Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | FALCÃO MAGALHÃES | ||
| Descritores: | EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA FASE ADMINISTRATIVA FUNÇÕES DO JUIZ SUSPENSÃO DO PROCESSO | ||
| Data do Acordão: | 11/06/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DE ÁGUEDA – 2º JUÍZO | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | PROVIDO | ||
| Legislação Nacional: | ARTºS 279º CPC; 42º, NºS 1 E 2, AL. A), E 54º DO CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES (NA REDACÇÃO DA LEI Nº168/99, DE 18/09) | ||
| Sumário: | I – Julgada procedente a reclamação efectuada ao abrigo do artº 54º do Código das Expropriações, o processo administrativo expropriativo passa a correr termos no Tribunal de Comarca do local da situação do bem ou da sua maior extensão, passando o Juiz de Direito respectivo a desempenhar as funções que “ab origine” cabiam à entidade expropriante – artºs 42º, nºs 1 e 2, al. a), e 54º, nºs 1, 4 e 5 do C. Expropr.
II - Em procedimento administrativo relativo a expropriação declarada de utilidade pública com carácter de urgência, remetido ao Tribunal Judicial na fase da vistoria ad perpetuam rei memoriam e aí a correr termos por força do disposto nos artºs 42º, nºs 1 e 2, al. a), e 54º, do Código das Expropriações, não é motivo da suspensão prevista no artº 279º, nº 1, do CPC, a pendência, no Tribunal Administrativo, de recurso contencioso de anulação respeitante àquela declaração. III – Assim, não pode o Juiz a quem cabe, nos termos dos artºs 54º, nº 1, e 42º, nº 1, al. a), do C. Expropr., as funções da entidade administrativa expropriante, decretar, com fundamento na pendência do referido recurso contencioso no Tribunal Administrativo e no disposto no citado artº 279º, nº 1, do CPC, a suspensão da instância em tal procedimento. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I - A) Em 30 de Abril de 2002, a Assembleia Municipal de Águeda deliberou a utilidade pública e a atribuição de carácter de urgência à expropriação do prédio urbano sito na Rua 15 de Agosto, n.ºs 2 a 7, na cidade de Águeda - destinando-se a expropriação à rectificação do traçado das Ruas Manuel Alegre e 15 de Agosto, em concretização do Plano de Pormenor da Zona Central da Cidade -, prédio este que, descrito na Conservatória do Registo Predial de Águeda sob o n.º 03698 da freguesia de Águeda, tem como titulares inscritos A... (G1) e B... (G2 - provisória, por permuta), e se encontra inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 4562. Tal Deliberação foi publicada no Apêndice n.º 11/2001, do DR, II Série, n.º 25, de 30/01/2001. Em 21/10/2003, A... e B..., apresentaram no Tribunal Judicial de Águeda, reclamação ao abrigo do disposto no art.º 54 do Código das Expropriações (CE), aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18/09. Para o efeito, sustentaram os requerentes que, tendo apresentado na Câmara Municipal de Águeda uma reclamação contra a realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam, essa Câmara Municipal, não só não deu seguimento a tal reclamação, como realizou, depois da apresentação desta e à revelia deles, a diligência em causa, circunstância esta que deu azo a uma outra reclamação arguindo a irregularidade da vistoria, sem que, contudo, a Câmara Municipal haja remetido ao Tribunal Judicial, no prazo previsto no Art.º 54, n.º 1 do Código das Expropriações (CE), o processo expropriativo. O mencionado procedimento administrativo de expropriação foi avocado pelo Tribunal Judicial de Águeda (2.º Juízo) em 20/11/2003 (fls.187), para onde foi remetido e passou a correr termos. A referida reclamação veio a ser deferida (em 25/02/2004) pelo Tribunal Judicial de Águeda (1.º Juízo), que anulou a mencionada vistoria (fls. 292). Os ora agravados requereram nos autos n.ºs 477/2002, do Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, a suspensão da eficácia da aludida deliberação, pretensão que lhes foi negada por decisão desse Tribunal, decisão essa que, após vários recursos (para o Tribunal Central Administrativo, para o Supremo Tribunal Administrativo e para o Tribunal Constitucional) transitou em julgado. Também num outro processo - 104/04.TA09918 - que correu termos no Tribunal Administrativo e Tributário de Viseu, viram os ora agravados (com intervenção de várias instâncias - Tribunal Central Administrativo do Norte, Supremo Tribunal Administrativo e Tribunal Constitucional), negada, por decisão transitada em julgado, a sua pretensão de ver suspensa a eficácia da deliberação em causa. A Assembleia Municipal de Águeda emitiu várias deliberações, reconhecendo, para efeitos do disposto na 2.ª parte, do n.º 1, do artigo 128º do Código do Processo dos Tribunais Administrativos, que o diferimento por mais tempo da execução da mencionada deliberação de 30/04/2002, seria gravemente prejudicial para o interesse público. Nestes autos do Tribunal Judicial de Águeda, sobre requerimento efectuado em Junho de 2005 (fls. 514) por A..., em que este - invocando a necessidade de a Autarquia se pronunciar sobre requerimentos enviados a esta fornecendo novos elementos e insistindo pela declaração de nulidade da “declaração de expropriação” - pediu, com base na existência de motivo justificado para tal e no disposto no art.º 279, n.º 1, do C.P.C., que se suspendesse o processo por seis meses, recaiu o despacho de fls. 599, de 05/07/2005, que transitou e que é do seguinte teor: “Requerimento de fls. 514: Os presentes autos estão a ser tramitados pelo Tribunal em substituição da entidade expropriante por força da procedência da reclamação prevista no art. 54° Código das Expropriações. Assim aplicam-se a este processo as normas do Código das Expropriações. Nos termos do Código das Expropriações a instância só pode ser suspensa nos termos do art. 41 ° desse código, não tendo lugar a aplicação das normas de suspensão da instância previstas no Código Processo Civil. Assim, indefiro a requerida suspensão da instância.(...)”