Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
91/04.5PBCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO VENTURA
Descritores: PROVA TESTEMUNHAL
DECLARAÇÕES PRESTADAS POR ÓRGÃO DE POLÍCIA CRIMINAL
PROVA POR RECONSTITUIÇÃO
Data do Acordão: 04/01/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 3º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 356.º, N.º 7; 150.º DO C.P.P..
Sumário: I. - Nos termos do artº 356.º, n.º7 do CPP, os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida não podem ser inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo das mesmas, em homenagem ao direito ao silêncio do arguido.
II. – Porém, essa proibição de prova não atinge as declarações dos órgãos de polícia criminal sobre factos e circunstâncias de que tenham obtido conhecimento por meios diferentes das declarações do arguido (ou de outro interveniente processual) que não possam ser lidas em audiência, mormente no decurso de prova por reconstituição do facto, enquanto meio autónomo de prova previsto no artº 150º do CPP.
III. - Às declarações assim prestadas não se pode apontar violação às regras de ponderação do depoimento indirecto, pois, nessas situações, os depoimentos de agentes de autoridade relatam o conteúdo de diligências de investigação, que percepcionaram directamente, e não especificamente o que no seu decurso foi dito.
IV. - A reconstituição prevista no artº 150º, ou as providências cautelares estabelecidas no artº 249º, ambos do CPP, pela sua própria natureza, podem envolver a participação activa dos arguidos que a tal se disponham livremente, mormente através da verbalização ou gesticulação, sobre o que entende dever ser replicado no acto processual, para que corresponda fielmente ao sucedido sem que, contudo, as declarações prestadas neste âmbito assumam outra feição que não a explicitação do ocorrido e possam ser transmutadas em prova por declarações.
Decisão Texto Integral: Relatório

Nos presentes autos com o NUIPC 91/04.5PBCTB do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco os arguidos …, nascido a 10/11/86; …, nascido a 11/01/87; …, nascido a 30/12/81; e …, nascido a 29/01/83, foram acusados pelo Ministério Público pela prática, em co-autoria e concurso real, de três crimes de furto simples p. e p. pelo artº 203º, nº1, de um crime de furto qualificado p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs. 204º, nº1, al. a) e 202º, al. a), de um crime de burla simples p. e p. pelo artº 217º, nº1, e de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs. 204º, nº2, al. e) e 202º, al. e), todos do Código Penal (CP). Os arguidos T... e H... foram ainda acusados, cada um, da prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 3º, nºs 1 e 2 do D.L. 2/98, de 3/1 e 121º do Código da Estrada (CE).
Realizado julgamento, por acórdão proferido em 21/02/2006, foram os condenados os arguidos e …, nos seguintes termos:
O arguido …
Pela prática de um crime de furto simples p. e p. pelo artº 203º, nº1 do CP (factos relativos ao veículo 26-26-AI), na pena de 8 (oito) meses de prisão;
Pela prática de um crime de furto simples p. e p. pelo artº 203º, nº1 do CP (factos relativos ao abastecimento de combustível), na pena de 4 (quatro) meses de prisão;
Pela prática de um crime de furto simples p. e p. pelo artº 203º, nº1 do CP (factos relativos ao veículo 95-81-AJ), na pena de 10 (dez) meses de prisão;
Pela prática de um crime de furto simples p. e p. pelo artº 203º, nº1 do CP, (factos relativos ao veículo 94-12-CE), na pena de 1 (um) ano de prisão;
Pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelo artº 204º, nº2, al. e) do CP (factos relativos ao estabelecimento “EM......”), na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
Em cúmulo dessas penas, foi o arguido T... condenado na pena única de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão;
O arguido …
Pela prática de um crime de furto simples p. e p. pelo artº 203º, nº1 do CP (factos relativos ao veículo 26-26-AI), na pena de 8 (oito) meses de prisão;
Pela prática de um crime de furto simples p. e p. pelo artº 203º, nº1 do CP (factos relativos ao abastecimento de combustível), na pena de 4 (quatro) meses de prisão;
Pela prática de um crime de furto simples p. e p. pelo artº 203º, nº1 do CP (factos relativos ao veículo 95-81-AJ), na pena de 10 (dez) meses de prisão;
Pela prática de um crime de furto simples p. e p. pelo artº 203º, nº1 do CP, (factos relativos ao veículo 94-12-CE), na pena de 1 (um) ano de prisão;
Pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelo artº 204º, nº2, al. e) do CP (factos relativos ao estabelecimento “EM......”), na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
Em cúmulo dessas penas, foi o arguido H... condenado na pena única de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão;
Na mesma decisão foram aqueles dois arguidos absolvidos da prática de um crime de burla simples p. e p. pelo artº 217º, nº1 do CP e de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo artº 3º, nºs 1 e 2 do D.L. 2/98, de 3/1 e 121º do CE e absolvidos de todos os crimes os arguidos P... e A....
Inconformado, veio o arguido … interpor recurso, extraindo da motivação as seguintes conclusões:
Veio o Digno Magistrado do Ministério Público deduzir acusação, em processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, ao arguido, ora recorrente, T…e, imputando-lhe a prática em co-autoria e concurso real de três crimes de furto simples (I, III e IV), p. e p. pelo artigo 203º, nº1, um crime de furto qualificado (II), p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 204º, nº1, al. a), e 202º, al. a), um crime de burla simples, p. e p. pelo artigo 217º, nº1, um crime de furto qualificado (V), p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 204º, nº2, al. e), e 202º, al. e), todos do Código Penal, e ainda um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 3º, nº1 e 2, do Decreto-Lei nº2/98, de 3 de Janeiro, e artigo 121º do Código da Estrada.
Atenta a natureza dos crimes pelo qual o arguido T... se encontra acusado, foi-lhe determinada a aplicação das seguintes medidas de coacção – Termo de Identidade e Residência e Obrigação de Apresentação Periódica, com carácter quinzenal, todos os dias 1 e 15 de cada mês, no posto policial da respectiva residência.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, proferiu o douto tribunal "a quo" acórdão, deliberando absolver o arguido, ora recorrente T... do crime de burla simples p. e p. pelo artigo 217.°, n °1, do Código Penal e Crime de Condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3°, n.° 1 e 2, do Decreto-Lei n° 2198, de 3 de Janeiro e artigo 121.° do Código da Estrada e condená-lo pela prática, em co-autoria, de quatro crimes de furto simples p. e p. pelo artigo 203,°, n.°1, tendo havido convolação de um crime de furto qualificado para crime de furto simples e ainda num crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204.°, n° 2, al.e), e 202.°, todos do Código Penal.
 Para tal, considerou, o douto tribunal "a quo" como provados os seguintes factos: Em princípios de Fevereiro de 2004, os arguidos T... e H... e outros indivíduos não identificados, acordaram entre si fazer seus veículos de terceiros e deslocar-se pelo país (...) para tal, pelas 17 horas do dia 5 de Fevereiro de 2004, fizeram seu o veiculo de matrícula 26-26­-AI, pertença de M..., deslocando-se de Setúbal para Montemor-o-Novo, onde o abandonaram; pelas 19 horas do mesmo dia, fizeram seu o veículo de matrícula 94-12-CE, pertença de H..., deslocando de Montemor-o-Novo para Castelo Branco, onde o abandonaram; Entretanto, ainda em Montemor-o-Novo, pelas 19:20 horas, alguém conduziu até à estação de abastecimento de combustíveis pertença de B..., abasteceu no respectivo depósito gasolina, abandonando o local sem efectuar o devido pagamento; pelas 23:00 horas do dia 5 de Fevereiro, os arguidos e os indivíduos não identificados fizeram seu o veículo de matrícula 95-81-AJ, pertença de C...; Deslocando-se, pelas 4.00 horas de dia 6 de Fevereiro de 2004 até às proximidades do estabelecimento "EM......", pertença de D..., projectando contra a montra de vidro dois paralelepípedos da calçada, partindo-a, entrando, retirando e levando consigo artigos de vestuário, prosseguindo viagem até Setúbal.
 Quanto aos factos dados como não provados considerou o acórdão posto em crise que os arguidos P... e A...fizessem o referido na acusação e que os arguidos T... ou H... tivessem conduzido os veículos supra mencionados.
