainda o montante de esc. 901.297$00 referente a despesas e juros devidos a contar da citação.
A srª juíza do tribunal a quo na sua sentença final, e como resulta do atrás já exarado, no que concerne aos danos resultantes da IPP fixou ao exequente-apelado uma indemnização no montante de esc. 7.018.905$00 e quanto aos segundos danos, atrás referidos, uma indemnização no montante de esc. 44.800$00.
Só que no que concerne à indemnização quanto àqueles danos resultantes da IPP, a srª juíza limitou-se a fixar o seu montante em capital, em vez de a fixar sob a forma de renda, tal como o havia pedido o exequente, e sem que tivesse sequer justificado tal opção.
Ora é precisamente contra tal opção, e contra a omissão da sua justificação (em termos de facto e de direito) que reage, no presente recurso, a ora apelante, invocando, desde logo, a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia e por condenação em objecto diverso do pedido.
No caso e quanto a essas questões afigura-se-nos que tais nulidades, a existirem, se devem considerar sanadas, carecendo o apelante de legitimidade para as invocar e pelo seguinte: é que, por um lado, a parte (neste caso o exequente, já que foi ele que formulou o pedido de indemnização em forma de renda) que porventura se poderia considerar prejudicada com elas conformou-se com o decidido, e a tal ponto que nas suas contra-alegações pugna pela manutenção do julgado, e, por outro lado, é a própria apelante que se insurge quanto o à formulação de tal indemnização sob a forma de renda, defendendo não ser admissível, por falta de fundamentos legais, no caso (cfr. nº 4 das suas alegações).
2-1.1 Porém, no caso de assim não se entender, sempre a solução final, em temos práticos, seria idêntica e pelo seguinte:
Começemos pelas alegadas nulidades decorrentes da condenação em quantidade superior e em objecto diverso do pedido.
Como é sabido, e como resulta do princípio inserto no artº 661, nº 1, do CPC, não é permitido condenar-se em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir, sendo nula a sentença que viole tal comando (artº 668, nº 1 al. e) do CPC).
Por sua vez, estatui o nº 2 do citado artº 661 que “se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo da condenação imediata na parte que já seja líquida”.
Constitui hoje entendimento praticamente pacífico que para avaliar se a condenação ultrapassa ou não o montante pedido deve atender-se ao montante global que a parte pediu e não apenas aos valores ou montantes parcelares pedidos relacionados com cada dano (cfr., por todos, Ac. do STJ de 28/2/1980, in “BMJ 294 – 283”; Ac. do STJ de 11/6/1980 in “BMJ 298 – 2362”; Ac. do STJ de 15/6/89, in “AJ, O/89, pág. 13” e Ac. do STJ de 15/6/93 in “BMJ 428 – 530”).
Como logo no início se deixou exarado, na acção declarativa inicialmente instaurada pelo ora exequente-apelado contra a executada-apelante aquele, em consequência dos alegados danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência do acidente de viação já referido, pediu que a última fosse condenada a indemnizá-lo na quantia total de esc. 2.473.018$00, e ainda naquilo que se viesse a liquidar em execução de sentença.
No final veio a ser proferida sentença que, julgando parcialmente a acção, condenou a aludida ré a indemnizar o autor condenada na quantia de esc. 529.854$00, acrescida dos juros de mora legais vencidos desde a citação da ré e até ao seu integral pagamento, e bem assim ainda na quantia que se viesse a liquidar em execução de sentença, respeitante aos danos atrás já referidos.
Na presente execução para liquidação das quantias referidas naquela sentença, o exequente avaliou os mesmos no montante de esc. 8.315.328$00 ou então numa renda mensal vitalícia no montante de esc. 12.912$00 pela qual declarou, desde logo optar (cfr artºs 18 e 19 do rqto inicial), enquanto que no que concerne aos outros danos avaliou os mesmos na quantia total de esc. 901.297$00. E nesses termos acabou de pedir, em termos de liquidação, que a executada seja condenada a pagar-lhe a pensão mensal vitalícia na quantia de esc. 12.912$00, em 14 meses actualizada anualmente pelo valor de actualização salarial da função pública, bem como ainda o montante de esc. 901.297$00 referente a despesas e juros devidos a contar da citação.