. Após vicissitudes várias, na sequência de solicitação que lhe foi feita (determinada por despacho de fls. 1324), o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra remeteu aos presentes autos a certidão que consta a fls. 1326 e ss., respeitante ao processo de recurso contencioso de anulação n° 478/2002 que nesse Tribunal Administrativo corre termos e em que os mencionados A... e B..., pedem que a supra referida Deliberação de 30 de Abril de 2002 seja declarada nula ou anulada. Junta que foi tal certidão, onde se refere não haver sido ainda proferida decisão final e da qual constam o requerimento inicial (entrado em juízo em 05/07/2002) e a contestação, o Exmo. Juiz do Tribunal “a quo”, em 17/4/2007, lavrou o despacho de fls. 1390 e ss., em que determina a suspensão da instância “...até ao trânsito em julgado da decisão final a proferir nos autos de recurso contencioso de anulação que correm os seus termos sob o n.º 478/2002 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra.”. B) Desse despacho agravou a Câmara Municipal de Águeda, que, a finalizar a sua alegação de recurso, apresentou as conclusões que se seguem: 1 - O presente processo não é um processo judicial, mas sim um processo administrativo de expropriação, cuja tramitação se encontra regulada nos artigos 10º a 51º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18/9, e que na sua fase litigiosa se inicia com a resolução de requerer a declaração de utilidade pública da expropriação prevista no artigo 10º do citado Código das Expropriações e se encerra com a adjudicação pelo juiz da propriedade e posse, salvo quanto a esta, se já houver posse administrativa, do prédio ou parcela de prédio objecto da expropriação, nos termos constantes da decisão arbitral, que homologa, e da sua notificação e da decisão arbitral à entidade expropriante e aos expropriados e demais interessados, tudo nos termos previstos no nº 5º do artigo 51º do Código das Expropriações. 2 - Não estamos, por isso, sequer ainda perante o conhecido impropriamente por processo judicial de expropriação litigiosa e que mais não é do que o recurso judicial da decisão arbitral que foi homologada pela decisão judicial que adjudicou, nos termos daquela, o imóvel ou parcela de imóvel objecto da expropriação e que se inicia com a interposição do recurso previsto nos artigos 52º, 58º a 66º do Código das Expropriações. 3 - Ao presente processo administrativo de expropriação aplicam-se as regras específicas do Código das Expropriações e relativamente às validade, invalidade e execução das resoluções e deliberações que o precederam ou que nele sejam tomadas e dos actos de carácter administrativo nele praticados aplicam-se as regras, não da Lei Civil e do Código de Processo Civil, mas sim as regras do processo administrativo consagradas no Código de Procedimento Administrativo e o regime processual e as medidas cautelares específicas do processo judicial administrativo, que até 31/1/2003 se regia pela Lei do Processo dos Tribunais Administrativos (LPTA) e que após 1/1/2004 se passou a reger pelo vigente Código do Processo dos Tribunais Administrativos. 4 - Estamos, por isso, perante um processo de carácter exclusivamente administrativo, que só não continuou a ser tramitado normalmente pela entidade expropriante nos termos previstos nos artigos 19º, 20º, 21º, 22º, 42º a 51 ° do Código das Expropriações, em razão de: - o mesmo ter sido remetido ao Tribunal Judicial de Águeda nos termos do nº 2 do artigo 54° do Código das Expropriações, por força de nele ter sido arguida pelos expropriados a nulidade da realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam prevista no artigo 21º do Código das Expropriações, que foi efectuada quando da admissão com efeito meramente devolutivo dum recurso por oposição de julgados interposto para o Supremo Tribunal Administrativo pelos expropriados do Acórdão do Tribunal Central Administrativo de 23/3/2003, que confirmara a sentença da 1.ª instância do Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra proferida no processo n.º 477/02 da suspensão de eficácia da deliberação da Assembleia Municipal de Águeda que declarou a utilidade pública e urgência da expropriação em causa e que negara a suspensão de eficácia, processo esse que se encontra apenso aos autos do recurso contencioso de anulação da mesma deliberação pendente actualmente no TAF (Tribunal Administrativo e Fiscal) de Coimbra sob o n.º 478/2002, e pelo facto de o efeito desse mesmo recurso ter vindo a ser alterado para suspensivo pelo STA no próprio Acórdão de 28/10/2003 em que julgou não haver oposição de julgados; - a referida nulidade ter sido declarada pelo Tribunal Judicial de Águeda e, por força disso, o Tribunal ter avocado o processo e, nos termos do disposto no nº 5 do artigo 54° e do nº 2 do artigo 42º, ambos do Código das Expropriações, as funções da entidade expropriante terem passado a caber ao juiz de direito do local da situação do bem ( sic). 5 - Por essa razão, o presente processo administrativo de expropriação permaneceu no tribunal de Águeda após a declaração daquela nulidade, onde foi redistribuído, razão por que, nos termos dos citados artigos 54°, n° 5, e 42°, n° 2 do Código das Expropriações, passou a caber ao juiz respectivo exclusivamente o exercício das funções da entidade expropriante e, consequentemente, apenas a prática dos actos administrativos que no aludido processo administrativo caberia à entidade expropriante praticar, designadamente ordenar a realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam prevista no artigo 21º e a tomada de posse administrativa do prédio por parte da entidade expropriante nos termos dos artigos 20º e 22º, todos do Código das Expropriações, dado que a deliberação de utilidade pública da expropriação atribuiu-lhe carácter de urgência ( artigo 15º, nº 2 do Código das Expropriações), e promover a arbitragem - e não o exercício de qualquer função jurisdicional ou judicial. 6 - Ou seja, o presente processo administrativo de expropriação, não obstante passar a correr seus termos pelo tribunal, não mudou de natureza e não passou a assumir o carácter e natureza de processo judicial, mas sim manteve e mantém, por isso, a sua natureza de processo administrativo, encetado em execução da deliberação de declaração da utilidade pública e urgência da expropriação do prédio em causa tomada por deliberação de 30/04/2002 da Assembleia Municipal de Águeda, pelo que ele que terá que seguir os normais trâmites administrativos previstos nos artigos 19º, 20º, 21º, 22º, 38º, 39º, 40º, 41º, 42º, 43º, 44º, 45º, 46º, 47º, 48º, 49º, 50º e 51º do Código das Expropriações. 