Estão, pois, os factos dados como provados e não provados, bem como os constantes na acusação, longe da realidade.
 Alicerçou-se, o douto Tribunal "a quo" para formação da sua convicção no depoimento das testemunhas ouvidas em julgamento, conforme registo magnético supra referido e no teor dos documentos juntos aos autos.
Verificou-se no douto acórdão recorrido, erro na apreciação de prova.
Tais factos não podiam ter sido dados como provados pelo tribunal “a quo", uma vez que as testemunhas (queixosos) nos seus depoimentos em audiência de julgamento referem todas elas que não sabem identificar os arguidos, nem presenciaram nenhum dos factos constantes da acusação.
As testemunhas H..., C... e M... apenas descreveram no decurso dos seus depoimentos, as diligências a que procederam após detectarem os furtos dos seus veículos, limitando-se a identificar os objectos que se encontravam no seu interior.
 A testemunha B... refere apenas que alguém procedeu ao abastecimento de gasolina a um veículo Honda, saindo sem pagar não identificando quem, nem mesmo confirmar a presença de outras pessoas no veículo além do condutor.
 A testemunha D..., igualmente, não presenciou os factos, não identificando os arguidos como autores do crime de furto, apenas referindo que lhe tinham retirado do seu estabelecimento "EM......" alguns objectos, não concretizando quais, nem mesmo, após lhe serem exibidos os reconheceu como sendo seus.
 Acresce que a mesma testemunha refere ainda que os objectos que lhe foram exibidos não pode garantir que sejam os da sua loja, por terem sido tiradas as etiquetas" e "que os objectos em apreço tanto podiam ser da sua loja como de qualquer outra do País, reconhecendo comercializar apenas algumas das marcas que lhe foram exibidas".
 A testemunha E..., nada veio esclarecer o tribunal, semeando a dúvida, quanto à identificação dos autores do furto à loja "EM......", referindo que "seriam pelo menos 3 indivíduos de etnia negra", afirmando-o de forma clara, embora acrescentando que "os factos ocorreram pelas 4:30 horas, num local que não tinha muita luz, encontrando-se no 4° andar do prédio, onde se situa a loja", não sabendo determinar se os autores do furto eram baixos ou altos, gordos ou magros.
 Não restará, pois, dúvida que o tribunal "a quo" ao dar os factos provados da forma como o fez, decidiu com base em erro notário na apreciação da prova, uma vez que com base nos depoimentos das testemunhas referidas supra, o tribunal "a quo", viola o artigo 127.° C.P.P., dado que a sustentabilidade da sua livre convicção e apreciação das regras de experiência comum, para prova de tais factos não poderá ser levada em conta.
 Relativamente à testemunha F..., agente da P.S.P., afirma não ter presenciado os factos, apenas tendo conhecimento dos mesmos por declarações prestadas pelo arguido T... e posteriormente pelo arguido H... através de uma diligência externa realizada,
 Nessa diligência externa, o arguido H... descreve os passos dados, conforme vertido no acórdão recorrido, pelo que estamos perante um depoimento indirecto, com base apenas e só, nas declarações dos arguidos.
 Por essa razão, não se entende que o tribunal "a quo" tenha valorado o depoimento desta testemunha.
Uma vez que, as declarações recolhidas do arguido H... foram reduzidas a auto de diligência externa, sendo na sua essência, um auto de declarações de arguido, mais precisamente um acto confessório, tendo sido indicado os lugares percorridos, os veículos furtados, das pessoas que o acompanhavam, do modo com actuaram.
E tal foi a relevância que assumiu essa confissão, que sem ela os investigadores nada sabiam, como aliás foi expressamente referido pela testemunha F...,
Só prosaicas razões de pragmatismo explicarão, que tal auto de declarações de arguido tenha sido transformado em auto de diligência externa, não sendo, nem na forma nem, essencialmente, no conteúdo,
Deste modo, o que foi valorado pelo tribunal "a quo, acabou por ser um auto de declarações prestadas perante órgão de polícia criminal, pelo que não poderia ser valorado em sede probatória, nomeadamente, em audiência de julgamento.
Com efeito, ressalvados os autos cuja leitura é permitida, não valem em julgamento, nomeadamente para a formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tenham sido produzidas ou examinadas em audiência — art.° 355.°, n°s 1 e 2, do C.P.P.
No caso em apreço, nenhum dos arguidos compareceu nos dias de julgamento, não tendo, pois, prestado declarações e não se verificando as hipóteses dos art.°s 356.°, n°s 3 e 4 e 357.°, todos do C.P.P., a leitura dos autos que contenham declarações do arguido é proibida pelo n.° 1, al. b), do artigo 357.° C.P.P.
Assim sendo, a testemunha F..., na qualidade de órgão de polícia criminal, não poderia ser inquirida como testemunha sobre o conteúdo das declarações dos arguidos H... e T..., ora recorrente, bem como de quaisquer pessoas que tiverem participado na sua recolha, confirme o estipulado no artigo 357.°, n° 7 C.P.P.
 O tribunal "a quo" ao admitir que a testemunha F..., venha a julgamento transmitir uma alegada confissão, por si recebida do arguido T..., ora recorrente, no circunstancialismo supra referido, violou manifestamente as garantias de defesa do recorrente, consagradas no artigo 32.° da C.R.P.
A acrescer a tal, verifica-se o facto, da convicção do tribunal "a quo", conforme expresso no acórdão recorrido "dar como provados que os autores dos factos descritos in supra foram pelo menos os arguidos T... e H..., face ao depoimento da testemunha F..., agente da P.S.P.(...)."
 Ora, a testemunha F... ao afirmar no seu depoimento que ao falar com o arguido T..., ora recorrente, tendo-lhe este dito ser ele o autor da subtracção juntamente com outros arguidos, assim como as referências feitas pelo arguido H..., o tribunal a quo valorou indevidamente tal depoimento, restando apenas as restantes testemunhas (queixosos), que tal como referiram, desconhecem a identidade dos arguidos, nem presenciaram os factos.
Portanto, e salvo melhor opinião, poder-se-á afirmar que nada resta para fundar a convicção do tribunal "a quo", no tocante à matéria de facto, pelo que outra saída não resta que ter os factos respectivos como não fundamentados, o mesmo é dizer que não podiam senão ser dados como não provados.
Por outro lado, insurge o recorrente T... contra a medida concreta da sua pena, que considera ter sido graduada de forma excessiva, discordando, Igualmente, com o entendimento do tribunal "a quo" pela não aplicação do regime especial para jovens.
O regime penal dos jovens delinquentes, previsto no Decreto-Lei no 401/82, de 23 de Setembro, constitui o regime especial penal regra aplicável a jovens entre os 16 e os 21 anos.
Ora, o Tribunal "a quo" para decidir sobre a aplicação de regime relativo aos jovens, Independentemente do pedido ou da colaboração probatória dos Interessados, terá de proceder autonomamente às diligências e à recolha de elementos que considere necessários para avaliar da verificação dos respectivos pressupostos.
A lei processual prevê modos próprios à recolha do juiz desses elementos, e nesta perspectiva, as artigos 370º e 371º do Código de Processo Penal contêm a disciplina particularmente adequada, em que o tribunal pode em qualquer altura do julgamento solicitar a elaboração de relatório social ou de informação dos serviços, de reinserção social ou, ordenar a produção de prova suplementar que se revelar necessária.
Por esta via, o Tribunal recorrido ao decidir como o fez, violou de forma clara os artigos 72.°, 73.°, 374,°, nº2, e 379,°, alínea a), todos do Código de Processo Penal, uma vez, que tais factos não foram por si indagados, não constando nos autos relatório social sobre nenhum dos arguidos.
 Pelo que, o acórdão posto em crise deverá ser declarado nulo, por insuficiência de fundamentação ou, em alternativas e a serem provados os factos, ser aplicado ao arguido T... a regime especial para jovens delinquentes consignado no Decreto-Lei n 401/82, devendo assim a pena ser especialmente atenuada.
 Os elementos que o tribunal "a quo” dispõe, por si só, revelam-se, insuficientes para habilitar o tribunal a formular a conclusão de não aplicação deste regime especial para jovens.