A srª juíza do tribunal a quo na sua sentença, e como resulta do atrás já exarado, no que concerne aos danos resultantes da IPP fixou ao exequente-apelado uma indemnização no montante de esc. 7.018.905$00 e quanto aos segundos danos, atrás referidos, uma indemnização no montante de esc. 44.800$00, pelo que, a final, condenou a ora apelante a indemnizar o apelado na quantia total de esc. 7. 063.705$00/€ 35.233,61, acrescida dos juros, à taxa legal, desde a sua a citação.
Posto isto, e salvo o devido respeito, não vislumbramos onde é que a sentença condenou em quantidade superior ao pedido, já que o montante final em que a apelante foi condenada fica aquém daquele que inicialmente foi pedido (em termos globais) pelo ora apelado.
E nesses termos, não se verificando tal nulidade, terá, nessa parte, de improceder o recurso.
2-1.2 E será que pelo facto de a sentença ter condenado a apelante a indemnizar o apelado sob a forma de capital fixo, em vez de uma renda mensal vitalícia, tal como o mesmo havia pedido (somente em execução de liquidação de sentença, e apenas no que concerne aos danos decorrentes das IPP), tal importa a sua nulidade por condenação em objecto diverso do pedido?
Afigura-se-nos claramente que não, e pelo seguinte:
A presente acção visava, na sequência do que a tal propósito havia sido decidido por sentença proferida em acção declarativa, fixar, essencialmente, o “quantum” indemnizatório no que concerne aos danos atrás referidos sofridos pelo ora apelado.
E esse “quantum” indemnizatório foi encontrado. Logo sendo esse o desiderato principal da acção, saber como tal montante indemnizatório deve ir parar “às mãos” do ora apelado, se em forma em capital (como foi fixado na sentença recorrida) ou sob a forma de renda (tal como inicialmente havia pedido o apelado, e apenas, repetimos, no que concerne aos danos decorrentes da IPP), tem mais a ver com a forma ou modalidade do seu pagamento, e menos com o objecto do pedido propriamente dito.
Todavia, e mesmo que assim não se considere, e como a seguir melhor iremos ver, tal pedido ou opção feita pelo ora apelado no sentido de o montante indemnizatório ser pago sob a forma de renda não é vinculativo para o tribunal, tal como resulta do estatuído no artº 567, nº 1, do C. Civil. Ou seja, como resulta de tal normativo, feito tal pedido de pagamento na modalidade de renda, caberá ao juíz, perante o caso concreto e as circunstâncias a ele inerentes, optar ou não por tal modalidade, isto é, se a indemnização deve ser atribuída sob a forma de capital (como constitui a regra do nosso ordenamento jurídico) ou sob a forma de renda (modalidade excepção de pagamento das indemnizações).
Logo tendo a srª juíza do tribunal a quo fixado a indemnização em capital, ter-se-á de concluir que não violou o disposto no artº 661, nº 1, do CPC, ou seja, que não condenou em objecto diverso do pedido, e como tal não cometeu a nulidade prevista na al. e) – 2ª parte – do nº 1 do artº 668 do CPC, pelo que, quanto a essa parte, também terá de improceder o recurso (vidé, a propósito e neste sentido, Ac. da RE de 15/12/94, sumariado no BMJ 442 – 274).
2-1.3 E como enquadrar juridicamente a conduta da srª juíza do tribunal a quo ao ter optado pela fixação da indemnização em capital em vez de sob a forma renda, tal como havia, nesta acção, pedido o exequente-apelado?
Vejamos.
Sabe-se que renda vitalícia tanto pode ter a sua fonte num contrato típico, regulado no artº 1238 do CC, como num testamento, sendo que em matéria de responsabilidade civil tal reside numa sentença (como aconteceu no caso em apreço) ou numa transacção o seu título constitutivo (cfr. profs. Pires de Lima e A. Varela in “Código Civil Anotado, vol. 2º, , pág. 597”).
