Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
13/07.1GAMGR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: PESCA PROIBIDA
MEXIÃO
TENTATIVA
Data do Acordão: 10/28/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA MARINHA GRANDE – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS54.º DO DECRETO REGULAMENTAR N.º 7/2000, DE 30 DE MAIO, E. 2.º E 64.º DO DECRETO 44623, DE 10 DE OUTUBRO DE 1962 ,2.º DO REGULAMENTO DA LEI N.º 2097, APROVADO PELO DECRETO 44623 DE 10 DE OUTUBRO DE 1962
Sumário: 1. A pesca é não só a captura de peixes e outras espécies aquícolas, mas também a prática de quaisquer actos conducentes ao mesmo fim, quando realizados, para além do mais, nas águas dos rios ou nas margens deles.
2. A colocação, de uma rede, nas águas do rio ,dentro dum saco, com o propósito de utilização desse instrumento na captura de meixão, à luz da normal experiência de vida, é acto de natureza a fazer esperar que logo a seguir o arguido ultimaria a execução do crime, através do uso da referida “arte” de pesca.
Decisão Texto Integral: I. Relatório:
1. No 2.º Juízo do Tribunal da Marinha Grande, foram submetidos a julgamento, em processo comum singular, os arguidos:
- L..., casado, pescador, residente na Rua do C…, Marinha Grande; e
- V..., solteiro, pescador marítimo, residente na Rua de S… – Marinha Grande;
acusados da prática, em co-autoria material, de dois crimes de pesca de espécie proibida, p. e p. pelo art. 54.º do Decreto Regulamentar n.º 7/2000, de 30 de Maio, e arts. 2.º e 64.º do Decreto 44623, de 10 de Outubro de 1962.
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2. Realizado o julgamento, o tribunal de 1.ª instância decidiu nos seguintes termos:
1 – Absolveu o arguido V... da prática dos dois referidos crimes de pesca de espécie proibida;
2 – Absolveu o arguido L... da prática de um dos dois crimes de pesca de espécie proibida;
3 – Condenou o arguido L..., pela prática de um crime de pesca de espécie proibida, p. e p. pelo art. 54.º do Decreto Regulamentar n.º 7/2000, de 30 de Maio, e arts. 2.º e 64.º do Decreto 44623, de 10 de Outubro de 1962, nas penas de 20 (vinte) dias de prisão, substituída por igual período de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), e € 15,00 (quinze euros) de multa, perfazendo o total € 135 (cento e trinta e cinco euros);
4 - Declarou perdidos a favor do Estado as redes de pesca e os sarricos, nos termos conjugados dos arts. 109.º, n.º 1, do Código Penal, e 22.º, n.º 4, do D.L. n.º 278/87, de 7 de Julho (na redacção introduzida pelo DL n.º 383/98, de 27 de Novembro).
5 – Ordenou a entrega dos demais bens apreendidos ao arguido L....
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3. Inconformado, o arguido L... interpôs recurso da sentença, formulando na respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:
1.ª - Foram incorrectamente julgados os pontos 4), 7) e 8) dos pontos de facto constantes da decisão ora posta em crise.
2.ª - E as provas que impõem decisão diversa da recorrida são as seguintes:
A) Os autos de apreensão de fls. 3, 63 a 66, 159 e 185, já que o arguido é pescador - tanto de mar como de rio - tendo, inclusive, um barco e licenças próprias para pescar, onde se inclui a pesca do meixão no Rio Minho. Não entendemos, assim, com que legitimidade são apreendidos a um pescador os materiais que ele utiliza na sua profissão e muito menos ainda se nos afigura legítimo levar em conta este auto de apreensão para fundamentar a matéria de facto dada como provada. É que, além do mais, tendo a diligência a que se reporta o auto de apreensão em análise tido lugar em 22 de Janeiro de 2007 e não constando, nem na acusação nem na matéria de facto considerada provada, qualquer referência a qualquer facto ocorrido nesta data, é caso para perguntar o que é que este auto de apreensão, na óptica da Sr.ª Juiz “a quo”, fundamentou; Nada...
B) E, “mutatis mutandis”, quanto ao auto de apreensão de fls. 63 a 66. Mais uma vez verificamos tratar-se da apreensão, a um pescador, de material de pesca por ele utilizado na sua profissão. E nada mais do que isso!
C) Refere a Sr.ª Juiz “a quo” que fundamentou a decisão sobre a matéria de facto nos “documentos de fls. 169 a 172 (livrete de actividade de embarcações de pesca local referente ao arguido L..., e rol de tripulação)”. Ora, se fundamentou a sua decisão em tais documentos então a conclusão a extrair seria a de que o arguido, ora recorrente, é pescador e possui uma embarcação de pesca local, denominada “J…”, e faz parte do rol de tripulação de outra denominada “X…”. Assim sendo, ao referir ter tido em consideração tais documentos para formar a sua convicção, deveria a Sr.ª Juiz “a quo” ter levado tais factos à matéria de facto provada. Ficamos, assim, sem saber para que serviram tais documentos, uma vez que não constam da matéria de facto.