7 - Neste processo administrativo de expropriação incumbe, pois, ao Juiz a quem ele coube, não o exercício da sua função judicial, mas sim o mero exercício da função de promotor, em substituição da entidade expropriante, dos actos que a esta caberia promover para levar o processo administrativo de expropriação litigiosa até à fase da sua normal remessa para tribunal para se proceder à decisão de adjudicação judicial e posse do imóvel ou parcela de imóvel expropriada, nos termos previstos no artigo 51º do Código das Expropriações. 8 - Uma vez que se está no domínio do processo administrativo de expropriação, ou se se preferir na fase administrativa do processo de expropriação, a execução da deliberação acima referida de reconhecimento da utilidade pública e urgência da expropriação e, por isso, o andamento do presente processo administrativo de expropriação que dá execução a essa deliberação e a promoção da prática dos actos administrativos próprios desse processo administrativo, designadamente a realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam, a investidura da entidade expropriante na posse administrativa do imóvel e a promoção da realização da arbitragem, legalmente só poderiam ser suspensos: a) no caso de falecimento na sua pendência de algum interessado, mas apenas e só após a notificação à entidade expropriante da adjudicação da propriedade e posse, esta no caso de não ter havido investidura administrativa, (artigo 410 do Código das Expropriações), o que significa que, ao contrário dum processo judicial, no caso de falecimento de um interessado na sua pendência o processo administrativo não se suspenderia imediatamente e, pelo contrário, prosseguiria ainda assim os seus termos até à adjudicação judicial da propriedade e posse a fazer pelo juiz, nos termos previstos no artigo 51º, nº 5, do mesmo Código das Expropriações, e seria já ao Juiz, no exercício da sua função judicial, que caberia ordenar a suspensão da instância com esse fundamento; b) por força da instauração de uma providência cautelar de suspensão de eficácia da deliberação de declaração de utilidade pública e urgência da expropriação que aquele processo administrativo executa, como preliminar ou por dependência do recurso contencioso de anulação daquela deliberação, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 76º e segs. da então vigente L.P.T.A., ou nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 112º e segs. do actualmente vigente C.P.T.A., salvo se a entidade administrativa requerida tomar a resolução prevista no artigo 80º da L.P.T.A e actualmente no artigo 128º do C.P.T.A, hipótese em que só a procedência duma tal providência cautelar suspenderia a execução duma tal deliberação. 9 - No processo administrativo de expropriação estamos perante matéria de carácter exclusivamente administrativo de que só os tribunais administrativos têm competência para conhecer, não cabendo aos tribunais comuns competência para ordenar a suspensão do andamento de processos administrativos de expropriação encetados em execução de deliberações administrativas e que, por ele, passam a tramitar-se apenas por força do disposto no artigo 54º, nº 5 e 42, nº 2, ambos do Código das Expropriações, segundo os quais ao Juiz do Tribunal da comarca da situação dos bens apenas cabe o exercício das mesmas funções que caberia à entidade expropriante se esses processos continuassem a ser tramitados por ela e perante ela. 10 - Na pendência deste concreto processo administrativo de expropriação, quer enquanto ele foi tramitado pela entidade expropriante, quer quando passou a ser tramitado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Águeda, por as funções da entidade expropriante terem sido assumidas pelo Juiz da comarca nos termos do n.º 2 do artigo 42º do Código das Expropriações, foi várias vezes ( três) requerida pelos expropriados a suspensão de eficácia da deliberação de declaração de utilidade pública e urgência da expropriação do prédio em causa e de todas elas a suspensão de eficácia lhes foi indeferida, conforme está abundantemente demonstrado nos autos pelas cópias das respectivas decisões que lhes foram juntas. 11 - Acresce que, tal como está também abundantemente demonstrado documentalmente nos autos, relativamente às duas últimas providências cautelares de suspensão de eficácia da citada deliberação de reconhecimento da utilidade pública e urgência da expropriação do prédio aqui em causa, foram tomadas pela Assembleia Municipal de Águeda as deliberações previstas no artigo 128º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, razão por que a instauração e pendência daquelas duas providências cautelares nem sequer era legalmente hábil para por si só impedir a normal tramitação administrativa do presente processo de expropriação. 12 - Ao andamento dum processo administrativo de expropriação que executa uma deliberação de declaração de utilidade pública e urgência duma expropriação não obstam quaisquer causas prejudiciais pendentes num qualquer tribunal, designadamente, a pendência dum recurso contencioso de anulação da deliberação que executa, já que à execução desta deliberação e ao andamento do processo administrativo de expropriação que a executa e à prática neste dos actos administrativos que lhe são próprios apenas pode obstar a instauração, como preliminar ou por apenso àquele recurso contencioso de anulação, duma providência cautelar de suspensão da sua eficácia - e ainda assim só se não for tomada a deliberação prevista na segunda parte do nº 1 do artigo 128º do C.P.T.A.- ou a sua procedência ( Vide artigos 112º, nº 2, al. a), 113º, 114º e segs do C.P.T.A e anteriormente artigos 76º,77º,78º 79º, 80º e 81º da L.PT.A.). 13 - Por força do disposto nas leis processuais administrativas, que são as que o Juiz do Tribunal de Águeda, no exercício das funções que cabiam à entidade expropriante, tem que fazer cumprir, a pendência dum recurso contencioso de anulação duma deliberação de reconhecimento da utilidade pública e urgência duma expropriação jamais pode constituir obstáculo à total tramitação do processo administrativo de expropriação instaurado em execução daquela deliberação, quando as sucessivas providências cautelares de suspensão de eficácia instauradas para tentar sustar tal execução foram todas indeferidas. 