Preceitua o citado artº 567, nº 1, do CC que “atendendo à natureza continuada dos danos, pode o tribunal, a requerimento do lesado, dar à indemnização, no todo ou em parte, a forma de renda vitalícia ou temporária, determinando as providências necessárias para garantir o seu pagamento”.(sublinhado nosso)
Tal normativo, ao permitir o pagamento das indemnizações, no todo ou em parte, nos circunstâncialismos nele descritos, sob a forma de renda, vitalícia ou temporária, representa uma excepção ao princípio nominalista consagrado no nosso ordenamento jurídico. É que uma vez fixado o valor global dos prejuízos, a dívida de indemnização reveste, como regra, o carácter de uma obrigação momentânea, a satisfazer imediatamente no seu todo. Porém, se o lesado assim o requerer poderá o tribunal, atenta a natureza continuada dos danos (e as demais circunstâncias ocorrentes) atribuir à referida dívida a índole de obrigação periódica, consistente numa renda a pagar. Renda essa que será vitalícia ou temporária, dependendo da duração previsível do dano a opção por uma ou outra dessas modalidades (vidé, a propósito, o prof. A. Varela in “Das Obrigações em Geral, Vol. I, 4ª Ed. Almedina, pág. 764”, o prof. Inocêncio Galvão Telles, in “Direito das Obrigações em Geral, 4ª ed., Coimbra Editora, pág. 313e o prof. Vaz Serra in “RLJ 105 – 153 e 112 – 330, e BMJ 84 – 152/153”).
E nessa medida a nossa lei civil veio, assim, alinhar ao lado das legislações mais evoluídas.
Com tal possibilidade visa-se, desse modo, atender àqueles situações em que o lesado, devido ao carácter permanente ou continuado dos danos que sofreu ficou numa difícil situação económica, motivada fundamentalmente por ter havido uma diminuição permanente das suas possibilidades de trabalho ou um aumento, também permanente, das suas necessidades, em consequência de tal lesão (cfr. profs. Pires de Lima e A. Varela in “Código Civil Anotado, vol. 1º, 3ª ed., Coimbra editora, pág. 554, nota 1”). A esse propósito escreveu ainda Dário Martins de Almeida (in “Manual de Acidentes de Viação, Livraria Almedina, 2ª ed., pags. 134/135”) “ podem ser várias as razões que estão na base deste processo, mas o especial condicionalismo imposto pela lesão é que há-de fornecer ou ditar ao julgador a maior ou menor conveniência na escolha da solução a adoptar. A lei conferiu assim ao juíz a faculdade de emprestar à indemnização, no todo ou em parte, esta ou outra forma. Não se dirá, todavia, que reside aqui um mero poder discricionário, na dependência do arbítrio de quem escolhe. Trata-se de um poder de algum modo condicionado pelas imperiosas razões do caso concreto; e se não é propriamente um poder dever, é de certo um poder-conveniência. Entre as diferentes razões, são mesmo atendíveis aquelas que provenham de especiais interesses de carácter pessoal do lesado (as suas conveniências práticas, porventura ponderosas)”.
Posto isto, e dado que o caso em apreço era susceptível de se enquadrar na previsão do acima citado artº 567 do CC, a srª juíza do tribunal a quo ao ter optado pela fixação da indemnização em capital, e não na modalidade de renda vitalícia mensal (no que concerne aos danos decorrentes da IPP), tal como havia requerido o exequente-apelado, deveria ter fundamentado a razão dessa opção. Na verdade, e pelo que acima se deixou expresso, o facto de o exequente ter formulado, no que concerne a tais danos, o pedido de que a indemnização fosse fixada sob a forma de renda mensal vitalícia, tal não é vinculativo para o tribunal. O juiz tem a faculdade ou poder de optar ou não por tal modalidade de indemnização. Todavia, esse poder não é discricionário, devendo antes qualquer decisão, no sentido de uma outra opção, ser fundamentada, e sempre perante as circunstâncias do caso concreto. Dever de fundamentação que, aliás, seria também imposto pelo próprio artigo 153 do CPC.
