Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
918/2002.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARDOSO DE ALBUQUERQUE
Descritores: INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
PROCESSO
EXECUÇÃO
Data do Acordão: 07/03/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU – 3º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 286º, 289º E 291º CPC
Sumário: I – A interrupção da instância tem como única causa a inércia ou a inactividade das partes na lide (paragem do processo por mais de um ano, por negligência das partes em promover os seus termos ou de algum incidente de que dependa o seu andamento) – artº 289º CPC.

II – A interrupção da instância depende sempre de despacho do juiz que a decrete, como sustenta a jurisprudência maioritária.

III – Decretada a interrupção, as partes podem a todo o momento fazer seguir o processo, particularmente a parte que tenha o ónus do impulso processual.

IV – Assim não acontecendo, determina a lei que a interrupção se transforme em deserção, logo que decorridos dois anos desde o despacho que declarou interrompida a instância, o que é uma causa própria de extinção da instância – artºs 287º, al. c), e 291º, nº 1, do CPC.

V – A interrupção da instância apenas cessa se, e antes de decorrido o prazo de dois anos, o autor requerer algum acto de processo ou do incidente de que dependa o andamento dele – artº 286º CPC.

VI – Não interferindo o curso dos embargos de executado, desde que recebidos, com a execução (fora o caso de suspensão legal), isto significa que o exequente terá de fazer prosseguir a execução, apenas ficando sujeito a não receber o produto da venda dos bens penhorados sem prestar caução, nos termos do artº 819ºCPC.

Decisão Texto Integral: Acordam na Relação de Coimbra:

I – No 3º Juízo Cível de Viseu e no âmbito de uma execução ordinária para pagamento de quantia certa, iniciada em 2002 por “A... ” contra B... e por este embargada na totalidade ainda que sem a prestação de caução, foi a dado passo e devido à paragem dos autos por inércia da exequente em promover o registo dos imóveis penhorados e depois de remessa oficiosa à conta, declarada interrompida a instância, por despacho proferido a 12/05/2004.
Este despacho foi devidamente notificado às partes que dele não recorreram.
Sem mais actos praticados na execução, não obstante o prosseguimento dos embargos, requereu o executado no apenso e em 19/06/2006 que fosse declarada deserta a instância naquele processo e em consequência remetidos os autos de embargos à conta por inutilidade superveniente.
A exequente opôs-se referindo que a economia processual não recomendava que se praticassem actos inúteis na execução até serem julgados os embargos, pois mesmo que tivessem sido vendidos os bens penhorados estava ela impedida de receber o produto da venda até serem decididos os embargos.
Decidiu, contudo, a Mma Juíza que tal não era impeditivo da deserção da instância que declarou, isso não sem antes a exequente ter esclarecido, a seu convite que já notificara o executado para indicar o nome do cônjuge pela dificuldade em obter o registo da penhora dos imóveis.
A Senhora Juíza mandou, no entanto, desentranhar o requerimento respectivo por a aludida notificação ter sido feita depois de esgotado o prazo de dois anos a que alude o artº 291º do CPC.
Irresignada a exequente/embargada interpôs recurso que qualificou de apelação e que foi e bem, recebido como agravo, tendo depois alegado para concluir nos termos seguintes :
1) O douto despacho deve ser revogado.
2) A acção executiva não se interrompeu pois os embargos continuaram a sua marcha normal.
3) É a sorte dos embargos que determina a sorte da execução e dos seus actos e a possibilidade do apelante receber o montante da quantia exequenda.
4)O princípio da economia processual aconselha que as partes não pratiquem actos inúteis, daí que em sua obediência esteja legitimada a inércia do exequente em fazer andar o processo executivo, atenta a incerteza do desfecho dos embargos.
5) Foi o tribunal quer revivificou a instância executiva ao permitir que a exequente se pronunciasse sobre a alegada deserção da instância .
6) Quando o tribunal decretou a deserção da instância, a exequente e o tribunal tinham dado andamento ao processo
7) O princípio da economia e da celeridade processuais desaconselha que se declare extinta a instância quando a exequente já manifestou o propósito de dar andamento à execução e os embargos de executado têm corrido a sua marcha normal, estando na fase do julgamento .
8) O despacho de interrupção da instância proferido de forma tabelar em 24/05/2004, atenta a prejudicialidade dos embargos pendentes deve ser interpretado no sentido de se ter determinado a suspensão da instância, devendo por conseguinte, o despacho recorrido de “deserdação” da instância ser revogado e a instância prosseguir os seus trâmites normais.

