Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1021/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: RUI BARREIROS
Descritores: CONFIANÇA JUDICIAL DE MENORES
ADOPÇÃO
Data do Acordão: 04/19/2005
Votação: UNANIMIDADE
Processo no Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 85º E 104º, Nº 3, DO DECRETO-LEI Nº 147/99, DE 1 DE SETEMBRO
Sumário: Medida de confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção
1. A referida medida não pode ser tomada sem que os pais ou outros familiares participem na discussão da medida e tenham a oportunidade de exercer o contraditório.
2. Quando, num processo de promoção e protecção, se altera qualquer medida para a de confiança a pessoa ou a instituição para futura adopção opera-se uma modificação objectiva da instância, o que obriga a um chamamento ao processo dos pais e familiares como se fosse o primeiro.
3. Enquanto todas as outras medidas de promoção e protecção não vão além da limitação do exercício do poder paternal, a de confiança para futura adopção significa a privação quer do exercício quer da titularidade do pode paternal, desde que a Lei 31/03, de 22 de Agosto, a pôs no mesmo plano da decisão de confiança judicial, para fins de dispensa do consentimento dos pais do adoptando.
4. A necessidade de agilizar a adopção, respeitando o direito da criança e o seu tempo próprio, não permite esquecer o dever do Estado na protecção das famílias e dos mais carenciados, Assim, não se pode passar por cima dos procedimentos previstos na lei nem simplificar a acção social. O progresso não se faz com movimentos pendulares, mas procurando posições de equilíbrio.
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, no recurso de agravo (...):
I – Relatório.
1.1. Recorrente: S.
1.2. Recorrido: Ministério Público.
2. Objecto do recurso.
O presente recurso de agravo tem por objecto o despacho que, alterando medida de promoção e protecção anterior, decretou a confiança de menor a pessoa seleccionada para a adopção.
3. Alegações.
3.1. Da recorrente:
«A - A decisão proferida, violou os interesses do menor, desconhecendo a actual situação social, moral, psicológica e financeira da Recorrente e consequentemente decidindo dar o menor para adopção.
B - A Recorrente não compareceu às audiências de julgamento por não ter sido notificada apesar de ter dado conhecimento ao “N” do local onde poderia ser contactada.
C - A Recorrente possui actualmente condições, sociais, habitacionais, financeiras e estabilidade emocional para poder cuidar do filho e assumir o poder paternal.
D - Devendo as referidas condições serem objecto de confirmação pelas Instituições adequadas para o efeito, requerendo ainda que sejam ouvidos os vizinhos e o companheiro da Recorrente.
E - Assim deverá o menor ser entregue aos cuidados da mãe, ora recorrente, devendo o poder paternal ser-lhe atribuído pelas razões já expostas, e ainda ser-lhe concedida autorização para poder visitar o filho até decisão final».
3.2. O Mº Pº e o Defensor nomeado ao menor defendem a manutenção da decisão recorrida.
4. Correram os vistos. Nada obsta ao conhecimento do recurso.
II – Fundamentação.
5. Os factos.
5.1. O menor deu entrada no “N” a pedido da mãe. Na respectiva informação ao tribunal, a M afirma que o irmão mais velho, Al, «está internado nesta instituição», que «a mãe do menor foi apoiada por esta M e pela C, tendo feito um percurso positivo, o que nos levou a dar parecer favorável à saída do AL aos fins-de-semana. Nos últimos tempos a S começou a indiciar sintomas de instabilidade que nos provocaram alguma preocupação», nomeadamente, pelo relacionamento «com o namorado, com referências evidentes de maus tratos físicos», a instabilidade do outro irmão, AL, quando regressava do fim-de-semana, onde presenciava as situações de maus tratos, negligência na medicação do menor João, desorientação em termos económicos e expulsão de curso de formação da C, por instabilidade e irregularidade.
5.2. Por decisão de 30 de Outubro de 2003, o menor ficou, provisoriamente, colocado na instituição sem visitas à mãe.
5.3. Em 24 de Novembro de 2003, o pai do menor declarou perante a Magistrada do Mº Pº que, «tendo sabido há cerca de três semanas que o menor se encontra no “N”» e vivendo com uma Senhora de quem tem outro filho, «pretende também que o menor J lhe seja entregue, pois o depoente entende que tem condições para criar este menino com a sua companheira, com quem já falou sobre o assunto e que está de acordo …»; que «já foi ao “N” várias vezes, para tentar ver o filho, mas só conseguiu estar com ele duas vezes porque não o deixam visitar a criança ao fim do dia, nem aos fins de semana e no horário de visitas do N (das 15 – 16,30) o depoente está a trabalhar, pois …»; que «pretende assim que o menor lhe seja confiado, …, que desde já e se tal for possível o menor comece a passar os fins-de-semana com o depoente e pretende também que o menor passe já o Natal em sua casa».
5.4. Em 26 de Novembro de 2003, foi decidido solicitar avaliação da situação, conforme tinha sido promovido pelo MºPº, «no sentido de apurar se o mesmo reúne ou não condições para que o menor lhe seja entregue».
5.5. Em 2 de Dezembro de 2003, a M informou «que é possível que o pai do menor, …, o visite dentro das normas que estão estabelecidas pela instituição. Foi-lhe solicitado que entregasse documento comprovativo em como estava a trabalhar, com referência ao horário de trabalho, tendo ele referido que trabalhava por conta própria. Perante isso foi-lhe sugerido que solicitasse o documento na Junta de Freguesia, o que até à data ainda não fez. Por outro lado a referência feita no ofício, de que o pai poderia ser despedido para vir visitar o menor, é incompatível com a informação que nos foi prestada por este. Em função da declaração que venha a ser entregue, adequaremos o horário das visitas, como é habitual».
5.6. Em 17 de Fevereiro de 2004, o IS juntou Relatório Social em que informa que, «no dia 28 de Novembro, compareceu nestes serviços, por sua iniciativa, o Sr. R, dando conhecimento da sua disponibilidade e desejo de acolher o seu filho J», que «o Sr. R vive em união-de-facto com a D. J há cerca de 4 anos, tendo um filho, …, de 3 anos, … . Quando questionado sobre as visitas à instituição, o Sr. R referiu que não tem disponibilidade para se deslocar ao “N” durante a semana, porque se encontra a trabalhar e as visitas aos fins-de-semana só são permitidas mediante a apresentação de um documento da entidade patronal. Como o Sr. R trabalha por conta própria, este documento tem de ser passado pela Junta de Freguesia de ..., o que lhe tem criado alguns constrangimentos. Em contacto com as técnicas do "N ", fomos informadas que a última visita do Sr. R ao menor foi na altura do Natal, tendo-lhe oferecido um presente. Desde essa data, o Sr. R não voltou à instituição, pois a declaração que ele entregou em como trabalhava durante a semana, não era válida, uma vez que não tinha qualquer timbre ou carimbo, não tendo este, até ao momento, entregue mais nenhuma. Assim, ainda não lhe foram autorizadas as visitas aos fins-de-semana. No dia 29 de Janeiro, compareceu nestes serviços, após convocatória, a D. J que nos informou que o Sr. R, no início da sua relação, era muito boémio, saía todas as noites e chegava de madrugada, pelo que existiam muitos conflitos entre o casal. Porém, desde que teve conhecimento da existência do J, o Sr. R alterou o seu comportamento, permanecendo mais tempo junto da D. J e do filho. Relativamente ao menor J, a D. J referiu que quando teve conhecimento que o seu companheiro tinha um filho, fruto de uma relação extra-conjugal, ficou muito perturbada, mas pouco tempo depois teve a iniciativa de alertar o Sr. R para a necessidade de ele assumir as suas responsabilidades e disponibilizou-se para o acolher e criar como se de um filho seu se tratasse. A D. J já acompanhou o Sr. R numa das visitas ao menor na instituição. Porém, não teve autorização para o visitar, pois não é familiar directa. Este casal beneficia do apoio dos pais do Sr. R, ..., de 42 anos e ..., de 49 anos em bens alimentares e na educação do F. No dia 11 de Fevereiro, compareceu nestes serviços, após convocatória, a D. MJ, avó do menor, que reiterou as informações transmitidas pelo seu filho e pela D. J. Referiu que quando teve conhecimento da existência do J ficou um pouco revoltada com o filho, mas logo se disponibilizou para o apoiar no sentido deste lhe ser confiado. A D. MJ informou a Equipa que ainda não visitou o neto na instituição, por recear envolver-se emocionalmente e, mais tarde, este não vir a ser confiado ao filho. Porém, demonstrou toda a disponibilidade para supervisionar e apoiar economicamente a educação do J. Em contactos com pessoas consideradas idóneas na comunidade, a família do Sr. R foi descrita como sendo pessoas trabalhadoras, educadas e correctas. Todas as pessoas contactadas demonstraram ter conhecimento da existência do J, por intermédio do Sr. R e do desejo deste em acolher o filho. Foi-nos também comunicado que a D. J é uma jovem muito trabalhadora, de boa índole e que certamente irá cuidar do menor como cuida do seu próprio filho. Relativamente à D. S, mãe do menor, segundo informações das técnicas da instituição, esta encontra-se a morar num quarto arrendado juntamente com o seu companheiro. Referiram ainda que ela se encontra desempregada, suspeitando-se que sobreviva da prática de prostituição. Em relação às visitas, fomos informadas que a D. S visita quase diariamente o filho».