14 - Daí que ao Juiz que movimenta o processo administrativo de expropriação, no mero exercício das funções que nele cabiam à entidade expropriante, não é legalmente admitido por sua iniciativa, já que está a desempenhar as funções duma entidade administrativa (a entidade expropriante) - e não uma função judicial que na hipótese apenas caberia desempenhar ao Juiz do Tribunal Administrativo -, ordenar a suspensão da instância do processo administrativo de expropriação que executa uma deliberação de declaração de utilidade pública e urgência duma expropriação com fundamento em que pende no TAF de Coimbra com o nº 478/2002 um recurso contencioso de anulação da deliberação que executa e cuja decisão seria prejudicial do andamento do processo administrativo de expropriação, quando está devidamente documentado nos autos que foi pelo menos três vezes recusada por decisões devidamente transitadas, após recursos até ao Supremo Tribunal Administrativo e até ao Tribunal Constitucional, a suspensão da eficácia da mesma deliberação em processos cautelares instaurados pelos expropriados para esse efeito, dois deles por apenso ao citado recurso contencioso de anulação nº 478/2002 do TAF de Coimbra. 15 - O equívoco de tal despacho é tal que nem sequer se apercebeu que através dele o juiz que desempenha as funções administrativas que cabiam à entidade expropriante concedeu na prática aos expropriados o que nos processos judiciais legalmente adequados e únicos admissíveis para o efeito - as providências cautelares de suspensão de eficácia - lhes foi sucessivamente negado pelos tribunais competentes para o efeito, violando as decisões judicias transitadas em julgado proferidas por estes tribunais, 16 - Uma vez que o despacho proferido a de fls. 1390 a 1394 destes autos de processo administrativo de expropriação pelo Juiz a quem cabe exclusivamente exercer as funções da entidade expropriante e que, exorbitando delas, determinou a "suspensão da instância" do processo administrativo de expropriação até ao trânsito em julgado da decisão final a proferir nos autos do recurso contencioso de anulação nº 478/2002 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (?!) produziria na prática o efeito de suspender a eficácia e a execução da deliberação de reconhecimento da utilidade pública e urgência da expropriação, não obstante tal suspensão tenha sido sucessivamente três vezes indeferida aos expropriados pelos únicos tribunais competentes para o efeito - os tribunais administrativos - conforme resulta das sucessivas decisões que se encontram juntas a estes autos. 17 - E tal despacho está em franca oposição com as sucessivas decisões judiciais tomadas sobre tal matéria pelos únicos tribunais com competência e jurisdição para o efeito - os tribunais administrativos - violando na prática claramente o caso julgado que se formou sobre as três decisões dos tribunais administrativos que negaram a suspensão de eficácia da deliberação que o presente processo administrativo de expropriação executa e o disposto no artigo 671º do Código do Processo Civil. 18 - Com efeito, com o despacho recorrido os expropriados obteriam aquilo que até agora não conseguiram com os sucessivos procedimentos cautelares de suspensão de eficácia que lhe foram sucessivamente todos indeferidos e que era a suspensão do andamento do processo administrativo de expropriação que até agora lhes viram sempre ser negada nos tribunais competentes para o efeito - os tribunais administrativos - depois de, com os sucessivos expedientes dilatórios de que lançaram mão e os sucessivos requerimentos apresentados neste processo administrativo de expropriação, terem conseguido inexplicavelmente na prática a paralisação do andamento do processo administrativo de expropriação durante 5 anos, despacho este que foi proferido exactamente quando se esgotaram os expedientes dilatórios de que os expropriados têm lançado mão e quando nada mais havia que pudesse impedir a normal tramitação deste processo pelo Juiz do Tribunal, assumindo as funções de entidade expropriante, dos procedimentos administrativos previstos nos artigos 19º, 20º, 21º e 22º do Código das Expropriações e que há muito deveria ter desencadeado no exercício das funções que lhe cabem em substituição da entidade expropriante, 19 - A qual nem sequer teria jurisdição ou competência, tal como acontece com o Juiz deste processo, como mero promotor, que é, em substituição daquela, da tramitação própria do processo administrativo de expropriação, para proferir um tal despacho de suspensão da instância com base numa questão que a própria lei que lhe é aplicável não considera impeditiva da execução da deliberação em causa nessa questão. 20 - Neste processo ao Juiz cabe exclusivamente exercer as mesmas funções e praticar os mesmos actos que caberiam à entidade expropriante, promovendo os diversos actos que o Código das Expropriações prevê serem executados numa expropriação por utilidade pública urgente até à sua remessa para tribunal para homologação da decisão arbitral e adjudicação da propriedade à entidade expropriante e no exercício dessas suas funções não lhe cabe proferir despachos de natureza e carácter jurisdicional, a não ser nos casos de reclamações previstas no artigo 54º do Código das Expropriações. 21 - Consequentemente, não estando investido numa função jurisdicional e intervindo apenas num processo administrativo, em substituição da entidade expropriante, para promover e praticar os actos de natureza administrativa carecia o Mm.º Juiz a quo de jurisdição ou de competência para por sua própria iniciativa proferir num processo administrativo, em que apenas intervém em substituição de uma das partes nele intervenientes (a entidade expropriante) um despacho de natureza jurisdicional como é o caso do despacho recorrido, em que aprecia a eventual existência duma causa prejudicial e, tal como se o presente processo fosse um processo judicial, determina a sua suspensão até ao trânsito em julgado do recurso contencioso de anulação nº 478/2002 do TAF de Coimbra. 