Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2324/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. SERAFIM ALEXANDRE
Descritores: PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 09/29/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DO SABUGAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO ORDINÁRIO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 119º A 121º DO C. PENAL
Sumário: Se o Estado, por intermédio dos seus órgãos competentes e mediante actos processuais inequívocos, em si mesmos e considerando a natureza e finalidade da fase em que se integram, não manifestou claramente a um determinado eventual agente a intenção de efectivar contra si o seu ius puniendi, não têm, em relação a si, relevância as eventuais causas de interrupção ou suspensão da prescrição que tenham ocorrido relativamente a outros eventuais arguidos.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal da relação de Coimbra:

- Correram termos na comarca do Sabugal os autos de Querela n.º 2/89 em que foi arguida A..., acusada da prática de um crime de homicídio qualificado, p e p. pelos artigos 131º e 132ºº, n.ºs 1 e 2, al. g) do C. Penal, na pessoa de B... e por factos ocorridos no dia 1 de Março de 1987.
- Esta arguida veio a ser absolvida por decisão já transitada em julgado.
- Nesses autos foi admitida como assistente C....
- Durante a audiência de discussão e julgamento daqueles autos foi determinada a extracção de certidão dos depoimentos de algumas testemunhas, para os efeitos tidos por convenientes, deferindo a uma promoção do M.º Público, com vista ao apuramento da eventual responsabilidade criminal de outras pessoas, para além da ré, nomeadamente da testemunha D..., sobre o que abundam indícios nos autos.
- Esta certidão deu origem aos autos de Inquérito n.º 124/97, iniciados em 15 de Julho de 1997, nos quais:
- a P. J. juntou uma ficha do D...;
- consultou o processo de Querela 2/98;
- inquiriu, como testemunha, o referido D...;
- elaborou o relatório de fols. 56 a 58, onde concluiu não terem resultado quaisquer novos elementos que se possam reputar de interesse;
- e o M.º Público, em 10 de Novembro de 1999, depois de aguardar por 90 dias, proferiu o despacho de fols.66, ordenando o arquivamento dos autos, nos termos do art.º 277º, n.º 2, do CPP;
- A referida C..., aqui também admitida como assistente, veio requerer a Instrução, para o completo esclarecimento dos factos.
- Durante esta, depois de se ouvirem várias testemunhas e tentar encontrar, a fim de a ouvir, a referida A..., entretanto em parte incerta, foi proferido o despacho de folhas 179/180, de 14 de Novembro de 2003, do seguinte teor:
Correu termos neste tribunal o processo de querela n.º 02/89, onde, por sentença transitada em julgado, foi a arguida A... absolvida da prática do crime de homicídio que lhe era imputado, e do qual foi vitima B..., cuja morte ocorreu em 1 de Março de 1987.
Na audiência de discussão e julgamento foi determinada a extracção de certidão dos depoimentos de algumas testemunhas, com vista ao apuramento da responsabilidade criminal de outras pessoas.
Essa certidão deu origem aos autos de Inquérito n.º 124/97, onde foi proferido despacho de arquivamento.
Foi requerida a abertura de instrução.
Os presentes autos de instrução encontram-se a aguardar a inquirição por carta rogatória de A....
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Tendo presente que os factos remontam a 1 de Março de 1987, cumpre apreciar da questão da prescrição do procedimento criminal.
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Em primeiro lugar importa esclarecer que na sistematização da nossa lei penal, o instituto da prescrição encontra-se repartido por dois capítulos, correspondentes a duas espécies de prescrição: uma referente à prescrição do procedimento criminal e o outro relativo à prescrição das penas. A distinção reside em que o decurso de certos prazos torna impossível, no primeiro caso, o procedimento criminal, e, por essa via a aplicação de uma qualquer sanção; no segundo, ele torna impossível a execução de uma condenação transitada em julgado.
Pode por isso afirmar-se que, como ensina o Prof. Figueiredo Dias, “as duas espécies de prescrição se justapõem, no sentido de que uma delas começa no preciso momento em que a outra termina, isto é, com o trânsito em julgado da decisão - Direito Penal Português, Parte II, As consequências Jurídicas do Crime, pág. 699.
