Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MONTEIRO CASIMIRO | ||
Descritores: | DÍVIDA DE CÔNJUGES PROVEITO COMUM DO CASAL FACTOS QUE O INTEGRAM | ||
Data do Acordão: | 03/15/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZOS CÍVEIS DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA PARCIALMENTE | ||
Legislação Nacional: | AL. C) DO Nº 1 DO ARTº 1691º DO CÓDIGO CIVIL | ||
Sumário: | I - Para responsabilizar ambos os cônjuges pelo pagamento de uma dívida no caso da al. c) do nº 1 do artº 1691º do Código Civil, terá o credor de articular factos que determinem a existência do proveito comum, os quais deverão ser incluídos na base instrutória, afim de serem provados por quem os invocou, visto que o proveito comum há-de resultar da apreciação de factos materiais concretos, demonstrativos de uma actividade cuja finalidade seja a de beneficiar economicamente o casal. II - Não atinge tal finalidade o credor que se limita a alegar, na petição inicial, que a dívida comercial foi contraída pelo cônjuge réu no exercício do seu comércio, exercido com vista a grangear proveitos a aplicar em benefício da economia familiar. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: A..., propôs, em 24/07/2002, pelos Juízos Cíveis de Coimbra, acção declarativa de condenação sob a forma sumária contra B... e mulher, C..., alegando, em síntese, que no exercício da sua actividade social de construção civil, obras públicas e comercialização, a pedido do réu marido que se dedicava, então, à actividade de construção civil, prestou-lhe serviços, com viaturas, que importaram no valor de € 5.964,33, constante, discriminadamente, da factura que junta, com vencimento em 10.05.2001, sucedendo que, para pagamento parcial da mesma, o dito réu ainda emitiu e lhe entregou um cheque no valor de 800.000$00, mas que veio a ser devolvido por falta de provisão, pelo que, para além do valor total da dita factura, se mantêm ainda em dívida os juros moratórios à taxa comercial, ascendendo, à data da propositura da acção, a € 805,92, e porque se trata de uma dívida comercial que foi contraída pelo cônjuge réu, no exercício do seu comércio, exercido com vista a grangear proveitos a aplicar em benefício da economia familiar, sendo que entre os réus não vigorava o regime de separação de bens, donde a responsabilidade também da ré mulher, conclui pedindo que, na procedência da acção, sejam os réus condenados a pagar-lhe a quantia total de € 6.770,25, acrescida dos juros vincendos contados à taxa supletiva de juros moratórios referentes às empresas comerciais, desde a data da propositura da acção, até efectivo e integral pagamento. * Citados, regular e pessoalmente, ambos os réus, começou por deduzir o réu marido a sua contestação a fls 27, através da qual, em via de impugnação, vem sustentar que houve efectivamente trabalhos prestados pela autora para o próprio, mas foi acordado que o preço correspondente era de 800.000$00, daí o cheque que oportunamente passou de tal montante, sucedendo que nunca tal valor lhe foi facturado, aguardando por tal até à presente data, sendo certo que a factura ajuizada só a conheceu com a presente acção, donde não dever a quantia peticionada, nem os juros moratórios reclamados, concluindo, então no sentido de que a acção deve ser julgada parcialmente procedente por parcialmente provada, com a sua consequente absolvição do pedido em tudo o que exceda os ditos 800.000$00, ora € 3.990,38.Por sua vez, a co-ré C... deduziu a sua contestação a fls 48, onde começa por, em via de excepção, sustentar a sua ilegitimidade, por alegadamente desconhecer e ser estranha à actividade profissional do réu marido, cujos proventos, se existiam, foram sempre em benefício exclusivo do próprio ou de quem ele muito bem entendeu, o que culminou com o desaparecimento definitivo dele de casa de seus pais, onde o casal sempre viveu, ao que acresce o réu ser um mero empresário de construção civil, que não fazia, nem fez, nunca, do comércio a sua profissão, donde, por não se subsumir o caso “sub judice” a nenhuma das hipóteses legais previstas no artº 1691º, nºs 1 e 2, do C. Civil, ocorrer a sua ilegitimidade, sendo que a mesma prossegue depois, em via de impugnação directa e especificada quanto à alegada dívida, prestações de serviços e subsistência daquela na presente data, quer no aspecto do capital, quer dos juros, face ao que conclui, pugnando no sentido de que deve ser considerada preenchida, quanto à mesma, excepção dilatória invocada ou, no caso de assim se não entender, o que admite por mera hipótese de raciocínio e sem conceder, que seja então a acção julgada improcedente, por não provada, com a sua consequente absolvição do pedido. * A autora respondeu aos articulados de contestação, invocando que o réu havia deduzido uma excepção peremptória que devia improceder, por não provada, e que igualmente devia improceder a excepção de ilegitimidade deduzida pela ré.