22 - O despacho recorrido, para além de enfermar do vício de falta de jurisdição ou de competência para o proferir por parte do Juiz a quo, viola o disposto nos artigos 42º, 19º, 20º, 21º, 22º, 41º, 42º a 51º do Código das Expropriações, e os artigos 76° a 81° da então vigente L.P.T.A. e os artigos 112º e segs. do actualmente vigente C. P. T.A., o artigo 671º do C.P.C. e faz uma indevida aplicação do artigo 279º, nº 1, do C.P.C. num processo administrativo de expropriação em que o Mmo Juiz a quo desempenha, não funções jurisdicionais, mas funções de natureza meramente administrativa. Pugnando pelo provimento do recurso, terminou a agravante pedindo a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que promova o imediato prosseguimento do processo administrativo de expropriação com a realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam, a tomada de posse administrativa por parte da entidade expropriante e a realização da arbitragem...”. Os agravados apresentaram contra-alegações, no termo das quais, defendendo que ao agravo seja negado provimento, pedem a manutenção do despacho recorrido. Na 1.ª Instância foi proferido despacho sustentado o decidido (fls. 1484). Corridos os vistos e nada a isso obstando, cumpre decidir. II - Em face do disposto nos art.ºs 684, nº 3 e 4, 690, nº 1 e 749 do CPC, o objecto do recurso delimita-se, em princípio, pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do conhecimento das questões de que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 660, “ex vi” do art.º 713, nº 2, do mesmo diploma legal. A questão a resolver consiste em saber se podia o Mmo. Juiz “a quo” decretar a suspensão da instância com base no disposto no art.º 279, n.º 1, do CPC, e na consideração da pendência, no Tribunal Administrativo, de recurso contencioso para anulação da declaração de utilidade pública do prédio objecto do procedimento expropriativo. Ou, dizendo de outro modo, pormenorizando-a mais: consiste tal questão, em saber se, em procedimento administrativo relativo a expropriação declarada de utilidade pública e de carácter urgente, remetido ao Tribunal Judicial na fase da vistoria ad perpetuam rei memoriam e aí a correr termos por força do disposto nos art.ºs 42.º, n.º 1 e 2, al. a) e 54.º, do CE, é motivo da suspensão prevista no art.º 279.º, n.º 1, do CPC, a pendência, no Tribunal Administrativo, de recurso contencioso de anulação respeitante àquela declaração. Esta é a questão que cumpre a este Tribunal resolver e com a qual não se confundem os argumentos, aliás, doutos, que as partes esgrimem nas respectivas alegações e que, podendo, para benefício da decisão a tomar, ser abordados pelo Tribunal não constituem, verdadeiramente, questões que a este caiba solucionar (Cfr. Ac. do S.T.J. de 09/10/1997, proc. n.º 180/97, da 2ª secção [Com sumário na página da Internet do STJ, acessível no endereço http://www.stj.pt/?idm=32.]). III - A) A factualidade que interessa à decisão do presente recurso é a que se relata em I - A) supra. B) Vejamos, então, se assiste razão à Agravante. Como se sabe, a Constituição da República Portuguesa (CRP), proclamando a garantia do direito à propriedade privada, estabelece que a expropriação por utilidade pública só pode ser efectuada com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização (art.º 62, n.ºs 1 e 2). Na Lei Ordinária este principio encontra desde logo assento no Código Civil (art.ºs 1308.º e 1310.º). No Código das Expropriações (no caso, o aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro [No caso, tendo em conta que a Declaração de Utilidade Pública (DUP) datou de 30/04/2002, aplica-se o CE na versão anterior àquela que foi introduzida pela Lei 13/2002, de 19/02, que, por força do seu art.º 9.º e do art.º 5º, da Lei 4-A/2003, de 18/03, só entrou em vigor em 1/1/2004.]) encontra-se estabelecido o conjunto de regras a seguir com vista a alcançar, por um lado, a finalidade de colocar o bem em causa na disponibilidade da entidade expropriante, por outro, atingir o desiderato da atribuição da “justa indemnização” apontado nos preceitos legais supra citados e que este Código começa também logo por referir do seu art.º 1.º [É o seguinte, o teor do preceito: «Os bens imóveis e os direitos a eles inerentes podem ser expropriados por causa de utilidade pública compreendida nas atribuições, fins ou objecto da entidade expropriante, mediante o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização nos termos do presente Código.».]. Sendo possível surpreender no conjunto dos actos relativos à expropriação por utilidade pública, uma fase administrativa e uma fase judicial, fazem claramente parte da 1.ª, a vistoria ad perpetuam rei memoriam, a posse administrativa do bem em causa e a realização da arbitragem [A isto não obsta que, quanto à decisão arbitral (tendente à fixação de indemnização em processo de expropriação), seja comummente aceite atribuir-se natureza jurisdicional – Cfr. Ac do STJ de 15/10/98, proc n.º 98B654 e Ac do STJ de 28/01/99, processo n.º 98B1108, ambos acessíveis na Internet através do endereço http://www.stj.pt/?idm=32&midm=32.]. Nesta fase administrativa, o procedimento expropriativo - chamemos-lhe assim, para o distinguir do processo na fase judicial, de que faz inegavelmente parte, na expropriação litigiosa, o recurso da arbitragem previsto nos art.ºs 58 e ss. do CE - corre, em regra, na entidade expropriante, que deve promover os respectivos termos, designadamente, como resulta dos art.ºs 20, n.º 6 e 21.º, a vistoria ad perpetuam rei memoriam, destinada a fixar os elementos de facto susceptíveis de desaparecerem e cujo conhecimento seja de interesse ao julgamento do processo. Julgada procedente a reclamação efectuada ao abrigo do art.º 54.º do CE, o processo administrativo expropriativo passa a correr termos no Tribunal de Comarca do local da situação do bem ou da sua maior extensão, passando o Juiz de Direito respectivo a desempenhar as funções que “ab origine” cabiam à entidade expropriante. É o que se extraí do disposto no art.º 42.º, n.º 1 e 2, al. a) e no art.º 54.º, n.ºs 1, 4 (a contrario) e 5, ambos do CE. Significa esta atribuição legal de funções ao juiz, uma garantia de legalidade justificada pela comprovação de uma reclamada situação desrespeitadora de interesses que o art.º 2.º do CE impõe [Art.º 2.