D) Refere a Sr.ª Juiz recorrida que “a convicção do Tribunal, quanto aos factos provados se baseou também na cópia da licença n.° 124/2007, emitida pela Capitania do Porto de Caminha, respeitante ao arguido L..., a fls. 173 e 365; na cópia do edital n.° 157/2006, de 23.08.2006, a fls. 363; na cópia da licença n.° 218/2001, para o exercício da pesca do meixão com rapeta, a fls. 364; na cópia da licença n.° 8/2007, emitida pela Capitania do Porto de Caminha, respeitante ao arguido L..., a fls. 366; na cópia da licença n.° 2894/2008, emitida pela Capitania do Porto de Caminha, respeitante ao arguido L..., a fls. 367”. Ora, apesar de ter referido que a sua convicção se baseou nestes documentos, não vislumbramos nada na matéria de facto de onde se extraia tal conclusão. Na verdade, deveria a Sr.ª Juiz “a quo” ter levado à matéria de facto assente o que resulta desses mesmos documentos e, assim, teria que ter considerado provado que a pesca do meixão no Rio Minho não é proibida (pelo menos nas épocas definidas pela Capitania do respectivo Porto), e que o arguido L... tem licença para pescar o meixão. Pelo que, mesmo que condenasse o arguido pela pesca de meixão no Rio Liz, as apreensões efectuadas nos autos de todo o material pescatório do arguido não deveriam ter sido validadas e, no final, deveria ter sido ordenada a restituição ao arguido de todo o material apreendido. Ao invés, e apesar de ter formado a sua convicção com recurso a estes documentos, a Sr.ª Juiz não retira dos mesmos qualquer conclusão a plasmar na matéria de facto.
E) Refere-se ainda na sentença ora posta em crise que, na fundamentação da matéria de facto, levou-se em conta os esclarecimentos prestados pela Sr.ª Perita Dr.ª RM…, relatando-se que a referida técnica afirmou “que a pesca de meixão apenas é permitida no Rio Minho, sendo que no Rio Lis é proibida pois a capitania nunca autorizou essa arte neste rio. Além disso, de acordo com a análise que efectuou às redes de pesca apreendidas, designadamente nos dias 18.03.2007 e 11.10.2007, as mesmas nunca seriam permitidas no Rio Minho, atenta, nomeadamente, a dimensão da malha, pois as telas usadas no Rio Minho são construídas com rede mosquiteira, cuja malha quadrada mede, pelo menos, 2mm de lado mas não têm asas, uma espécie de panos de rede que ladeiam o saco e conduzem o meixão para esse mesmo saco, como as que se mostram apreendidas nestes autos”. Para além de se concluir deste depoimento, assim resumido pelo punho da Sr.ª Juiz, que a pesca no Rio Minho é permitida e que no Rio Lis não é, mais nada de relevante para os autos dele resulta, já que do facto das redes observadas pela Sr.ª Perita não terem as dimensões adequadas e possuírem um saco (o que seria proibido na pesca ao meixão no Rio Minho), não se pode extrair a conclusão de que as mesmas, ainda assim, não se destinariam à pesca no Rio Minho. O proprietário de tais redes ficaria sujeito, no caso de ser descoberto a pescar no Rio Minho com redes de dimensões e formatos desadequados, quando muito, a uma coima... Deste depoimento, no entanto, parece a Sr.ª Juiz querer extrair algo absolutamente descabido e que é: como as redes apreendidas no dia 11 de Outubro de 2007 (já que, quanto às de 18 de Março de 2007, o Tribunal não dá como provado que as mesmas fossem pertença do arguido ora recorrente), não teriam as dimensões e o formato adequados à pesca do meixão no Rio Minho, logo seriam usadas no Rio Liz... Salvo o devido respeito, não se nos afigura uma conclusão, sequer, minimamente lógica. Já que, conforme é bom de ver, mesmo sem a dimensão e formato adequados, poderiam ser usadas no Rio Minho...
F) Do depoimento da testemunha M..., resulta que esteve presente na busca efectuada a casa do recorrente. Quanto aos vestígios de pescado encontrados, referiu que o mesmo já não era fresco. Esta testemunha só viu o arguido recorrente uma vez, nesse mesmo dia 19 de Março de 2007, dia em que efectuou a busca a casa do mesmo. Ao responder que o material apreendido se “utiliza para a pesca do meixão” esqueceu-se a testemunha que as botas, fatos de borracha, casacos, galochas, cordas, etc., se utilizam não só para a pesca de outras espécies como até para outras actividades que nada têm a ver com a pesca... E esqueceu-se ainda esta testemunha que o recorrente tem licença para a pesca do meixão e até que, mesmo não possuindo licença para o efeito, tal pesca é permitida no Rio Minho (caso o recorrente decidisse ir pescar o meixão ao Rio Minho sujeitar-se-ia a uma coima nunca a um processo crime por pesca de espécie proibida).
G) Dos depoimentos prestados pelo sargento-ajudante da GNR, F... e Cabo G..., quanto à situação pela qual o arguido veio a ser, efectivamente, condenado, resultam uma série de interrogações e contradições, conforme melhor supra descritas e que aqui se dão por reproduzidas e que deveriam levar a considerá-los insuficientes para a prolação de decisão condenatória (a título de exemplo, como pode a testemunha Sargento Ajudante F... afirmar que “a rede estava ainda dentro do saco” e, ao mesmo tempo afirmar que “estava pronta a ser colocada?” ou como pode a Cabo G… afirmar que o arguido parou, falou com o Sargento F..., e fugiu, quando o próprio Sargento nunca disse isto?);
3.ª - Assim, deverão tais provas ser renovadas impondo-se decisão de absolvição do arguido.
4.ª - Acresce que há também um erro notório na apreciação das provas já que “as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária” (Ac. STJ de 15/04/1982 in BMJ 476, pág. 91).