Ora não tendo a srª juíza fundamentado a razão pela qual fez a aludida opção, em detrimento daquela outra que lhe havia sido pedida pelo exequente, a sentença estaria ferida do vício de nulidade (artº 668, nº 1 al. d) - 1ª parte – do CPC) - note-se que estamos apenas a configurar a hipótese de tal nulidade não se dever considerar, pelas razões acima expostas, sanada, por trânsito em julgado, quanto a essa questão, da dita sentença.
Todavia, e nessa perspectiva, e por força do estatuído no artº 715, nº 1, do CPC, tal não obstaria que continuássemos a apreciar o objecto da apelação.
E nessa medida, desde já avançamos que faríamos também a opção pela fixação da indemnização, no que concerne aos danos decorrentes da IPP, na modalidade de capital, e pelo seguinte:
É que o exequente limitou-se a pedir a fixação da indemnização na modalidade de renda vitalícia, sem que tenha justificado minimamente, através da alegação dos correspondentes factos, tal opção.
Ora constituindo tal modalidade uma excepção ao principio nominalista, que constitui o regime regra no nosso ordenamento jurídico, não basta, como acima se viu, que exequente-lesado seja portador de um dano continuado ou permanente, traduzido, no caso, de uma IPP de 16%, para que se faça opção por aquela modalidade. Para que isso sucedesse teria, no caso, tal pedido de ser acompanhado de outras especiais razões ponderosas que aconselhassem a tal. Ora tais razões para além de não terem sido alegadas, também não resultam provadas, e nomeadamente que de tal lesão resulte uma acentuada perda de rendimento do exequente ou acentuada diminuição da sua capacidade aquisitiva ou então ainda aumento das suas necessidades normais.
E sendo assim, não existem razões objectivas suficientemente fortes para se fugir ao regime regra estipulado para a forma ou modalidade de fixação ou pagamento das indemnizações, pelo que teremos de concluir que se mostra correcta a opção que foi tomada pela srª juíza do tribunal a quo no sentido da sua fixação em capital (a qual só pecou, como vimos, por não ter fundamentado previamente a razão dessa opção).

2-2 Apreciemos agora aquela última questão.
Saber se a liquidação e a fixação do “quantum” indemnizatório relativamente aos danos sofridos pelo autor (ora exequente) - cuja liquidação na acção declarativa ora executada se relegou para execução de sentença – se mostram correctamente efectuadas ou ajustadas.
Como é sabido, constituindo a acima referida sentença declarativa o título executivo que se visa executar, os fins e limites da liquidação devem estar em sintonia com tal sentença ou título.
Como atrás se deixou expresso os danos que aqui estão em causa são, numa primeira análise, apenas os relacionados com os lucros cessantes e os danos futuros, e mais concretamente os lucros que o ora exequente deixou de auferir enquanto esteve incapacitado totalmente, nomeadamente para o trabalho, e bem assim aqueles prejuízos ou danos futuros resultantes da IPP com que ficou definitivamente afectado em consequência das lesões sofridas por via do referido acidente.
2-2.1. Comecemos por apreciar aqueles primeiros danos (relacionados com a sua incapacidade total).
A esse propósito foram dados como assentes os seguintes factos:
- A incapacidade geral com que o A ficou deu-se entre 8.12.1996 a 12.12.1996 e 01.04.1997 a 10.04.1997 (al. D) do ponto II)
- Na altura dos factos o A. trabalhava num lagar de azeite. (nº 24 da al. A) do ponto II)
- Auferindo em tal actividade esc. 400$00/hora. (nº 25 da al. A) do ponto II)
- Trabalhando 8 horas diárias à razão de 6 dias por semana. (nº 26 da al. A) do ponto II)
Resulta, desde logo, de tais factos que, em consequência das lesões sofridas com o dito acidente, o exequente esteve incapacitado totalmente, nomeadamente para o trabalho, durante 14 dias.
Porém, como resulta da sentença recorrida os danos patrimoniais aqui a liquidar são apenas aqueles relacionados com aquilo que o ora exequente deixou de auferir enquanto trabalhava na campanha do azeite.