Não tendo em consideração que o arguido T..., ora recorrente nasceu em 10.11.1986, pelo que à data dos factos tinha 17 anos de idade.
Não tem antecedentes criminais, sendo por isso delinquente primário.
Perante estes factos – o arguido T... com 17 anos de idade e primário, coloca-se a interrogação de se saber se não aplica-se “ in casu”, este regime especial para jovens, então, quando se aplicará?
Deste modo, o tribunal “a quo”, quanto ao recorrente T..., a darem-se por provados os factos e ao aplicar as penas parcelares constantes no acórdão recorrido, fixando-lhe em cúmulo a pena única de 3 anos e 4 meses de prisão, procede de forma excessiva na aplicação da pena.
Houve, pois, pelo tribunal "a quo" na aplicação dessas penas referida supra uma violação aos artigos 70º, 71.° e 72.° do Código Penal.
Pois, a existir por parte do tribunal "a quo" decisão no sentido de aplicação do Decreto-lei n° 401/82, de 23 de Setembro, o arguido T... beneficiaria dessa atenuação especial, podendo-lhe ser aplicada pena de prisão suspensa na sua execução, nos termos do art.° 50.° do Código Penal, concomitantemente, com a aplicação dos regimes estabelecidos nos artigos 52.° e 54.° do Código Penal.
Tal medida da pena a ser aplicada, corrobora o próprio fim das penas ao visar proteger os bens jurídicos e a reintegração/ressocialização do agente.
 Necessidade esta, mais premente, na juventude do arguido T..., sendo ela uma circunstância atenuante de carácter geral, de resto com valor significativo, pois, em qualquer caso, não se deve tratar um jovem de 17 anos, primário, sem atender à imaturidade própria dessa fase da vida.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas doutamente suprirão, deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência revogar-se o douto acórdão recorrido, substituindo-o por outro, que em obediência de critérios legais pugne pela absolvição do recorrente T..., com base em erro na apreciação da prova, bem como, na não valoração do depoimento da testemunha F..., agente da P.S.P., de acordo com os argumentos supra citados,
Caso assim se não entenda deverá ser determinada a aplicação do regime especial para jovens consignado no Decreto-Lei n° 401/82, de 23.10, por forma a que, e no caso de se darem como provados os factos constantes no douto acórdão recorrido, beneficie o recorrente da atenuação especial prevista nesse regime, de maneira a que seja aplicada pena de prisão suspensa na sua execução, concomitantemente, caso assim se entenda, com a aplicação de regime de prova, para que assim, com rigor, se faça sã, serena e verdadeira justiça!
O magistrado do Ministério Público junto do Tribunal recorrido veio responder, deixando as conclusões que seguem:
1 — Não se verifica no douto acórdão qualquer erro notório na apreciação da prova, de acordo com o disposto no art.° 410º, n.° 2 do CPP, na medida em que se não verifica qualquer erro de ordem lógica entre os factos provados e não provados ou que os mesmos traduzam uma apreciação ilógica ou arbitrário ou de todo insustentável que, desta forma, não passe despercebida à observação e verificação comum do homem médio.
2 — A apresentação de uma convicção diferente da prova produzida como o faz o recorrente não se confunde com a verificação do vício do erro notório na apreciação da prova.
3 — A valoração da prova que foi feita no acórdão do depoimento da testemunha, elemento da P.S.P., foi feita de forma legal e correcta, na medida em que o mesmo não depôs sobre factos de que teve conhecimento exclusivamente através de depoimentos do arguido.
4 — Antes pelo contrário depôs sobre factos de que teve a percepção directa traduzidos em diversos autos de apreensão e de reconstituição de alguns factos, com a colaboração do arguido, os quais se encontram materializados e documentados nos autos.
5 — Não se mostra violado o disposto no artigo 356°, n.° 3, 4 e 7, nem no art.° 357° ambos do CPP.
6 — Quanto à medida concreta da pena, na medida em que não foi elaborado o relatório social ao recorrente, nos termos e para os efeitos do disposto no art.° 370° e 371º do CPP, tendo em vista a eventual aplicação do DL n.° 401/82 de 23-9, admitimos tratar-se de vício de sentença — insuficiência da matéria de facto para a decisão —, nos termos do art.° 410°, n.° 1 e 2 al. a) do CPP, que originará o reenvio para novo julgamento restrito à determinação da sanção.
Neste Tribunal da Relação de Coimbra, o Sr. Procurador-geral Adjunto tomou posição, no sentido do provimento parcial do recurso e do reenvio parcial, por insuficiência da matéria de facto para a decisão, na medida em que não foi elaborado relatório social quanto ao arguido T..., que a lei impunha que fosse realizado.
Foram colhidos os vistos e realizou-se audiência.
Fundamentação
Âmbito do recurso
É pacífica a doutrina e jurisprudência[i] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso[ii]. As questões colocadas no recurso e reflectidas nas conclusões são as seguintes:
Nulidade da decisão recorrida, por falta de fundamentação;
Impugnação alargada da decisão em matéria de facto;
Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, na perspectiva de aplicação do regime penal dos jovens;
Erro notório na apreciação da prova;
Medida das penas parcelares e da pena única.
Importa, desde já, esclarecer um aspecto. Quer a impugnação alargada da decisão em matéria de facto, quer a verificação dos vícios estabelecidos no artº 410º, nº2 do CPP integram formas de reacção incidente sobre os fundamentos de facto da decisão. Então, por regra, quando a modificação pedida pelo recorrente e permitida pelo artº 431º, al. b) do CPP seja capaz de remover o vício ou limitar a necessidade de reenvio, cabe dar prevalência ao conhecimento da impugnação alargada da decisão em matéria de facto[iii]. Assim acontece no caso em apreço.
Apreciação
Da decisão recorrida
A primeira aproximação às questões elencadas passa pela indicação dos termos da decisão recorrida, mormente dos seus fundamentos de facto. Deixemos então transcrito esse segmento da sentença, em que são afirmados os factos provados e não provados, bem como a motivação da decisão em matéria de facto[iv]:
2.1.1. Em princípios de Fevereiro de 2004, os arguidos T... e H... e outros indivíduos não identificados, acordaram entre si fazer seus veículos de terceiros e deslocar-se pelo país com os mesmos para fazerem seus bens igualmente de terceiros e de tal passíveis, sempre sem conhecimento e autorização destes seus donos.
2.1.2. Em execução de tal plano, sempre de comum acordo e conjugação de esforços, os arguidos e os indivíduos não identificados referidos em 2.1.1. procederam da seguinte forma:
Pelas 17 horas do dia 5 de Fevereiro de 2004 fizeram seu o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula 26-26-AI, pertença de M… (melhor identificada a fls. 374).
O mesmo tinha o valor de mil euros (€ 1.000,00).
E estacionado na Praça da República da cidade de Setúbal.
Na posse do mesmo deslocaram-se até Montemor-o-Novo, por percursos não especificamente apurados, onde o abandonaram e veio a ser detectado e entregue à sua dona no dia seguinte, pela P.S.P. (cfr. termo de entrega a fls. 378, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
Pelas 19 horas desse mesmo dia 5 de Fevereiro de 2004 fizeram seu o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula 94-12-CE, pertença de H... ( melhor identificado a fls. 17v.).
O mesmo tinha o valor de pelo menos 800.000$00 (3.990,38€).
Estava estacionado na Rua D. Sancho da localidade de Montemor-o-Novo.
Na posse do mesmo deslocaram-se até à cidade de Castelo Branco, por percursos não especificamente apurados, onde o abandonaram e veio a ser detectado com estragos não avaliados e entregue ao seu dono no dia 7 do mesmo mês e ano, pela P.S.P. (cfr. termo de entrega a fls. 28, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
Entretanto, ainda em Montemor-o-Novo e pelas 19 horas e 20 minutos desse mesmo dia 5 de Fevereiro de 2004, alguém dos referidos em 2.1.1. conduziu o veículo de matrícula 94-12-CE à estação de abastecimento de combustíveis sita na Avenida Gago Coutinho e pertença de B... (melhor identificado a fls. 5).
Aí chegados alguém dos referidos em 2.1.1. introduziu por mão própria no respectivo depósito gasolina no valor de vinte e seis euros e vinte e nove cêntimos (€ 26,29).