5.ª - Na verdade, quando muito, e pegando na perspectiva/convicção da Sr.ª Juíza “a quo” que valorou os depoimentos prestados da forma que entendeu, mas tendo em atenção o depoimento prestado pelas testemunhas inquiridas, o que as provas revelariam ou o que se poderia dar como provado era que o arguido L…, naquele dia de Outubro de 2007, se encontrava na margem do Rio Lis. Mas nunca, face ao que foi dito pelas testemunhas, que este se encontrava à pesca do meixão ou sequer a praticar actos conducentes ao mesmo fim, isto é, à pesca do meixão.
6.ª - O crime cuja prática é imputada ao arguido é um crime de pesca de espécie proibida, p. e p. pelos arts. 54.° do Decreto Regulamentar n.° 7/2000 de 30 de Maio e 2.° e 64.° do Decreto 44623 de 10 de Outubro de 1962.
7.ª - O art. 54.° referido, determina que “é proibida a pesca do meixão”.
8.ª - No entanto, a pesca do meixão, pelo menos no Rio Minho, é permitida nos termos definidos pela Capitania respectiva, pelo que aquela norma encontra-se verdadeiramente desactualizada ou, se quisermos, incompleta, até porque o seu n.° 2 permite a referida pesca “para a safra de 2000-2001” quando, da documentação junta aos autos, resultam safras posteriores a tal data.
9.ª - Não se poderá dar por assente que a pesca do meixão no Rio Liz não é permitida (não existe um único documento credível nos autos que nos leve a tal conclusão, nem é feita na sentença qualquer menção a qualquer documento de onde resulte tal proibição) - sendo certo que não nos podemos fiar na informação prestada a fls. 15 pela Direcção Geral das Pescas e Aquicultura uma vez que, atenta a permissão de pescar o meixão no Rio Minho conforme resulta dos respectivos editais e das várias licenças concedidas ao arguido, não é verdadeira a conclusão vertida nesse ofício de que “nestas circunstâncias e actualmente a pesca do meixão é proibida, pelo que o seu exercício não pode ser licenciado”'. Isto não é verdade!
10.ª - O art. 64.º do Decreto Regulamentar mencionado dispõe no seu n.° 2 que se considera pesca “não só a captura de peixes e outras espécies aquícolas, mas também a prática de quaisquer actos conducentes ao mesmo fim”, isto é, conducentes à pesca.
11.ª – Ora, mesmo considerando que o arguido se encontrava na margem do rio - ou no meio do rio (depende de quem depõe!...) - e ao seu lado um saco com uma rede dentro devidamente acondicionada - pousada no chão ou a boiar na água, (depende de quem depõe!...) - tal conduta não preenche o tipo legal de crime exarado naqueles normativos legais, não se podendo afirmar que o arguido se encontrava à pesca do meixão.
12.ª - O arguido nem estava a capturar peixe, nem praticava quaisquer actos conducentes ao mesmo fim. Na verdade, estar parado dentro do rio, imóvel, não se pode considerar que tal implique a prática de actos conducentes a tal fim.
13.ª - Mesmo que assim fosse, sempre teríamos que fazer apelo às disposições vertidas nos arts. 21.° e segs. do Cód. Penal.
14.ª - Dispõe-se no art. 21.° do Cód. Penal que “os actos preparatórios não são puníveis”;
15.ª - Pelo que, mesmo considerando que o recorrente se encontrava na margem (ou no meio) do rio, com uma rede acondicionada dentro de um saco, e mesmo considerando que tal facto cabe no conceito de “actos preparatórios” - o que duvidamos - sempre se deveria concluir, por força do normativo citado, que os mesmos não são puníveis;
16.ª - Por seu turno, o art. 23.° do mesmo diploma legal é claro ao estatuir que “salvo disposição em contrário, a tentativa só é punível se ao crime consumado respectivo corresponder pena superior a três anos de prisão”;
17.ª - Ora, ao crime imputado ao arguido recorrente corresponde “pena de prisão de 10 a 40 dias e multa de 100$00 a 5.000$00” (cfr. art. 64.° do Decreto Regulamentar 44632/62 de 10 de Outubro).
18.ª - Pelo que, mesmo considerando-se ter havido uma tentativa, por parte do recorrente, de praticar o crime da pesca do Meixão no rio Liz, a mesma não é punível.
19.ª - Não sendo punível, não deveria o arguido ter sido condenado.
20.ª - A Sr.ª Juíza “a quo” terá feito uma interpretação menos correcta do disposto nos arts. 54.° do Decreto Regulamentar n.° 7/2000 de 30 de Maio e 2.° e 64.° do Decreto 44623/62 de 10 de Outubro, bem como do disposto nos arts. 21.°, 22.° e 23.° n.° 3 do Código Penal.
21.ª – Pelo que, o arguido L... não praticou o crime pelo qual foi condenado;
22.ª – Devendo ser absolvido.
23.ª – E sendo a pesca do meixão permitida em Portugal, a apreensão do material constante dos dois autos de apreensão é ilegal, devendo ser restituído ao arguido, ora recorrente, todo o material apreendido, só assim se fazendo, cremos, justiça!
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4. O Magistrado do Ministério Público concluiu a resposta que apresentou ao recurso nos termos infra reproduzidos:
«Inexiste qualquer dos fundamentos previstos no artigo 410.º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Penal, os quais podiam reclamar decisão diversa, pelo que, tendo em conta o princípio da imediação, concluímos que a douta sentença recorrida apreciou correctamente a matéria de facto, não merecendo nenhum reparo, consistindo a pretensão do recorrente na realização de “um novo julgamento” da matéria de facto».
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5. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, em parecer a fls. 500/505, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto manifestou-se no sentido da improcedência do recurso.