Quanto à situação habitacional e económica: «No dia 15 de Janeiro, a Equipa deslocou-se à morada acima indicada a fim de realizar visita domiciliária, não se encontrando ninguém em casa. Devido à incompatibilidade de horários entre a EMAT e o casal, ainda não foi possível observar o interior da residência. Porém, segundo informações recolhidas junto da família alargada e pessoas da comunidade, o agregado reside, há cerca de 2 anos, num apartamento arrendado, tipologia 2, com boas condições de habitabilidade. Se o J lhes for confiado, o casal pretende adaptar a mobília do quarto do F, constituída por uma cama individual, a um beliche, para que os dois menores partilhem o mesmo espaço. O Sr. R é "Taqueiro", por conta própria, realizando trabalhos para uma empresa do ramo. Aufere cerca de € 800 mensais. A D. J é empregada de mesa na “...", auferindo € 400 mensais. Como despesas, o agregado tem a renda da casa no valor de € 225 a creche do F, € 110. Conclusão: face ao exposto, somos de opinião que o Sr. R reúne as condições necessárias para acolher o seu filho. Assim, e uma vez que a D. S se encontra sem residência fixa e sem rendimentos, suspeitando-se que subsiste da prática da prostituição, e toda a família paterna está disponível para apoiar o Sr. R e a sua companheira na educação do menor, consideramos que o J deve ser confiado ao pai».
5.7. Em 30 de Março de 2004, o pai do menor, em declarações no Tribunal de Família e Menores de Coimbra, «inquirido disse: Refere que na Instituição não aceitaram a declaração passada pela sua entidade patronal por esta não ter qualquer timbre ou carimbo. Refere ainda que vai entrar em contacto com o seu patrão para este passar uma, declaração a fim de poder visitar o filho ao fim de semana; Refere que pretende ficar com o menor. Refere ainda que a sua companheira é empregada doméstica e está disposta a ficar com o mesmo; Declarou que uma das vezes que visitou o menor foi na companhia da sua irmã e do seu filho mais velho. Declarou ainda que não deixaram a sua companheira visitar o menor; Refere que não visita o filho à semana, porque trabalha em locais diferentes (fora da cidade) e por incompatibilidades de horários e necessita de apresentar uma declaração na instituição para confirmar o declarado, a fim de poder visitá-lo no fim de semana; Declarou que não tem falado com a mãe do menor desde o dia que foi fazer os testes de paternidade; Refere que não está de acordo em que o menor vá para a adopção, pretendendo cuidar dele, criando-o e educando-o; Refere que os avós paternos têm conhecimento da existência desta criança e querem ajudar a cuidar dele; Refere que os avós paternos aceitam o menor; Declarou que para o menor ter o seu apelido, tinha de ter autorização da progenitora deste e ela não o deu, uma vez que ele pretendia que tal ocorresse; Refere que vai entrar em contacto com o seu patrão para este passar uma declaração, a fim de poder visitar o filho aos fins de semana».
5.8. De seguida, pela Magistrada do Ministério Público foi promovido o prosseguimento do processo, por não haver possibilidades de acordo.
Nas Alegações da referida Magistrada, depois de um breve relato do processado, diz-se :«Nesta conformidade, entendo, tal como vem sugerido no relatório da EMAT, entendo que, a curto prazo, o menor deverá ser confiado ao pai. Porém, uma vez que neste momento não há nenhuma convivência entre o pai e sua família e o menor, afigura-se-me que, antes de o menor lhe ser entregue, deverá passar por um período de adaptação à família, devendo ser estabelecido um plano que contemple as visitas do pai e companheira e avós paternos e eventual estadia aos fins de semana com aquela família».
5.9. Em 17 de Junho de 2004, foi decidido aplicar ao menor a «medida de acolhimento em instituição, pelo prazo de 3 meses, no “N”, a quem foi atribuído «o poder paternal sobre o menor, na parte respeitante à segurança, saúde, sustento e educação do mesmo, e respectiva representação legal e aos pais e respectiva família, a possibilidade de o visitar, de acordo com os horários e regulamentos da instituição, flexibilizados com o horário laboral, no caso do pai». Ao mesmo tempo, foi solicitado ao IS relatório a dar conhecimento da evolução da situação, «devendo pronunciar-se sobre a convivência supra aludida e eventuais sugestões para o aprofundamento da mesma». Na fundamentação da medida foi aceite e secundada a referida posição do MºP no sentido de uma entrega do menor a seu pai depois de um período de adaptação de uns aos outros. A decisão teve como suporte os seguintes factos:
«1 - O menor J, nascido a 27-12-2002, é filho de S e de R;
2 - Os pais do menor nunca viveram juntos, tendo tido um curto relacionamento;
3 - Após o nascimento, o menor ficou a viver com a mãe, que então frequentava um Curso de Formação Profissional na C, auferindo cerca de € 200 mensais, beneficiando de diversos apoios;
4 - A mãe do menor vivia, então, só com este filho, num apartamento tipo T 1, pelo qual pagava € 125 de renda, visitando diariamente o seu outro filho, AL, que se encontrava acolhido no "N", e com quem passava os fins de semana;
5 - A partir de Setembro/Outubro de 2003, a mãe do menor iniciou um relacionamento afectivo com um indivíduo, que a passou a maltratar fisicamente em frente dos filhos, o que levou o AL a deixar de passar fins de semana com a mãe, a partir de finais de Outubro;
6 - Em 22-10-2003, a pedido da mãe, que reconhecia não ter condições para cuidar do filho, o menor dá entrada no "N ", onde já permanecia o irmão AL;
7 - A mãe do menor abandonou, então, as actividades que frequentava na C e foi expulsa da sua casa, por falta de fonte de rendimento que lhe permitisse pagar a renda;
8 - Desde então, a mãe do menor não tem paradeiro certo, nem qualquer modo de vida, constando dedicar-se à prostituição;
9 - Encontra-se novamente grávida (o nascimento está previsto para Novembro próximo), indo visitar o menor, durante a semana, diariamente, respeitando escrupulosamente os horários das visitas;
10 - A mãe do menor reconhece não ter condições materiais e psicológicas para assumir o seu filho, não se opondo a que o mesmo seja confiado ao pai, que reconhece ter condições materiais para tanto;
11 - O irmão mais velho do menor, AL, de 3 anos de idade, continua aos cuidados do "N", esperando que um tio materno (...) organize a sua vida para o poder receber, passando já com este, os fins de semana;
12 - O menor foi sujeito a medida provisória de acolhimento em instituição, por decisão destes autos de 30-10-2003;
13 - O progenitor do menor, que o perfilhou em Outubro de 2003, após realização de testes hematológicos, soube no início de Novembro de 2003, que o mesmo se encontrava no "N ", tendo, após conversa com a sua companheira, resolvido assumi-lo e levá-lo para sua casa, no que conta com o apoio dos seus pais (avós paternos do menor);
14 - O mesmo vive há mais de 4 anos em união de facto com J, tendo um filho do casal nascido em 9-01-2001, que frequenta a creche do Centro Social ...;
15 - O pai do menor visitou o mesmo três vezes na instituição, a última das quais no dia 19-12-2003, tendo-se dirigido outras vezes para o fazer, o que não lhe foi permitido, em virtude de o horário de trabalho daquele ser incompatível com o horário de visitas do "N”;
16 - Para as visitas do pai poderem ocorrer fora do horário de visitas, foi-lhe exigida uma declaração da entidade patronal, o que o mesmo não arranja em virtude de trabalhar por conta própria;
17 - Em alternativa, foi-lhe pedida declaração da Junta de Freguesia, onde se atestasse que trabalhava por conta própria, o que o pai, ainda não providenciou/entregou;
18 - Para além das visitas da mãe e das três do pai, só os tios matemos o fizeram pontualmente;
19 - O pai do menor é taqueiro por conta própria, realizando trabalhos para uma empresa do ramo, auferindo cerca de € 800 mensais e a sua companheira é empregada de mesa na ... auferindo € 400 mensais;
20 - A família do pai do menor, é considerada na comunidade, como sendo pessoas trabalhadoras, educadas e correctas;
21 - Adquiriu o progenitor recentemente uma nova casa, onde reservou um quarto para receber o menor, tendo-o já inscrito no mesmo infantário do irmão aludido em 14».