No caso vertente está sob apreciação tão só a questão da prescrição do procedimento criminal.
Mediante o decurso do tempo a prescrição põe fim ao procedimento criminal.
Os fundamentos da prescrição encontram-se ligados “aos efeitos do factor tempo no aumento exponencial das dificuldades probatórias, e na prossecução dos fins das penas, na medida em que o decurso de períodos de tempo apreciáveis após a prática do crime afasta ou diminui consideravelmente as exigências concretas de prevenção geral positiva ou de integração- por apagado ou muito esbatido o abalo causado pelo crime na confiança comunitária na validade da norma legal violada- e as de prevenção especial de socialização - considerando a possível mudança na conduta e personalidade do agente, a tornar desnecessária a pena” (Assento 12/2000).
A leii da época do crime é a que rege a prescrição e lhe regula o prazo, sem prejuízo da lei subsequente ser mais favorável ao arguido (art.º 2º, n.º 4 do CP).
O prazo prescricional previsto para a situação sub judice é, nos termos do art.º 117º, n.º 1 a) do Código Penal de 1982, em vigor à data da prática dos factos, de 15 anos ( art.º 131º e 132º do CP), e começa a correr desde o dia 1.3.87 (art.º 118º, n.º 1).
Contudo, há que atentar na verificação de circunstâncias suspensivas ou interruptivas da prescrição, enunciadas nos arts. 119º e 120º do Código Penal.
No caso de que nos ocupamos não ocorreu qualquer causa de interrupção ou suspensão da prescrição previstas nos citados preceitos legais.
Assim, inexistindo causas de suspensão ou interrupção da prescrição, temos que a prescrição o procedimento criminal pelos factos que determinaram a morte de B... já ocorreu (mais precisamente em 01.03.02).
Face ao exposto, julga-se extinto o procedimento criminal por prescrição e, consequentemente, determina-se o oportuno arquivamento dos autos.
Notifique.
Após trânsito, solicite a devolução da carta rogatória sem cumprimento.”
- Notificada, a assistente veio, em 9 de Dezembro de 2003 (fols. 184) – original de fols. 186/287 - requerer o esclarecimento e rectificação deste despacho que mereceu o seguinte despacho de folhas 188:
Sendo certo que as decisões judiciais são sindicadas pelos meios processualmente previstos, considerando que o requerimento de fols. 186 e 187 não se nos afigura impertinente ou dilatório, cumpre referir que os actos processuais praticados no processo de Querela n.º 02/98, não têm qualquer eficácia nos presentes autos, mormente para efeitos de prescrição.
Com efeito, como referimos no nosso despacho de fls. 179, naquele processo foi proferida sentença transitada em julgado, pelo que aqueles autos se encontram findos.
Ora, os presentes autos apenas têm por objecto os mesmos factos, constituindo, naturalmente, um processo autónomo, em ... instrução, ou..., como sugerimos, não ocorreu qualquer causa de interrupção ou suspensão de prescrição do procedimento criminal
Face ao despacho já proferido, que julgou extinto o procedimento criminal, é o que nos cumpre esclarecer.
Notifique.”
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Veio então a assistente (fols. 190), em 18 de Janeiro de 2004, recorrer deste último despacho, concluindo:
A)- Nos presentes autos operou-se a interrupção da prescrição pelo que o procedimento criminal ainda não prescreveu.
B)- Correu termos no Tribunal Judicial do Sabugal o processo de Querela n.º 02/98, onde, por sentença transitada em julgado, foi a arguida A..., absolvida da prática de um crime de homicídio que lhe era imputado e do qual foi vítima B..., cuja morte ocorreu em 1 de Março de 1987.
Ora, nesse processo, cujo factualismo é exactamente o mesmo, em causa na presente Instrução, foi deduzida acusação, houve julgamento em 1ª instância, julgamento de recurso e 2º julgamento em 1ª instância, com absolvição da arguida.
C)- “A interrupção da prescrição opera também contra aqueles que no momento do acto interruptivo ainda não eram arguidos” – (Ac. RP de 13 de Novembro de 1991; BMJ, 411 – 658) -.