Notificado, nos termos e para os efeitos consignados no art. 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o arguido não exerceu o seu direito de resposta.

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6. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

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II. Fundamentação
1. Poderes cognitivos do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso:
Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, indicadas no art. 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
Em conformidade, circunscrevem-se ao seguinte quadro as questões submetidas à apreciação deste Tribunal:
1. Alterabilidade da matéria de facto;
2. Erro notório na apreciação da prova;
3. Se o arguido incorreu na prática de um crime de pesca de espécie proibida, p. e p. pelo artigo 54.º do Decreto Regulamentar n.º 7/2000, de 30 de Maio, e artigos 2.º e 64.º do Decreto 44623, de 10 de Outubro de 1962.
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2. Na sentença recorrida, foram dados como provados os seguintes factos:
1) Os arguidos dedicam-se à pesca, dedicando-se o arguido L... à pesca de meixão (enguia-bebé ou enguia em forma larvar).
2) No dia 18 de Março de 2007, pelas 02h:40m, no Rio Liz, próximo da ETAR, na Marinha Grande, foi encontrada no mesmo uma rede de pesca com 40 metros de comprimento e 2,30 metros de largura, com um saco de depósito de 4 metros de comprimento por 0,85 metros de largura, uma corda verde com chumbo com cerca de 44 metros, uma corda verde com cerca de 42 metros.
3) A rede de pesca supra referida constitui uma armadilha tipo barragem construída com rede mosquiteira exclusivamente destinada à pesca de meixão.
4) No dia 11 de Outubro de 2007, cerca das 2h:00m, na margem esquerda do Rio Liz, num local denominado “Cais”, o arguido L..., bem como outro indivíduo cuja identidade não foi possível apurar, procedia à pesca de meixão, utilizando para o efeito uma rede com 28,50 metros de comprimento e 1,20 metros de altura e um saco de armazenamento do pescado com 12,30 metros de comprimento com 7,50 metros de perímetro na zona da rede principal e 3,80 metros de perímetro na extremidade, bem como um saco de transporte com 3 metros de perímetro e 0,90 metros de largura.
5) A rede de pesca supra referida constitui uma armadilha tipo barragem construída com rede mosquiteira exclusivamente destinada à pesca de meixão.
6) O saco de transporte é confeccionado com rede mosquiteira e destina-se ao transporte de redes.
7) O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente com vista à pesca de meixão, bem sabendo que a pesca do meixão, também conhecido por “loura”, “enguia de vidro”, “irozinha” ou “angula” era proibida por lei.
8) Não ignorava o arguido que tal conduta era punida por lei criminal.
9) O arguido L... vive com a mulher, a qual é educadora de infância, e um filho de 4 anos de idade.
10) O arguido L... aufere com a sua actividade, em média, cerca de 600,00 €, por mês, e tem como encargos o pagamento de duas prestações pela aquisição de casa e pela aquisição de uma embarcação, no valor, respectivamente, de € 400,00 e € 260,00.
11) Tem o 9.º ano de escolaridade.
12) O arguido V... vive com os pais e, para além de pescador, é também empresário, explorando um bar nocturno, na Praia da Vieira.
13) Na actividade de pescador aufere mensalmente cerca de € 700,00.
14) Tem como encargo mensal fixo o pagamento da prestação pela aquisição de viatura, no valor de € 298,00.
15) Tem o 10.º ano de escolaridade incompleto.
16) Dos certificados do registo criminal dos arguidos nada consta.
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3. Não se provaram outros factos da acusação que não estejam contidos ou estejam em oposição com os descritos, dados como provados. Designadamente, não se provou que:
a) O arguido V... dedica-se à pesca de meixão.
b) Os arguidos combinaram entre ambos iniciar a pesca de tal espécie protegida, com vista à sua venda a cerca de € 400 (quatrocentos euros) o kilo, sobretudo para Espanha;
c) Na execução de tal plano, no dia 18 de Março de 2007, pelas 02h:40m, no Rio Liz, próximo da ETAR, na Marinha Grande, os arguidos procediam à pesca do meixão, utilizando para o efeito uma rede de pesca com 40 metros de comprimento e 2,30 metros de largura, com um saco de depósito de 4 metros de comprimento por 0,85 metros de largura, uma corda verde com chumbo com cerca de 44 metros, uma corda verde com cerca de 42 metros, tendo pescado um kilo de meixão.
d) No dia 11 de Outubro de 2007, cerca das 2h:00m, na margem esquerda do Rio Liz, num local denominado “Cais”, o arguido V... procedia à pesca de meixão, utilizando para o efeito uma rede com 28,50 metros de comprimento e 1,20 metros de altura e um saco de armazenamento do pescado com 12,30 metros de comprimento com 7,50 metros de perímetro na zona da rede principal e 3,80 metros de perímetro na extremidade, bem como um saco de transporte com 3 metros de perímetro e 0,90 metros de largura.
e) O arguido V... agiu de forma livre, voluntária e consciente, com vista à pesca de meixão para posterior venda, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
f) Os arguidos agiram em comunhão de esforços e vontades na prossecução do plano por si delineado.
g) O arguido L... agiu da forma descrita em 4) dos factos provados para posteriormente proceder à venda do meixão.
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4. Relativamente à motivação da decisão de facto, consignou-se:
A convicção do tribunal, quanto aos factos provados, baseou-se:
- nos autos de apreensão de fls. 3, 63 a 66, 159 e 185;
- nos relatórios fotográficos de fls. 72 a 105;
- no parecer técnico e respectivos anexos, que constam a fls. 210 a 226;
- nos documentos de fls. 169 a 172 (livrete de actividade de embarcações de pesca local, referente ao arguido L..., e rol de tripulação);