5.10. Em 30 de Julho de 2004, o IS informou que o pai do menor «apenas visitou o J três vezes (20 de Junho, dia 3 de Julho e dia 25 de Julho). Em contacto com a técnica do “N”, …, fomos informadas que na primeira visita, o Sr. R compareceu acompanhado da esposa, fora do horário de visitas, e permaneceu durante cerca de 30 minutos com o J. Na segunda visita. O Sr. R visitou o filho, novamente acompanhado da esposa, mas o casal esteve apenas 5 minutos na instituição. A terceira visita ocorrida três semanas depois, estiveram presentes o Sr. R e a D. J, durante 1 hora e a avó paterna cerca de 30 minutos. É de referir que, até à presente data, não foi possível aprofundar a relação pai-filho, pois o Sr. R desloca-se ao “N” sempre na ausência dos técnicos e, em período normal de trabalho nunca telefonou para combinar uma reunião ou uma saída do menor durante o fim-de-semana. … . É nosso parecer que o Sr. R, contrariamente ao demonstrado durante o debate judicial, não tem investido na relação com o filho …», concluindo: «Consideramos que este menor se encontra há tempo suficiente na instituição para o Sr. R estabelecer com ele uma relação de confiança. No entanto, o que se tem verificado é uma falta de interesse e disponibilidade por parte deste. Assim, parece-nos que deverá ser equacionado um outro projecto de vida que melhor defenda os interesses do menor».
5.11. Em 20 de Setembro de 2004, o IS elaborou nova informação em que diz que o pai do menor não o voltou a visitar desde a anterior informação; que «em contacto com a técnica do “N”, …, fomos informadas que há cerca de três semanas, o Sr. R contactou a instituição, telefonicamente, solicitando autorização para levar o J de fim-de-semana. Este pedido foi-lhe negado, uma vez que as suas visitas eram muito esporádicas, não existindo qualquer vínculo afectivo com o menor, sendo mesmo de referir que, para o J, o Sr. R é quase um desconhecido. … . No dia 16 de Setembro o Sr. R contactou a instituição, pedindo autorização para visitar o filho no Domingo seguinte. No entanto, na data acordada o Sr. R não compareceu. Hoje, dia 20 de Setembro, esta Equipa foi contactada pela técnica da instituição, informando que o Sr. R ali se tinha deslocado, pela manhã, a fim de visitar o filho. Questionado sobre o motivo pelo qual não compareceu no dia anterior, referiu “tive coisas ara fazer …”, acrescentando que a sua companheira o acusou de “não és pai nem és nada …”, motivo pelo qual resolveu deslocar-se hoje à instituição. Confrontado com a sua falta de interesse no investimento a relação com o filho, o Sr. R não apresentou qualquer argumento, limitando-se a “encolher os ombros”». A informação termina com a opinião de que, face ao alheamento do pai em relação ao filho, deveria ser encontrado outro projecto de vida para o menor, nomeadamente a confiança a pessoa idónea com vista a futura adopção.
5.12. Em 11 de Outubro de 2004, a M informou que a mãe do menor o tem visitado quase diariamente, mas que elas «são fonte de grande instabilidade para a criança, uma vez que a mãe não consegue manter com ele uma relação equilibrada»; que «a criança embora a identifique, não manifesta qualquer reacção de desagrado quando a mãe se ausenta».
5.13. Com apoio nos factos constantes das referidas informações, a Magistrada do Mº Pº, em 18 de Outubro de 2004, promoveu a alteração da «medida aplicada, substituindo-a pela medida de confiança a pessoa seleccionada para a adopção prevista nos Artºs 35º nº 1 g) e 38º-A a) da LPCJP».
5.14. No dia 20 de Outubro de 2004, foi proferida decisão nos seguintes termos: «revendo-se a medida anteriormente aplicada ao menor …, converte-se esta na medida de confiança a pessoa seleccionada para a adopção, prevista nos arts. 35º/1, g), 38º-A e 62º-A da lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo; confio o menor à pessoa/casal a identificar pela Equipa da Adopção da Segurança Social; atribuo a esta pessoa/casal, o poder paternal sobre o menor, na sua totalidade. Notifique-se a presente decisão ao MP, ao “N” e aos pais do menor, bem como … ».
Foram enviadas cartas para notificação desta decisão para o pai e para a mãe do menor. A mãe do menor foi pessoalmente notificada desta decisão no dia 22 de Outubro de 2004.
5.15. Com data de 22 de Outubro de 2004, a mãe do menor escreveu uma carta ao «Exmo Senhor procurador da República do T.F.M. de Coimbra», a pedir para «poder visitar de novo o meu filho mais velho a quem foi dada a tutela ao meu irmão, … . Na Quinta feira passada dia “14-10-2004” fui avisada pela Drª … de estar proibida das visitas ao meu filho mais velho de qualquer contacto físico ou telefónico, no entanto não recebi nenhum escrito mas só verbalmente, ao que houve um erro por não ter recebido nenhuma notificação em relação ao meu filho para a morada que tinha indicado …».
5.16. Com data de 21 de Outubro de 2004, a mãe do menor escreveu uma carta dirigida ao «Exmo Senhor Doutor Juiz do T. F.M. de Coimbra», nos seguintes termos: «Eu, S, mãe do AL de 4 anos e J de 22 meses, seja dado para adopção, pois neste momento não há motivos para tal. Eu recebi uma notificação no dia 22 deste mês que vinha a dizer que faltei à audiência no dia 9 de Junho, mas isso é impossível pois eu compareci, cheguei foi um pouco tarde mas compareci na mesma. Já se encontravam a Drª ... Técnica de Serviço Social do “N”, e as técnicas da EMAT, a Drª ... , e a Drª ... e o pai do meu filho. Neste momento como já disse, o meu companheiro trabalha na ..., eu estou à espera do rendimento mínimo porque estou grávida, e estamos os dois a viver numa casa com direito a um quarto, sala, casa de banho e cozinha. Quero também dizer que não ando na prostituição e peço que averiguem se é verdade ou não. Depois de ter o bebé, pretendo iniciar …».