* A fl. 72 a ré mulher apresentou um articulado anómalo, de impugnação da contestação do seu co-réu.* Teve lugar uma audiência preliminar que se frustrou quanto ao objectivo primeiro que era a conciliação das partes, não sem que as mesmas tivessem, nesse entretanto, apresentado novos articulados, primeiro a autora invocando erros de alegação e em vista da sua correcção, o que motivou correspondentes articulados de resposta por parte dos réus. O despacho saneador que de seguida se proferiu começou por, como questão prévia, sanear os autos, prosseguindo por afirmar a verificação de todos os pressupostos processuais, designadamente o da legitimidade de todas as partes, concluindo-se pela operação de selecção da matéria de facto propriamente dita, mediante a devida especificação dos Factos Assentes e a quesitação em Base Instrutória dos Factos Controvertidos, sendo que por despacho judicial posterior, a fls 145, se procedeu à rectificação da redacção do quesito 5º, que enfermava de um lapso invocado pela ré, que o cometera, nenhuma reclamação tendo sido deduzida. De seguida, procedeu-se à realização da audiência e julgamento, com gravação da prova, e decidiu-se a matéria de facto controvertida, sem reclamações. Já depois desta decisão veio a ré C... apresentar uma reclamação contra a não admissão da junção de um documento na audiência de julgamento. Indeferida a reclamação, veio a mesma ré interpor recurso do respectivo despacho, recebido como agravo, com subida diferida, nos autos e efeito não suspensivo. Foi, depois, proferida a sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, condenando os réus a pagar, solidariamente, à autora a quantia de 3.990,38 €. * Para assim decidir, serviu-se o Mmº Juiz dos seguintes factos:I - A autora dedica-se à actividade de construção civil, obras públicas e comercialização de materiais de construção (al. A) dos Factos Assentes); II - Os réus são casados entre si, em comunhão de bens adquiridos, desde 05/09/1998 (al. B)); III - O réu era empresário em nome individual, com o N.I.P.C. 817998837, exercendo a actividade de construção civil (al. C)); IV - O réu marido emitiu o cheque nº 4021404780, sacado sobre o “B.E.S.C.L”, com a data de 08/06/2001, no valor de PTE. 800.000$00, cheque esse que, apresentado a pagamento, foi devolvido, em 11 e 16 de Junho de 2001, por falta de provisão (al. D)); V – A autora apresentou queixa-crime contra o réu, que foi arquivada, por o cheque referido ter sido considerado pós datado (al. E)); VI - A fls 36 a 47 encontram-se várias facturas, aqui dadas como reproduzidas, de Março e Abril de 2001, dizendo respeito a 5 horas de retro-escavadora JCB a 4.500$00/hora, 46,30 horas da Volvo FH12 (matrícula OL-36-41) a 7.500$00/hora e 137 horas dos camiões 20-29-PR, 83-90-NO, 20-16-PR e 62-21-HL, a 4.750$00/hora, tudo isso acrescido de I.V.A. a 17% (al. F)); VII - No exercício da sua actividade, a autora forneceu ao réu marido serviços aludidos na al. F) (resposta ao quesito 1º da Base Instrutória); VIII - Após a prestação dos serviços aludidos na resposta ao quesito 1º e com referência à dívida deles resultante, o réu emitiu e entregou à autora o cheque aludido na al. D) (resposta aos quesitos 2º e 3º); IX - Os serviços referidos na resposta ao quesito 1º destinaram-se ao granjeio pelo réu de proventos, num período em que vivia conjuntamente com a ré mulher (resposta ao quesito 4º); X - Sempre, após conviver com o réu marido, desde há cerca de quatro anos, a ré mulher tem vivido em casa dos pais dela (quesito 5º); XI - A alimentação e as despesas correntes da casa dos pais da ré eram suportadas por aqueles (resposta ao quesito 6º)); XII - O réu marido saiu definitivamente dessa causa em 05/07/2001 (resposta ao quesito 8º); XIII - Só após os litígios judiciais entretanto surgidos, a ré ficou a saber do paradeiro do réu (resposta ao quesito 9º). * Inconformada com a sentença, interpôs a ré C... recurso de apelação.São do seguinte teor as conclusões das alegações dos recursos interpostos pela referida ré: Recurso de agravo: 1. Deverá ser revogado o despacho de fls. 325 e substituído por outro que admita a reclamação de fls. 301 da aqui recorrente, por esta encontrar enquadramento legal no disposto no artº 669º nº 2 do Código de Processo Civil. 