E como previamente haviam acordado e decidido, de imediato e sem efectuarem o devido pagamento, abandonaram o local em fuga.
Pelas 23 horas desse mesmo dia 5 de Fevereiro de 2004, os arguidos e os indivíduos não identificados em 2.1.1., fizeram seu o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula 95-81-AJ, pertença de C... (melhor identificado a fls. 296).
O mesmo tinha o valor de pelo menos € 3.000,00.
E estava estacionado na Estrada do Montalvão da cidade e comarca de Castelo Branco.
O veículo foi conduzido até Setúbal, por percursos não especificamente apurados, onde o abandonaram e veio a ser detectado nesse mesmo dia e entregue ao seu dono no dia 10 do mesmo mês e ano, pela P.S.P.
Juntamente com o veículo foi entregue a arma caçadeira e cartuchos que no mesmo guardava, no valor de pelo menos 250,00 €.
XVI ) O referido em 2.1.2. XV) encontrava-se na posse de H... (cfr. aditamento e termo de entrega a fis. 263/4, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
2.1.3. Algum dos arguidos ou dos indivíduos referidos em 2.1.1. por percursos não especificamente apurados conduzindo o veículo referido em 2.1.2.XI pelas 4 horas do dia 6 de Fevereiro de 2004 até às proximidades do estabelecimento comercial de D... identificado a fls. 234), denominado "EM......" e sito ao n° 14 da Praça Rainha Dona Leonor desta cidade e comarca.
2.1.4. Aí chegados, projectaram contra a respectiva montra de vidro dois paralelipípedos da calçada e, partindo-a, entraram e retiraram e levaram consigo os artigos constantes da "relação" de fls. 228 a 232 — cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido —, tudo ascendendo ao montante jurado global de seis mil cento e dezasseis euros e dezoito cêntimos (€ 6.116,18).
2.1.5. Algum dos arguidos ou dos indivíduos não identificado; referidos em 2.1.1. após o referido em 2.1.4. conduziu o veículo e aqueles artigos até à cidade de Setúbal, aí vieram ainda a ser apreendidos alguns artigos de vestuário.
2.1.6. O proprietário do estabelecimento "EM......", não pode dar a garantia segura de que os objectos apreendidos sejam pertença do seu estabelecimento por terem sido tiradas as respectivas etiquetas, embora refira que alguns desses objectos são vendidos no seu estabelecimento. (cfr. autos de apreensão a fls. 250 e 253 e auto de exame directo a fls. 454/6, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
2.1.7. Nada até ao momento devolveram ou entregaram a qualquer título que fosse, dispondo dos artigos em comum e exclusivo proveito não concretamente apurado.
2.1.8. Os arguidos T... e H... não possuem carta de condução.
2.1.9. T... e H... agiram livre, consciente e concertadamente, bem sabendo que os artigos e produto que faziam seus, como efectivamente fizeram, lhes não pertenciam e que actuavam contra a vontade, sem autorização e em prejuízo do seu legítimo dono e em seu único e exclusivo proveito comum.
2.1.10. Não obstante, tudo fizeram com plena consciência da ilicitude e reprovabilidade das suas condutas.
2.1.11. Do certificado de registo criminal do arguido H... consta.
Uma condenação no proc. n.° 485/03.3PTSTB, do 3.° Juízo Criminal, do Tribunal Judicial de Setúbal, por crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.° 3, n.°s 1 e 2, do D.L. 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 4,00 €, por factos de 20/11/2003 e por sentença de 17/2/2005.
2.1.12. Do certificado de registo criminal do arguido A… consta.
Uma condenação no proc. n.°28/026GCMMN, do 2.° Juízo, do Tribunal Judicial de Montemor-o-Novo, por crime de furto qualificado p. pelo art.° 348, do C.P., na pena de 18 Meses de Prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, por factos de 5/2/2002 e por sentença de 25/5/2005.
Uma condenação no proc. n.°599/00.1PBSTB, do 1.0 Juízo Criminal, do Tribunal Judicial de Setúbal, por crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.° 143, do C.P., na pena de 190 dias de multa à taxa diária de 3,50€, por factos de 8/4/2000 e por sentença de 17/5/2005.
2.1.13. Do certificado de registo criminal do arguido P... nada consta.
2.1.14. Do certificado de registo criminal do arguido T... nada consta.
2.1.15. O arguido T... nasceu em 10/11/86.
2.1.16. O arguido P... nasceu em 11/1/87.
2.1.17. O arguido H... nasceu em 30/12/1981.
2.1.18. O arguido A... nasceu em 29/1/1983.
2.2. Factos não provados
2.2.1. Que os arguidos P... e A... fizessem o referido em 2.1.1., 2.1.2., 2.1.3., 2.1.4. e 2.1.5.
2.2.2. Que estes arguidos T... ou H... tivessem conduzido os veículos referidos em 2.1.2.I), 2.1.V) ou 2.1.2.XI)
2.2.3. Que quem conduzisse os veículos referidos não possuísse carta de condução ou qualquer outro documento que o habilitasse a conduzir veículos automóveis.
3. FUNDAMENTAÇÃO
A convicção do tribunal assentou na inteligibilidade da prova no seu conjunto tendo presente o referido pelas testemunhas ouvidas em julgamento e ao teor dos documentos juntos.
Quanto à subtracção dos veículos, respectivos valores e entregas dos mesmos no referido pelos seus proprietários. A testemunha H.. refere que em 5 de Fevereiro de 2004 lhe furtaram o veículo automóvel, Honda Civic, matrícula 94-12-CE. Que o mesmo foi recuperado pela P.S.P. e lhe foi entregue pela mesma. Diz que deu pelo carro 7.500,00 €, em 2000 e que em na data do furto o mesmo tinha um valor de 800/900 contos, confirmando que o veículo é o fotografado a fis. 8.. Refere que no interior do veículo se encontrava pelo menos mais uma pessoa. A testemunha C...refere que lhe furtaram o veículo Honda Civic, de matrícula 95-81-AJ, em Castelo Branco, o qual lhe foi entregue pela PSP de Setúbal após o ter recuperado. Que no interior do mesmo se encontrava uma caçadeira e cartuchos tendo a mesma e parte dos cartuchos sido entregues pela entidade policial. O valor do veículo é de 600/700 contos. O valor da caçadeira e da carabina de pressão que não apareceu seria na ordem dos 500,00 €, sendo que a caçadeira tinha um valor de 250,00 €. A testemunha M… refere que lhe furtaram o veículo Fiat Uno, no valor de 200.000$00, que o furto foi feito no dia da participação, e que o veículo veio a ser encontrado em Montemor Novo, tendo-lhe sido entregue pela P.S.P.
Importante para o tribunal dar como provado tal matéria foram os autos de entrega de fis. 28, 264, 378.
Quanto ao abastecimento da gasolina no referido pela testemunha B...ao referir que em 5/2/2004 alguém abasteceu o veículo de matrícula Honda Civic, matrícula 94-12-CE, tendo abastecido o montante de 26,29 €, e não pagou.
Importante foram também os documentos de fls. 8 e 9.
Quanto à subtracção dos objectos à Loja "EM......" pertença de D..., no referido pelo mesmo ao afirmar de forma clara e convincente que lhe assaltaram a loja "EM......" tendo para o efeito partido a porta de vidro com dois paralelepípedos. Que do interior retiraram os objectos aludidos a fls. 228 a 232 (documento exibido à testemunha que confirmou) que o valor dos objectos era de 6.116,00€. Refere que os objectos que lhe foram exibidos não pode garantir que sejam os da sua loja, desde logo, por terem sido tiradas as etiquetas. Porém refere que na sua loja são vendidos objectos que foram recuperados.
Importante para esta matéria foi também o referido pela E... ao dizer que cerca das 4.30 horas da manhã ouviu um estrondo veio à janela viu um honda civic, cor vermelha, de matrícula de que sabe apenas as letras e que são AJ, à porta do loja e viu pelo menos 3 pessoas, que lhe pareceu de raça negra, a carregar objectos tirados da loja.