A Senhora Juíza declarou, por fim, manter o despacho impugnado, visto não ter havido contra alegação.

II – Foram corridos os vistos legais.
Cumpre, agora, decidir.

III – Os factos a ter em conta para a resolução deste recurso constam já do relatório precedente, pelo que se impõe passarmos à dilucidação da questão jurídica suscitada e que se prende com a legalidade do despacho que declarou ou reconheceu uma situação de deserção de instância na presente execução embargada, ainda regida pela lei anterior à reforma da acção executiva de 2003, estando este enxerto declarativo ainda pendente.
A nosso ver, a recorrente não tem razão nos fundamentos que invoca para atacar o douto despacho que declarou deserta a instância.
Vejamos porquê.
Antes de mais a recorrente parece confundir as figuras da suspensão e da interrupção da instância.
Certo que uma e outra das figuras determinam a paralisação do processo, ficando a instância como que em estado de repouso ou letargia.
No entanto, tais crises da instância distinguem-se quer no que respeita às causas, quer no que toca aos efeitos.
Como melhor explica Alberto dos Reis, no seu ainda imprescindível Comentário, Vol III, ed. de 1946 ao abordar os preceitos correspondentes do Código de 1939, enquanto a suspensão é consequência, em regra, de um evento estranho à vontade das partes, a interrupção tem uma única causa que é a inércia ou a inactividade das partes.
As causas da suspensão tanto para as acções declarativas, como para as execuções estão indicadas no artº 276ºdo CPC vigente( serão deste diploma todas demais disposições, salvo expressa menção em contrário) podendo elas emergir ou directamente da lei ( artºs 277º e 278º) ou de determinação judicial.(artº 279º).
A lei prevê também também o acordo das partes, é certo mas limita para esse efeito o prazo de suspensão, a fixar pelo juiz, a seis meses – nº4 do artº 279º.
No caso da interrupção, o facto que a determina é apenas a paragem do processo por mais de um ano, por negligência das partes em promover os seus termos ou a de algum incidente de que dependa o seu andamento.
É isso o que estatui o artº 289º, sendo certo que ela não pressupõe uma prévia suspensão, dependendo sim e sempre de despacho do juiz que a decrete, como sustenta a melhor jurisprudência ( v. entre outros os Acs da R E de 12/05/2005, CJ, 2005, Tº 3º,250 e do Supremo de 8/01/2004, disponível em WWW djsi .pt ) verificada uma situação de paragem injustificada pela parte que tenha o ónus do seu impulso e o decurso do respectivo prazo.
Mas para além da diversidade das suas causas, também são substancialmente diferentes os correspondentes efeitos.
Os efeitos processuais da suspensão estão indicados no artº 283º
Enquanto durar esta crise da instância, só podem praticar-se validamente os actos urgentes destinados a evitar dano irreparável e além disso não correm os prazos judiciais.
Nada disso acontece com a interrupção.
Decretada a interrupção, as partes podem a todo o momento fazê-lo seguir, particularmente aquela que tenha o ónus do impulso.
Simplesmente, não o fazendo, determina a lei que a interrupção se transforme em deserção que é uma causa própria de extinção da instância (artº 287º aln c) decorridos dois anos desde o despacho que a declarou interrompida e que tem natureza constitutiva.
Dispõe com efeito o artº 291º,nº1 e ao contrário do que sucedia com o código anterior que “se considera deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida por mais de dois anos”.
E aqui se vê logo outro traço fundamental de diferença entre essas duas figuras.
De facto e enquanto na suspensão, as partes deixam de poder praticar actos no processo, na interrupção eles estão na inteira disponibilidade das partes, mais, caso continuem em inércia ficam sujeitas a ver extinta “ope legis” a instância, decorrido o dito prazo de dois anos.
Como resulta do artº 286º a interrupção apenas cessa se e antes de decorrido o apontado prazo de dois anos, o autor ( ou o exequente) requerer algum acto de processo ou do incidente de que dependa o andamento dele, isso sem prejuízo do disposto na lei civil quanto à caducidade.
E nem vale a pena estarmos a acentuar outra distinção no que respeita aos efeitos substantivos, quanto ao decurso dos prazos de caducidade que não correm no caso de suspensão ao invés do que sucede com a interrupção.