º: «Compete às entidades expropriantes e demais intervenientes no procedimento e no processo expropriativos prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos expropriados e demais interessados, observando, nomeadamente, os princípios da legalidade, justiça, igualdade, proporcionalidade, imparcialidade e boa fé.».] deverem ser acautelados, sem que haja, contudo, qualquer alteração na natureza do processo que correu termos na entidade administrativa expropriante. Estando-se, no caso que os presentes autos versam, na fase administrativa, ao Juiz do Tribunal para onde, nos termos do referido art.º 54, foi remetido o processo em causa - Juiz do Tribunal Judicial de Águeda - cabia executar as funções que, no normal “iter” expropriativo, caberia à entidade expropriante levar a cabo (designadamente e desde logo, promover a realização da referida vistoria). Isto não significa, diga-se já, que o Mmo. Juiz do Tribunal em causa, ao proferir o despacho recorrido, suspendendo a instância, tenha extravasado a sua competência. O juiz “a quo” está, obviamente, legitimado a decretar a suspensão da instância nos processos da competência do respectivo Tribunal. A competência do Tribunal Judicial de Águeda, no que concerne ao presente processo, já se viu, foi-lhe deferida pelas citadas disposições do CE. Assim, reportando-se a competência ao Tribunal e sendo que esta é a medida da sua jurisdição, nenhuma dúvida legítima pode suscitar a afirmação de que a matéria a que respeitam os autos encontra-se no âmbito da competência do Tribunal Judicial de Águeda e, consequentemente, do Juiz titular do mesmo. Coisa diversa e que é a que, a nosso ver, importa apurar, é a de saber se o procedimento expropriativo em causa pode comportar uma suspensão ancorada no preceituado no art.º 279, n.º 1, do CPC. Adiante-se, também, que um tal despacho de suspensão da instância não equivale a uma decisão de suspensão de eficácia do acto administrativo constitutivo da relação jurídica expropriativa - a declaração de utilidade pública (DUP) - esta sim, da competência dos Tribunais Administrativos. As decisões em causa têm finalidades últimas diferentes e assentam em causas distintas. O despacho que, nos termos do art.º 279, n.º 1, do CPC, suspende a instância, ocorre na sequência da apreciação de uma realidade externa a este – a existência de um outro processo onde se debate questão cuja resolução pode prejudicar a causa suspendenda, ou outro motivo que, não constituindo causa prejudicial, justifique a suspensão. O despacho de suspensão de eficácia da DUP depende da verificação de pressupostos diferentes destes. O problema que se nos coloca não se encontra, pois, salvaguardado o respeito devido por outro entendimento, na existência de qualquer desarmonia entre decisão recorrida e o poder jurisdicional ou competência do juiz, nem se vislumbra, também, em face do acima exposto, que tenha havido violação do caso julgado referido pela Agravante nas doutas conclusões da sua alegação recursória. O que se acaba de expor não significa, como adiante se verá, que seja indiferente à solução da questão suscitada no presente recurso a ponderação da problemática relativa à suspensão de eficácia da DUP. Por outro lado, sabido que é que o art.º 44 do CE estabelece que os processos de expropriação litigiosa, bem como os que deles são dependentes, não têm carácter urgente, tal norma, contudo, não abrange o processo pré-judicial [A salvaguarda que na norma é expressamente feita quanto a determinados actos - adjudicação da propriedade e da posse e sua notificação aos interessados - deverem praticados mesmo em férias, evidencia que se está a reportar a um processo na fase judicial] relativo a expropriação de utilidade pública a que foi atribuído carácter urgente, devendo entender-se que essa atribuição visa habilitar a rápida entrada dos bens na disponibilidade da expropriante, com vista a não atrasar o início de obras cuja execução foi reconhecida como do interesse público [Cfr. Acórdão do STJ de 02-07-1996, Processo n.º 482/96 (Relator: Cons. Herculano Lima), cujo sumário pode ser acedido na página do STJ na Internet, em http://www.stj.pt/?idm=32&midm=32.]. Assim, não pode deixar de se levar em consideração, nesses casos, que, como se diz no Acórdão do STA de 29/04/2003, proc. n.º 0528/03 [Acórdão a cujo texto se pode aceder na Internet, através do endereço http://www.dgsi.pt/jsta.nsf.] “...por regra, da urgência da expropriação por utilidade pública decorre que o interesse público exige que o terreno expropriado entre na posse do expropriante o mais rapidamente possível”. Mas para que tal suceda é necessário que se aja de modo célere no procedimento expropriativo, levando a cabo o mais rapidamente possível, os respectivos actos, designadamente, a vistoria ad perpetuam rei memoriam (Cfr. art.ºs 15, n.º 2 e 20 n.º 1, al c), do CE). Efectuado o enquadramento da matéria que se julga útil para a resolução da questão que se nos coloca, importa agora deter-nos na disposição legal em que se fundou o Tribunal “a quo” para decretar a suspensão da instância. O nº 1 do art.º 279º do CPC, dispõe, na parte que interessa ao presente recurso: “O tribunal pode ordenar a suspensão, quando a decisão da causa esteja dependente do julgamento de outra já proposta e quando entender que ocorre outro motivo justificado...”. Resulta do texto legal agora transcrito que, existindo motivo justificado para tal, o tribunal tem o poder de decretar a suspensão da instância, especificando o artigo em análise um desses motivos que se considera como justificado para o efeito em causa: o da pendência de uma causa prejudicial, ou seja, nos dizeres da lei, "quando a decisão da causa esteja dependente do julgamento de outra já proposta". Versando o preceituado no artº 284º do C.P.C. de 1939 - norma equivalente à do citado artº 279º nº 1 - escreveu o Prof. José Alberto dos Reis ("in" Comentário ao Código de Processo civil, vol. 3º, Coimbra - 1946, pág. 266): “Vê-se, pois, que a lei começa por indicar ao juiz um motivo justificado de suspensão: a pendência de causa prejudicial; e depois atribui-lhe o poder de suspender a instância quando entender que ocorre outro motivo também justificado”. Em qualquer das situações que se enquadrem na previsão do nº 1 do artº 279º do CPC, o tribunal não é obrigado a decretar a suspensão da instância, sendo esta apenas decretada quando o tribunal o entenda conveniente. Isto não significa, contudo, que o poder do tribunal em ordem a decretar a suspensão da instância seja um poder