O tribunal deu como provado que os autores dos factos descritos in supra foram pelo menos os arguidos T... e H..., face ao depoimento da testemunha F..., agente da P.S.P, ao referir que foi contactada a P.S.P. de Setúbal, por alguém, referindo que estava a ser descarregada roupa ainda com cabides e etiquetas para casa do H..., referindo que tal roupa estava a ser retirada de um Honda. Por essa razão foi feita vigilância a tal veículo, não tendo sido visto ninguém a entrar no mesmo. Face a tal e dado que tinham informação de haver roupa a ser descarregada para casa do T... falou com o mesmo tendo ele referido ser ele o autor da subtracção juntamente com os outros arguidos. Por sua vez o H... referiu à P.S.P. os passos[v] dados. Referindo terem "furtado" o veículo em Setúbal terem ido com o mesmo até Montemor-o-Novo onde o abandonaram, local onde subtraíram outro veículo, tendo abastecido o mesmo numa bomba onde não pagaram o combustível, tendo ido para Castelo Branco, onde foi abandonado este veículo e furtado um outro veículo honda, com o mesmo deslocaram-se a uma loja de roupa tendo o veículo ficado a trabalhar e com paralelepípedos partiram o vidro e tiraram a roupa, seguindo depois para Setúbal. Referindo também que a mesma foi dividida.
O tribunal entende que nada impede que o referido por esta testemunha possa ser valorado. E isto porque o depoimento de tal testemunha não assentou apenas nas declarações prestadas pelos arguidos T... e H... mas também no recolhido pelo mesmo nas suas investigações, como fosse a recuperação do veículo subtraído em Castelo Branco, a recuperação da caçadeira e dos cartuchos que estavam em poder do arguido H..., as roupas que estavam em poder de ambos os arguidos T... e H... (cfr. neste sentido Ac. do S.T.J., 20/5/92, B.M.J. 417/606).
Ora, os arguidos T... e H... não fossem os autores de tais factos, como tinham em seu poder tais objectos ?
Sendo que o arguido H... tinha em seu poder a arma caçadeira que se encontrava dentro do veículo Honda subtraído em Castelo Branco. E se o arguido T... não tivesse nada a ver com o veículo como se explica que as suas impressões estivessem no mesmo e que as roupas apreendidas fossem descarregadas desse veículo.
E como se explica que o veículo de onde estava a ser descarregada a roupa fosse o honda civc, vermelho, matrícula 95-81-AJ, precisamente o que foi subtraído em Castelo Branco. E dizemos ser esse o veículo por ser o que foi apreendido e entregue ao seu dono.
Sendo que a testemunha E... refere de forma clara que viu pelo menos 3 indivíduos a carregar objectos do interior da loja "EM......" para um veículo Honda Civic, cor vermelha, com as letras de matrícula AJ. Ora, se os arguidos nada tivessem com tal facto então como se explica que desse veículo fossem descarregadas as roupas apreendidas.
Nem se diga que a tal obsta o facto de o proprietário do "EM......" não ter afirmado que as mesmas eram sua pertença. Para nós, esse facto só dá credibilidade a tal depoimento. Na verdade como a testemunha refere se na altura que foi chamado as roupas não tinham já a etiqueta e havendo outras lojas a vender tal marca não pode garantir com segurança que essas roupas fossem da sua loja. Nada mais normal.
Para nós não restam dúvidas de que pelo menos os arguidos T... e H... foram os autores de tais factos, pois se não fossem como se explica que soubessem os locais onde os veículos depois vieram a ser encontrados, o local da loja em Castelo Branco, que o vidro fosse partido com paralelipepidos e que fossem encontrados em seu poder objectos conforme auto de apreensão de fis. 89 e 92.
Conjugando tudo isto e tendo presente as regras da experiência comum o tribunal deu tais factos como provados.
Importante foi ainda o teor dos documentos de fls. 8, foto do veículo 94-12-CE, junto às bombas de gasolina, doc. 9, documento do valor de abastecimento, doc. fls. 28 termo de entrega do veículo honda civic, matrícula 94-12-CE a H..., auto de apreensão de fls. 34, foto de fls. 38, arma caçadeira e cartuchos, de fls. 49 a 51, foto veículo honda civic, vermelho, matrícula 95-81-AJ, docs. fls. 54 a 57, doc. fis. 85, termo de entrega do veículo 26-26-AI, doc. fis. 103, termo de entrega do veículo 95­-81-AJ, da caçadeira e de cartuchos, declaração de fls. 223, fotos de fls. 225 e 226, relação de fls. 228 a 232, auto de apreensão de fls. 253, fotos de fls. 265, 266 e 270 a 273, CRC T..., fls. 448, auto de exame directo de fis. 454, fis. 456 CRC arguido P…, docs. de fls. 457 a 459 e 462 documentos emanados da DGV, doc. fls. 465, comparação lofoscópia, dando como sendo pertença do T..., fls. 613, C.R.C. do H..., fis. 615, C.R.C. do arguido A.... E documentos de fls. 465 e 512, bem como a certidão de fls. 665.
Quanto aos não provados na falta de prova. Na verdade quanto aos arguidos P... e A...não há qualquer outra prova a não ser o referido pela testemunha F..., e que diz o que os arguidos T... e H... lhe disseram, o que não pode ter sido em conta, por não haver qualquer outra prova a sustentar essa versão.
Por isso, e tendo sempre presente o princípio do in dubio pro reo, o tribunal quanto aos arguidos P... e A..., não deu tais factos como provados, pois até poderia haver desentendimentos entre os arguidos T... e H... e estes querem envolver o P... e o A.... Atendendo a tudo isto o tribunal não deu como provado que os arguidos P... e A...estivessem envolvidos nestes factos.
Da nulidade do acórdão, por falta de fundamentação.
A primeira questão colocada encontra-se na conclusão 34ª, na qual o recorrente afirma violação do disposto nos artºs 72º, 73º, 374º, nº2 e 379º, nº 1, a) do CPP, em virtude do Tribunal não ter solicitado relatório social ou indagado pelas condições pessoais do arguido.
Decorre daqueles dois últimos preceitos que é nula a sentença que não esteja fundamentada, vício que decorre da ausência desse esforço de motivação. Ora, de forma clara, a decisão recorrida não omite a fundamentação. Em face dos seus termos, pode discutir-se a razoabilidade do raciocínio exposto mas não pode manifestamente vingar a alegação de que foi incumprido o disposto no artº 374º, nº2, do CPP.
Na verdade, o recorrente insurge-se verdadeiramente contra outro tipo de omissão, a saber, a insuficiência de apuramento de factos para a decisão sobre o objecto do processo, na vertente da determinação da espécie e medida da pena, de factos relativos à situação pessoal do arguido. Mas, como salienta o Sr. Procurador-Geral Adjunto, essa omissão remete para a verificação de outro vício, a saber, aquele previsto no artº 410º, nº2, al. a) do CPP.
Afasta-se, assim, a nulidade do acórdão, por falta de fundamentação.
Da impugnação alargada de decisão em matéria de facto
A questão seguinte a apreciar prende-se com a impugnação alargada da decisão em matéria de facto formulada pelo arguido T.... Nos termos do artº 428º do CPP, as relações conhecem de facto e de direito, podendo modificar a decisão de facto quando a decisão tiver sido impugnada nos termos do artº 412º, nº3 do mesmo código.
A decisão impugnada foi proferida na vigência do regime processual penal anterior à Lei 48/2007, de 29/8, pelo que, em virtude do disposto no artº 5º, nº2, al. b) do CPP, tem aqui aplicação a redacção do artº 412º do CPP conferida pela Lei nº 59/98. De acordo com o disposto no seu nº3, als. a) e b), quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as provas que impõem decisão diversa da recorrida.
Mesmo que de forma bastante imperfeita, mas ainda assim perceptível, verifica-se que o recorrente externou a alcance da sua discordância, abarcando a sua participação na conduta provada, em qualquer das componentes. E, com vista à modificação desse juízo, apela para a reponderação dos depoimentos de H..., C..., M..., B..., D... e E..., argumentando que nenhum foi capaz de identificar as pessoas que desenvolveram as condutas. Paralelamente, considera que o depoimento de F... não pode ser atendido, por a tal obstar o disposto nos artºs. 355º, 356º e 357º do CPP.