- na cópia da licença n.º 124/2007, emitida pela Capitania do Porto de Caminha, respeitante ao arguido L..., a fls. 173 e 365;
- na cópia do edital n.º 157/2006, de 23.08.2006, a fls. 363;
- na cópia da licença n.º 218/2001 para o exercício da pesca do meixão com rapeta, a fls. 364;
- na cópia da licença n.º 8/2007, emitida pela Capitania do Porto de Caminha, respeitante ao arguido L..., a fls. 366;
- na cópia da licença n.º 2894/2008, emitida pela Capitania do Porto de Caminha, respeitante ao arguido L..., a fls. 367;
- nos esclarecimentos prestados pela Sr.ª Perita, Dr.ª RM…, a qual elaborou o parecer técnico e afirmou que a pesca de meixão apenas é permitida no Rio Minho, sendo que no Rio Lis é proibida pois a capitania nunca autorizou essa arte neste rio. Além disso, de acordo com a análise que efectuou às redes de pesca apreendidas, designadamente nos dias 18.03.2007 e 11.10.2007, as mesmas nunca seriam permitidas no Rio Minho, atenta, nomeadamente, a dimensão da malha, pois as telas usadas no Rio Minho são construídas com rede mosquiteira, cuja malha quadrada mede, pelo menos, 2mm de lado, mas não têm “asas”, uma espécie de panos de rede que ladeiam o saco e conduzem o meixão para esse mesmo saco, como as que se mostram apreendidas nestes autos;
- no depoimento prestado pelo agente da GNR, M..., o qual esteve envolvido na busca efectuada à residência e anexos do arguido L..., em 19 de Março de 2007, tendo, na sequência da mesma, efectuado a apreensão de vários objectos que se mostram descritos no auto de fls. 63 a 66;
- no depoimento prestado pelo sargento-ajudante da GNR, F..., o qual também participou na busca e apreensão efectuada à residência e anexos do arguido L..., relatando ainda outras duas situações, uma delas ocorrida na segunda quinzena de Março de 2007, em que o mesmo se deslocou ao rio Lis, depois da meia noite pois havia suspeita de ali se proceder à pesca de meixão. Refere que aguardou no local, desconhecendo que no sítio onde estava havia sido montada uma rede para apanha de meixão. Apercebeu-se da chegada de vários indivíduos, os quais, tendo suspeitado a presença de alguém no local, voltaram atrás e quando regressaram vinham com uma “pilha”. A testemunha identificou-os como sendo os arguidos, o pai de um deles (do Vítor) e um outro indivíduo de nome M.... Os mesmos negaram que a rede lhes pertencesse sendo que nessa ocasião encontrava-se no local uma “fateixa” que a testemunha esqueceu; quando aí voltou para a ir buscar, a mesma já lá não se encontrava, vindo a reconhecê-la depois na residência do arguido L… .
Refere ainda esta testemunha que, novamente em Outubro de 2007, depois da meia-noite, deslocou-se ao rio Lis, juntamente com o cabo da GNR O... e a militar da GNR, G…. O cabo O... ficou junto à viatura tendo a testemunha e a cabo G... vestido fatos próprios para entrarem na água. Quando entraram no rio viram uma rede e dois indivíduos, sendo que estes preparavam-se para deitar a rede ao rio. Afirma que estes fugiram, tendo reconhecido um deles, o arguido L..., tendo-lhe ainda pedido para parar. Esta versão é corroborada pela cabo G..., a qual refere que o foco de luz que traziam foi apontado na direcção da rede e de um dos indivíduos o qual ainda parou depois de o sargento lhe ter dito que já o tinha identificado, no entanto, o mesmo prosseguiu na fuga, sendo mais rápidos, pois usavam fatos de mergulho. Nesse dia, pouco depois destes factos, dirigiram-se à residência do arguido L..., o qual estava junto à garagem. Reconheceu-o como sendo aquele que estava no rio e que havia fugido. Mais referem estas testemunhas que procederam à apreensão da rede.
Da conjugação destes depoimentos, conclui-se não ser possível imputar quaisquer factos ao arguido V… pois nenhum elemento probatório permitiu inferir que o mesmo interveio em algum dos momentos descritos na acusação.
Já no que se refere ao arguido L... importa referir que da análise conjugada de todos os elementos de prova considerados e que se apresentaram credíveis – nomeadamente os depoimentos das testemunhas F... e G..., que se revelaram isentos e espontâneos – e de acordo com as regras da lógica e da experiência comum, é possível extrair a conclusão de que o mesmo, em 11 de Outubro de 2007, pelas 2:00h, encontrava-se no rio Lis com o propósito de proceder à pesca. Importa, para o efeito, ter em consideração não apenas a sua presença, reconhecida pelas testemunhas acima referidas, àquela hora, no rio, bem como a circunstância de próximo de si, e quando detectado, se encontrar a rede que veio a ser apreendida.
De salientar ainda que os autos (cfr. documentos supra referidos em conjugação com o depoimento de A...) revelam que o arguido possui uma embarcação (específica para a água do mar) e possui licença para pescar meixão no Rio Minho, contudo, a pesca do meixão está interdita no rio Lis.
No que tange à situação pessoal e condições sócio-económicas consideraram-se as declarações prestadas pelos arguidos, no final da audiência.
Relativamente à ausência de antecedentes criminais, consideraram-se os respectivos certificados do registo criminal, a fls. 345 e 346.
Importa frisar que do confronto e análise crítica da prova produzida e examinada em audiência foi possível ao Tribunal dar como provados os factos descritos, sendo que em relação aos factos não provados, uma vez que, nessa parte, não se efectuou prova credível e suficiente quanto à matéria vertida na acusação, a resposta derivou negativa.
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5. Alterabilidade da matéria de facto:
O recorrente impugna expressamente os pontos 4), 7) e 8) da matéria de facto provada.