Sobre esta posição da recorrente, recaiu o seguinte despacho: «proferida a decisão, da qual a requerente foi notificada, esgotado ficou o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa (...). Não estando de acordo com a decisão, porque susceptível de ser impugnada por meio de recurso, deverá a requerente fazer uso do mesmo, caso não concorde».
6. O Direito.
A recorrente quer que a decisão seja revogada porque não defende os interesses do filho e não tomou em consideração as condições actuais da sua vida, uma vez que não foi ouvida, por não ter sido notificada.
Para além das questões suscitadas pela recorrente, o tribunal de recurso pode ainda tomar conhecimento oficioso de matéria que se traduza na aplicação do direito, conforme permitem os artigos 660º, nº 2 e 664º do Código de Processo Civil (CPC), que, a partir da Reforma de 95, operou um alargamento do princípio do inquisitório.
Assim, para além da recorrente ter suscitado directamente a questão da sua ausência «às audiências de julgamento por não ter sido notificada» [1], sempre seria do conhecimento oficioso deste tribunal a não participação, quer da recorrente quer do pai do menor, na apreciação da alteração da medida aplicada ao menor, por se traduzir numa nulidade de conhecimento oficioso, por falta absoluta de chamamento ao incidente da perda do poder paternal num processo de promoção e protecção, equiparada, mutatis mutandis, à falta de citação, prevista nos artigos 194º, alínea a), e 195º, alínea a), do CPC. Na verdade, nas Alegações, a recorrente refere-se às audiências de julgamento, sendo certo que, neste processo, houve um “Auto de Declarações”, em 30 de Março de 2004, em que a recorrente esteve ausente, e um “Debate Judicial”, em 9 de Junho de 2004, sem a presença da recorrente, «apesar de devidamente notificada». Seja como for, o que vamos conhecer mesmo oficiosamente é a não intervenção da recorrente, mas também do pai do menor, na alteração da medida de “acolhimento pelo prazo de três meses” para a medida de “confiança a pessoa seleccionada para a adopção”.
Esta questão tem a ver com o que consideramos ser uma grave incorrecção legislativa [2], potenciadora de erros como o que foi cometido.
6.1.1. A adopção, instituto através da qual se cria um vínculo legal de filiação entre o adoptante e o adoptado, tem um processamento complexo [3]. A mais relevante e melindrosa, não só do ponto de vista do direito da família, mas também do do direito constitucional [4] e, ainda, no campo ético e sócio-psicológico, é o da extinção do vínculo entre os pais biológicos e a criança, questão a que o Prof. Pereira Coelho chama de “nó górdio” da adopção. Na verdade, sem pôr em causa a existência de situações em que falha por completo a capacidade parental ou em que ela é insuficiente, a verdade é que a relação biológica tem protecção constitucional, é privilegiada e deve ser protegida, pelo que extingui-la é, efectivamente, um acto complexo e melindroso; que nem sequer se esgota numa subsunção jurídica, pois, para que o silogismo funcione, é necessário trabalhar os elementos integradores da premissa menor do ponto de vista social e psicológico, o que envolve dimensões situadas bem fora do mundo estritamente jurídico e judiciário, tal como é tradicionalmente entendido.
À perda do poder paternal, quer no seu exercício, quer na sua titularidade, chegava-se - e ainda se chega - através do processo de confiança judicial (c.j.) [5], designação com que o nosso legislador, generosamente, substituiu a tradicional e, afinal, sobrevivente expressão “declaração do estado de adoptabilidade” [6]. Então, para que possa ser instaurado um processo de adopção, no sentido de constituição de um vínculo adoptivo, é necessário que, antes, se afaste a relação parental já constituída. Sendo que o primeiro processo (o da c.j.) era sempre antecedente do segundo e este (o de adopção) é, normalmente, consequência do primeiro, eles estão separados, porque, tendo objectos sucedâneos [7], os direitos a serem tutelados têm conteúdos diferentes.
Eles distinguem-se quer no âmbito subjectivo, quer no objectivo:
a) o processo de confiança judicial tem como sujeitos, do lado activo, o Estado [8]e, do lado passivo, a família do menor, normalmente os pais [9]. O processo de adopção tem como interessado o candidato a adoptante [10], o qual apresenta a sua pretensão ao tribunal [11].
b) O processo de confiança judicial tem como objecto a perda do poder paternal, o de adopção a constituição de uma nova relação parental.
c) O processo de confiança judicial tem como causa de pedir comportamentos - acções e/ou omissões - que infringem os poderes funcionais (deveres) dos pais. O processo de adopção tem como causa de pedir a probabilidade, já indiciada e por prognose, de se vir a constituir uma relação semelhante à biológica.
d) o processo de confiança judicial é, materialmente, um processo de jurisdição contenciosa, ao passo que o de adopção é um processo de jurisdição voluntária, seja qual for o critério utilizado.
e) o Estado intervém em ambas as relações, mas só no de confiança judicial é parte, enquanto que no de adopção não é parte, exerce uma função hetero-tutelar através de um órgão judicial [12].
Com as diferenças e aproximações entre estes processos, o de c.j. vive em função do de adopção: antes da adopção, tinha sempre de haver o de confiança judicial, para que aquele se iniciasse com a relação biológica já extinta: «para a adopção é necessário o consentimento …; c) dos pais do adoptando, …, desde que não tenha havido confiança judicial»; esta a redacção do artigo 1981º do Código Civil, antes da alteração da Lei nº 31/03. Só depois desta, a medida de promoção e protecção de confiança a pessoa ou instituição com vista a futura adopção também dispensa o consentimento dos pais, o que significa que também extingue a referida relação.
6.1.2. Em termos processuais, há dois processos que estão mais próximos do da confiança judicial do que está o de adopção: é o processo de promoção e protecção [13] e o de inibição do exercício do poder paternal [14], que, no nosso direito, se traduz numa mera suspensão do exercício do poder paternal [15][16].
No primeiro, o sujeito activo é o Estado [17], o sujeito passivo é a família; o objecto incide sobre a relação jurídica do poder paternal [18] e a causa de pedir são comportamentos iguais ou muito semelhantes aos fundamentadores de uma confiança judicial.
No segundo, continua a ser o Estado o sujeito activo, através do “Curador” [19]; ao lado dos parentes do menor ou de pessoa que o tenha a seu cargo, o que se compreende porque não há uma situação de litígio e de oposição excludente entre estes e os pais, mas tão-só uma diferença de opiniões sobre a vida do menor, uma situação anómala de interesses, até uma controvérsia [20].
Há, contudo, diferenças entre estes dois processos e o de c.j.:
a) quanto à causa de pedir, vamos admitir que a diferença seja só quantitativa - os comportamentos fundamentadores da c.j. hão-de ser mais graves, mais intensos do que os que suportam um pedido de limitação ou de suspensão do exercício do poder paternal [21];
b) mas, quanto ao pedido, a diferença é muito mais do que quantitativa; se se pode dizer que, perder o poder paternal, é mais do que limitá-lo ou suspendê-lo, a verdade é que é muito mais do que isso, porque envolve uma diferença qualitativa; se, entre a suspensão e a limitação do poder paternal há uma relação de mais e de menos, dentro de uma escala com medidas homogéneas, entre elas e a c.j. a diferença já é das próprias escalas; aquelas na afirmação e manutenção do poder paternal biológico, esta na sua negação.
É assim que se pode afirmar que, se o objecto de todos esses processos incide sobre a primitiva relação paterno-filial, os primeiros, regulam-na enquanto que o segundo extingui- a [22].
6.1.3. Por isso,
1) se há identidade do sujeito passivo em todos estes processos;
2) se há também identidade na causa de pedir (ou admita-se que a haja).
