Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
179/10.3TBMMN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÕES
RESPONSABILIDADE DAS PESSOAS COLECTIVAS
Data do Acordão: 11/09/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE MONTEMOR-O-VELHO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 7º Nº 2 DO RGCO
Sumário: As pessoas colectivas ou equiparadas são responsáveis pelas contra-ordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções, nestes se integrando os trabalhadores ao seu serviço, desde que actuem no exercício das suas funções ou por causa delas.
Decisão Texto Integral: A arguida “XX... Supermercados, Lda” foi condenada pelo Ministério da Economia e da Inovação, na coima de € 7.000, 00 (sete mil euros), pela prática de uma contra-ordenação, p. e p. nos termos dos arts 5º e 13º, nº 1, al b) do DL nº 170/2005 de 10/10 e, na coima de € 5.000,00 (cinco mil euros), pela prática de uma contra-ordenação, p. e p. pelos arts 3º, nº 1, al b) e 9º, nº 1 al a) do DL nº 156/2005 de 19/09. Em cúmulo foi condenada na coima única no montante de € 10.000,00 (dez mil euros).

Impugnou tal decisão junto do Tribunal Judicial de Montemor-o-Velho.

Recebidos os autos e admitido o recurso foi designado data para a audiência de julgamento.

Efectuada esta audiência, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente o recurso e condenou a arguida na coima de € 1.750,00 (mil setecentos e cinquenta euros) pela prática de uma contra-ordenação, p. e p. pelos arts 3º, nº 1 al b) e 9º, nº 1, al a), do DL nº 156/2005, de 15/09.
Condenou a arguida na coima de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), pela prática de uma contra-ordenação, p. e p. pelos arts 5º e 13º, nº 1 al b) do dl nº 170/2005 de 10/10.
Ao abrigo do disposto no artº 19º do RGCC condenou a arguida na coima única de € 3.600,00 (três mil e seiscentos euros).

Inconformada, a arguida, “XX... – Supermercados, Lda” recorreu para este Tribunal da Relação, concluindo na sua motivação:

1- As pessoas colectivas são responsáveis pelas contra ordenações praticadas pelos seus órgãos ou agentes ou representantes no exercício das suas funções, tal como prescreve o nº 2 do art. 7º do RGCOC mas quem praticou tais infracções foram alguns trabalhadores da Arguida Recorrente que não se podem qualificar como órgão ou agente da arguida, no sentido dado por aquele normativo e consensualmente aceite pela Jurisprudência.
II- A responsabilização das pessoas colectivas opera apenas e só nos casos em que aqueles actuem por ela, sendo assim uma responsabilidade e desde que praticada no exercício elas suas funções, devendo ter-se por excluída quando o agente, órgão ou representante actue contra ordens ou instruções do ente colectivo tal como postula o nº 2 do supra referido normativo legal
III- Foram alguns dos seus funcionários ou colaboradores, que procederam não procederam á alteração atempada do preço dos combustíveis afixados, ou não entregaram o Livro de Reclamações quando solicitado, o que de igual forma consta da matéria fáctica provada (vide pontos 7 e 8)
IV- A pessoa colectiva apenas pode ser responsabilizada se for apurada a responsabilidade dos seus órgãos ou representantes em seu nome e no interesse colectivo, requisitos estes que são cumulativos, uma vez que para a responsabilização da pessoa colectiva tem que se apurar a culpa de um dos seus agentes, que devem agir no seu interesse e em seu nome tanto mais que os seus trabalhadores agiram contra ordens expressas dadas pela Arguida A....
V- O nº 2 do art. 7º do RGCOC ao referir "os seus órgãos" exclui desde logo os seus funcionários dado que estes não representam a sua vontade, caso contrário a pessoa colectiva seria sempre responsável por actos no domínio funcional da empresa independentemente da vontade e do seu conhecimento dos seus órgãos ou representantes
VI- Órgãos do ente colectivo são as pessoas físicas que integram a sua vontade os centros institucionalizados de poderes funcionais a exercer pelo indivíduo ou colégio de indivíduos que nele estiverem providos com o objectivo de exprimir a vontade judicialmente imputável a esse ente colectivo.
VII- Os funcionários são de facto e de Direito, sujeitos autónomos, com personalidade jurídica distinta entre si, e por isso mesmo, responsáveis pelos seus actos e ou omissões, pois caso assim se não entendesse, fácil seria hoje em dia trabalhar em qualquer empresa, sem qualquer tipo de responsabilidade emergente da sua prestação de trabalho, pois a culpa ou negligencia seria sempre da entidade patronal!
VIII- A qualidade de trabalhador subordinado não afasta a sua responsabilidade enquanto individuo ou pessoa individual, nem lhes atribui imunidade uma vez que são estes quem materializam, concretizam, realizam ou omitem as tarefas que lhe são distribuídas pela sua entidade patronal, tarefas essas que jamais se negaram, cumprir pelo que será a estes a quem devem ser assacadas responsabilidades pela pratica da contra ordenação imputada à Arguida, uma vez que são os responsáveis directos e encontravam-se ao serviço nesses dias.
IX- A responsabilidade individual do agente ou dos agentes não se transfere para a pessoa colectiva, no sentido de que a responsabilidade desta não afasta a responsabilidade daquele ou daqueles pela sua actuação, o por conseguinte, como a Arguida A..., aparece sozinha em juízo, contraria a ratio daquela norma, uma vez que para esta ser responsabilizada, haveria sempre que haver igualmente uma pessoa individual responsável pela pratica da mesma contra-ordenação, o que não ocorre e impossibilita assim que a Arguida possa ser punida.
X- O Tribunal ao decidir condenar a Arguida enquanto ente colectivo responsável único da prática daquela contra ordenação, estará a violar o estatuído do nº' 2 do art. 7° do RGCOC, violando igualmente e por esta via o Principio da Legalidade e da Tipicidade, em clara violação do Principio da Legalidade estatuído no nº 1 do art. 29 da CRP
XI - A Sra. B... foi constituída Arguida, e notificada para deduzir defesa a 25/02/08, remeteu à ASAE requerimento para pagamento voluntário da coima a ser aplicada pela pratica da contra-ordenação que emerge sobre a alegada "recusa de entrega do Livro de Reclamações: - requerimento a folhas 49 - o que afastaria a culpa da Recorrente, nas suas diversas modalidades.
XII - A ausência de pronuncia da parte da ASAE sobre tal requerimento - que sabe-se que seria objecto de DEFERMENTO (vide informação trazida aos autos do despacho da ASAE datado de 07/12/2010) consubstanciaria NULIDADE insanável do procedimento contra-ordenacional, uma vez que a Arguida foi condenada pela prática daquela contra-ordenação, quando se sabe e disso os autos contêm informação suficiente, a autora foi aquela Sra. B... e não a XX... Supermercados Lda.
XIII- Tal Nulidade Insanável que deverá aproveitar aos demais sujeitos processuais não foi objecto de apreciação na Sentença da qual agora se recorre, incorrendo assim na Nulidade invocada.
XIV - Da Douta Sentença não consta qualquer referencia quanto ao facto da Recorrente ter ou não ter dado ordens aos seus funcionários para cometerem os factos vertidos na Acusação, sendo que da pronuncia sobre a Nulidade do Auto de Contra Ordenação consta que "O agente físico só será responsável pela Contra Ordenação se se provar que agiu contra a vontade da pessoa colectiva, o que não aconteceu no caso concreto faltando desta forma matéria fáctica que permita concluir em sentido diferente
XV- Não se pode considerar que os funcionários da mesma não desobedeceram às ordens que tinham (vide ponto 3.3 por contraposição com os pontos 1.1 c 2.2)
XVI - Agindo Negligentemente, como de resto ficou provado (pelo menos na Contra Ordenação relacionada com o Livro de Reclamações), a vontade da recorrente em "cometer" aquelas contra-ordenações não se pode presumir pois seria exigível que a mesma agisse com "animus " nesse sentido, o que como se sabe não ocorreu, e afastaria a conclusão vertida na Sentença, sobre esta Nulidade, que de facto se verifica