Daquela matéria fáctica resulta que na altura dos factos, ou seja, na altura em que ocorreu o acidente, o exequente trabalhava num lagar de azeite.
Fica-se sem saber durante quanto tempo durava a aludida campanha do azeite.
Porém, tratando-se de uma actividade sazonal que decorre num período bastante limitado no tempo do ano, constitui, podemos dizê-lo, um facto notório (cfr. artº 514 do CPC) que tal campanha não poderia estender-se durante o mês de Abril (de 1997), período esse em que ocorreu a 2ª fase de incapacidade geral do exequente. Aliás, tal é reforçado pelo próprio exequente quando no artº 25 da sua pi da respectiva declarativa, havia contabilizado em 50 dias tal campanha.
Ora constituindo a sentença declarativa o título executivo que se visa executar, e devendo os fins e limites da liquidação estar em sintonia com ela, face a tais factos para efeitos de indemnização do exequente apenas se deve, no que concerne a tais danos, tomar aqui em consideração o período ocorrido entre 8.12.1996 a 12.12.1996, ou seja, o período de 4 dias (em vez dos 14 fixados na sentença).
Logo auferindo o exequente nessa altura, em tal actividade, esc. 400$00/hora, e trabalhando 8 horas diárias, à razão de 6 dias por semana, termos de concluir que o mesmo neste período deixou de auferir a quantia de esc. 12.800$00 (esc. Esc. 400$00 x 8h x 4d).
Logo, e nessa parte, julga-se procedente o recurso, revogando-se, nessa medida, a sentença recorrida.

2-2.2 Apreciemos. por fim, a fixação do “quantum” indemnizatório relacionados com os danos futuros sofridos pelo exequente decorrentes da IPP com que ficou em consequência das lesões que lhe advieram por causa do aludido acidente.
Da matéria factual dada como assente resulta que o exequente ficou com uma incapacidade permanente parcial de 16%. (cfr. al. C) do ponto II).
Teçamos, antes de mais, algumas considerações teóricas sobre tal dano e o modo de o avaliar.
A indemnização pela perda ou diminuição da capacidade aquisitiva da capacidade deve ser calculada em atenção ao tempo provável de vida da vítima e esperança média de vida, de forma a representar um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e actual até final desse período.
E, nos casos em que o lesado não exerce qualquer actividade profissional remunerada ou exercendo-a não houve perda de salário ou de rendimento, tanto a doutrina como a jurisprudência perfilham hoje o entendimento claramente dominante no sentido da ressarcibilidade do dano. (vidé, entre outros, o prof. Vaz Serra in “RLJ, ano 102 – 296”; o prof. A. Varela in “Obrigações, Vol. I, pág. 910”; Ac. do STJ de 5/2/87, in “BMJ 364 – 819”; Ac. do STJ de 17/5/94, in “CJ, Acs. do STJ, Ano II, T2 – 101” e Ac. da RC de 4/4/95, in “CJ Ano XX, T2 – 20”).
Aliás, a esse propósito, e no mesmo sentido, defendeu-se no recente acordão do STJ de 8/01/2004 (in “Rec. Rev. nº 4083/03”) que a incapacidade parcial permanente constitui fonte de um dano futuro de natureza patrimonial, traduzido na potencial e muito previsível frustração de ganhos, na mesma proporção do handicap físico ou psíquico, independentemente da prova de prejuízos imediatos nos rendimentos do trabalho da vítima. Sendo assim, de valorar e indemnizar tal dano (patrimonial), no caso das lesões sofridas pela vítima deixarem sequelas permanentes, susceptíveis de se poderem reflectir negativamente no futuro, em termos de capacidade de trabalho e de progressão na carreira, muito embora não originem, em termos imediatos, perdas de rendimentos.
No mesmo sentido foi também o ainda recente o acordão do STJ de 2/10/2003 (in “Rec. Rev. nº 1976/03, 2ª Sec.”) ao defender que a indemnização por danos futuros, decorrentes da incapacidade permanente, deve ser avaliada como dano patrimonial e corresponder a um capital produtivo de rendimento, que a vitima não irá auferir, devendo tal dano ser indemnizável mesmo que não tenha havido real diminuição da sua capacidade de ganho.