3) Já os pedidos são diferentes, e muito diferentes, tanto quanto as referidas diferenças estruturais e funcionais entre eles:
a) na limitação do exercício do poder paternal, os pais, normalmente, por causa de determinado comportamento, são confrontados com ele, para que o corrijam, com ou sem ajuda, ou com a possibilidade de verem limitado o seu poder paternal; é esse o objecto do respectivo processo, para o que são notificados, a fim serem ouvidos [23]; para serem ouvidos sobre determinada situação que, normalmente, é evolutiva e será apreciada num processo que tem como objectivo prioritário a manutenção e o reforço da relação parental.
b) mas, na c.j., a mesma pessoa, com o mesmo fundamento [24], é citada para se defender com a cominação de que pode ficar privada da titularidade (não do mero exercício) do poder paternal [25]: «requerida a confiança judicial do menor, são citados para contestar, ..., os pais ...», para contestar o que é requerido, ou seja, a confiança judicial do menor, o que é dizer a declaração do seu estado de adoptabilidade.
Não se diga que, no processo de limitação do exercício do poder paternal, ficam abertas aos pais todos os desfechos possíveis, por falta de cominação aquando do chamamento. É natural que, na notificação, conste só o momento e o local para a audição, mas, logo têm de ser «informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como esta se processa» [26]. Na verdade o processo tutelar visa a protecção e manutenção da família biológica, no seguimento de prioridade estabelecida na Convenção Europeia dos Direitos e Liberdades Fundamentais [27] e na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 20 de Novembro de 1989 [28]. Por isso, o processo está subordinado ao princípio da responsabilidade parental, segundo o qual «a intervenção deve ser efectuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem» [29]; e está igualmente subordinado ao princípio da prevalência da família, segundo o qual «na promoção de direitos e protecção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integram na sua família ou que promovam a sua adopção» [30] (a adopção sempre depois de esgotada a possibilidade de integração na família biológica e, muitas vezes, mesmo depois da tentativa de integração na família alargada). Repare-se, ainda, que, segundo o princípio da participação, os pais têm direito «a participar nos actos e definição da medida de promoção dos direitos e de protecção» [31].
6.2. Fixadas as coordenadas da nossa questão, estamos em condições de afirmar que passar de uma medida de acolhimento para uma de confiança a pessoa seleccionada para a adopção, podendo este processo iniciar-se sem mais, sem que os pais biológicos sejam chamados a intervir, é uma frontal violação de direitos constitucionalmente protegidos visto que num processo talhado e anunciado para controlar e regularizar o exercício do poder paternal, num passe de magia, subtrai-se um poder com consagração constitucional, na Convenção dos Direitos da Criança e nas leis ordinárias.
Na verdade, é o que de mais incorrecto pode haver - do ponto de vista ético e jurídico - chamar os pais e dizer-lhes que se pode limitar ou suspender o exercício do seu poder paternal - que é o que na grande maioria dos casos se dirá [32] e, de repente, extinguir pura e simplesmente essa relação! Repare-se que a decisão sob recurso atribuiu «a esta pessoa/casal o poder paternal sobre o menor, na sua totalidade» [33]; e bem, porque os pais biológicos perderam-no; por isso, o menor pode ser adoptado.
É um erro grave e com consequências também graves, para além da já referida violação ética, ao direito convencional internacional e ao direito constitucional: pode haver o perigo de uma revisão do processo de adopção, numa altura em que as relações já estão consolidadas [34].
Para que a medida pudesse ser tomada, necessário seria que os pais biológicos fossem notificados formalmente de que, a partir de certo momento, a cominação possível do processo já era a da perda do poder paternal, conferindo prazo para uma tomada de posição defensiva, conforme se prevê nos artigos 85º [35] e 104º, nº 3 [36] da LPCJP. Ou seja, embora sem a existência de um processo de c.j. autónomo, é possível enxertar-se no processo de promoção e protecção um incidente desde que se cumpram as formalidades e objectivos que se respeitam no processo de c.j. [37].
Já assim era no tempo da declaração do estado de abandono [38], precursora da actual declaração do estado de adoptabilidade (confiança judicial) que, para o Prof. Rabindranath Capelo de Sousa, teria de ser em processo autónomo - uma acção tutelar comum, prevista no art. 210º da O. T. M. [39] - e, para o Cons. Armando Leandro, poderia ser no próprio processo, através de um incidente nele enxertado, com estrutura de acção tutelar comum [40].
6.3. Procedendo de maneira diferente, comete-se uma nulidade absoluta, traduzida na falta de notificação dos pais biológicos para se defenderem da eventualidade de ser tomada a medida que veio a sê-lo, cujo regime é o previsto nos artigos 194º, alínea a), e 195º, alínea a), que importa a anulação do processado e é de conhecimento oficioso (artigo 206º, nº 1, do CPC). Obviamente, que o CPC está talhado segundo uma matriz declarativista e relativa ao processo comum, o que explica que a norma se refira ao réu que não é citado, mas cuja razão de ser é a mesma, uma vez que está igualmente em causa o direito de defesa.
Porque a lei fala em réu, foi necessário definir o regime , por exemplo, para a falta de citação no inventário: no Código de 1939, remetendo-se para a falta de citação do réu [41]; no actual, dando-se prevalência ao princípio do máximo aproveitamento dos actos praticados, mas sem prejuízo de se anular o que for indispensável [42]; foi também necessário fazê-lo no processo executivo, remetendo-se para a falta de citação do réu, embora com especialidades [43]. A palavra réu «tem um sentido latitudinário, compreendendo todas as pessoas que, por serem mandadas citar para algum processo, a lei coloca, ... na posição de réus» [44].
É certo que se distingue sempre entre a falta de citação e a de notificação, uma vez, que, nesta, a pessoa já está no processo; no nosso caso, a mãe do menor já estava no processo, mas num outro processo, podemos dizer: para a limitação do poder paternal, não para a sua perda, ignorando a cominação e ficando privada de exercer o contraditório, o que faz equivaler a situação a uma verdadeira citação.
Ou seja, a nulidade absoluta tem total cabimento em qualquer situação em que haja mudança objectiva do objecto do processo, em qualquer caso de enxerto com um objecto diferente do do processo principal. Na verdade, dada a natureza da medida que foi proposta, houve uma alteração do objecto do processo até aí tramitado, sem que os interessados para tal tenham sido chamados a intervir, ou seja, neste caso, notificados, uma vez que já tinham sido chamados, embora para fim diferente. Não puderam exercer o direito de defesa relativamente à pretensão de extinção da titularidade do poder paternal; relativamente à pretensão de limitar o exercício do poder paternal, pode admitir-se que esse direito tenha existido, não obstante a recorrente ter alegado que compareceu à audiência de 9 de Junho, em cuja acta se diz que não compareceu «apesar de devidamente notificada». Ora, ser chamada para este efeito não é o mesmo do que para aquele, visto que são realidades muito diferentes.
6.4. E porque dissemos haver um erro do legislador? Porque ele não deveria ter metido no mesmo saco medidas tão diferentes umas das outras; deveria ter separado, sistematicamente e processualmente aquelas que têm a ver com a preservação dos laços com a família biológica, daquelas que se dirigem a respostas alternativas.
6.5. Mas, mesmo que se considerasse não existir a referida nulidade, sempre haveria uma inconstitucionalidade material ao fazer-se uma interpretação da norma constante dos artigos 35º, alínea g) e 38º-A da LPCJP, e 1981º, nº 1, alínea c), 2ª parte do Código Civil, que permitisse excluir os pais biológicos quer da discussão da nova medida, quer da possibilidade de se defenderem dela, por violação do disposto nos artigos 20º, nº 1, 36º, nºs. 5 e 6, e 67º da Constituição da República (C.R.) [45].
A prova que assim é o que a recorrente alega no que respeita à alteração das suas condições de vida. A serem verdadeiras, deveriam ter sido consideradas na decisão tomada. Não o foram e ela quereria que, agora, em segunda instância, o fossem. Contudo, não se sabe se os factos que alega são verdadeiros ou não porque não foram objecto nem de discussão nem de apreciação.