discricionário, sendo antes, tal poder, como referiu o Prof. José Alberto dos Reis na análise ao mencionado artº 284º do C.P.C. de 1939, “...um poder legal limitado...”, estando a recusa injustificada desse poder, bem como a indevida utilização do mesmo, sujeita à censura do tribunal superior (cfr. J.A dos Reis, obra e volume citados, págs. 285, 291 e em nota, a págs. 285 e 286). Quanto ao que se deve entender como causa prejudicial, escreveu o Professor de Coimbra que “Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda”, defendendo, como razão de ser da suspensão por pendência de causa prejudicial, “a economia e coerência dos julgamentos...” (J.A dos Reis, obra e volume citados, págs. 268 e 272). Ora, a nosso ver, no confronto entre o procedimento de expropriação - com a natureza que acima foi caracterizada, na sua fase administrativa -, e o recurso contencioso de anulação da DUP, não se vislumbra, em boa verdade, a dualidade de causas pressuposta na relação de prejudicialidade prevenida no n.º 1 do art.º 279.º do CPC, não se podendo afirmar que haja aqui, propriamente, que salvaguardar a “coerência dos julgamentos...” apontada pelo Prof. J.A. dos Reis como razão de ser da suspensão da instância. O nexo de prejudicialidade relevante, para efeitos do disposto no art.º 279.º, n.º 1, do CPC, há-de ser surpreendido fora do âmbito dos mecanismos processuais incidentais ou recursórios que respeitem directamente à causa a suspender (a acto nela inserido ou que esteve na génese da mesma) e dos efeitos decorrentes da respectiva procedência. É claro que a lei pode conferir em norma específica, com ou sem a observância de condições adicionais, virtualidade suspensiva a tais mecanismos. Neste caso, porém, a suspensão da instância na causa resultará directamente dessa norma específica e não de ponderação que se faça à luz da previsão do art.º 279.º, n.º 1, do CPC. Ora no que concerne ao procedimento expropriativo, o recurso contencioso de anulação da DUP, consubstancia meio de impugnação desse acto que está na génese daquele. No plano dos efeitos meramente jurídicos, a “prejudicialidade”, digamos assim, relativamente ao presente procedimento expropriativo, resultante do eventual provimento do recurso de anulação da DUP, é a própria dos “recursos” dessa natureza, se providos. O que significaria, se entendêssemos que aquela situação se integraria na relação de prejudicialidade consagrada no art.º 279, n.º 1, do CPC, que em todos os procedimentos expropriativos por utilidade pública (e ainda que com carácter urgente) a mera pendência de recurso de anulação da DUP seria sempre idónea a, por si só, gerar a suspensão do procedimento. A afirmação da possibilidade de lançar mão, em casos como o presente, do disposto no art.º 279, n.º 1, do CPC, pode parecer colher algum apoio na circunstância de o processo expropriativo correr temos no Tribunal Judicial. Só que essa circunstância, meramente acidental, decorrente do deferimento da reclamação a que alude o art.º 54.º, n.º 1, do CE, não introduz modificação, como acima se explicitou, na natureza do processo. Faça-se o exercício de abstracção de ponderar que não ocorrera motivo de remessa do processo em causa ao Tribunal Judicial, estando o mesmo sob a alçada exclusiva da entidade expropriante. Seria possível aos expropriados, com base na pendência de recurso contencioso de anulação da DUP, requerer, eficazmente, junto de tal entidade, a suspensão do procedimento, ou melhor dizendo, a suspensão da instância procedimental, com fundamento no disposto no art.º 279.º, n.º 1, do CPC? Parece claro que não. Era a via administrativa a única que poderiam utilizar, designadamente, requerendo a suspensão de eficácia da deliberação da Assembleia Municipal de Águeda que declarou a utilidade pública e urgência da expropriação em causa, como aliás, embora sem sucesso, fizeram (cfr. I - A) supra). É que a lei não confere ao recurso contencioso de anulação de acto administrativo, nem, após a entrada em vigor do CPTA, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22/2 [Entrada em vigor essa que ocorreu em 01/07/2004, ex vi, do art.º 7.º da referida Lei 15/2002, com a alteração que a este foi introduzida pela Lei n.º 4 - A/2003, de 19.02.], o faz relativamente à acção administrativa especial destinada à anulação ou à declaração de nulidade do acto administrativo (para o regime da qual determinou se considerassem feitas as remissões efectuadas em lei especial para aquele recurso contencioso - art.º 191, do CPTA) a virtualidade de suspender a execução de tal acto e, consequentemente, de provocar a suspensão do procedimento de que este foi génese e se insere [Não está em causa a situação prevista na 2.ª parte do n.º 2, do art.º 50.º do CPTA.] (cfr. Art.ºs 46.º, n.ºs 1 e 2 e 50 n.º 2, do CPTA). Para alcançar esse desiderato é mister que o interessado requeira a suspensão da eficácia do acto recorrido (art.ºs 76 a 80.º da LPTA), para o que, após a entrada em vigor do referido CPTA de 2002, deverá intentar providência cautelar, nos termos dos art.ºs 112, n.º 2, a) e 113. Só então, após pedido nesse sentido formulado nos Tribunais Administrativos, se poderá lograr obter a suspensão da eficácia do acto administrativo impugnado, não podendo a autoridade administrativa em causa iniciar ou prosseguir a respectiva execução (salvo quando, no que se refere à suspensão provisória e para obstar a esta, enquanto não houver decisão definitiva recaindo sobre o pedido de suspensão, tal autoridade, em resolução fundamentada, reconheça grave urgência para o interesse público na imediata execução - art.º 80, n.º 1, da LPTA -, ou quando, já na perspectiva do CPTA de 2002 e na expressão que por este é utilizada no seu art.º 128, n.º 1, essa mesma autoridade reconheça, no prazo de 15 dias, “...que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público” [Foi o que a Agravante fez, aliás, conforme é relatado em I - A) supra.]). Não se bastando a lei, pois, para suspender a eficácia do acto administrativo da Declaração de Utilidade Pública - com a consequente suspensão do procedimento iniciado com base em tal acto administrativo -, com a mera a interposição de recurso contencioso de anulação da DUP (ou, no âmbito do vigente CPTA, com a instauração de acção administrativa especial visando esse escopo), antes impondo ao interessado, para atingir tal desiderato suspensivo, o recuso a outras medidas junto do Tribunais Administrativos, vedado está conceder tal finalidade suspensiva ao abrigo do disposto no art.