Para tanto, com vista a proceder ao cálculo desse dano e numa tarefa que não se afigura nada fácil como se irá ver, há que lançar mão das normas constantes dos artºs 564 e 563, nº 3, do CC, de donde se retira a legitimação do recurso à equidade (cfr. artº 4 desse mesmo diploma) e a desvinculação relativamente a puros critérios de legalidade estrita.
Nessa medida, o direito equitativo não se compadece com uma construção apriorística, emergindo, porém, do “facto concreto”, como elemento da própria compreensão do direito, rectius, um direito de resultado, em que releva a força criativa da jurisprudência, verdadeira law in action, com o imprescindível recurso ao “pensamento tópico” que irá presidir à solução dos concretos problemas da vida (Claus Canaris in “O Pensamento Sistemático e o Conceito de Sistema na Ciência do Direito”).
A equidade deve ser a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei, devendo, o julgador ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida (cfr., entre outros, Ac. do STJ de 10/12/98, in “CJ, Acs. do STJ, Ano VI, T1 – 65” e os profs. Pires de Lima e A. Varela in “Código Civil anotado, Vol. I, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 474”).
Têm sido vários os critérios utilizados para o cálculo da indemnização, desde o recurso a fórmulas usadas para as pensões por acidentes de trabalho ou no cálculo do capital de remissão; regras técnicas do direito do trabalho; recurso a tabelas financeiras; fórmula de cálculo aplicável ao usufruto ou formulas matemáticas adoptadas, nomeadamente, nos acordãos do STJ de 4/3/93, in “CJ, Acs. do STJ, Ano I, T1 – 128”; de 5/5/94 in “CJ, Acs. do STJ, Ano II, T2 – 86”; Ac. RC de 4/5/95, in “CJ, ano XX, T2 – 232”).
Todavia, quaisquer tabelas financeiras para o cálculo indemnizatório não são vinculativas, servindo apenas, quando muito, como critério geral de orientação para a determinação equitativa do dano, ou seja, como auxiliar na determinação da quantificação do dano (vidé, por ex., Ac. do STJ de 8/3/79, com anotação favorável do prof. Vaz Serra in “RLJ ano 112 – 263”, Ac. do STJ de 4/2/93, in “CJ, Acs. do STJ, Ano II, T1 – 129”; Ac. do STJ de 5/5/94, in “CJ, Acs. do STJ, Ano II, T2 –86”; Ac. do STJ de 28/5/95, in “CJ, Acs. do STJ, Ano III, T3 – 36”; Ac. do STJ de 15/82/93, in “CJ, Acs. do STJ, Ano VI, T3 – 155”, e ainda os acordãos desta Relação e secção de 4/1/2003 e de 10/2/2004, respectivamente, in “rec. de Apelação nº 300/03” e “rec. Apelação nº 4061/03”, nos quais interviemos como adjunto, e onde se abordam exaustivamente estas questões e bem assim aquelas a seguir focadas, e cujo pensamento seguimos de perto ).
Por isso, é de afastar a utilização pura e simples de critérios mais positivistas, assentes em equações de complexidade variável, como determinadas fórmulas matemáticas utilizadas em certos arestos (cfr. por ex., Ac. do STJ de 4/2/93, in “CJ, Acs. do STJ, Ano II, T1 – 129” e Ac. do STJ de 6/7/2000, in “CJ, Acs. do STJ, Ano X, T2 – 11”), e que se encontram criticamente comentados no estudo do Cons. Sousa Dinis “Dano Corporal em Acidente de Viação”, publicado na CJ, Acs. do STJ, Ano IX, T1, págs. 6 e ss”).
Sem embargo da utilização de critérios pautados por um maior grau de o objectividade, a solução baseada na equidade postula uma razoável ponderação dos elementos estruturais que emergem do quadro fáctico, sendo que o uso paralelo da aritmética apenas poderá servir, como atrás já se referiu, como factor adjuvante e auxiliar do percurso decisório.