D)- Não assiste razão à Mmª Juiz “a quo” no Douto Despacho recorrido nem no esclarecimento do mesmo, pelo que deve ser revogado o Douto Despacho recorrido e, consequentemente deve ser ordenado o prosseguimento dos autos para determinação dos autores do crime do homicídio hediondo do Dr. B....
Assim se fará Justiça.
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O recurso veio a ser admitido, depois de deferida a reclamação do primeiro despacho que o não admitiu por extemporâneo, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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Respondeu o M.º Público dizendo que a decisão deve ser confirmada.
Respondeu D..., como recorrido, concluindo do mesmo modo.
Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto entende que a decisão recorrida não merece censura.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
A questão (que não já a decisão) que nos é colocada é simples: correndo termos autos contra um arguido, têm as eventuais causas de interrupção ou suspensão da prescrição do procedimento criminal, que neles ocorreram, relevância para a mesma, relativamente a outros eventuais arguidos, em outros processos, sobre os mesmos factos?
Não, diz-se no despacho recorrido, porque se trata de processo autónomo.
Sim, diz a recorrente, porque os factos são os mesmos e a interrupção da prescrição opera também contra aqueles que no momento do acto interruptivo ainda não eram arguidos.
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Diga-se, desde já, que nos parece que a mera circunstância de se tratar de processos autónomos não será decisiva para a solução da questão. A autonomia processual, regulada pela competência por conexão, visa conciliar a protecção da regra do juiz natural com as regras de economia processual, procurando evitar a rigidez e as dificuldades de processamento e julgamento, pouco ou nada significando relativamente à questão suscitada. Além de que tal autonomia está minimizada pela apensação aos presentes autos dos da Querela 2/98.
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A questão deve ser apreciada à luz da natureza e finalidade do instituto da prescrição. E sobre isso lembremos o que se escreveu no Ac. para fixação de jurisprudência, do S. T. J. de 16 de Novembro de 2000 (em que se decidiu que a partir da entrada em vigor do Código de Processo Penal de 1987, a prescrição do procedimento criminal não se interrompe com a notificação para a s primeiras declarações para comparência ou interrogatório do agente, como arguido, na instrução):
“...Assume compreensível dominância dogmática a concepção que considera o instituto da prescrição penal como de natureza mista, simultaneamente material ou substantiva - como causa de impedimento da pena ou da sua execução, ou até, segundo alguns autores, como causa da exclusão do ilícito ou do seu impedimento - e processual - como obstáculo que é ao procedimento ou à execução da pena (Cf., v.g, Beleza dos Santos, R.L J., Ano 77, pp. 321 e ss., Figueiredø Dias, Direito PenaL.., p. 700, Jescheck, Tratado, 4ª edição, Comares-Granada, pp. 821 e 822).
No que respeita especificamente à prescrição do procedimento criminal, a sua irrecusável caracterização como pressuposto processual negativo, não esgota a sua natureza. Esta é, sem dúvida, também substantiva, na medida em que, embora não seja causa de exclusão nem da ilicitude nem da punibilidade, é causa de afastamento da punição e, como é pacífico, o direito penal não se esgota no facto, abrangendo também a consequência jurídica (Neste sentido, cfr., v. g. Figueiredo Dias, ob. Cit. Pp. 700 a 702).
Esse fundamento da sua natureza substantiva (ser causa de afastamento da punição) leva, inevitavelmente, a considerar que as normas relativas à interrupção da prescrição têm a ver com as garantias inerentes ao princípio da legalidade em direito penal, exigido pela concepção do Estado de Direito Democrático, com os seus corolários: o princípio da separação dos poderes e consequente exclusividade da lei na determinação dos pressupostos da incriminação, envolvendo necessariamente, como vimos, o aspecto da punição; o princípio da não retroactividade das leis penais, salvo no caso de o regime da lei nova se mostrar mais favorável ao agente; o princípio da maior determinação possível da lei penal, em ordem a potenciar a vinculação jurídica das decisões jurídicas concretas e a fortalecer a possibilidade prática de controle dessas decisões; e ainda o princípio da lei estrita, excluindo tanto a incriminação (e a agravação) como a determinação da pena por analogia (Cf, v. g., Castanheira Neves, O Principio da Legalidade Criminal- O seu Problema Jurídico e o seu Critério Dogmático, in Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, Coimbra 1984, designadamente a pp. 309 a 313 e 314 a 357).