2. Os fundamentos apresentados no requerimento de fls. 301 são de molde a possibilitar a manutenção nos autos do citado documento nº 5, na parte que se refere ao despacho saneador proferido na acção 297/02 (2ª Secção da Vara Mista de Coimbra), importante designadamente para a resposta aos quesitos 4º e 7º. 3. Acresce que contra o que sucedia à data da prolação do despacho de fls. 291, e ao que o fundamentava, a tal sentença que constituía o doc. nº 5, presentemente já se encontra transitada em julgado. Protestando juntar-se documento comprovativo de tal facto. 4. Deverá ser revogado tal despacho de fls. 325 também no que diz respeito à condenação da ré por pretenso incidente anómalo, visto que sempre se deverá, com os fundamentos atrás expendidos, manter o citado documento nº 5 nos presentes autos. Recurso de apelação: 1. Sem prejuízo do recurso de agravo oportunamente interposto, deveria ter sido considerado como elemento probatório o doc. nº 5, apresentado com o requerimento da ora apelante, a fls., de 24/9/2003, referente ao despacho saneador e à sentença, entretanto, transitada em julgado, proferidos na acção 297/02 que corre termos na 2ª Secção da Vara Mista de Coimbra, dada a sua relevância para a resposta sobretudo aos quesitos 4º, 6º, e 7º, que assim ficou inexoravelmente condicionada. 2. Admitindo como mera hipótese académica que o recurso que antecede não venha a obter acolhimento, sempre deverá ser admitida a junção de tal documento, à luz do disposto no artº 712º, nº 1, al. c) do CPC, com os mesmos fundamentos mutatis mutandis invocados no requerimento e recurso atrás mencionados, com as respectivas consequências legais quanto à alteração da matéria de facto vertida nos referidos quesitos, impugnados com o presente recurso. 3. Em função da prova produzida em julgamento (documental e testemunhal atrás melhor enunciadas), impugna-se a resposta que foi dada aos quesitos 4º, 6º, 7º, 8º e 10º, a qual deve ser alterada, parcial ou integralmente, nos termos atrás propostos, revogando-se a sentença na parte em que foi julgada parcialmente procedente contra a apelante. 4. Concomitantemente com os elementos probatórios que antecedem, também com base na série de informações bancárias, consubstanciada nos documentos 1 a 54 – a que a apelante entretanto conseguiu aceder, e cuja junção requer pela tremenda relevância de que se revestem para a presente acção, em consonância com o que se deixou exposto em A), ponto III. (de 1. a 4.) -, e por força do disposto no artº 712º, nº 1, alínea c) do C.P.C., se impugna a resposta que foi dada aos quesitos 4º, 6º, 7º, 8º e 10º, nos termos e para os efeitos previstos no artº 712º do C.P.C. 5. Por outro lado, fez-se apelo a factos que a base instrutória não comportava, não obstante estes constarem em parte dos artºs 8º, 10º e 11º da contestação da apelante. Seja como for, tais factos se revelavam determinantes para a decisão da causa, sempre deverá existir uma ampliação da decisão sobre determinados pontos da matéria de facto (cfr. artº 712º, nº 4 do C.P.C.). 6. De qualquer forma, os fundamentos em que assentou a resposta aos quesitos 4º a 8º e 10º, no despacho de fls., proferido no uso dos poderes conferidos pelo artº 653º, nº 2 do C.P.C. não correspondem à prova efectivamente produzida em julgamento, conforme se demonstrou em B), devendo assim também por essa via ser alterada a resposta a tais quesitos. 7. A sentença condenatória de ambos os RR., na conjugação dos factos provados IV, V, VI, e VII (vide fls. 365 vº e 366), atribuiu erradamente ao cheque, que o R. marido preencheu e entregou à A., constante do facto VII, o valor de confissão Extrajudicial (cfr. artºs 352º e 355º do C. Civil) quanto ao montante que este titulava – 3.990,38 euros – ou, pelo menos, conferiu a tal acto o carácter de prestação natural ou judicial, para chegar à conclusão de que existia uma dívida dos RR. desse montante. 8. No entanto, tal documento não tinha força probatória plena contra a apelante (cfr. artº 358º, nº 2 do C.C.), sendo mesmo ineficaz contra ela, de acordo com o disposto no artº 353º, nº 1 do C.C. Sendo certo ainda que nunca reconheceu os factos desfavoráveis em que assentou a decisão recorrida, sempre a eles se tendo oposto no decurso do presente processo. 