6.6. De forma que o processo tem de ser repetido a partir do momento em que se decidiu submeter a apreciação a alteração da medida, dando possibilidade a ambos os pais biológicos de nela intervirem.
Obviamente que se colocará uma situação difícil, na medida em que o menor já estará entregue a pessoa candidata para a adopção: difícil para a criança e para essa pessoa.
Mas, temos de dizer, também, que, para além do cumprimento das regras em cada caso concreto, nomeadamente neste, a melhor forma de defender e promover a adopção [46] é usar de um grande rigor, quer no plano do direito [47], mas sobretudo no plano ético, social e moral. No nobre objectivo das sociedades organizadas em darem uma família às crianças que dela careçam, tem de observar-se um comportamento de grande autoridade ética, social e moral, que tem de passar pela segurança e transparência do corte da primitiva relação biológica; e fazemos esta afirmação mesmo sem estarmos a focar aspectos perigosos ligados à adopção, como os de tráfico e comercialização de crianças.
6.7. Com todo o respeito, pensamos que além do vício processual atrás aludido, também do ponto de vista material, o processo ofereceria muitas dificuldades. Referi-las-emos sucintamente:
A) Em relação à progenitora-recorrente.
1. Conclui-se que as suas visitas eram fonte de instabilidade [48], mas nem há uma grande preocupação em ilustrar a afirmação com factos, nem se faz um diagnóstico da situação. Qual será a razão desse resultado e das atitudes que são referidas? Terão a ver com questões que ponham em causa a sua capacidade parental ou com outras que a não ponham? Terão a ver com a relação com o companheiro, que a sujeitará a maus tratos? E o actual é o mesmo que anteriormente? A recorrente nas suas visitas quase diárias é ajudada no relacionamento com o filho ou é deixada com a sua instabilidade?
2. E estas questões são tão mais importantes quando se sabe que pode haver variadíssimas causas para as referidas manifestações comportamentais e que no início do processo há a informação de que ajudada, melhorou: «A mãe do menor foi apoiada por esta M e pela C, tendo feito um percurso positivo, ...» [49].
Assim, seria importante estabelecer uma ligação entre essa capacidade da recorrente e as situações posteriores [50].
B) Em relação ao progenitor.
3. O processo sofreu uma inflexão radical: de pessoa com condições para acolher o filho - factos sob os nºs. 5.4, 5.6., parte final, 5.8. e 5.9.- passou a ser pessoa arredada do poder paternal.
4. Num período de tempo de um mês e treze dias (fls. 77 e 85 e factos sob os nºs. 5.9., 1º §, e 5.10.).
5. Durante o qual nada consta sobre «eventuais sugestões para o aprofundamento da mesma», ou seja, sobre o aprofundamento da relação do pai com o filho (facto constante do nº 5.9., parte final do 2º §). Na verdade, o Sr. Juiz havia solicitado «relatório a dar conhecimento da evolução da situação, devendo pronunciar-se sobre a existência da convivência supra aludida e eventuais sugestões para o aprofundamento da mesma», conforme facto sob o nº 5.9., 2º período. A resposta, 43 dias após, ficou limitada à necessidade de «ser equacionado um outro projecto de vida que melhor defenda os interesses do menor» (facto sob o nº 5.10.).
6. É certo que o tempo vai passando e a criança vai-o perdendo, a viver num ambiente que não é aquele a que tem direito [51].
Mas, a verdade é que a acção social junto de pessoas como as que estão em causa tem de ser “no campo”, com aproximação e de proximidade.
Parece que nada disso aconteceu:
a) inclusivamente a diferença de horários de trabalho entre as Técnicas e o progenitor impediu que se encontrassem [52]! Excepto quando este «compareceu nestes serviços por sua iniciativa, dando conhecimento da sua disponibilidade e desejo de acolher o seu filho J» [53];
b) a não entrega de documento comprovativo do horário de trabalho do progenitor foi motivo para a recusa de visitas [54]!;
c) A mulher que vive em união de facto com o progenitor - portanto a pessoa que iria colaborar com o pai nas tarefas de manutenção e educação do menor, de acordo com a perspectiva que claramente se desenhou no processo [55] - «não teve autorização para o visitar, pois não é familiar directa» [56] !!!.
6.8. Não se põe em causa que o espaçamento com que o progenitor visita o filho seja censurável e, eventualmente, comprometedor da relação paterno-filial. Mas, não estamos a falar de pessoas que tenham um posicionamento correcto relativamente a essa relação. Estamos a falar de pessoas que, exactamente, falham nesse campo, o que é causa da abertura de processos de promoção e protecção, de apoio para a recuperação e manutenção da relação e de diagnóstico e prognóstico da situação, para se poder equacionar e decidir o projecto de vida do menor.
III – Decisão.
Nestes termos, concede-se provimento ao agravo, anulando-se o processado a partir da promoção de fls. 97 e 98, de forma a convocar-se ao processo, de forma efectiva, nos termos do disposto nos artigos 85º e 104º, nº 3, do Decreto-Lei nº 147/99, de 1 de Setembro, os progenitores do menor, a fim de que participem e tomem posição sobre a eventual alteração da medida antes aplicada ao menor, sem prejuízo da alteração e complemento da referida promoção, caso tal seja entendido como conveniente.
Sem custas.

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[1] alínea B) das Conclusões das Alegações.
[2] Decreto-Lei nº 120/98, de 8 de Maio, e Lei nº 31/03, de 22 de Agosto.
[3] esta afirmação - de complexidade processual - não se refere a um ponto de vista puramente formal, relacionada com a tradicional matriz judiciária. Tem a ver com o seu objecto - o nascimento de uma relação paterno-filial, mas que já tem atrás de si outras realidades difíceis de superar: uma criança carecida de suficiente investimento afectivo por parte dos pais biológicos e uma pessoa ou um casal que, além de também poder ter os seus, tem de ser capaz de superar todas essas dificuldades e criar uma relação nova baseada no afecto e no amor. E é esta questão material que obriga à referida complexidade do processo de adopção. E a verdade é que o legislador concluiu que um só dos sectores funcionais do Estado não era suficiente para a resolução das dificuldades e problemas que a criação da relação adoptiva suscita, pelo que, além da intervenção do tribunal, do sector do poder judicial, faz intervir, também, a Administração, sector do poder executivo (na Convenção Europeia em Matéria de Adopção de Crianças, de 1967, ratificada por Decreto do presidente da República nº 7/90, publicado no D.R. I Série, de 20/2/90, preconiza-se que os inquéritos relativos ao adoptante, ao menor e sua família sejam realizados «por trabalhadores sociais qualificados neste domínio pela sua formação ou pela sua experiência» - artigo 9º, nº 3; cf. artigo 19º -).
[4] o princípio constitucional da protecção da infância (art. 69º da C.R.), o princípio da não discriminação entre os filhos nascidos do casamento e fora dele (art. 36º, nº 4 da C.R.; cf. o nº 39 do Preâmbulo do D. L. nº 496/77, de 25 de Novembro: «A revisão do instituto da adopção impôs-se por força do preceito constitucional que proscreveu a distinção entre filhos legítimos e ilegítimos») e o princípio da protecção da adopção (art. 36º, nº 7 da CR).
[5] o processo de confiança constitui um incidente inicial do processo de adopção. Confiar um menor é, no mais essencial, declarar a adoptabilidade de determinada criança, seguindo-se a sua entrega a alguém (família ou instituição) com vista ao início do período de pré-adopção. A decisão de considerar a criança adoptável, fundamenta-se na ausência ou demasiada precariedade das relações afectivas com a família biológica. A decisão de entregar a criança a alguém tem um carácter cautelar e é instrumental em relação à declaração de adoptabilidade. A decisão de adoptabilidade e de entrega do menor através de um processo próprio e preliminar foi e devia continuar a ser condição para a constituição de um vínculo adoptivo. Sem confiança do menor não podia, nem devia poder, haver adopção. Em recente artigo na Revista do Ministério Público (ano 26, nº 101, pág. 53 e ss), o Sr. Dr. Norberto Martins refere-se à expressão declaração de adoptabilidade (págs. 62, 63 e 64).