XVII- A averiguação da vontade da Recorrente revela-se essencial para aferir da responsabilidade em concreto da Arguida na prática daquela contra-ordenação. quer a título doloso nas suas várias vertentes, quer a título negligente, o que, não sucedendo, consubstancia Nulidade
XVIII- Sendo tal matéria alegada e invocada em sede de Defesa e Recurso de impugnação Judicial impunha-se averiguar e dar como provado ou não provado esse facto cm concreto, bem como se o Sócio – Gerente, que é quem tem de facto a direcção dos destinos da entidade colectiva recorrente teve conhecimento ele tais factos, uma vez que este não se encontrava na empresa, mas tais factos não foram de igual forma objecto de qualquer pronuncia nem nos factos provados nem nos factos não provados
XIX- A omissão de pronúncia sobre tais factos constitui NULIDADE da Sentença Recorrida, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal.
XX - É da competência e exclusiva responsabilidade dos funcionários da Arguida a correcta afixação dos preços poceder à actualização do preço dos combustíveis, quer no sistema informático, que nos respectivos placard informativos pelo que seria, quando muito, a estes que deve ser assicada a responsabilidade pela prática da contra-ordenação imputada à Arguida, uma vez que são os únicos responsáveis directos e foram os mesmos que deram origem aos presentes autos.
XXI - Se o livro de reclamações não foi de imediato disponibilizado tal deveu-se a conduta da Sra. B....
XXII - Existe matéria de facto provada e por contraposição, matéria de facto não provada que indica que a Arguida não resolveu empreender a conduta relatada nos autos. e que esta não tinha consciência do facto que assim constituiria uma contra-ordenação, e ainda assim não se absteve de a praticar
XXIII- A Arguida A.... fez tudo o que estava ao seu alcance - naquilo que era possível e derivava da sua vontade - para evitar o resultado verificado, sendo certo que os trabalhadores responsáveis não actuaram de acordo quer com as ordens recebidas quer com a formação que receberam, havendo assim lugar à exclusão da responsabilidade da Arguida A....
XXIV- A sentença não extrair as necessárias consequências jurídicas dos factos dados como provados e não provados, decidindo em manifesta contradição com a matéria de facto apurada, havendo assim ERRO NOTÓRIO na apreciação da prova, previsto na al. c) do nº 2 do art. 410º de Código de Processo Penal, cuja consequência, e caso o Venerando tribunal ad quem se veja impedido de decidir de acordo com estes factos, deverá ser a consignada no nº 1 do art. 426º do mesmo diploma legal.
XXV- A Sentença deve elencar a matéria de facto constante ela Acusação e Defesa como provada e não provada de forma a permitir a sindicância pelo Tribunal de Recurso o que não sucedeu com as ordens da recorrente nem com a presença ou ausência do socio- gerente na empresa naquela altura
XXVI- O Tribunal deve deixar bem claro que foram apreciados todos os factos alegados, maxime, na contestação com interesse para a decisão apenas podendo considerar-se como provados ou não provados, “todos os factos se houver a certeza de que foram investigados" pendendo sobre o juiz do dever de se pronunciar sobre todas as matérias relevantes para a boa decisão da lide, e não o fazendo, de forma consistente, a decisão é NULA, o que in casu ocorreu,
XXVII - a gravidade da contra - ordenação é diminuta, a culpa, é assim inexistente, aliás como também decorre desde logo do auto de contra ordenação, a situação económica da Arguida está documentada nos autos, o beneficio económico que a A..., retirou da contra - ordenação é NULO,
XXVIII - A arguida não cometeu nenhuma infracção que possa ser tipificada como ilícito contra - ordenacional, tal como consta da acusação, conforme resulta do atrás aduzido, pelo que haverá que considerar a sua Absolvição, ou quando muito a aplicação de coima reduzida a metade no seu mínimo legal.
XXIX- O valor aplicado a titulo de coima para punir os factos imputados à Arguida são por demais elevados e injustificados face á diminuta gravidade dos mesmos, aliás como é bom de se ver pela descrição ínsita no Auto de Noticia
XXX- A Coima Mínima estipulada em ambos os diplomas legais são completa e absurdamente exageradas face á gravidade do comportamento que se quer punir com aquela norma que está desfasada da realidade económica das empresas (pequenas e medias) bem como do país
XXXI- O Legislador impondo tais limites mínimos, in casu, para a não apresentação do Livro de Reclamações na altura em que o mesmo foi solicitado à Arguida ­Recorrente - e tendo esta procedido á sua entrega em momento posterior - utilizou um meio que é desproporcional ao fim a que se destina, violando desta forma o Principio da Proporcionalidade, plasmado nos artigos 18º nº 2 e 266º nº 2, ambos da Constituição da Republica Portuguesa,
XXXII - A Autoridade Administrativa pautou a graduação da coima por um critério completamente subjectivo e inexacto, mas impunha-se averiguar da real situação económica da empresa, bem como se este teve ou não algum lucro no ano da alegada pratica da contra ordenação em causa, por forma a aplicar uma regra/critério objectivo
XXXIII - Não cometeu a arguida nenhuma infracção que possa ser tipificada como ilícito Contra-Ordenacional, tal como consta da acusação e da douta decisão que ora se impugna, conforme resulta do atrás aduzido, pelo que haverá que considerar a sua Absolvição.
Foram assim violadas as normas previstas nos art. 7° nº 2, 17º n° 3, 18º, 41º nº 1º, 51º todos do DL 244/95 RGCOC), art, 13°, 14°, 15°,60° e 71º do Código Penal, al. a) do n° 1 do art. 97, nº 2 do art. 374º e al. a) e c) do n° 1 e nº' 2 ambos do art. 379°, e n° 2 do art. 410°, todos do Código de Processo Penal, aplicáveis ex vie art, 32 e 41° do DL 244/95, e ainda o n° 1 do art, 29° e o nº 2 do art. 206°, ambos da
Constituição da Republica Portuguesa
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exa., deve conceder-se provimento ao presente recurso, como é da mais elementar JUSTIÇA