9. A causa de pedir da presente acção, tal como a define o artº 498º, nº 4 do C.P.Civil, não comportava o fundamento legal previsto no artº 1691º, nº 1 al. c) do C.C.. Donde tenhamos de concluir que existiu uma clara violação do ónus de alegação que a lei cometia à A. (cfr. artºs 264º, nº 1 e 467º, nº 1 al. d) do C.P.C.) e, consequentemente, a sentença recorrida violou o princípio do dispositivo expresso no citado artº 264º, nº 1. Sem prescindir, Como atrás se demonstrou, não se aplicava ao caso decidindo o disposto no artº 1691º, nº 1, c) do C.C., porque falta de verificação de dois dos seus pressupostos: -O cônjuge que actuou como administrador excedeu largamente os limites dos actos que podia praticar, violando, entre outros, o disposto no artº 1678º, nº 2 als. g), f) e artº 1680º e c) do C.C., ao passar o cheque sem provisão que consta dos autos; -Não existiu proveito comum do casal, favorecendo a apelante mulher, ou a família do apelado, tanto mais que a tal conta mencionada em A), ponto III. 2., não era constituída por valores proveniente dos rendimentos ou do trabalho do cônjuge marido-apelado, e na medida em que este agiu, como sempre fez, procurando realizar um interesse exclusivamente seu, passando um cheque sem provisão menos de um mês antes da data em que saiu definitivamente de casa. 11. Na consequência, deve ser julgada revogada a sentença na parte em que julgou a acção parcialmente procedente contra a apelante. * A autora e o réu B... contra-alegaram, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.* Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.* Como é sabido, a delimitação objectiva do recurso é feita pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o tribunal da relação conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo razões de direito ou a não ser que aquelas sejam de conhecimento oficioso (artºs 664º, 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil – diploma a que pertencerão os restantes normativos citados sem menção de proveniência).Questão prévia. A recorrente juntou com a alegação 54 documentos, que são fotocópias de cheques, na sua maioria emitidos pela recorrente, ao portador, abrangendo um período que vai de Abril de 1999 a Junho de 2001. A junção de documentos na fase de recurso reveste carácter excepcional, só devendo ser admitida nos apertados limites dos artºs 524º e 706º. O artº 524º dispõe que, no caso de recurso, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até ao encerramento da discussão (nº 1); os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo (nº 2). As partes podem ainda juntar documentos às alegações no caso de apenas se tornar necessário em virtude do julgamento proferido em 1ª instância (artº 706º). De qualquer modo, a admissão de documentos está sempre condicionada pelo interesse que os mesmos revistam para a decisão do recurso. Ora, no presente caso, independentemente de a recorrente não ter demonstrado que não lhe foi possível juntar os documentos até ao encerramento da discussão em 1ª instância, os mesmos não têm interesse para a decisão do recurso, visto tratar-se, como se disse, na sua maioria, de cheques emitidos pela recorrente ao portador, já que não contêm a indicação da pessoa ou entidade à ordem de quem foram emitidos. Os documentos não podem, assim, ser admitidos, pelo que terão que ser desentranhados dos autos e restituídos à recorrente e esta condenada nas custas a que deu causa, de acordo com o disposto nos artº 543, nº 1, e 706º, nº 3. * Vamos apreciar os recursos pela ordem da sua interposição, começando, portanto, peloRecurso de agravo. A ré C... pretendeu juntar um documento na audiência de julgamento. Não tendo sido admitida tal junção, apresentou aquela uma reclamação. A reclamação foi indeferida, sendo do respectivo despacho que vem interposto o presente recurso. A ré não fundamentou a reclamação em qualquer disposição legal. No recurso veio dizer que a reclamação encontra enquadramento legal no artº 669º, nº 2. Esta norma permite que as partes possam requerer a reforma de um despacho (cfr. artº 666º) quando tenha ocorrido manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos e quando constem do processo documentos ou quaisquer elementos que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não haja tomado em consideração. Ora, é bom de ver que esta