º 279, n.º 1, do CPC, decretando a suspensão do procedimento com fundamento na existência de questão prejudicial (ou de outro motivo justificado), consubstanciado na pendência, nos Tribunais Administrativos, de recurso contencioso de anulação da Declaração de Utilidade Pública. Aliás, embora em resposta a requerimento invocando motivo justificado para o efeito e em que se cingia o pedido de suspensão a um período de seis meses, a inaplicabilidade do disposto no art.º 279.º, n.º 1, do CPC, foi já afirmada no despacho de fls. 599 (Cfr. I – A) supra). Atrás dissemos que não se confundem os institutos de suspensão da instância previsto no art.º 279, n.º 1, do CPC, e o de suspensão da eficácia do acto que declara a utilidade pública e a urgência da expropriação. Essa afirmação não implica, porém, que não se reconheça que através da suspensão da instância prevista no citado art.º 279, n.º 1 se atinge a mesma finalidade prática de paralisação do procedimento expropriativo que se alcança com o deferimento da suspensão de eficácia da DUP, podendo dizer-se, neste sentido que, no caso “sub judice”, os expropriados obteriam com a decretada suspensão da instância o que não haviam logrado atingir em sede de suspensão de eficácia da DUP. E esta suspensão, ao abrigo do art.º 279.º, do n.º 1, do CPC, prescindiria, recorde-se, da consideração dos factores exigida em sede de suspensão de eficácia da DUP. A situação que os agravados trazem à colação e que foi apreciada pelo STA no Acórdão de 09/05/95, proferido no processo n.º 032153, é bem diferente daquela que se nos apresenta nestes autos. Aí, o que estava em causa e foi respondido afirmativamente por aquele Tribunal, era saber se, pendendo nos tribunais comuns processo que visava a declaração de caducidade da declaração de utilidade pública de expropriação por falta de atempada promoção da constituição da arbitragem pela entidade expropriante, era justificado suspender a instância em recurso contencioso que tinha por objecto esse acto de declaração de utilidade pública. A tal situação, bem distinta daquela que versam os presentes autos, não se pode buscar paralelismo para solucionar o que aqui está em causa. Não configura, sequer, aquele outro caso, situação inversa àquela que aqui se nos apresenta. Mesmo a admitir-se um eventual prejuízo para os expropriados, decorrente da continuação do procedimento em causa face a um futuro e hipotético provimento do recurso contencioso, uma tal situação não é identificável com a noção de “prejudicialidade” plasmada no art.º 279, n.º 1, do CPC, que não tem como escopo evitar um eventual prejuízo material das partes (ou de uma delas), mas antes obstar ao prosseguimento (potencialmente inútil) dos termos de um litigio que o Tribunal foi chamado a dirimir, quando a decisão a proferir aí for susceptível de ficar sem razão de ser face à solução jurídica que for dada numa outra causa. Ora a natureza e as características do processo que aqui está em causa, - e em que assumem particular relevância, designadamente, a prossecução do interesse público que norteia a expropriação e a urgência da prática dos actos (v.g. , vistoria ad perpetuam rei memoriam) tendentes a colocar o bem objecto do acto expropriativo à disposição da entidade expropriante, com vista a dar expressão prática e conferir sentido útil a tal finalidade dirigida ao bem comum e a corresponder a essa urgência caracterizadora da expropriação -, levariam, se outros motivos não existissem que contrariassem a bondade da solução suspensiva (e já explicitamos que os há), a extrair a conclusão de que, superando os respectivos benefícios, haveria inconveniente numa tal suspensão que desaconselhavam o respectivo decretamento. Não se tendo nele fundado a decisão recorrida, irreleva para o presente recurso o disposto no art.º 31.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), que os agravados trazem a colação em defesa da suspensão da instância. Sempre se dirá, porém, que, a ponderação a fazer nos temos do mencionado art.º 31.º, pela entidade administrativa [Com sindicância dos Tribunais Administrativos, a admitir-se a possibilidade de impugnação em casos em que a entidade administrativa opte pela não suspensão de um procedimento - Cfr. Esteves de Oliveira, Costa Gonçalves e Pacheco Amorim - in Código do Procedimento Administrativo Comentado, em anotação ao art.º 31.], não terá cabimento no presente caso, pois não está aqui em causa uma decisão final a proferir por esta, relativamente à qual o recurso pendente no Tribunal Administrativo possa ser visto (atentos, “mutatis mutandis”, os motivos acima expostos quanto à inconsideração de tal recurso como “questão prejudicial”) seja se entender como consubstanciando “questão prévia”. Assim, importa concluir: Em procedimento administrativo relativo a expropriação declarada de utilidade pública e de carácter urgente, remetido ao Tribunal Judicial na fase da vistoria ad perpetuam rei memoriam e aí a correr termos por força do disposto nos art.ºs 42.º, n.º 1 e 2, al. a) e 54.º, do CE, não é motivo da suspensão prevista no art.º 279.º, n.º 1, do CPC, a pendência, no Tribunal Administrativo, de recurso contencioso de anulação respeitante àquela declaração. Assim, não pode o Juiz a quem cabe, nos termos dos artºs. 54º, n.º, 1 e 42º, n.º 1, a) do Código das Expropriações, as funções da entidade administrativa expropriante, decretar, com fundamento na pendência do referido recurso contencioso no Tribunal Administrativo e no disposto no citado art.º 279, n.º 1, a suspensão da instância em tal procedimento. De tudo o exposto resulta, pois, que o Mmo. Juiz “a quo” não deveria ter decretado a suspensão da instância, motivo pelo qual não poderá subsistir o despacho em que o fez. IV - Em face de tudo o exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação, conceder provimento ao agravo e, consequentemente, revogando o despacho recorrido, determinar que o Mmo. Juiz do Tribunal “a quo” dê seguimento aos termos normais do processo em causa. Custas pelos Agravados. Coimbra, (Falcão de Magalhães) (Sílvia Pires) (Henrique Antunes) |