Ao invés, o Ministério Público considera que o arguido limita-se a apresentar diferente valoração da prova e que F... não estava impedido de depor sobre a sua percepção directa no momento da apreensão e da reconstituição dos factos.
Cabe em primeiro lugar salientar que o sistema de recurso em matéria de facto não confere à 2 ª instância a responsabilidade de proceder um novo julgamento do objecto do processo, como se a decisão da 1ª instância não existisse, antes constitui remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, expressamente indicados pelo recorrente[vi]. Não obstante, deve constituir verdadeiro controlo do juízo de facto, sem descurar os princípios da imediação e da livre apreciação da prova, os quais, embora especialmente acometidos à primeira instância, não podem ser erigidos como obstáculos intransponíveis à correcção por via de recurso do erro judiciário e ao respeito pela verdade material. Nas palavras de Figueiredo Dias, a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever[vii].
Passemos, então, ao controlo da razoabilidade da decisão recorrida em matéria de facto nos pontos impugnados e em face da prova indicada no recurso, não sem observar que os fundamentos de facto exarados na decisão apresentam por diversas vezes confusão entre factos e meios de prova e são especialmente parcos na singularização das acções do recorrente, executivas de um acordo plural de «fazerem seus bens de terceiros».
Como se vê da transcrição supra, os factos imputados aos arguidos desenvolvem-se em várias condutas autónomas e sucessivas, com início nas 17 horas do dia 5 de Fevereiro de 2004 e final na madrugada do dia seguinte. Em termos geográficos, começaram em Setúbal e terminaram em Castelo Branco, com passagem por Montemor-o-Novo. Para maior clareza, vejamos cada um desses vários segmentos espácio-temporais, respeitando a ordem cronológica.
O tribunal a quo inscreveu nos factos provados que os dois arguidos – T... e H... - e «outros indivíduos» fizeram seu veículo automóvel de matrícula 26-26-AI pelas 17 horas do dia 5/02/2005, quando este estava estacionado em Setúbal. Compulsando o registo da prova, verifica-se que ninguém observou essa conduta ou indicou o recorrente como presente na altura. Na fundamentação do acórdão, encontra-se menção unicamente ao depoimento de M..., a qual nada viu. Note-se que foi dado como não provado que o arguido T... conduziu este veículo, por «falta de prova», o que influencia necessariamente outros planos de actuação, comunicando ausência de suporte probatório mínimo para indicar a participação do recorrente.
O segundo segmento é situado em Montemor-o-Novo, duas horas depois do anterior (19:00h), e volta a cingir-se à indicação de que os mesmos indivíduos «fizeram seu» outro veículo automóvel, com a matrícula 94-12-CE. Também aqui, o respectivo dono – H...  – nada viu.
Prosseguindo, foi dado como provado que esse mesmo veículo foi conduzido até um posto de abastecimento de combustíveis, situado em Montemor-o-Novo e aí «alguém», dentre os intervenientes no acordo, abasteceu a viatura sem pagar. Note-se que não é dado como provado que os dois arguidos encontravam-se, na altura, dentro da viatura. A decisão recorrida cinge-se à alusão à fotografia de fls. 8, onde se encontra representada a pessoa que abastece, acrescentando que no interior do veículo se encontrava «pelo menos mais uma pessoa». Nenhum reconhecimento ocorreu relativamente a qualquer dos arguidos, mormente por parte de B..., e repete-se aqui a circunstância de ter sido dado como não provado que o arguido T... conduziu o veículo por «falta de prova». Também não se encontra nos factos provados que o recorrente exerceu qualquer forma de domínio sobre o veículo, mesmo que em conjunto com outrem ou por interposta pessoa.
O segmento seguinte é situado em Castelo Branco, mais de três horas decorridas sobre o abastecimento. Repete-se a singela indicação que os dois arguidos e os indivíduos não identificados intervenientes no acordo «fizeram seu» outro veículo, com a matrícula 95-81-AJ. Novamente, o seu dono, C..., a nada assistiu.
A última conduta é situada já no dia 6/02/2004, em Castelo Branco, com referência ao estabelecimento comercial “EM......”. É também aquela em que a deficiência da descrição das condutas e dos seus autores adquire maior expressão. Com efeito, no ponto 2.1.3., relativamente à conduta de aproximação ao local, utiliza-se a disjuntiva «ou» relativamente ao universo dos intervenientes. Quando antes se remeteu, já por si de forma genérica, para os intervenientes no acordo, mas com sentido inclusivo, agora deixa-se nos factos provados uma alternativa: ou a condução foi assegurada pelos arguidos ou então tal aconteceu como os outros «indivíduos» não identificados. Mas, nesta última possibilidade, onde fica o recorrente? O que fez em concreto?
Ora, essas interrogações não encontram no parágrafo seguinte dos factos provados (2.1.4.) qualquer subsídio para a resposta. Diz-se: «Aí chegados, projectaram contra a respectiva montra de vidro dois paralelepípedos de calçada» mas, incontornavelmente, a disjuntiva formulada comunica-se também a este plano de acção, tanto mais que volta a encontra-se no parágrafo seguinte (2.1.5.). Quando se refere «algum dos arguidos ou dos indivíduos não identificados», ficamos sem poder reconstituir o sucedido e identificar a conduta desenvolvida pelos arguidos T... e H.... Acresce que a primeira alternativa – de ter sido «algum dos arguidos» a conduzir o veículo, seja na direcção do estabelecimento, seja no percurso até Setúbal - esbarra com a circunstância de se ter dado como não provado o que consta do ponto 2.2.2. da decisão, ou seja, «Que os arguidos T... ou H... tivessem conduzido os veículos referidos em 2.1.2.I), 2.1.V) ou 2.1.2.XI)». Esses dois juízos não são conciliáveis.
Dito isto, verifica-se que o Tribunal a quo aponta como meios de prova ponderados para dar tais factos como provados os depoimentos de D..., E... e de F... bem como o exame lofoscópico de fls. 465 e segs., a apreensão de caçadeira em poder do arguido H... e as roupas apreendidas aos arguidos T... e H.... Porém, tais elementos probatórios, quer ponderados individualmente, quer tomados como conjunto significante, de acordo com a experiência comum, não atingem a segurança exigível para a condenação criminal.
O resultado do exame lofoscópico permite dizer que o arguido T... teve contacto com o veículo 95-81-AJ e que esteve no seu interior, na medida em que a sua impressão digital for recolhida no espelho retrovisor. Constitui seguramente elemento probatório mas o seu significado, sem a corroboração com outras provas é reduzido e não permite concluir, por si só, que desenvolveu todas as condutas supra referidas, aliás, em sintonia com as razões evocadas pelo tribunal colectivo para remeter para os factos não provados a imputação de que conduziu qualquer dos veículos[viii]. Afinal, não é impossível que tenha entrado no veículo após terem decorrido as condutas verificadas em Montemor-o-Novo e Castelo Branco, na medida em que reside em Setúbal, local onde o veículo foi encontrado.
E... referiu a observação de um carro parado «com pessoas a sair da loja e a entrarem para o carro», a «transportar uma braçada de roupa». Mas, quanto à identidade dessas pessoas ou sequer aos seus traços distintivos, apenas soube referir que eram de raça negra. Questionado se era capaz de identificar um que fosse, foi peremptório na indicação de que lhe era impossível fazê-lo. Nessas condições, não se compreende o relevo atribuído pelo na decisão recorrida a esse depoimento no que concerne à autoria dos factos.
Por seu turno, D... não presenciou o sucedido. Referiu os bens desaparecidos mas foi incapaz de garantir que a roupa apreendida aos arguidos (fls. 34 e 39) seja a mesma retirada do seu estabelecimento, como resulta, com nitidez, do seguinte segmento:
Adv: ... Mas identificou, da roupa que lhe foi exibida identificou todas as marcas como sendo marcas que o senhor comercializa na sua loja?
D…: Há uma marca que não tinha lá.
Adv.: Ou seja, aquela mercadoria pode ser sua, mas pode não ser?
D...: Pode não ser. Não posso confirmar.
Adv.: O senhor afirmar com certeza absoluta.
D...: Não posso afirmar.