A base probatória da impugnação reconduz-se à exegese crítica dos autos de apreensão relativos às “artes de pesca” descritas a fls. 3, 63 a 66, 159 e 185, e à incorrecta, segundo o recorrente, consideração e avaliação: desses autos; dos documentos de fls. 169 a 172 (livrete de actividade de embarcação de pesca referente ao arguido e rol de tripulação), 364, 365, 366 e 367 (licenças de pesca, relativas aos anos de 2001, 2007, 2007/2008 e 2008/2009, emitidas, pela Capitania do Porto de Caminha, a favor do arguido), 363 (cópia do edital n.º 157/2006, de 23.08.2006); dos esclarecimentos da Sr.ª Perita Sr.ª Dr.ª RM…; dos depoimentos das testemunhas M…, F... e G....
Contrapõe o recorrente: considerados os referidos meios de prova, os factos em causa devem ser dados como não provados; ao invés, perante os documentos acima individualizados, deverão ser aditados à factualidade provada os seguintes factos:
- O recorrente é pescador e possui uma embarcação de pesca local, denominada “J…”, e faz parte do rol de tripulação de outra embarcação, designada “X…”;
- A pesca do meixão no Rio Minho não é proibida (pelo menos nas épocas definidas pela Capitania do respectivo Porto);
- O arguido tem licença para pescar o meixão.
As objecções do recorrente à validade dos “autos de apreensão” são destituídas de todo e qualquer apoio legal.
De acordo com o disposto no artigo 178.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, são apreendidos os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime, os que constituírem o seu produto, lucro, preço ou recompensa, e bem assim todos os objectos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros susceptíveis de servir de prova.
Analisados os autos em causa, todos eles se reportam à apreensão, na fase de inquérito, de variado material, por fundadas suspeitas, então existentes, de ter sido ou poder ser utilizado em acções de pesca ilegal.
Também não pode ser aceite o sugerido aditamento à factualidade provada dos pontos de facto referidos supra, uma vez que eles são manifestamente irrelevantes à questão de saber se o arguido praticou o crime que lhe está imputado na acusação pública e pelo qual veio a ser condenado em 1.ª instância. Efectivamente, os factos que o libelo acusatório descreve [pesca de meixão (enguia-bebé ou enguia em forma larvar), mediante utilização de redes], terão ocorrido no Rio Liz, sendo manifestamente indiferente à (in)existência do crime de pesca daquela espécie proibida (meixão) em local não permitido (Rio Lis) o circunstancialismo referido pelo recorrente, ou seja, se este possui uma embarcação de pesca e faz parte do rol de tripulação de outra, e se tem licença para pesca de enguias em forma larvar no Rio Minho.
Passando à apreciação do ponto 4 do acervo factológico provado, no auto de fls. 185 - elaborado pelos agentes da GNR, de Vieira de Leiria, F... e G… -, é referida a apreensão de uma rede, utilizada na captura de enguia bebé, e respectivo saco de transporte, que se encontrava colocada na margem esquerda do Rio Liz, num local denominado “Cais”.
Consta ainda do auto de fls. 185:
- A rede, amarrada nas extremidades por estacas, possui um saco, também em rede, situado sensivelmente ao meio daquela, destinado a armazenar o pescado;
- A rede é em malha bastante reduzida, de plástico, tipo “rede mosquiteira”. Tem de comprimento 28,50 m e altura 1,20 m. O saco de armazenamento do pescado possui 12,30 m de comprimento, 7,50 m de perímetro na zona da rede principal e 3,80 m de perímetro na extremidade.
Os depoimentos, pormenorizados e convincentes, prestados em audiência de julgamento pelas testemunhas F… e G... são claramente elucidativos da actividade – pesca de meixão – que o arguido e indivíduo não identificado se propunham realizar, no dia 11 de Outubro de 2007, cerca das 2 horas, no Rio Liz, no local denominado “Cais”.
Efectivamente, esses depoimentos evidenciam, concordantemente, que, naquele local, no referido momento, próximo dum caniçal implantado na margem esquerda do Rio Lis, dentro de água, estava um saco contendo no interior uma rede cuja finalidade exclusiva era a pesca do meixão; o arguido L... encontrava-se junto ao saco e, perante o surgimento inesperado das testemunhas F... e G..., fugiu do local, tendo sido, no entanto, reconhecido pelos agentes de polícia criminal.
As características e destino da rede estão perfeitamente definidos no auto de apreensão já referenciado e, sobretudo, no relatório pericial a fls. 211/222. Trata-se de rede ilegal, também designada por tela, exclusivamente para a pesca do meixão, porquanto é construída com rede “mosquiteira”, cuja malha quadrada mede 1 mm de lado.
A partir destes factos, fazendo apelo ao razoável entendimento das regras de vida, são manifestamente compreensíveis laços de continuidade lógica a permitirem um seguro juízo de inferência de que: o arguido L... era proprietário/detentor da rede de pesca de meixão e do saco onde aquela estava guardada; o mesmo arguido se preparava para utilizar a rede na captura daquela espécie aquícola, não tendo atingido o seu propósito devido ao aparecimento dos agentes da GNR acima identificados.
Horizonte factológico mais vasto, nomeadamente a efectiva utilização da rede pelo arguido L... [cfr. ponto 4)], não logra sustentação nos meios de prova em análise.
Aliás, a julgadora de 1.ª instância usou de rigor na inquirição das testemunhas F... e G..., tendo em vista a determinação precisa do local onde se encontrava a rede. Daquelas obteve sempre a mesma resposta: esse instrumento estava acondicionado num saco, dentro de água, junto a um caniçal, na margem esquerda do Rio Liz.
Não obstante, sem a mínima base probatória, acabou por dar como provada, quanto ao arguido L..., a tese factual da acusação.
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6. Erro notório na apreciação da prova:
Dispõe o n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal:

«Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;

«c) Erro notório na apreciação da prova».

Como decorre expressamente da letra da lei, qualquer um dos elencados vícios tem de dimanar da complexidade global da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso, portanto, a quaisquer elementos que à dita decisão sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo o julgamento, salientando-se também que as regras da experiência comum “não são senão as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece” Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Editorial Verbo 2000, Vol. III, pág. 338/339..

O erro notório na apreciação da prova é prefigurável quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária ou visivelmente violadora do sentido da decisão e/ou das regras de experiência comum.

Percorrendo a globalidade da motivação de recurso, facilmente se vislumbra que o recorrente questiona, não o texto da decisão recorrida, mas sim o modo como o tribunal procedeu à apreciação da prova produzida em audiência de julgamento. Dito por outras palavras, apenas se verifica uma desconformidade entre a decisão de facto do tribunal a quo e a convicção sobre a prova firmada pelo próprio recorrente, divergência essa que, tendo estado na base da impugnação da matéria de facto, conduziu à reapreciação da prova, por este tribunal ad quem, nos termos acima expostos.

Assim, não obstante as alterações a introduzir na matéria de facto provada e não provada, é patente a inexistência do invocado vício da al. c) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP.


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Procedendo-se à modificação da matéria de facto [cfr. art. 431.º, al. b) do Código de Processo Penal], nos segmentos postos em destaque, os factos provados e não provados são os seguintes:

Factos provados:

Pontos 1), 2) e 3) – sem alteração.

4) No dia 11 de Outubro de 2007, cerca das 2h00m, na margem esquerda do Rio Liz, num local denominado “Cais”, o arguido L... e individuo cuja identidade não foi possível apurar, detinham, no interior de um saco - designado “saco de transporte” -, que se encontrava dentro de água, junto a um caniçal, com o propósito de imediata utilização na pesca de meixão, uma rede, com 28,50 metros de comprimento e 1,20 metros de altura, e um saco, situado sensivelmente a meio daquela, destinado à recolha de pescado.
41) O propósito de utilização da rede só não foi conseguido devido ao aparecimento, no local referido no ponto antecedente, de agentes da GNR.
Pontos 5), 6) e 7) – sem alteração;
8) Não ignorava o arguido que a pesca de meixão no Rio Lis era punida por lei criminal.
Pontos 9) a 19) – sem alteração.
Factos não provados:
Pontos a), b), c) e d) – sem alteração.
Ponto d1) No dia 11 de Outubro de 2007, cerca das 2:00 m, na margem esquerda do Rio Liz, num local denominado “Cais”, o arguido L... procedia à pesca de meixão, utilizando para o efeito a rede e o saco descritos no ponto 4) da factualidade provada.
Pontos e) a g) – sem alteração.

