Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1937/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
RECURSO
ADVOGADO
FALTA DE ADVOGADO
Data do Acordão: 09/27/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ANULADO O PROCESSADO
Legislação Nacional: ARTIGO 73º RGCOC
Sumário: 1. Em processo de contra-ordenação, o arguido pode impugnar a decisão da autoridade administrativa para o Tribunal de Primeira Instância sem obrigatoriedade de assistência por advogado, nomeado ou constituído.

2. Mas, já no recurso da decisão da Primeira Instância para o Tribunal da Relação é obrigatória a assistência de advogado, nomeado ou constituído.

3. Consentir-se que o arguido intervenha na fase do recurso sem aquela assistência constitui nulidade insanável.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.

No processo supra identificado foi proferida sentença na qual se decidiu julgar improcedente o recurso de impugnação judicial da decisão da Direcção-Geral de Viação, Delegação de Viação da Guarda.
Inconformado, o arguido A... recorre para esta Relação.
O recorrente motivou o recurso e apresentou conclusões.
O magistrado do Mº Pº apresentou resposta.
Nesta instância foi apresentado parecer pelo Exmº PGA.
Foi cumprido o art. 417 do CPP.
Não foi apresentada reposta.
Continuamos a entender verificar-se questão prévia que obsta ao conhecimento de mérito.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
***
Questão prévia: Falta de defensor constituído ou nomeado.
Compulsados os autos verifica-se que os mesmos chegaram a esta Relação sem que o arguido constituísse mandatário, ou lhe fosse nomeado defensor.
O recurso de impugnação é subscrito pelo arguido, bem como o recurso para esta Relação, interposto da decisão proferida no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Guarda.
O art. 53 do RGCOC foi alterado nos seus nºs 2 e 3 pelo Dl. 244/95 de 14-09, ampliando-se o direito de ao arguido ser assegurada defesa, nos termos decorrentes do estatuído no art. 32 nº 10 da CRP, ou por advogado por si mandatado a todo o tempo, ou por defensor nomeado.
A defesa do arguido pode ser constituída por mera defesa pessoal, quer por defesa técnica.
E a defesa técnica tem de ser assegurada por profissional do foro, advogado ou advogado estagiário.
Como salientam os Cons. O. Mendes e Santos Cabral in Notas ao RGCOC, anotação ao art. 53, “existem actos de pura defesa técnica que só o defensor pode praticar como é o caso dos actos derivados da obrigação de assistência em sede de recurso, nos termos do art. 64,nº 1 al. d) do citado Código (CPP) por força do art. 41 (RGCOC)”.
Refere o prof. Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal I, pág. 297, “O arguido pode constituir advogado em qualquer altura do processo (art. 62, nº 1). O art. 61, nº 1 al. d), vai mais longe: confere ao arguido o direito de, em vez de constituir defensor, solicitar que o tribunal lhe nomeie um. Acresce que nos casos em que a assistência de defensor é obrigatória e o arguido não tiver constituído ou solicitado a sua nomeação, o juiz deve nomear-lhe um, ainda que o arguido declare não o querer (art. 62, nº 2)”.
E acrescenta, “trata-se, evidentemente, de uma importante garantia de defesa do arguido. Ele não tem, em geral, uma serenidade, nem em muitos casos a liberdade de movimentos, nem a preparação jurídica necessária para estruturar eficazmente a sua defesa”.
Figueiredo Dias, citado por O. Mendes e Santos Cabral in loc. cit. refere que” a função de defensor ultrapassa o eventual interesse subjectivo do arguido para cumprir uma tarefa que interessa à própria comunidade jurídica”.
Estes princípios têm aplicação nos processos de contra-ordenação, por força do estatuído no art. 41 do RGCOC.
O. Mendes e Santos Cabral entendem que a nomeação de advogado pela autoridade administrativa está dependente do facto de as circunstâncias do caso concreto revelarem a necessidade ou a conveniência de o arguido ser assistido.
O art. 64 nº 1 al. d) do CPP expressamente torna obrigatória a assistência do defensor nos recursos, ordinários ou extraordinários.
Mas, podendo ser conveniente a defesa do arguido ser assegurada por profissional, não é necessário que a autoridade administrativa advertida o arguido para constituir defensor, ou nomear-lhe um, mesmo quando tem conhecimento de que o arguido pretende interpor recurso da sua decisão (recurso de impugnação).
É que conforme estatui o nº 2 do art. 59 do RGCOC, o recurso de impugnação poderá ser interposto pelo arguido ou pelo defensor.
Mas, já assim não é quando do recurso interposto ao abrigo do art. 73 do RGCOC.
Aqui, é obrigatória a assistência do arguido por defensor, por um profissional, advogado ou advogado estagiário.
Pelo que, não tendo constituído defensor, devia ter-lhe sido nomeado um.
Não o tendo feito, foi cometida nulidade insanável, nos termos do art. 119 al. c) do CPP. Constitui nulidade insanável, que deve oficiosamente ser declarada em qualquer fase do procedimento, a ausência de defensor do arguido, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência.
Neste sentido, veja-se Ac. da Rel. Lx. de 11-12-1996, in BMJ 462-480, que refere, “é nulo o processado subsequente à interposição de um recurso, por força dos artigos 64 nº 1 al. d) e 119 al. c) ambos do CPP se o arguido não constituiu advogado nem o Tribunal lho nomeou mesmo que se trate de impugnação judicial de decisão de autoridade administrativa que aplicou uma coima, face ao disposto nos artigos 53 e 74 nº 4 ambos do Dl. 433/82 de 17-10”.
No Ac. desta Relação de 30-01-1991, in Col. Jurisp. tomo I, pág. 98 cujo sumário refere, “a falta de nomeação de um defensor oficioso ao arguido no processo administrativo contra ele instaurado só pode ser classificada como uma irregularidade prevista no art. 123 nº 1 do CPP”, mas referindo-se apenas à fase administrativa que se esgota na decisão aí proferida. Porque no texto do Ac. se pode ler, “não obstante o disposto no art. 64, nºs 1 f) e 2 daquele Código (CPP), da conjugação das alíneas b) e c) do citado art. 119, resulta que só a ausência do defensor do arguido a actos relativamente aos quais a lei exija a respectiva comparência é expressa e taxativamente incluída nas nulidades como nulidade insanável (vd. arts. 230 do CPP e 47 nºs 1, 2 e 3 do Dl. 433/82)”.
E a lei exige a assistência por defensor do arguido, nos recursos, como já se disse supra (não considerando como recurso o de impugnação).
Ao consentir-se que o arguido pleiteasse em fase de recurso, sem a assistência de defensor, cometeu-se nulidade insanável, de conhecimento oficioso a todo o tempo.
Assim, declara-se nulo todo o processado a partir da interposição do recurso para esta Relação.
Decisão:
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra e Secção Criminal, em julgar nulo todo o processado, a partir da interposição do recurso, para esta Relação, pelo arguido não assistido por defensor, constituído ou nomeado.
Sem custas.