Adv.: Pode afirmar que comercializa aqueles artigos...
D...: Exactamente.
Adv.: Que podem pertencer a uma loja de Castelo Branco, ou a uma loja de Faro. Portanto, essa história de cortar as etiquetas para não ser identificado... é uma dedução sua?
D…: É.
Uma vez formulada pela testemunha a dúvida, que não se configura como meramente metódica, antes razoável, dada a presença nos bens apreendidos de uma marca que não comercializa e, por outro lado, a relativa vulgaridade das peças em questão. Essa dúvida não pode deixar de marcar também o tribunal e, porque nenhuma outra prova permite removê-la, determina, por efeito do princípio in dubio pro reo, que seja resolvida no sentido mais favorável aos arguidos, a saber, no afastamento da identidade entre os bens retirados do “EM......” e aqueles apreendidos em poder do recorrente.
Neste ponto, não pode deixar de se salientar o ponto 2.1.6. dos factos provados, em que se exara exactamente essa falta de «garantia segura» de sintonia entre os bens apreendidos, mormente aqueles apreendidos ao recorrente, e aqueles retirados do estabelecimento. Para além da incorrecção de levar a esse ponto da decisão meios de prova, existe nova inconciabilidade patente entre esse ponto da decisão, que afirma a dúvida, e os pontos dos factos provados em que se deixa a certeza de que os arguidos «retiraram e levaram consigo os artigos constantes da “relação” de fls. 228 a 232»[ix] e «nada até ao momento devolveram ou entregaram a qualquer título que fosse»[x].
No que concerne à caçadeira levada de dentro do 95-81-AJ, cumpre realçar que foi apreendida em poder do arguido H..., não recorrente, sem que veja que tenha sido produzida prova de que também o arguido T... teve contacto com a mesma.
Resta apreciar o depoimento de F..., agente da PSP, o qual recolheu as declarações prestadas em inquérito pelos arguidos e também no acto documentado a fls. 52 a 57. A esse propósito, diz-se na decisão recorrida que pode ser valorado pois «o depoimento de tal testemunha não assentou apenas nas declarações prestadas pelos arguidos T... e H... mas também no recolhido pelo mesmo nas suas investigações, como fosse a recuperação da caçadeira e dos cartuchos que estavam em poder do arguido H..., as roupas que estavam em poder de ambos os arguidos T... e H...». Mas, para plena compreensão dessa indicação e integral percepção do percurso de formação da convicção do tribunal, importa igualmente tomar a motivação da remessa da participação nos factos dos outros dois arguidos: «Quanto aos não provados na falta de prova. Na verdade quanto aos arguidos P... e A...não há qualquer outra prova a não ser o referido pela testemunha F..., e que diz o que os arguidos T... e H... lhe disseram, o que não pode ter sido em conta, por não haver outra prova a sustentar essa versão».
A este propósito, diz o recorrente que o Tribunal valorizou indevidamente esse depoimento pois, entende, a testemunha apenas repetiu declarações colhidas aos arguidos na qualidade de agente da força policial que desenvolveu a investigação e, nessa medida, constitui depoimento indirecto, de ouvir dizer. Não é assim, mesmo que, ouvido todo o depoimento, seja patente que houve efectiva e indevida alusão em audiência a declarações colhidas por essa testemunha. Houve, contudo, mais do que isso.
Nos termos do artº 356º, nº7 do CPP, os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida não podem ser inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo das mesmas. Compreende-se que assim seja, sob pena de se perverter por completo o próprio direito ao silêncio do arguido. Porém, e conforme jurisprudência pacífica, essa proibição de prova não atinge as declarações dos órgãos de polícia criminal sobre factos e circunstâncias de que tenham obtido conhecimento por meios diferentes das declarações do arguido (ou de outro interveniente processual) que não possam ser lidas em audiência, mormente no decurso de prova por reconstituição do facto, enquanto meio autónomo de prova previsto no artº 150º do CPP. Também não se pode aí apontar violação às regras de ponderação do depoimento indirecto, pois, nessas situações, os depoimentos de agentes de autoridade relatam o conteúdo de diligências de investigação, o qual percepcionaram directamente, e não especificamente o que no seu decurso foi dito [[xi]].
É certo que a reconstituição prevista no artº 150º, ou as providências cautelares estabelecidas no artº 249º, ambos do CPP, pela sua própria natureza, podem envolver a participação activa dos arguidos que a tal se disponham livremente, mormente através da verbalização ou gesticulação sobre o que entende dever ser replicado no acto processual, para que corresponda fielmente ao sucedido. Simplesmente, essa condição não descaracteriza o acto, nem o transforma em prova por declarações. Como refere o STJ: «são diligências diferentes, ainda que possam ser complementares, as declarações prestadas e a reconstituição dos factos. Na primeira, é o discurso do declarante, de teor eminentemente verbal, que está em foco e é valorado; na segunda é o modus faciendi que está em causa e nele a pessoa que procede à reconstituição mostra como fez, refazendo no próprio local todos os passos da sua acção e se a reconstituição é reduzida a auto, esse auto não é um auto de declarações, não obedece à lógica dele nem a ele se reconduz. A reconstituição é uma revivescência do facto e da sua realização e se, de uma forma geral, não prescinde de palavras, estas não constituem o ponto crucial da reconstituição, visto que a linguagem gestual e corporal assume aqui uma primacial relevância» [[xii]].
Face ao exposto, não tem razão o recorrente quando se insurge relativamente à valoração da diligência realizada em 26/02/2004, ou melhor, da recordação deixada em audiência por F... relativamente ao seu desenvolvimento. É que, como refere o Ministério Público, o acto efectivamente desenvolvido merece enquadramento na prova por reconstituição. Como decorre da acta de fls. 52 e 53, o seu propósito e conteúdo é integrado pela reconstituição do trajecto entre os diversos locais e determinar os locais de paragem, o que foi feito de acordo com as indicações fornecidas pelo arguido H... e assim exarado no auto bem como colhidas fotografias. Nessa parte, bem como na descrição dos termos em que decorreu a apreensão das roupas, caçadeira e cartuchos, em que interveio, o seu depoimento constitui meio de prova admissível, nada obstando à sua ponderação.
Dito isto, vejamos se o Tribunal Colectivo, no exercício da sua livre convicção, encontrou nesse depoimento – entenda-se, na parte do depoimento que não contém referência às declarações dos arguidos - suporte razoável para dar como provados os factos, em especial a participação do recorrente T.... Perante a transcrição do depoimento, a resposta só pode ser negativa.
Verifica-se que testemunha foi questionada sobre o arguido T...[xiii], tendo referido que uma das viaturas foi abandonada nas imediações do local onde vivia e que as roupas apreendidas tinham sido entregues por esse arguido. Porém, ficou por apurar exactamente em que circunstâncias tal sucedeu, designadamente quanto à liberdade do acto, como resulta do seguinte excerto:
Magistrado do MºPº: Entretanto fizeram aqui um auto ... um auto de apreensão... onde menciona... onde menciona aqui um fato de treino da marca Nike, ... uma camisola de malha da marca ... uma camisola de malha Nike, uma camisola de malha Puma, estes objectos foram entregues então voluntariamente pelo “Tato”?
F…: Praticamente, sim, sim.
Por outro lado, a mesma testemunha aludiu a telefonema dirigido à PSP de Setúbal com a informação de que estavam a ser descarregadas roupas para a casa do pai do arguido. Esse aspecto vem evidenciado na decisão recorrida, mas com referência à casa do arguido H.... Todavia, nessa parte, encontramo-nos perante depoimento indirecto, até duplamente indirecto pois F... não recebeu o telefonema, e que não pode ser valorado, face à regra dos nºs 1 e 3 do artº 129º do CPP. O anonimato da pessoa que teria procedido dessa forma impede o seu chamamento a depor e, inerentemente, impede a valoração dessa parte do depoimento.
Relativamente à reconstituição, recordada em termos muito vagos pela testemunha, sucessivamente confrontada com questões que convidavam à simples confirmação[xiv], não se encontra que tenha permitido, por si só, especificar a conduta do recorrente. Com muita frequência, sempre que a questão carecesse de resposta mais detalhada, a testemunha remeteu para as declarações dos arguidos, mormente para as declarações prestadas em inquérito pelo arguido H..., acto processual imediatamente anterior à reconstituição, o que constitui igualmente prova proibida, nos termos dos artº 356º, nº7 do CPP.