Aqui chegados, logo se vê que a pretensão da recorrente de ver no despacho que declarou interrompida a instância no processo executivo como que uma suspensão da instância, bem sabendo a recorrente que ela decorreu da circunstância de ter deixado parado o mesmo durante mais de um ano, carece de sentido.
Mas o equívoco da recorrente não fica por aqui.
É que na sua tese, a inactividade em promover o andamento da execução ao não juntar aos autos a certidão do registo dos prédios penhorados, como o impunha o nºs 4 e ss do artº 838º do CPC, na versão anterior à reforma da acção executiva de 2003, como que estaria justificada por os embargos continuarem pendentes.
Acontece que os embargos que no caso compreendiam toda a execução, apenas podiam determinar a suspensão legal da execução, caso o embargante tivesse prestado caução, o que não fez.
É o que resulta do disposto no artº 818º nº1 do CPC, havendo outros casos de suspensão legal da execução que aqui não se colocam.
E não interferindo, pois, o curso dos embargos, desde que recebidos, com o normal andamento da execução, isto significa que o exequente teria de com ela prosseguir, apenas ficando sujeito nos termos do artº 819º a não receber o produto da venda dos bens penhorados sem prestar caução, na eventualidade daqueles ainda não estarem decididos.
Ora a circunstância da pendência dos embargos ter efeitos no pagamento em nada colide com o ónus do impulso processual que incumbe ao exequente, justamente por não se verificar uma situação de suspensão da instância, não sendo a eventual demora da decisão definitiva justificação para o mesmo se desinteressar do processo executivo em nome de supostas razões de economia processual.
Como se sabe os embargos agora substituídos por oposição constituem, como ensinam os autores, um processo declarativo instaurado pelo executado contra o exequente e que correm por apenso, consistindo um incidente da mesma.
Assim a execução não está dependente do andamento de tal enxerto, fora o caso da suspensão legal, senão na fase de pagamento, o qual fica condicionado até decisão final do mesmo, à prévia prestação de caução.
E se correm independentemente um do outro, necessariamente que o exequente conserva a plenitude dos direitos a praticar os actos processuais e também o vinculam os correspondentes ónus, em função do princípio do dispositivo.
No caso e para além do mais, foi a recorrente devidamente notificada do despacho que declarou interrompida a instância, citando a correspondente disposição legal.
E se entendia que não era caso para isso, não obstante o despacho se limitar a indicar a disposição em que se baseava deveria ter recorrido, não tendo esse despacho de resto, natureza tabelar.
Conformando-se com essa decisão, sabia perfeitamente que não fazendo cessar a dita interrupção no decurso do prazo de dois anos, ela se converteria automaticamente em deserção.
Esta não carece de ser declarada por despacho.
No caso, porém, era necessário uma pronuncia nesse sentido, visto o embargante a ter requerido com base no decurso do prazo e ter interesse no reconhecimento dessa causa de extinção da instância executiva enquanto conducente a inutilidade superveniente dos embargos ainda em curso.
Certo que a recorrente foi notificada, em razão do contraditório, para se pronunciar.
Mas tal em nada afectava a operância da deserção, por terem decorridos mais de dois anos sobre a data em que lhe foi notificado o despacho de interrupção da instância
Não se compreende, de resto onde a recorrente pretenda chegar ao dizer que houve um retomada do curso do processo com o convite para ela se pronunciar sobre o requerimento do embargante e depois para esclarecer as datas em que foram levadas a cabo as diligências que disse ter efectuado para com a cooperação do executado poder proceder ao registo definitivo dos imóveis penhorados.
De facto tal retomada deu-se já depois de decorrido aquele prazo e quando confrontada a mesma com o pedido do embargante, visando o reconhecimento da deserção.
O despacho a declarar a deserção do processo executivo face a todo o contexto descrito não desacatou portanto e a nosso ver. nenhuma disposição legal e de si apenas a recorrente se tem de queixar por se desinteressar do curso do processo executivo, mesmo depois de notificado do despacho a declarar a sua interrupção.

IV – Nos termos e pelas razões expostas, decide-se negar provimento ao agravo e confirmar a decisão proferida.
Custas a cargo da agravante.