No que respeita aos fundamentos da prescrição, encontram-se eles essencialmente ligados, conforme entendimento doutrinal e jurisprudência dominante, aos efeitos do factor tempo no aumento exponencial das dificuldades probatórias e na prossecução dos fins das penas, na medida em que o decurso de período de tempo apreciável após a prática do crime afasta ou diminui consideravelmente as exigências concretas de prevenção geral positiva ou de integração - por apagado ou muito esbatido o abalo causado pelo crime na confiança comunitária na validade da norma legal violada - e as de prevenção especial de socialização - considerando a possível mudança na conduta e personalidade do agente, a tomar desnecessária a pena.
O que justifica a autolimitação do poder punitivo do Estado, por razões de justiça e de equidade, ligadas também à concepção de ultima ratio da intervenção penal, só legitimada quando ainda se mantém a necessidade de assegurar os seus objectivos, ancorados nos referidos fins das penas.
Sendo estes a natureza e os fundamentos da prescrição penal, é compreensível que a conciliação entre o interesse público na punição do ilícito penal, com vista à paz social, e o direito do agente de não ver excessivamente protelada a definição penal da situação, com manifesta carga de desvalor ético-social, em ordem à sua paz individual, exija um prazo normal e um prazo máximo de prescrição do procedimento (Cf. os arts. 117º e 120º e 118º e 121º, do CPP, respectivamente nas versões de 1982 e 1995) e o estabelecimento de causa de interrupção justificadas à luz da equilibrada concordância dos referidos interesses públicos e do agente.
Nessa óptica, a interrupção da prescrição do procedimento pressupõe, como acima se referiu, que o Estado, por intermédio dos seus órgãos competentes e mediante actos processuais inequívocos, em si mesmos e considerando a natureza e finalidade da fase em que se integram, manifeste claramente ao agente a intenção de efectivar, no caso, o seu ius puniendi. Pelo que a virtualidade interruptiva não depende apenas da natureza das funções de quem determina os actos ou perante quem são praticados, mas da sua conjugação com a natureza e significado dos mesmos, atenta também a finalidade da fase em que se integram.
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A circunstância de esses actos serem ordenados ou praticados pelo Juiz, a quem compete a direcção da instrução, embora importante - atenta, designadamente, a referida ligação do problema da interrupção com questões relativas a direitos fundamentais, por conexas com o aludido princípio da legalidade em direito penal - não é suficiente. Como vimos, é indispensável que os actos tenham o mencionado significado de afirmação inequívoca por parte do Estado da pretensão punitiva. E, como dissemos, o carácter facultativo e a natureza garantística da instrução torna muito duvidoso que, no seu âmbito, aqueles actos se revistam desse significado inequívoco.
Por outro lado, embora a reflexão que vimos desenvolvendo se situe no âmbito da interpretação extensiva e não da analogia , os termos em que a questão se coloca, atendendo sobretudo às acentuadas diferenças entre o sistema processual penal considerado quando da elaboração e entrada em vigor do C. P., na versão de 1982, e o próprio do C. P. P. de 1987, implicam - na analise da existência ou não de argumentos de identidade ou de maioria de razão com vista à acima mencionada compatibilização de conceitos e realidades de um e outro sistema - o recurso a raciocínios analógicos. Recurso este que parece importar inconstitucionalidade da referida norma do art. 120º, n.º 1, al. a) - se interpretada no sentido da virtualidade interruptiva daqueles actos na instrução -, por violação do disposto no art. 29º, n.os 1 e 3, da C.R.P. Tal não resulta da utilização em si mesmo de raciocínios analógicos, naturalmente possíveis em interpretação, designadamente extensiva, atenta a natureza e implicações dos argumentos de identidade ou de maioria de razão que a fundamentam. Deriva antes da consideração da repercutibilidade da questão em matéria de direitos fundamentais, atenta a mencionada conexão com o princípio da legalidade, com os seus indicados corolários, designadamente nullum crimen, nulla poena sine lege praevia, nullum crimen, nulla poena sine lege certa e nullum crimen, nulla poena sine lege stricta. Ou seja, a utilização de tais juízos analógicos contende com esse princípio da legalidade criminal, na sua exigência fundamental de uma rigorosa delimitação objectiva que seja susceptível de ser garantida, e controlável, por limites predeterminados . Assim o entendeu o aludido acórdão do Tribunal Constitucional no 122/2000, no desenvolvimento da problemática e argumentação dos referidos anteriores acórdãos do mesmo Tribunal n.ºs 205/99 e 285/99.