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso.
Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela procedência parcial do recurso.

Colhidos os vistos legais cumpre agora decidir.

Dos autos resultam provados os seguintes factos:

1. A arguida “XX... – Supermercados, Lda.”, com sede na …, explora o estabelecimento comercial denominado …, sito no mesmo local.
2. Nesse local, existe um posto de abastecimento de combustível, explorado pela arguida.
3. No dia 11 de Dezembro de 2006, pelas 8.30 horas, o aludido posto de abastecimento de combustíveis encontrava-se em funcionamento, aberto ao público.
4. Nesse dia 11 de Dezembro de 2006, pelas 8.30 horas, C... dirigiu-se ao aludido posto de abastecimento de combustível, tendo aí abastecido um veículo automóvel com gasolina sem chumbo/95 octanas.
5. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, no citado posto de abastecimento de combustíveis, o painel aí afixado, que continha a relação de todos os combustíveis comercializados no posto, com os respectivos preços, tinha o preço de venda ao público para a gasolina sem chumbo/95 octanas de € 1,158.
6. Porem, na bomba de abastecimento de combustíveis, o preço dela constante para a gasolina sem chumbo/95 octanas, era de € 1,178.
7. Perante tal divergência de preços afixados, a cliente C... solicitou o livro de reclamações à funcionária da arguida presente no posto de abastecimento, tendo esta declarado não ter o livro de reclamações consigo e não estar presente o responsável pelas reclamações.
8. Nessa ocasião, a referida funcionária da arguida disse à cliente para voltar mais tarde a fim de efectuar a reclamação.
9. Nesse mesmo dia, a cliente C... dirigiu-se de novo ao aludido posto de abastecimento de combustíveis, tendo pelas 13.30 horas efectuado a reclamação constante de fls. 6, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido, no livro de reclamações que para tanto lhe foi então facultado.
10. A sociedade arguida sabia que estava obrigada por lei a proceder à actualização dos preços dos combustíveis constante dos painéis, sempre que ocorra uma alteração do preço de venda de qualquer dos combustíveis comercializados no posto em causa, e que ao não faze-lo violava um direito dos consumidores.
11. A sociedade arguida sabia que estava obrigada por lei a facultar imediatamente o livro de reclamações quando solicitado e que ao não fazê-lo violava um direito dos consumidores.
12. A sociedade arguida ao não proceder no dia 11.12.206, antes da abertura do posto de abastecimento, à actualização dos preços dos combustíveis constante dos painéis, não curou desse dever, embora pudesse e devesse fazê-lo, assim agindo com incúria.
13. A sociedade arguida ao não facultar imediatamente o livro de reclamações, quando o mesmo foi solicitado pela cliente C…, aquando do abastecimento de combustível que esta fez, não curou desse dever, embora pudesse e devesse fazê-lo, assim agindo com incúria.
14. A sociedade arguida nenhuma vantagem económica tirou da situação em causa nos autos.
15. Da actuação da sociedade arguida não resultaram prejuízos para os seus clientes, nomeadamente para a cliente C… .
16. A sociedade arguida não tem antecedentes contra-ordenacionais.
*
FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provaram outros factos com relevo para a decisão e, nomeadamente, que:

1.1. A sociedade arguida actuou de forma livre, voluntária e conscientemente, ciente que o seu comportamento era proibido e punido por lei.
2.2. A sociedade arguida representou como possível a realização dos factos típicos, como consequência directa da sua actuação.
3.3. Os trabalhadores da arguida, ao não procederem à actualização dos preços de combustíveis, e à disponibilização imediata a cliente do livro de reclamações, actuaram contra ordens expressas da arguida, e contra a formação que pela mesma lhes foi regularmente ministrada por entidades acreditadas junto do INFOR, e contra os interesses da arguida.
4.4. É da competência e exclusiva responsabilidade dos funcionários da arguida a correcta afixação dos preços e proceder à actualização dos preços dos combustíveis, quer no sistema informático quer nos respectivos painéis informativos.
5.5. Ao não procederem à actualização do preço dos combustíveis, os funcionários da agiram em violação de normas e directrizes internas emanadas pela arguida quanto aos procedimentos a adoptar aquando da actualização dos preços dos combustíveis, sendo as suas condutas desafiadoras da responsabilidade que lhes advém do cumprimento devido às ordens que possuem.
6.6. Finda a campanha promocional de combustíveis que a arguida promoveu em data anterior a 11.12.2006, a mesma deu instruções aos seus funcionários, concretamente a D..., operadora da caixa central e a F..., funcionário de armazém, para que actualizassem de imediato os preços dos combustíveis.
7.7. De acordo com as instruções recebidas, no dia 11.12.2006, e logo pela manhã, procedeu a funcionária D... à actualização do preço dos combustíveis.
8.8. O funcionário da arguida, F..., por motivos totalmente alheios à vontade daquela, efectuou outras tarefas antes de actualizar no placard os preços dos combustíveis, contrariando e desrespeitando as instruções que expressamente lhe foram dadas pela arguida, que só detectou tal falta às 8.30 horas do dia 11.12.2006, aquando do abastecimento pela cliente C....
9.9. Quando a cliente C..., após o abastecimento, solicitou o livre de reclamações, o mesmo foi-lhe prontamente disponibilizado.
10.10. Pelas 8.35 desse dia, o preço dos combustíveis já havia sido actualizado no placard, devendo-se o atraso na actualização de preços a factos totalmente alheios à vontade da arguida.
11.11. A arguida sempre adoptou todos os procedimentos por forma a que os seus funcionários actuassem em conformidade com a lei que rege o sector.
12.12. As habilitações dos trabalhadores da arguida eram suficientes para o bom desempenho das suas funções, e tinham os mesmos ordens e conhecimentos próprios para cumprirem as regras impostas nesta matéria.
***
MOTIVAÇÃO
Relativamente aos factos dados como provados, o tribunal fundou a sua convicção na conjugação crítica e sua valoração à luz das normais regras da experiência comum, dos seguintes elementos de prova:
- Documentos dos autos.
- No teor do depoimento das testemunhas …e …, ambos agentes da ASAE, que procederam a averiguações na sociedade arguida na sequência da reclamação junta a fls. 6, esclarecendo as diligências e averiguações que efectuaram, findas as quais lavraram informação de serviço, relatando ainda, que à data das averiguações nenhuma situação anómala detectaram na sociedade arguida.
- Depoimento da testemunha D..., operadora de caixa na sociedade arguida há cerca de 14 anos, que embora num registo manifestamente parcial, em claro favorecimento da arguida, e com patentes inconsistências e incongruências, relatou sobre a situação em questão, confirmando que no dia em questão (11.12.2006), aquando do abastecimento feito pela cliente reclamante, não haviam sido actualizados no placard os preços dos combustíveis, e que não foi facultado à mesma, pela funcionária das bombas o livro de reclamações quando por aquela foi solicitado. Relatou ainda que a prática habitual da empresa arguida era proceder à alteração no sistema informático e placards dos preços dos combustíveis no próprio dia, antes da abertura do posto (esclarecendo que o posto abria às 08.00 horas e os funcionários entravam ao serviço às 8.00 horas, e que alteração dos preços no placard era feito com recurso a uma escada), e que após a ocorrência da situação em questão e relatada, a sociedade arguida mudou o seu procedimento, dando ordens para que a alteração se processasse na véspera, após o fecho do posto.
- Depoimento da testemunha F..., empregado de armazém na arguida há cerca de 6/7 anos, que não revelou conhecimento directo da situação em questão, tendo mais tarde ouvido comentários sobre o sucedido. Referiu que a alteração dos preços dos combustíveis nos placards do posto de abastecimento era feito pelos funcionários do posto, habitualmente antes do mesmo abrir, por ordem verbal do chefe de loja, dada no próprio dia, e que no dia em questão ninguém lhe solicitou que procedesse à alteração dos preços nos placards. Esclareceu sobre o horário de abertura do posto e horário de entrada dos funcionários (8.00 horas). Relatou que após a ocorrência da situação em questão, a sociedade arguida, através do chefe de loja, mudou o seu procedimento, dando ordens para que a alteração se processasse na véspera, após o fecho do posto.
- Depoimento da testemunha …, funcionária da sociedade arguida desde 1993, e desde há dois anos chefe de loja, que embora num registo manifestamente parcial, em claro favorecimento da arguida, e com patentes inconsistências e incongruências, relatou como teve conhecimento da questão em apreciação, relatando que havia ordens para proceder à actualização dos preços dos combustíveis no sistema informático e placards existentes no posto de abastecimento, desconhecendo, porem, se no dia em questão foram dadas ordens nesse sentido. Relatou que no estabelecimento existem três livros de reclamações, um dos quais no posto de abastecimento de combustíveis, desconhecendo os motivos pelos quais não foi facultado o livre de reclamações à cliente, referindo que no dia, não estava presente nem o gerente, nem o chefe de loja, já que era a folga deste. Relatou que após a ocorrência da situação em questão, a sociedade arguida mudou o seu procedimento, dando ordens para que a alteração de preços se processasse na véspera, após o fecho do posto.
- Depoimento da testemunha …, que foi chefe de loja na sociedade arguida cerca de 8 anos, aí tendo trabalhado até 2009, relatando que recebia ordens, directrizes e instruções do gerente, que depois implementava. Referiu que no dia em questão estava de folga, tendo-lhe sido transmitida a ocorrência, por telefone, no próprio dia. Relatou como era feita a alteração de preços dos combustíveis no sistema informático e placards do posto de abastecimento (no próprio dia, antes da abertura ao púbico, concretizando os horários de abertura e da entrada aos serviço dos funcionários – 8.00 horas) e que por norma era ele quem procedia à alteração de preços nos placards. Referiu que os funcionários sabiam que tinham de proceder à alteração de preços, sendo-lhes dado conhecimento por via informática (computador) quando o tinham de fazer, não conseguindo porem explicitar porque dava ordens verbais para tanto, no próprio dia ou na véspera, se tais ordens já havia sido comunicadas previamente por via informática. Referiu sobre a existência na empresa de três livros de reclamações, um dos quais no posto de abastecimento, sem consistência, porem, não sabendo os motivos pelos quais a funcionárias das bombas não facultou à cliente o livro de reclamações quando foi solicitado, nem porque não procederam a no dia em questão à alteração dos preços, referindo que “por negligência nossa não mudaram o painel”. Esclareceu que a sociedade arguida, na sequência desta situação não instaurou qualquer procedimento disciplinar a funcionários. Referiu que após a ocorrência da situação em questão, o gerente da sociedade deu ordens para alteração dos procedimentos, impondo que a alteração se processasse na véspera, após o fecho do posto.
- Depoimento da testemunha C..., que relatou o sucedido no aludido dia 11.12.2006, quando foi abastecer o seu automóvel ao posto de combustíveis da arguida, relatando a divergência de preços afixados no painel e o que lhe foi cobrado aquando do pagamento, e sobre a recusa da funcionária em facultar-lhe o livre de reclamações que na ocasião solicitou, tendo-lhe aquela dito que o livro estava no supermercado, que ainda estava fechado, não tendo as chaves do mesmo, e que teria de voltar mais tarde para efectuar a reclamação. Relatou que não teve qualquer prejuízo económico com a situação.
*
A falta de prova dos factos supra enunciados ficou a dever-se à insuficiência de prova produzida em julgamento, conjugada ainda e valorada criticamente e à luz das normais regras da experiência comum, a globalidade da prova produzida.


Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (Ac do STJ de 19/6/96, no BMJ 458-98).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, III, pg 335).