norma não tem aplicação no presente caso, visto não ter sido invocado qualquer lapso manifesto do juiz na não admissão do documento. Como se diz, e bem, no despacho recorrido, a forma de a ré reagir à irregularidade que, eventualmente, tenha sido cometida é a da interposição de recurso. Com efeito, não sendo a reclamação em questão enquadrável no disposto no artº 669º, só por meio de recurso o despacho poderia ser impugnado, de acordo com o disposto no nº 1 do artº 676º. Assim, porque não merece censura o despacho recorrido, há que negar provimento ao agravo * Recurso de apelação.I - Começa a recorrente por alegar que, dada a sua relevância para a resposta aos quesitos 4º, 6º e 7º, deve ser admitida a junção do doc. nº 5 apresentado em 24/9/2003, à luz do disposto no artº 712º, nº 1, al. c), do CPC. Esta norma permite que a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto possa ser alterada pela Relação se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou. Resulta de tal norma que o documento deve ser apresentado pelo recorrente, e deve ser superveniente em relação à decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1ª instância. Ora, no presente caso, independentemente de o aludido documento não ter sido apresentado com a alegação do recurso, o mesmo é anterior à decisão sobre a matéria de facto, pelo que não pode ele ser valorado para o efeito pretendido pela recorrente, improcedendo, por isso, tal pretensão. * II – Alega, depois, a recorrente que, em função da prova produzida em julgamento (documental e testemunhal), impugna a resposta que foi dada aos quesitos 4º, 6º, 7º, 8º e 10º.No que diz respeito à modificabilidade da decisão proferida sobre a matéria de facto, a linha dominante de orientação vai no sentido de a intervenção do tribunal da relação assumir uma feição meramente residual, no sentido de que tal função correctora só terá lugar se se vier a verificar – naturalmente apenas em casos limite – uma situação em que se afigura nada plausível, face ao conjunto da produção da prova, a formação da convicção do julgador, continuando, pois, a prevalecer a primacial regra da livre apreciação das provas, tal como vem enunciada no artº 655º. Isso mesmo se colhe do preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/95, de 15 de Fevereiro, onde se refere que o duplo grau de jurisdição “nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente terá sempre o ónus de apontar claramente (…)”. Pois, como já tem sido dito em diversos Acórdãos desta Relação, é preciso não olvidar que esta garantia não pode, em si, subverter o referido principio da livre apreciação das provas, entrando na formação dessa convicção elementos que, de modo algum, no sistema de gravação sonora dos meios probatórios oralmente prestados – ou até de qualquer outro meio alternativo, como o de estenografia, computorização, taquigrafia, transcrição ou extracção de simples resumo dos depoimentos feita pelo juiz que preside a produção da prova – podem ser importados para a gravação, como sejam aqueles elementos intraduzíveis e subtis, com a mímica e todo o processo exterior do depoente influem, quase tanto como as palavras, no crédito a prestar-lhe, existindo actos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia, que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal, que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador (cfr. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, pág. 257, e Eurico Lopes Cardoso, BMJ 80º-220/221). Como diz Lebre de Freitas (Código de Processo Civil Anotado, 2º, pág. 635), o princípio da livre apreciação da prova situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração, cabendo ao julgador, por força dos mesmos, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões em conformidade com as impressões recém colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas da experiência aplicáveis. É de harmonia com o dito princípio – e é óbvio que prova livre não significa prova arbitrária ou irracional, mas sim prova apreciada com inteira liberdade pelo julgador, em conformidade com as regras da experiência e com as que regulam a actividade mental (cfr. Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, III, pág. 245) – que as provas são apreciadas sem nenhuma escala de hierarquização, de acordo com a convicção que geram no espírito do julgador acerca da existência de cada facto (cfr. Ac. R.L. de 27/03/2001, CJ, T2-87). Como também já se aflorou, o tribunal de 2ª instância não vai à procura de uma nova convicção, competindo-lhe, antes, averiguar se aquela que foi alcançada na 1ª instância tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova, com os demais elementos existentes nos autos, pode exibir perante si (cfr. Ac. R.C. de 03/10/2000, CJ, T4-27). Tendo em conta tais factores de risco, e uma vez que os depoimentos foram gravados, vejamos se se mostram cumpridos os ónus impostos pelo artº 690º-A. Dispõe esta norma (na sua actual redacção, após as alterações introduzidas pelo DL nº 183/2000, de 10 de Agosto) que, quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente obrigatoriamente especifique, sob pena de rejeição, quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e quais os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo da gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e que, neste último caso, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos temos do disposto no nº 2 do artº 522º-C. Embora a recorrente tenha procedido à transcrição dos depoimentos na alegação do recurso (o que é incorrecto do ponto de vista processual, já que torna a alegação demasiado extensa e confusa – no presente caso a alegação tem 109 páginas), no entanto, deu ela cumprimento aos aludidos ónus. Ouvidos os depoimentos das testemunhas indicadas na alegação do recurso, não detectamos qualquer erro de julgamento que nos leve a conclusão diferente da alcançada na 1ª instância, de forma a permitir a alteração das respostas aos referidos quesitos 4º, 6º, 7º, 8º e 10º da Base Instrutória. Por outro lado, a alteração de tais respostas com base nos documentos 1 a 54 juntos com a alegação do recurso não é possível, em virtude de não ter sido admitida a junção desses documentos e ter sido ordenado o seu desentranhamento. * III – Pretende a recorrente que seja ampliada a decisão sobre a matéria de facto, com a inclusão na base instrutória dos factos constantes dos artºs 8º, 10º e 11º da contestação.Tal ampliação é possível nos termos do nº 4 do artº 712º, segundo o qual a Relação pode anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na 1ª instância quando considere indispensável a ampliação desta. Simplesmente, no presente caso não vamos usar de tal possibilidade, por não considerarmos indispensável a ampliação da matéria constante daqueles artigos da contestação, visto a do artº 8º ser vaga e conclusiva (ao dizer que o seu casamento não passou praticamente do papel) e a dos artºs 10º e 11º ser dubitativa (ao dizer que os “proveitos” do 1º R., se existiam, foram sempre em benefício exclusivo do próprio ou de quem ele muito bem entendeu e que enquanto residiu na casa dos sogros – e pouco tempo o fez em permanência e junto da 2ª Ré – aí sim, é que o 1º R. angariou “proveitos” embora nem sempre com grande lisura). * IV – Diz, ainda, a recorrente que a sentença atribuiu erradamente ao cheque, que o réu marido preencheu e entregou à autora, o valor de confissão extrajudicial quanto ao montante que este titulava, ou, pelo menos, conferiu a tal acto o carácter de prestação natural ou judicial, para chegar à conclusão de que existia uma dívida dos réus desse montante, quando é certo que tal documento não tinha força probatória plena contra a apelante (cfr. artº 358º, nº 2, do C.C.), sendo mesmo ineficaz contra ela (cfr. artº 353º, nº 1).A sentença não põe em dúvida a existência da dívida do réu marido para com a autora, pelos serviços que esta lhe prestou, mas apenas o valor do que foi prestado, falando em confissão extrajudicial quanto ao montante que o cheque titulava. É que a autora alegou ter prestado um conjunto de trabalhos que ascenderam a 1.195.740$00, enquanto o réu admitiu que o valor de tais trabalhos era de apenas 800.000$00, como consta do aludido cheque. A dúvida tem que ver apenas, pois, como valor da dívida e não com a existência desta. Mas, entendemos que, perante a prova existente nos autos, o Mmº Juiz sempre teria que chegar à conclusão a que chegou quanto ao valor da dívida, já que, na resposta aos quesitos 2º e 3º se deu como provado que, após a prestação dos serviços aludidos na resposta ao quesito 1º e com referência à dívida deles resultante, o réu emitiu e entregou à autora o cheque aludido na al. D). É certo que, não obstante o cheque ser do montante de 800.000$00, a dívida poderia ser de valor superior, destinando-se o cheque a amortizar parcialmente a dívida. Não foi esse o