[6] durante os trabalhos da Convenção sobre a protecção das crianças e a cooperação em matéria de adopção internacional - Haia, 29 de Maio de 1993 foi sugerido substituir a designação de “declaração do estado de adoptabilidade” por outra, uma vez que aquela poderia sugerir alguma ideia de “comercialidade”, infelizmente poluidoramente presente no mundo da adopção. A verdade é que esse desiderato fracassou, tendo-se regressado à designação tradicional («les adoptions visées par la Convention ne peuvent avoir lieu que si les autorités compétentes de l`État d`origine ont établi que l´ enfant est adoptable» - art. 4º, al. a). Por isso se falou em “generosidade” do nosso legislador, o que não foi conseguido, inclusivamente pela equivocidade da designação escolhida, geradora de erros e dificuldades judiciárias.
[7] porque se alinham ambos para o mesmo objectivo final, ou seja, uma pretensão pressupõe que a outra tenha sido anteriormente deduzida e obtida.
[8] a afirmação estava correcta antes da alteração introduzida pelo DL nº 185/93, de 22 de Maio: «Têm legitimidade para requerer a declaração do estado de abandono o Ministério Público e o director do estabelecimento público ou particular de assistência onde o menor tenha sido recolhido» (artigo 1978º, nº 3 do CC, na redacção de 1977); a partir de 1998, alargou-se a legitimidade à «pessoa a quem o menor tenha sido administrativamente confiado» (nº 3, do artigo 1978º do CC) e, ainda, a pessoa a quem o menor foi confiado mesmo contra a opinião do organismo de segurança social! De qualquer maneira, mantemos a afirmação porque a legitimidade não advém de nenhum interesse próprio, mas sim por delegação do Estado, o único que tem interesse e legitimidade para sindicar a relação entre os pais biológicos e a criança.
[9] artigo 164º da OTM (Decreto-Lei nº 314/78, de 27 de Outubro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei nºs. 185/93, de 22 de Maio, 120/98, de 8 de Maio, e pelas Leis nºs. 133/99, de 28 de Agosto, 147/99, de 1 de Setembro, 166/99, de 14 de Setembro, e 31/03, de 22 de Agosto): «requerida a confiança judicial do menor, são citados para a contestar, ..., os pais, e, sendo caso disso, os parentes ou o tutor referidos no artigo 1981º do Código Civil e o Ministério Público, quando não for o requerente».
[10] artigos 1979º, do Código Civil, e 168º da OTM.
[11] artigos 170º, nº 1, e 172º, da OTM.
[12] assim, os sujeitos processuais da confiança judicial não têm nada a ver com os da adopção, nem vice-versa, ou seja, a família biológica, mais concretamente os pais, não têm nada a ver com o processo de adopção, nem os candidatos à adopção têm a ver com a confiança judicial; que os pais biológicos nada têm a ver com a adopção, parece óbvio, porque, nessa altura, já nada os liga nem aos candidatos a adoptantes nem ao adoptando; que os candidatos à adopção não têm nada a ver com o processo de confiança judicial resulta de eles não terem nenhum interesse jurídico nem nenhuma expectativa no desfecho do processo de confiança judicial: é ao Estado e só a ele que compete vigiar o bom cumprimento dos deveres parentais e, não obstante os candidatos a uma adopção terem de aguardar pela existência de crianças adoptáveis, a relação adoptiva irá estabelecer-se após um estudo de determinadas condições que não têm a ver com aquele processo, nem com nenhum de c.j. em concreto (se tivéssemos tempo para aprofundar esta questão, logo veríamos a incorrecção de atribuir legitimidade activa para o processo de confiança judicial a outra qualquer pessoa que não seja o Estado, o único com legitimidade ética e constitucional para controlar e regular a relação entre os pais biológicos e os seus filhos). Mas, para além disso, há um aspecto prático de importância primordial: a constituição de uma relação parental baseada no amor e na afectividade não deve ser promíscua com a extinção de uma relação baseada nos laços de sangue; quando o adoptado quiser conhecer as pessoas que o geraram, não deve confrontar-se com a “acusação” delas por parte dos seus pais, aos quais competirá, antes, ajudá-lo a resolver as dificuldades derivadas desse conhecimento e a desculpabilizá-los, de forma a que os espaços ocupados por uns e outros não seja conflituantes, mas sucedâneos).
[13] previsto nos artigos 1918º e 1919º do Código Civil e artigos 77º e seguintes da Lei nº 147/99, de 1 de Setembro (Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo - LPCJP). Anteriormente, previsto nos artigos 30º e seguintes da OTM.
[14] regulado nos artigos 1913º a 1917º do Código Civil e 194º a 198º da OTM.
[15] cf. artigos 1914º e 1916º do CC e 201º da OTM; cf. Dr. Eduardo Santos, Direito da Família, Almedina, 1985, págs. 180 a 184.
[16] em 2003, o legislador aditou um artigo ao Código Civil, certamente com a intenção de colmatar o que seria um vazio: qual a situação do menor relativamente aos seus pais biológicos entre a declaração do estado de adoptabilidade e a constituição de novo vínculo parental? Mas, parece que o não conseguiu e criou outro problema: 1) não o conseguiu porque, entretanto, não lhe definiu o conteúdo, não se compreendendo como é que criaria uma figura com um regime diferente de outra com o mesmo nome; por outro lado, não havia necessidade dessa inovação porque, para a perda do poder paternal, já havia a confiança judicial; se o conteúdo desta inibição é o que resulta dos artigos 1914º e 1916º do CC e 201º da OTM, aparentemente, teria interesse e o objectivo conseguido mas somente para os casos em que à declaração do estado de adoptabilidade não se seguisse uma adopção; porque, quando tal acontecesse, já não se trataria de inibição, mas sim de perda ou privação do poder paternal, para o que era suficiente a declaração do estado de adoptabilidade. E …, 2) neste caso (seguindo-se a adopção, o que será normal), como compatibilizar as situações de inibição com a de dispensa de consentimento dos pais «desde que tenha havido … medida de promoção e protecção de confiança a pessoa … com vista a adopção» (artigo 1981º, nº 1, al. c), 2ª parte, do CC), se essa dispensa só é possível quando se perdeu quer o exercício quer a titularidade do poder paternal? Ora, como o inibido só perdeu o exercício, o seu consentimento para o filho ser adoptado é necessário: «Para a adopção é necessário o consentimento: …; c) dos pais do adoptando, ainda que menores e mesmo que não exerçam o poder paternal» (artigo 1981, nº 1, 1ª parte, do CC; sublinhámos)!
[17] artigo 105º da LPCJP: «a iniciativa processual cabe ao Ministério Público»; artigo 106º, nº 2: «recebido o requerimento inicial, o juiz profere despacho ...».
[18] embora com a diferença de que o processo de suspensão do poder paternal se restringe ao respectivo exercício, ao passo que o de c.j. se dirige à respectiva titularidade.
[19] o Ministério Público nos Tribunais de Família e Menores; «O Curador, …, podem requerer a inibição, …» (artigo 194º da OTM).
[] caracterização do processo de jurisdição voluntária, segundo um critério orgânico.
[20] o legislador terá entendido que os factos fundamentadores do processo de limitação do poder paternal eram os mesmos que se iriam discutir na c.j. e essa será a justificação para que não se repetisse a sua discussão, agilizando-se o processo de adopção. Embora não concordemos com o pressuposto, não vamos entrar nesta questão para não alongar demasiado a exposição, vamos antes admitir a afirmação de que a causa de pedir numa e noutra acção é a mesma.