... Vimos que a regulamentação do instituto da prescrição do procedimento criminal visa obter, de forma proporcionada, um equilíbrio entre a prossecução do interesse publico da efectivação da responsabilização criminal pelas infracções puníveis realmente cometidas pelo agente e as circunstâncias, ligadas aos fins das penas e a direitos fundamentais daquele, que determinam o condicionamento da realização desses fins a um tempo útil limite para a sua realização.
A figura da interrupção dessa prescrição concorre para a realização de tal objectivo, permitindo que - sem prejuízo de um limite máximo de tempo que, decorrido, leva inexoravelmente a que a prescrição se verifique - determinados actos, reveladores da inequívoca manifestação ao agente, por parte do Estado, através dos órgãos judiciários competentes e em fases processuais adequadas, da sua vontade de efectivação do seu ius puniendi, interrompam a prescriçao, com o efeito de começar a correr novo prazo prescricional.
Tendo presentes estes fundamento e «função» da interrupção da prescrição do procedimento criminal, é de entender que, no domínio já de aplicação do C. P. P. de 1987, durante a fase do inquérito e até ao momento da notificação da acusação ou da decisão instrutória que pronunciar o arguido, é possível, provável e ajustada, considerando a natureza e finalidade do iter processual correspondente, a verificação de actos com o aludido significado de afirmação solene da pretensão punitiva do Estado, a que deve, por manifesta exigência de interesse público, atribuir-se eficácia interruptiva da prescrição..
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E esta perspectiva mais se acentua quando se lêem as causas de suspensão e de interrupção da prescrição legalmente previstas. Todas elas (se tirarmos a referida na al. a), do n.º 1, do art.º 120º do C. Penal e mesmo aí não de modo absoluto) têm em vista a pessoa arguida (acusada, pronunciada, arguida, contumaz ou presa). Tudo o que aí consta pressupõe a existência da pessoa conta quem é dirigido o processo. As causas de suspensão ou interrupção da prescrição só se justificam porque as pessoas em concreto se encontram em situação de se poder exigir um alargamento do prazo. Elas ou são já arguidas, ou foram notificadas ou estão em situação de contumácia ou presas. Nenhuma dessas causa se justifica contra alguém que pura e simplesmente se desconhece.
Isto significa, julgamos, que, independentemente da ocorrência dos factos, da existência deste ou daquele processo, nenhuma (tendo em conta a excepção referida) causa de suspensão ou interrupção da prescrição pode prejudicar quem nunca foi arguido, acusado, notificado, contumaz ou preso relativamente aos factos. Contra essa pessoa o prazo corre livremente.
No caso presente, a manifestação do ius puniendi do Estado apenas e só se virou para uma certa e determinada arguida que veio a ser absolvida. Mesmo a iniciativa que veio a ter lugar com a extracção da certidão acabou por não surtir qualquer efeito, tendo o Estado desistido dessa suspeita, nunca tendo o Estado manifestado claramente a qualquer outro agente, por intermédio dos seus órgãos competentes e mediante actos processuais inequívocos, em si mesmos e considerando a natureza e finalidade da fase em que se integram, a intenção de efectivar o seu ius puniendi.
O prazo decorreu, assim, para todos os outros, livremente
Se assim não se entendesse, para obstar ao decurso do prazo de prescrição, bastaria, sucessivamente (após cada arquivamento ou absolvição de eventuais suspeitos) continuar a investigação à procura de outros. Nunca prescreveria tal procedimento.
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Temos, assim, que bem se decidiu.
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Nestes termos, julgando o recurso por não provido, se confirma o despacho recorrido.
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Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 ucs.