Sustenta a recorrente que não pode ser condenada pelos factos praticados pelos seus trabalhadores, dado que os mesmos não podem ser considerados como seus órgãos, agentes ou representantes para efeitos do disposto no artº 7º, nº 2 do RGCO.
Dispõe o artº 7º, nº 2:
“As pessoas colectivas ou equiparadas são responsáveis pelas contra-ordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções”.
A questão está em saber quem são os “órgãos” da pessoa colectiva. E “órgãos” aqui tem uma maior abrangência do que os centros institucionalizados de poderes funcionais a exercer pelo indivíduo ou pelo colégio de indivíduos. Aqui, a expressão “órgãos” integra os trabalhadores ao serviço da pessoa colectiva ou equiparada, desde que actuem no exercício das suas funções ou por causa delas”.
Quando se fala de uma empresa como a da recorrente o rosto da mesma são os trabalhadores. São estes que praticam ou omitem os actos susceptíveis de censura contra-ordenacional.
Se fizermos uma interpretação restritiva da norma como pretende a recorrente estamos a levar à irresponsabilidade das sociedades pois, sempre que os actos ou omissões forem praticados pelos seus trabalhadores, independentemente de serem ou não praticados de acordo com as instruções da entidade patronal, no exercício de funções e no interesse da mesma, não haveria responsabilidade da sociedade.
Assim, bem andou o tribunal ao responsabilizar a recorrente sendo certo que dos factos apurados resulta que tais actos foram praticados em seu nome e no seu interesse, não se demonstrando que os trabalhadores actuaram contra as ordens e instruções da sociedade recorrida.

Sustenta a recorrente que houve omissão de pronúncia pelo facto de a autoridade administrativa não se ter pronunciado acerca da de um requerimento apresentado pela funcionária da recorrente B... e, também, o tribunal não se pronunciou sobre o mesmo.
Tal requerimento diz respeito ao pagamento voluntário da coima por parte de uma funcionária da recorrente.
Dispõe o artº 50º-A nº 1 do RCGO:
“Nos casos de contra-ordenação sancionável com coima de valor não superior a metade dos montantes máximos previstos no nº 1 e 2 do artº 17º, é admissível em qualquer altura do processo, mas sempre antes da decisão, o pagamento voluntário da coima, a qual, se o contrário não resultar da lei, será liquidada no mínimo, sem prejuízo das custas que forem devidas”.
No caso vertente a contra-ordenação é sancionada com coimas de € 250 a € 3.500 e de € 3.500 a € 30.000, consoante o infractor seja pessoa singular ou pessoa colectiva - (artº 3º, nº 1, al b) e 9º, nº 1 al a) do DL nº 156/2005, de 15/9).
Portanto, a contra-ordenação aqui em causa não permite o pagamento voluntário. Daí a autoridade administrativa não se ter pronunciado. O mesmo não se diz do Tribunal. O Tribunal pronunciou-se sobre o requerimento do ilustre mandatário fls 236 in fine e fls 244 a 246. Não se refere é especificamente quanto ao requerimento apresentado pela Sra B... por o mesmo ser inócuo.
Mas mesmo que a Sra B... pudesse proceder ao pagamento voluntario da coima, tal não significaria a assumpção da culpa pela mesma e a desresponsabilização da recorrente.

Alega a recorrente que na sentença não se faz qualquer referência ao facto da recorrente ter ou não dado ordens aos seus funcionários para cometerem os factos pelos quais foi condenada e que não se poderia ter concluído que os funcionários não desobedeceram às ordens que tinham. Sustenta, ainda, que tendo sido dado como provado que a sociedade actuou negligentemente, a vontade da recorrente em cometer as contra-ordenações não se poderá presumir pois seria exigível que a mesma agisse com animus nesse sentido.
Dispõe o artº 379 nº 1 al c) que: “É nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Portanto, estamos perante omissão de pronúncia quando o tribunal deixa de se manifestar sobre um determinado aspecto relevante do objecto do processo.
Analisando a sentença em questão não se vislumbra qualquer omissão. O tribunal apreciou todas as questões importantes para a decisão da causa, nomeadamente, as referidas no art 368 nº 2 do CPP, ou seja, se se verificaram os elementos constitutivos das contra-ordenações, a actuação da arguida (culpa, ilicitude), a existência ou não de atenuantes.
A recorrente ao alegar omissão de pronúncia apenas pretende extrair dos elementos analisados uma diferente convicção.
Aliás da análise dos pontos 5, 6, 7, dos factos provados e 3.3, 4.4, 5.5, 6.6, 8.8, 9.9, 11.11 dos factos não provados verifica-se que o tribunal pronunciou-se sobre todas as questões relevantes que permitem responsabilizar a arguida pela prática da contra-ordenação. Por outro lado, também resulta dos factos apurados que a recorrente não agiu com aquele cuidado que lhe era exigível.
O facto de o sócio-gerente da recorrente ter ou não conhecimento dos actos dos trabalhadores que deram origem ao procedimento administrativo e estar ou não na empresa, não é relevante para a determinação da responsabilidade contra-ordenacional da recorrente. Assim, esse facto não tinha que constar nem dos factos provados, nem dos factos não provados. Uma vez que o Tribunal apenas deve enunciar os factos provados e não provados relevantes e este, não o é.