[21] se quiséssemos localizar estes processos numa esfera planetária, podíamos dizer que são processos situados em hemisférios diferentes, mas no mesmo fuso: o de limitação e o de suspensão do exercício do poder paternal num hemisfério, o de c.j. no outro, mas no mesmo fuso - o da relação parental ainda existente -; já o de c.j. e o de adopção se situam no mesmo hemisfério - o de uma nova relação parental -, mas em fusos diferentes.
[22] artigos 94º e 107º, nº 1, al. b) da LPCJP, consoante o processo corra na Comissão de Protecção ou no tribunal.
[23] admita-se.
[24] artigos 1978º do Código Civil, 164º e 165º, nº 2, da OTM.
[25] artigo 4º, alínea h), da LPCJP - princípio da obrigatoriedade da informação.
[26] assinada em Roma, em 4 de Novembro de 1950.
[27] ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 49/90, de 12 de Setembro. Cf. artigos 5º (os Estados devem respeitar as responsabilidades, direitos e deveres dos pais e, a seguir, dos membros da família alargada ou da comunidade nos termos dos costumes locais), 9º, nº 1, 1ª parte (não separação da criança dos pais), 16º (proibição de intromissões arbitrárias ou ilegais na vida privada da criança e na da sua família), 20º e 21º (soluções alternativas, incluindo a adopção).
[28] artigo 4º, alínea f), da LPCJP.
[29] artigo 4º, alínea g), da LPCJP.
[30] artigo 4º, alínea i) da LPCJP.
[31] podemos configurar uma situação de tal gravidade que se afaste logo essa hipótese. Mas, numa tal situação - repetimos, não habitual -, não se dá início a um processo de promoção e protecção, mas a um de confiança judicial.
[32] fls. 102.
[33] No Acórdão do STJ, de 24 de Junho de 2004 (processo 02B4609, relatado pelo Sr. Cons. Ferreira de Almeida, in www.dgsi.pt), revogou-se uma decisão que impediu parentes de um menor de contestarem uma confiança judicial; a decisão tomada na primeira instância, foi confirmada pela segunda e pelo Supremo Tribunal, vindo, depois, o Tribunal Constitucional a declarar a inconstitucionalidade material da norma constante do artigo 164º, nº 1, da OTM, interpretada no sentido de denegar legitimidade para intervir no âmbito do processo tutelar cível de confiança judicial de menor aos seus parentes colaterais até ao 3º grau, que, após falecimento de ambos os progenitores do menor, o não têm a seu cargo por motivo estranho à sua vontade, apesar de manifestarem interesse em intervir espontaneamente na causa, por violação das disposições conjugadas dos artigos 20º, nº 1, e 67º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa. Os factos eram os seguintes: «1º- os pais dos menores faleceram; 2º- o agravante B é irmão dos menores; 3º- Os agravantes A e C são tios dos menores; 4º- Os menores não se encontram a cargo dos agravantes nem com eles vivem; 5º- Com vista à futura adopção dos menores, foi requerida a sua confiança judicial; 6º- Não se encontrando os menores a cargo dos agravantes nem com eles vivendo, não se procedeu à citação destes para contestarem a acção da confiança judicial; 7º- Foi indeferido o requerimento em que os agravantes solicitavam a sua citação para poderem contestar a requerida confiança judicial». Para além do que foi alegado pelos recorrentes, parece manifesto um incompreensível esquecimento e desrespeito por normas fundamentais da vida social e jurídica: protecção e prioridade à família biológica, seguindo-se-lhe a família alargada e só depois a adopção. Seria importante saber se não se procurou estes familiares que lutaram pela pertença do menor e porquê, mas sabe-se que se lhe vedou o acesso ao menor quando o procuraram fazer!!!
[34] «os pais, … são obrigatoriamente ouvidos sobre a situação que … e relativamente à …, revisão … de medidas de promoção e protecção», sendo certo que «a decisão de revisão pode determinar: ..; b) a substituição da medida por outra mais adequada».
[35] «o contraditório quanto aos factos e à medida aplicável é sempre assegurado em todas as fases do processo, …» (cf. o referido artigo na Revista do Mº Pº, a págs. 63, 1º §).
[36] haverá sempre uma promiscuidade incompreensível entre medidas tão diferentes e logo colocadas no mesmo artigo!
[37] a anterior declaração judicial de estado de abandono (art. 1978º do CC e 166º da OTM). A dispensa de consentimento nos casos em que poderia haver confiança judicial também estava sujeita a contraditório.
[38] A Adopção. Constituição da relação adoptiva, Separata do vol. XIX do Suplemento do B.F.D.U.C., Coimbra, 1973, pág. 203. Esta posição, relativa à anterior declaração judicial de dispensa de consentimento por indignidade ou desinteresse, era defendida através de um argumento de maioria de razão a partir do artigo 2036º do C.C..
[39] in "Jurisdições de Menores e Família, alguns aspectos teórico-práticos".
[40] «a falta de citação dos herdeiros, dos seus cônjuges e do Ministério Público está sujeita ao regime da falta de citação do réu».
[41] artigo 1342º, nº 2, do CPC.
[42] artigo 864º, nº 10, do CPC: «a falta das citações prescritas tem o mesmo efeito que a falta de citação do réu, mas ...».
[43] Prof. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, 1945, vol. 2º, pág. 407.
[44] cf. artigo 204º da C.R.
[45] a adopção não tem tradição consolidada no nosso país; ela esteve arredada do nosso ordenamento jurídico durante anos e foi introduzida com o Código Civil de 1966, de forma muito incipiente. Só com o Decreto-lei nº 185/93, de 22 de Maio, conseguimos uma regulamentação coerente e bem sistematizada, depois dos ensaios que foram a alteração ao Código Civil levada a cabo pelo Decreto-Lei nº 496/77, de 25 de Novembro - consagração da adopção plena como a que melhor serve os interesses da criança - e do DL 274/80 - precursor do trabalho inter-institucional e inter-disciplinar -. Talvez pela falta de uma cultura jurídica neste domínio e de resistências sociais e ideológicas, a disciplina legal padeceu logo de pequenos erros, para já não falar da concretização prática desse regime. Mas os erros foram aumentando à medida que o legislador foi mexendo na lei.
[46] contrariamente ao que às vezes se ouve, com o fundamento de que se está no domínio da jurisdição voluntária, como se tal pudesse significar ausência ou relaxamento das normas.
[47] fls. 2, 93 e 97.
[48] fls. 2.
[49] cf. artigos 18º, nº 2 e 19º, nº 2 da Convenção sobre os Direitos da Criança e o artigo 4º, alíneas f) e g) e 41º da LPCJP.
[50] a este propósito, diz- se no referido artigo da Revista do MºPº: « ... o tempo das crianças não se regula pelo relógio dos adultos, mas .... devemos ser intransigentes neste particular porque a indefinição leva quase sempre a que se eternizem as institucionalizações e que o tempo de adoptar seja inexoravelmente ultrapassado, porque estamos muito entretidos a recuperar famílias prodigalizando-lhes oportunidades atrás de oportunidades e esquecendo o objectivo da intervenção, isto é, a salvaguarda dos interesses da criança e do jovem que reclama a oportunidade de crescer no seio de uma família» (pág. 65). Na verdade, a indefinição das situações é sempre prejudicial, quer para a criança que não é adoptada, devendo sê-lo, quer para a família que não é ajudada a recuperar a sua função parental, tendo para isso possibilidades.
[51] facto sob o nº 5.6.: « …, a Equipa deslocou-se à morada acima indicada a fim de realizar visita domiciliária, não se encontrando ninguém em casa. Devido à incompatibilidade de horários entre a EMAT e o casal, ainda não foi possível observar o interior da residência».
[52] facto sob o nº 5.6..
[53] facto sob os nºs. 5.5., 5.6. e 5.7..
[54] facto sob os nºs. 5.8. e 5.9..
[55] facto sob os nºs. 5.6. e 5.7..