Assinale-se que, ao contrário de alguns países, não se instituiu ainda em Portugal um sistema semelhante à “baremación”, vigente na vizinha Espanha com a Ley nº 30/1995 de 89/11, vinculativo para os tribunais, e, ainda que sem pendor vinculativo, semelhante ao modelo assente em “barèmes” foi também implantado em França, integrado numa Convenção destinada a regularizar os sinistros de circulação rodoviária, adoptada depois da publicação da Loi nº 85-677 de 5/7/1985, apelidada de “Loi de Badinter””.
Neste contexto, tendo por base os princípios gerais expostos e os elementos factuais disponíveis, para a determinação equitativa do dano patrimonial futuro do lesado, devem ser tomados, designadamente, os seguintes elementos referenciais:
- O período provável de vida activa, bem como a esperança média de vida, que, segundo as estatísticas, no nosso país se situa em 71,40 anos para os homens e 78,65 anos para as mulheres.
A esse propósito, e como tem vindo a salientar a jurisprudência do nosso mais alto tribunal, finda a vida activa do lesado por incapacidade permanente, não é razoável ficcionar que a vida física desaparece nesse momento ou com ela todas as necessidades, é que atingida a idade da reforma, isso não significa que a pessoa não continue a trabalhar ou simplesmente a viver ainda por muitos anos, como aliás decorre das regras da experiência comum de vida (cfr., entre outros, Ac. do STJ de 28/9/95, inCJ, Acs, do STJ, Ano III, T3 – 36”; Ac. do STJ de 16/3/99, in “CJ, Acs. do STJ, Ano VII, T1 – 167”; Ac. do STJ de 25/7/2002, in “CJ, Acs do STJ, Ano X, T2 – 128”; e Acs. da RC de 5/3/2002 e de 22/5/2002 in “www dgsi. pt/jtrc”).
Por outro lado, ainda que não haja lugar a perda de retribuição, o que está em causa é não só o maior esforço despendido na actividade laboral, enquanto trabalhador, mas também a actividade do lesado como pessoa, afectado por uma incapacidade fisiológica significativa, ou seja, a sua incapacidade funcional.
Muito embora as regras gerais do processo indemnizatório, designadamente a “teoria da diferença”, se ajustem melhor à diminuição da capacidade de ganho, o certo é que a incapacidade funcional ou “dano fisiológico”, numa perspectiva sistemática da teoria geral da indemnização, implica a ressarcibilidade, enquanto dano patrimonial futuro (vidé, Álvaro Dias, in “Dano Corporal – Quadro Epistemilógico e Aspectos Ressarcitórios, Coimbra – Almedina, 2001, págs. 255/2652”).
Por conseguinte, mantendo-se este dano fisiológico para além da vida activa, é razoável que, num juízo de equidade sobre o dano patrimonial futuro, se apele à esperança média de vida.
- A evolução profissional e os reflexos a nível remuneratório, quer se trabalhe por conta própria ou de outrem, ou até em simultâneo.
- A taxa de inflação nas próximas décadas e a taxa de rentabilidade do capital, baseadas num juízo de previsibilidade.
Quanto às taxas de capitalização, devem corresponder à previsível remuneração do dinheiro no período a considerar, tendo a jurisprudência oscilado desde 9% a 3% (cfr. acs. do STJ de 4/3/93, in “CJ, Acs. do STJ, Ano I, T1 – 128”; de 5/5/94 in “CJ, Acs. do STJ, Ano II, T2 – 86”; de 16/3/99, in “CJ, Acs. do STJ, Ano VII, T1 – 167”), afigurando-se, actualmente, mais curial trabalhar-se com uma taxa à volta dos 3% , tendo em conta as praticadas no mercado financeiro (taxas de remuneração dos depósitos a prazo ou as dos certificados de aforo).
A percentagem de IPP que, como resulta do que supra ficou exarado, pode traduzir-se em incapacidade total no ofício, sem possibilidade de reconversão, ou ser possível com ou sem diminuição salarial, ou corresponder sensivelmente igual percentagem na capacidade de ganho.