Alega a recorrente que a sentença não extraiu as necessárias consequências jurídicas dos factos dados como provados e não provados, decidindo em manifesta contradição com a matéria de facto apurada, havendo assim erro notório na apreciação da prova.
A recorrente invoca o vício constante do art 410 nº 2 al c) do Código Processo Penal, esquecendo-se que de acordo com aquele normativo qualquer dos vícios consignados naquele nº 2 para relevar, têm que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, ou seja, está vedada a possibilidade de consulta de outros elementos constantes do processo.
A recorrente frisa que existe erro na apreciação da prova, no entanto, o que o recorrente faz é manifestar-se contra o modo como o tribunal fixou a matéria de facto.
Ora, vejamos:
Só há erro na apreciação da prova, quando:
- “há erro na crítica dos factos. Não se confunde com erro na sua apreciação em ordem a aplicar o direito;
- se decide contra o que resulta de elementos que constam dos autos e cuja força probatória não foi infirmada, ou de dados de conhecimento público generalizado;
- se emite juízo sobre a verificação ou não de certa matéria de facto e se torne incontestável a existência de tal erro de julgamento sobre a prova produzida;
- se afirma algo que se não pode ter verificado;
- se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável;
- se valoriza prova contra regras da experiência comum ou critérios legalmente fixados
- é um erro de raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da sentença. As provas revelam, claramente um sentido e a decisão extrai ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria de facto ou excluindo dela, algum facto essencial.
- Dá-se como provado o que notoriamente está errado, não pode ser.
No caso vertente não se verifica a existência deste vício.
O tribunal foi claro quanto à formação da sua convicção e que não nos merece qualquer dúvida ou censura.
Ora, atento os factos apurados e compulsada a fundamentação do Tribunal não se vislumbra qualquer erro na apreciação da prova.
O que a recorrente faz é a sua interpretação dos factos o que não corresponde ao que o acórdão recorrido deu como provado.
Aliás o Tribunal foi minucioso e cuidadoso no apuramento da matéria de facto, fez um exame crítico das provas e indicou as provas em que se fundou para formar a sua convicção, indicando a razão de ciência de cada uma das pessoas cujos depoimentos tomou em consideração.
O que afinal a recorrente faz é impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecendo a regra da livre apreciação da prova inserta no art 127.
Este princípio da livre apreciação da prova, implica que “salvo quando a lei dispuser de modo diferente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
As normas da experiência são como refere o prof. Cavaleiro Ferreira, “...definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto “sub judice”, assentes na experiência comum e, por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade”. (cfr “Curso de processo penal, Vol II, pg 30).
Sobre a livre convicção refere o mesmo Professor que esta “é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundada da verdade” (ob. cit.).
Diz, ainda o Prof. Figueiredo Dias que a convicção do juiz “é uma convicção pessoal – até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais – mas em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros” (Direito Processual Penal, 1º Vol, pg 203).
Assim sendo, lendo os factos provados e a fundamentação temos de concluir que não houve erro na apreciação da prova. Tal vício não ocorre na decisão recorrida. Na verdade, não se pode confundir “erro notório” “com uma diferente convicção probatória relativamente aos elementos analisados em audiência. Como se refere no Recurso nº 854/2000 desta Relação “o vício de erro notório na apreciação da prova não reside na desconformidade entre a decisão de facto do julgador e aquela que teria sido a do próprio recorrente”.
A recorrente confunde erro notório na apreciação da prova com erro de julgamento. Na verdade, da leitura da motivação verifica-se que, o que a recorrente entende é que houve erro de julgamento. Ou seja, estamos perante um erro de julgamento quando mediante as provas apresentadas tiram-se conclusões da prova que a prova não contém. Estamos perante um erro na apreciação da prova quando se aprecia mal a prova e não já os factos.
Portanto, aquele vício é um erro de raciocínio na apreciação da prova e não um erro, em ordem a aplicar o direito, dos factos provados.
Quer da leitura da motivação, quer da leitura das conclusões verifica-se que a recorrente apenas faz a sua interpretação dos factos o que não corresponde ao que a sentença recorrida deu como provado.
Como acima referimos, o Tribunal foi minucioso e cuidadoso no apuramento da matéria de facto, fez um exame crítico das provas e indicou as provas em que se fundou para formar a sua convicção. A convicção foi correcta e bem alicerçada.