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Na modificação da matéria de facto, nos pontos assinalados, foram determinantes os fundamentos que pontualmente ficaram expostos.
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7. Da verificação do crime de pesca de espécie proibida:
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 54.º do Decreto Regulamentar n.º 7/2000, de 30 de Maio, é proibida a pesca do meixão.
Como decorre do relatório pericial a fls. 211/222, confirmado pelos documentos a fls. 363/367, a proibição da referida espécie aquícola comporta uma única excepção: a do Rio Minho, onde tem sido permitida a captura de meixão, em determinados períodos de cada ano, com utilização de telas sem “asas” (panos de rede que ladeiam o saco e conduzem o meixão para esse mesmo saco), construídas com rede “mosquiteira”, cuja malha quadrada deverá medir pelo menos 2 mm de lado.
Nos termos do artigo 2.º do Regulamento da Lei n.º 2097, aprovado pelo Decreto 44623 de 10 de Outubro de 1962, considera-se pesca não só a captura de peixes e outras espécies aquícolas, mas também a prática de quaisquer actos conducentes ao mesmo fim, quando realizados, para além do mais, nas águas dos rios ou nas margens delas.
Por seu turno, à luz do disposto no artigo 64.º do mesmo diploma, a pesca de espécies proibidas constitui crime punível com pena de prisão de 10 a 40 dias e multa.
Definido daquele modo o conceito (normativo) de pesca, a questão que de imediato se coloca consiste em saber se os actos descritos no ponto provado n.º 4) devem ser considerados actos conducentes à captura da espécie aquícola em causa (meixão).
A resposta é obviamente negativa.
Acção conducente é a própria, autonomamente adequada, a levar àquele fim.
A rede descrita e caracterizada naquele ponto de facto será apta à captura de meixão se devidamente utilizada. Embora nas águas de um rio, mas dentro de um saco, tal como sucedeu no caso dos autos, é um utensílio sem préstimo, inidóneo, à referida finalidade.
Afastada que está a consumação do crime de pesca de espécie proibida, mas prescrevendo o artigo 78.º do Regulamento da Lei n.º 2097 a punibilidade da tentativa, há que ver agora se o arguido deve/pode ser punido, pela prática daquele ilícito, nesta última forma.
Dispõe o artigo 22.º do Código Penal:
«1. Há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se.
2. São actos de execução:
a) Os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime;
b) Os que forem idóneos a produzir o resultado típico; ou
c) Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores».
Visto a configuração fáctica do caso em análise, importa considerar a hipótese da alínea c) do n.º 2 do artigo ora citado.
A doutrina tem explicitado que «se pode conferir relevo como de execução apenas ao acto que (assumindo as exigências de “normalidade social” requeridas pela alínea em exame) antecede imediatamente, sem solução de descontinuidade substancial e temporal, o acto cabido nas alíneas a) ou b)» do n.º 2 do artigo 22.º do CP» Cfr. Figueiredo Dias, in Direito Penal, Parte Geral, I, pág. 776..
Os actos referidos na alínea c) são, pois, os que, numa avaliação objectiva, evidenciam que o comportamento ainda formalmente atípico está tão estreitamente vinculado com a verdadeira acção executiva que se pode passar à fase decisiva do facto sem necessidade de passos intermédios essenciais Cfr. Jescheck, in Derecho Penal, Parte General, I, pág. 288..
Dito por outras palavras, a alínea c) do n.º 2 do artigo 22.º apenas abrange os actos que, tendo em conta o plano concreto do agente, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam, em estreita conexão temporal com eles, sem outros actos de permeio, actos do mesmo agente que preenchem um elemento constitutivo de um tipo de crime ou são idóneos a produzir o resultado típico.
No caso em apreço, a colocação, de uma rede, pelo arguido, nas águas do Rio Lis, dentro dum saco, com o propósito de utilização desse instrumento na captura de meixão, à luz da normal experiência de vida, é acto de natureza a fazer esperar que logo a seguir o arguido ultimaria a execução do crime, através do uso da referida “arte” de pesca.
Consequentemente, incorreu o arguido na prática de um crime de pesca de espécie proibida (meixão) na forma tentada.
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À luz dos critérios determinativos da pena concreta considerados na sentença recorrida, temos como justa e adequada a pena de 15 (quinze) dias de prisão, substituída por igual tempo de multa, à taxa diária de € 6,00, e multa de € 15 (quinze euros), perfazendo o total € 105 (cento e cinco euros).
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As redes apreendidas no âmbito deste processo destinam-se exclusivamente à captura de meixão, não sendo permitidas, face às características que possuem (malha quadrada com 1 mm de lado) e com “asas”), para o exercício da pesca em qualquer formação aquática, pública ou particular.
O mesmo sucede com os 4 sarrifos ou rapetões devidamente identificados a fls. 212/216/218.
Assim, nenhuma censura merece a decisão recorrida por ter declarado perdidos a favor do Estado, nos termos das disposições legais que estão invocadas, aqueles instrumentos.
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III. Dispositivo:
Posto o que precede, decide-se alterar, quanto à qualificação jurídica e pena aplicada, a decisão recorrida, ficando o arguido L… condenado, pela prática de um crime de pesca de espécie proibida, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 54.º do Decreto Regulamentar n.º 7/2000, de 30 de Maio, 2.º, 64.º e 78.º, do Decreto 44623, de 10 de Outubro de 1962, que aprovou o Regulamento da Lei n.º 2097, na pena de 15 (quinze) dias de prisão, substituída por igual tempo de multa, à razão diária de € 6,00, e multa de € 15 (quinze euros), perfazendo o total € 105 (cento e cinco euros).
No mais, quanto à declaração de perda a favor do Estado dos objectos descritos supra (16 redes e 4 sarrifos ou rapetões) e à entrega dos demais bens apreendidos ao arguido L..., mantém-se a decisão recorrida.
Custas pelo arguido, com 2 UC de taxa de justiça (artigos 513.º, n.º 1 e 514.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal e artigos. 82.º, n.º 1 e 87.º, n.ºs 1, al. b), e 3, do Código das Custas Judiciais).

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(Processado e revisto pelo relator, o primeiro signatário)

Coimbra, 28 de Outubro de 2009

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(Alberto Mira)

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(Elisa Sales)