Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
572/06.0YRCBR
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RAMOS
Descritores: MULTA APLICÁVEL
PENA DE MULTA
Data do Acordão: 06/28/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA NAZARÉ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: PROVIDO
Legislação Nacional: ARTIGO 47º, Nº. 2, DO C. PENAL
Sumário: 1. Ao não actualizar regularmente o montante mínimo diário da multa, o legislador deixou tal actualização ao critério do intérprete, por forma que a sanção, como pena que é, constitua sempre um sacrifício real para o condenado.
2. Ignorando-se a situação económica do arguido, um critério admissível, para fixar um montante diário actualizado, é o de atender à evolução do salário mínimo nacional, que em 1983, data da entrada em vigor do Código Penal, equivalia a € 2,16 por dia, e à data do julgamento (2005) correspondia a € 12,49 por dia.
Decisão Texto Integral: Acordam em audiência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.


Por sentença de 10 de Outubro de 2005 foi o arguido A... condenado como autor de um crime de ofensa à integridade física simples previsto e punido pelo artº 143º, nº 1 do Código Penal na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa à taxa diária de € 2,50.

Inconformado com o decidido, vem o Ministério Público impugná-lo, concluindo assim a respectiva motivação:
“1- O arguido A... foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensas à integridade física simples, previsto e punido pelo art.º 143° do Código Penal na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa à razão diária de € 2,50.
2- “A pena de multa, se não quer ser um andrajoso simulacro de punição, tem de ter como efeito o causar ao arguido, pelo menos, algum desconforto se não, mesmo, um sacrifício económico palpável” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-06-2004, in www.dgsi.pt).
3- Considerando que o arguido foi julgado na ausência e inexistem elementos referentes às suas condições, a decisão deve assentar em juízos de equidade, razoabilidade e proporcional idade.
4- Considerando o salário mínimo nacional fixado por lei, o custo de vida em Portugal, a flutuação da moeda, as despesas inerentes à alimentação, vestuário, calçado, electricidade, gás e demais elementos essenciais, bem como os padrões adaptados pela jurisprudência, é entendimento do Ministério Público que deveria ter sido fixado um montante diário não inferior a € 4 por dia.
5- Foram violados os art.ºs 40°, 70° e 71.º o, todos do Código Penal.
Pelo exposto, julgando-se o presente recurso procedente, deve revogar-se a douta sentença por outra que fixe a pena concreta no montante diário de, pelo menos, € 4,00 por dia.
Assim se fará JUSTIÇA!”

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Respondeu o arguido, manifestando-se pela improcedência do recurso, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta, pela improcedência do recurso.

No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal nada disse.

Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a audiência.

Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.

Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos, excepto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.
É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras).
Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.
O recurso dos autos incide sobre matéria de direito, sem do prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios constantes do no 2 do art.º 410.º do Código Processo Penal, vícios esses que, diga-se desde já, não se vislumbram.

Questão a decidir: quantum da multa aplicada

Apreciando:

Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:

O presente recurso visa unicamente a alteração do montante da taxa diária da multa aplicada ao arguido.


Vejamos:

Diz-nos o art.º 47.º, n.º 2 do Código Penal que “cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 1 e € 498,80 que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais” o que impõe que “o montante diário da multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Outubro de 1997, in Acs STJ V, 3, 183).
No caso dos autos não se conseguiu apurar a concreta situação sócio-económica do arguido (que não compareceu em julgamento), pelo que temos que teremos que lançar mão de juízos de equidade, ponderando critérios objectivos que ajudem a balizá-los.
Entre outros critérios possíveis, consideramos que a evolução do salário mínimo nacional ao longo dos tempos traduz, de certo modo, a evolução económica e também social da média da população e ao mesmo tempo vai actualizando sucessivamente os critérios que estariam na mente do legislador, muito especialmente quando fixou os limites mínimo e máximo da multa.
Ao fixar tais montantes o legislador sabia perfeitamente que a evolução sócio-económica da sociedade faria com que o esforço exigido para pagar um dia de multa se iria gradualmente afastando do limite mínimo e, consequentemente, aproximando do limite máximo.
Ora, ao não actualizar regularmente tais limites, não teve o legislador em mente qualquer diminuição do esforço, como é óbvio. Deixou foi tal actualização ao critério do intérprete.
Posto isto, diremos que o Decreto-Lei nº 47/83 de 29 de Janeiro fixou o salário mínimo nacional geral em 13.000$00 para o ano de 1983 e o Decreto-Lei n.º 242/2004, de 31 de Dezembro fixou-o em € 374,70 para o ano de 2005, ou seja, à data da entrada em vigor do Código Penal aprovado pelo Decreto-Lei nº 400/82, de 23 de Setembro(() Em 1 de Janeiro de 1983) um dia de salário mínimo correspondia a 433$00 (€ 2,16) e actualmente corresponde a € 12,49.
Assim e não esquecendo que com a entrada em vigor do Código Penal revisto pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março o limite diário máximo da pena de multa decuplicou (passou de 10.000$00/€ 49,88 para 100.000$00/€ 498,80), afigura-se-nos ajustado manter o "esforço" e por conseguinte fazer corresponder o "esforço" actual ao "esforço" exigido no momento da entrada em vigor do Código Penal (sendo de considerar que os "esforços" que actualmente se aproximam mais do limite mínimo de € 1,00 correspondam às situações que no âmbito do Código Penal aprovado pelo Decreto Lei nº 400/82, de 23 de Setembro eram susceptíveis de suspensão de execução da pena de multa nos termos do artº 48º, nº 1 deste diploma).
Posto isto e não esquecendo que estamos perante uma pena e que não resulta dos autos que o arguido se encontre em situação de indigência ou quase indigência, diremos que um montante diário inferior a quatro euros seria inadequado aos fins tidos em vista.
Termos em que se acorda em julgar procedente o recurso e, alterando a sentença recorrida, fixar em € 4,00 (quatro euros) a taxa diária da multa.
Sem custas.
Coimbra,