A recorrente sustenta que os limites mínimos da moldura das coimas aplicáveis são exagerados e violadores do princípio da proporcionalidade plasmado nos arts 18º, nº 2 e 266º, nº 2 da CRP.
O preâmbulo do Decreto-Lei nº 156/2005 de 15-09-2005 na parte ora assinalada aponta para a “ratio legis” do diploma.
Assim:
(…) O livro de reclamações constitui um dos instrumentos que tornam mais acessível o exercício do direito de queixa, ao proporcionar ao consumidor a possibilidade de reclamar no local onde o conflito ocorreu.
A criação deste livro teve por base a preocupação com um melhor exercício da cidadania através da exigência do respeito dos direitos dos consumidores.
A justificação da medida, inicialmente vocacionada para o sector do turismo e para os estabelecimentos hoteleiros, de restauração e bebidas em particular, prendeu-se com a necessidade de tornar mais célere a resolução de conflitos entre os cidadãos consumidores e os agentes económicos, bem como de permitir a identificação, através de um formulário normalizado, de condutas contrárias à lei. É por este motivo que é necessário incentivar e encorajar a sua utilização, introduzindo mecanismos que o tornem mais eficaz enquanto instrumento de defesa dos direitos dos consumidores e utentes de forma a alcançar a igualdade material dos intervenientes a que se refere o artigo 9.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho.
(…)
Trata-se assim de diploma destinado a defender direitos dos consumidores e utentes de forma a alcançar a igualdade material dos intervenientes a que se refere o art 9º da Lei nº 24/96, de 31/07.
Este preceito legal não enferma de qualquer inconstitucionalidade e designadamente não ofende os princípios da igualdade e da proporcionalidade.
O princípio da igualdade, “vedando…privilégios e discriminações,…” e impondo “…um tratamento igual a situações iguais e um tratamento desigual a situações desiguais,…substancial e objectivamente…”,
E o princípio da proporcionalidade, com reporte aos princípios
Da “…necessidade (ou exigibilidade)…”, supondo “…a existência de um bem juridicamente protegido e de uma circunstância que imponha uma intervenção ou decisão…”,
Da “…adequação…”, no sentido de “…que a providência se mostra adequada ao objectivo almejado, se destina ao fim da norma e não a outro…”
E da “…racionalidade (ou proporcionalidade em sentido restrito)…”, implicando “…justa medida…” no sentido de “…que o órgão competente proceda a uma correcta avaliação da providência em termos quantitativos (e não só qualitativos), que a providência não fique aquém ou além do que importa para se obter o resultado devido…”,
Tudo com vista ao evitar de arbítrios ou excessos.
Efectivamente, o estabelecido nas normas da alínea b) do nº 1 e dos nos 2 e 3 do artigo 3º e da alínea a) do nº 1 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 156/2005, de 15/SET, no sentido de que “O fornecedor de bens ou prestador de serviços é obrigado a……Facultar imediatamente ao utente o livro de reclamações sempre que por este tal lhe seja solicitado”, não podendo “…em caso algum, justificar a falta…” de tal livro “…no estabelecimento onde o utente o solicita pelo facto de o mesmo se encontrar disponível noutros estabelecimentos, dependências ou sucursais” nem, por si ou através “…do funcionário do estabelecimento…condicionar a apresentação do livro de reclamações…” (Nos termos do disposto no nº 4 do mesmo artigo 3º podendo o utente, quando em tais situações em que «…o livro de reclamações não…» lhe é «…imediatamente facultado…» usar da faculdade legalmente conferida de «…requerer a presença da autoridade policial a fim de remover essa recusa ou…» tomar «…nota da ocorrência…» para a fazer «…chegar à entidade competente para fiscalizar o sector em causa»), e de que constitui a violação de tal obrigação contra-ordenação punível “…com a aplicação…” de “….coima…de € 3.500 a € 30.000…” no caso de “…o infractor…” ser “…pessoa colectiva…”,
Limita-se ao necessário e é perfeitamente adequado e proporcional à importância dos objectivos visados pelos normativos em causa,
Integrados num diploma que, nos termos referidos na sua introdução, “…teve por base a preocupação com um melhor exercício da cidadania através da exigência do respeito pelos direitos dos consumidores” e a necessidade de “…incentivar e encorajar a…utilização…” do livro de reclamações como um “…mais eficaz…” “…instrumento de defesa dos direitos dos consumidores e utentes
De forma a alcançar a igualdade material dos intervenientes a que se refere o artigo 9º da Lei nº 24/96, de 31 de Julho” de 1996, que estabelece o
regime legal aplicável à defesa dos consumidores,
E de obstar à resistência das entidades visadas pelo estabelecimento das obrigações em causa à organização dos respectivos serviços de forma a não condicionar por qualquer forma a imediata entrega do livro de reclamações aos utentes que o pretendam utilizar, nomeadamente através de expedientes de, com vista a desincentivá-los da concretização do pretendido uso do seu direito de reclamação, os forçar a, no caso de persistência nos seus intuitos, aguardar longos e injustificáveis períodos para o fazer e, em muitos casos, apenas o lograr depois e graças ao facto de para isso se terem de dar ao trabalho de para o efeito fazer intervir as autoridades competentes, Face à relevância e à efectiva e ingente necessidade de protecção dos direitos dos consumidores em causa
Nada tendo tais normas de excessivo, arbitrário e não enferma de qualquer inconstitucionalidade. (Neste sentido e que seguimos de perto Ac. RP de 23/6/2010 em www. dgsi. pt), que seguimos de perto.

Ao contrário do sustentado pela recorrente, no caso vertente não há lugar à atenuação especial da coima. Estamos perante o cometimento de uma contra-ordenação a título negligente de que apenas resulta uma limitação do limite máximo da moldura –art artº 17 nº 3 do RGCO.
Assim e atendendo a que o Tribunal considerou todo o circunstancialismo em que os factos ocorreram, nomeadamente, as circunstâncias da infracção, ausência de beneficio económico para a arguida, ausência de prejuízos para os consumidores, as exigências de prevenção e que aplicou as coimas parcelares nos seus mínimos legais, entendemos que quer as coimas parcelares, quer a coima única se mostra justa, equilibrada e proporcional.

Nos termos e com os fundamentos expostos decide-se negar provimento ao
recurso

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça, em 5 ucs

Coimbra,

Alice Santos

Belmiro Andrade