Postas estas considerações de cariz teórico-técnico, e aplicando as mesmas ao caso em apreço, numa tarefa que, pelo que atrás se deixou expresso, não se revela nada fácil, procedamos então ao cálculo do dano sofrido pelo exequente-apelado resultante da IPP (de 16%) com que ficou afectado em consequência das lesões causadas pelo dito acidente.
Auferindo na altura do acidente uma remuneração mensal de esc. 76.800$00 (resultante de 8h diárias de trabalho X 400$00 da remuneração por hora = esc. 3200$00 por dia X 24 dias de trabalho por mês), é a ela que se atenderá, como base de cálculo de tal indemnização (cfr., a propósito, Ac. do STJ de 2/10/2003 “in “Rec. Rev. nº 1976/03, 2ª Sec.”).
Antes de prosseguimos, diremos que não concordamos com a conclusão feita na sentença recorrida, a propósito do cálculo da indemnização por tal dano, no sentido de que o facto de o lesado ter uma IPP de 16% tal significa que “só pode trabalhar agora 16% do que trabalhava antes”. Conclusão essa que só pode entender-se por manifesto lapso, pois que, num raciocínio simples, tal levava precisamente a uma conclusão contrária, ou seja, de que o lesado passou a só poder trabalhar 84% dos 100% que trabalhava antes, em consequência de tal grau de incapacidade de que ficou afectado.
Assim, considerando que o exequente tinha 19 anos de idade (quer à data do acidente quer ainda à data da cessação da ITA, pois nasceu em 16/4/77) que a esperança média de vida se prolonga até aos 71 anos de idade, o que para o lesado se traduz em 52 anos, que o rendimento anual era de esc. 1.075.200$00 (esc. 76.800$00 x 14 - englobando-se aqui os meses correspondentes ao subsídio de Natal e de férias), que a sua IPP é de 16%, reflectida no seu trabalho, conclui-se que respectiva perda de rendimentos ao fim de dos 52 anos que o exequente tem de esperança de vida importa no valor de total de esc. 8.945.664$00.
Porém, esta importância, não é vinculativa, pois sempre terá de sofrer um ajustamento - já que o lesado vai receber de uma só vez aquilo que, em princípio, deveria receber em fracções anuais ao longo de 52 anos, havendo, assim, uma antecipação de capital - para se evitar, assim, uma situação de injustificado enriquecimento à custa alheia.
Por outro lado, haverá que ter ainda em conta outros factores que, sendo projectados no futuro, não é possível quantificar, tais como, por ex., a evolução profissional, a inflação ou a variabilidade das taxas de capitalização.
Assim, sopesando todos os factos e circunstâncias atrás descritas, afigura-se-nos ajustado fixar equitativamente o dano patrimonial futuro sofrido pelo exequente, em consequência da IPP de que ficou afectado, no montante de esc. 7.000.000$00.
Assim, adicionando a tal quantia aquela outra acima fixada de esc. 12.800$00 (decorrente dos ganhos que deixou de auferir com a ITA – incapacidade geral), temos que o exequente terá direito a receber ainda da executada-apelante o total esc. 7.012.800$00, o que corresponde a € 34979, 7.
Sobre esse montante acrescerão ainda juros de mora, às taxas legais em vigor, tal como foi fixado na sentença recorrida, dado que nessa parte a mesma não foi objecto de recurso, tendo, assim, quanto ela transitado em julgado.
Pelo que nestes termos se decide julgar o recurso apenas parcialmente procedente, alterando-se a sentença recorrida nos exactos termos acabados de referir.
***
III- Decisão
Assim, em face do exposto, acorda-se em conceder apenas parcial provimento ao recurso (de apelação), condenando-se a apelante a CC (hoje DD), a pagar ao apelado, BB, a quantia de € 34979,7(trinta e quatro mil novecentos e setenta e nove euros e setenta cêntimos), acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação da última e até ao seu integral pagamento.
Custas (da acção e do recurso) pela apelante e pelo apelado, na proporção dos respectivos decaímentos (muito embora quanto ao último se deva ter em consideração que o mesmo goza, até ao momento, do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa total do pagamento de custas).


Coimbra, 04/05/2004