entendimento da sentença, e a autora, única prejudicada com tal decisão, não reagiu, pelo que é de manter a decisão no que ao valor da dívida diz respeito. * V – Alega, também, a recorrente que a causa de pedir da presente acção não comportava o fundamento legal previsto no artº 1691º, nº 1, al. c), do Civil Civil, havendo, portanto, que concluir que existiu uma clara violação do ónus de alegação que a lei cometia à autora, violando a sentença recorrida o princípio do dispositivo expresso no artº 264º, nº 1.A autora alegou, no artº 2º da petição inicial, que o réu era empresário individual, usando a firma em seu nome, e exercia a actividade de construção civil, sendo pois comerciante (artº 13º, nº 1, do Código Comercial). E, para responsabilizar a ré mulher pela dívida do réu marido, alegou, no artº 13º da mesma petição, que a dívida comercial foi contraída pelo cônjuge réu, no exercício do seu comércio, exercido com vista a grangear proveitos a aplicar em benefício da economia familiar, sendo que entre os réus não vigorava o regime de separação de bens. Na sentença entendeu-se ser de considerar a dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges. Mas, isso não decorreria do disposto no artº 1691º, nº 1, al. d), do Código Civil, uma vez que não se pode concluir que o réu marido era comerciante, nem, tão pouco, que a dívida é comercial. A responsabilização de ambos os réus pode e deve legitimamente fazer-se no quadro da al. c) da mesma norma (artº 1691º), como igualmente foi invocado pela autora. Permitimo-nos discordar da sentença nesta parte, visto não terem sido invocados pela autora factos integradores da responsabilidade da ré mulher na referida al. c). Nesta norma estabelece-se que são da responsabilidade de ambos os cônjuges as dívidas contraídas na constância do matrimónio pelo cônjuge administrador, em proveito comum do casal e nos limites dos seus poderes de administração. Ora, a autora não alegou que a dívida cabia nos poderes de administração do réu marido, e deveria tê-lo feito para se poder concluir pela aplicação da aludida norma. Entendemos, por isso, que a ré C... não pode ser responsabilizada pela dívida contraída pelo réu B..., ao contrário do que se decidiu na sentença. A essa mesma conclusão teríamos de chegar com outro fundamento. De acordo com o disposto no nº 3 do referido artº 1691º, em princípio, o proveito comum do casal não se presume. Por isso, o credor, para responsabilizar ambos os cônjuges pelo pagamento da dívida no caso da al. c) do nº 1, terá de articular factos que determinem a existência do proveito comum, os quais deverão ser incluídos na Base Instrutória, afim de serem provados por quem os invocou (artº 342º do Código Civil).Vale por dizer que o proveito comum do casal há-de resultar da apreciação de factos materiais concretos, dados como provados, demonstrativos de uma actividade cuja finalidade seja a de beneficiar economicamente o casal (cfr., entre outros, Acs. do STJ de 14/04/1972, BMJ 216-175, da R.L. de 07/12/1977, CJ, T2-1066, de 24/06/1999, CJ, T3-133 e de 13/01/2000, BMJ 493-413, da R.C. de 27/03/1984, BMJ 335-350, e de 25/05/1999, CJ, T3-34). Ora, a mera alegação no artº 13º da p.i., como vimos, que “a dívida comercial foi contraída pelo cônjuge réu, no exercício do seu comércio, exercido com vista a grangear proveitos a aplicar em benefício da economia familiar”, mais não é do que a conclusão que deveria extrair-se dos factos materiais - que não foram alegados – que a suportam. Conclui-se, assim, que, não se verificando os requisitos substanciais de que a referida al. c) do nº 1 do artº 1691º faz depender a responsabilização da ré C... pela dívida contraída pelo réu B..., não poderia acção proceder contra aquela ré, que não teve intervenção na contracção de tal dívida, pelo que terá a sentença que ser revogada nessa parte. * Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em: A) - Não admitir a junção dos documentos apresentados pela recorrente, mandando desentranhá-los e entregá-los à mesma. Custas do incidente a seu cargo. B) - Negar provimento ao recurso de agravo, mantendo o despacho recorrido. Custas pela recorrente. C) - Dar provimento ao recurso de apelação, revogando a sentença recorrida na parte em que condenou a ré C... a pagar à autora, solidariamente, a quantia de 3.990,38 € (correspondente a 800.000$00), no mais confirmando tal sentença. Custas, quanto à apelação, pelos recorridos na proporção de metade. |