O que sobra relativamente à actuação do arguido T..., para além das constantes referências às declarações dos arguidos, não assume relevo superior ao que aconteceu com os arguidos P... e A.... Os mesmos que viram a sua participação remetida para os factos não provados, em obediência ao princípio in dubio pro reo.
Reconhecidamente, o princípio in dubio pro reo constitui manifestação da presunção de inocência e representa a outra face do princípio da livre apreciação da prova (artº 127º do CPP). Constitui um limite normativo de tal princípio, determinando que ante uma dúvida positiva e racional que impeça um juízo de certeza condenatória, que não exclua a possibilidade de as coisas se passarem num dado sentido mas não afaste a consistente hipótese do contrário, deve esse non liquet ser ultrapassado em favor do arguido[xv]. Embora constitua princípio probatório, o princípio in dubio pro reo postula a finalização da apreciação das provas e, por isso, em bom rigor não constitui regra de valoração probatória[xvi].
Aqui chegados, reapreciadas as provas indicadas pelo recorrente e confrontadas todas as indicadas na decisão recorrida para motivar a convicção alcançada, impõe-se concluir que a reconstituição efectuada não oferece valor probatório autónomo relativamente ao recorrente e que persistem dúvidas razoáveis sobre a correspondência entre os bens retirados do estabelecimento e aqueles apreendidos em poder do arguido T..., sem via de ultrapassagem. Nessa medida, tem aqui inteira aplicação o princípio in dubio pro reo, apontando para a remessa de toda a participação do recorrente para os factos não provados.
Face ao exposto, ao abrigo do disposto no artº 431º, al. b), do CPP, decide-se modificar a matéria de facto, expurgando as alusões à participação do arguido T..., que passam a constar dos factos não provadas, para além da correcção das referências a «arguidos», dada a restrição das condutas ao co-arguido H..., não recorrente e em relação ao qual foi distinto – mais amplo - o acervo probatório produzido. Assim:
O ponto 2.1.1. dos factos provados passa a ter a seguinte redacção:
Em princípios de Fevereiro de 2004, o H... e outros indivíduos não identificados, acordaram entre si fazer seus veículos de terceiros e deslocar-se pelo país com os mesmos para fazerem seus bens igualmente de terceiros e de tal passíveis, sempre sem conhecimento e autorização destes seus donos.
O ponto 2.1.2. (corpo) dos factos provados passa a ter a seguinte redacção:
Em execução de tal plano, sempre de comum acordo e conjugação de esforços, o arguido e os indivíduos não identificados referidos em 2.1.1. procederam da seguinte forma:
O ponto 2.1.2. XI) dos factos provados passa a ter a seguinte redacção:
Pelas 23 horas desse mesmo dia 5 de Fevereiro de 2004, o arguido e os indivíduos não identificados em 2.1.1., fizeram seu o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula 95-81-AJ, pertença de C... (melhor identificado a fls. 296).
O ponto 2.1.3. dos factos provados passa a ter a seguinte redacção:
Algum dos indivíduos referidos em 2.1.1. por percursos não especificamente apurados conduziu o veículo referido em 2.1.2.XI pelas 4 horas do dia 6 de Fevereiro de 2004 até às proximidades do estabelecimento comercial de D… identificado a fls. 234), denominado "EM......" e sito ao n° 14 da Praça Rainha Dona Leonor desta cidade e comarca.
O ponto 2.1.5. dos factos provados passa a ter a seguinte redacção:
Algum dos indivíduos referidos em 2.1.1. após o referido em 2.1.4. conduziu o veículo e aqueles artigos até à cidade de Setúbal, aí vieram ainda a ser apreendidos alguns artigos de vestuário.
O ponto 2.1.9. dos factos provados passa a ter a seguinte redacção:
H... agiu livre, consciente e concertadamente com indivíduos não identificados, bem sabendo que os artigos e produtos que fazia seus, como efectivamente fez, lhe não pertenciam e que actuavam contra a vontade, sem autorização e em prejuízo do seu legítimo dono e em seu único e exclusivo proveito.
O ponto 2.2.1. dos factos não provados passa a ter a seguinte redacção:
Que os arguidos T..., P... e A... fizessem o referido em 2.1.1., 2.1.2., 2.1.3., 2.1.4. e 2.1.5.
Da verificação dos crimes e demais questões do recurso
A procedência do recurso na dimensão de impugnação da decisão em matéria de facto significa que ficou afastada a sua participação, por qualquer forma, nas condutas subsumidas aos crimes de furto, simples e qualificado, decaindo então um dos elementos dos crimes: a sua autoria pelo arguido T..., nos termos do artº 26º do CP. Consequentemente, impõe-se a sua absolvição relativamente a todos os crimes, o que, de acordo com o disposto no artº 660º, nº2 do CPC, prejudica o conhecimento das questões incidentes sobre os vícios compreendidos no nº2 do artº 410º do CPP e a medida das penas fixadas na decisão recorrida quanto ao recorrente.
Referência final para o co-arguido H..., não abrangido pelo recurso não só porque não o interpôs mas também porque, apesar de condenado em co-autoria com o arguido T..., o recurso deste vem fundado em motivos estritamente pessoais. A razão do recurso não passa por questionar a verificação dos factos, mas sim a sua participação neles. Nessa medida, a condenação transitou relativamente àquele arguido, não havendo lugar à apreciação de sucessão de regimes penais fora do instituto da reabertura de audiência contemplado no artº 371ºA do CPP, introduzido pela Lei nº 48/2007, de 29/8.
Dispositivo

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em:

Conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido …;

Modificar a decisão em matéria de facto, nos seguintes termos:
O ponto 2.1.1. dos factos provados passa a ter a seguinte redacção:
Em princípios de Fevereiro de 2004, o H... e outros indivíduos não identificados, acordaram entre si fazer seus veículos de terceiros e deslocar-se pelo país com os mesmos para fazerem seus bens igualmente de terceiros e de tal passíveis, sempre sem conhecimento e autorização destes seus donos.
O ponto 2.1.2. (corpo) dos factos provados passa a ter a seguinte redacção:
Em execução de tal plano, sempre de comum acordo e conjugação de esforços, o arguido e os indivíduos não identificados referidos em 2.1.1. procederam da seguinte forma:
O ponto 2.1.2. XI) dos factos provados passa a ter a seguinte redacção:
Pelas 23 horas desse mesmo dia 5 de Fevereiro de 2004, o arguido e os indivíduos não identificados em 2.1.1., fizeram seu o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula 95-81-AJ, pertença de C... (melhor identificado a fls. 296).
O ponto 2.1.3. dos factos provados passa a ter a seguinte redacção:
Algum dos indivíduos referidos em 2.1.1. por percursos não especificamente apurados conduziu o veículo referido em 2.1.2.XI pelas 4 horas do dia 6 de Fevereiro de 2004 até às proximidades do estabelecimento comercial de D... identificado a fls. 234), denominado "EM......" e sito ao n° 14 da Praça Rainha Dona Leonor desta cidade e comarca.
O ponto 2.1.5. dos factos provados passa a ter a seguinte redacção:
Algum dos indivíduos referidos em 2.1.1. após o referido em 2.1.4. conduziu o veículo e aqueles artigos até à cidade de Setúbal, aí vieram ainda a ser apreendidos alguns artigos de vestuário.
O ponto 2.1.9. dos factos provados passa a ter a seguinte redacção:
H... agiu livre, consciente e concertadamente com indivíduos não identificados, bem sabendo que os artigos e produtos que fazia seus, como efectivamente fez, lhe não pertenciam e que actuavam contra a vontade, sem autorização e em prejuízo do seu legítimo dono e em seu único e exclusivo proveito.
O ponto 2.2.1. dos factos não provados passa a ter a seguinte redacção:
Que os arguidos T..., P... e A... fizessem o referido em 2.1.1., 2.1.2., 2.1.3., 2.1.4. e 2.1.5.

Absolver o arguido … de todos os crimes por que foi acusado;


[i] Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, II, 2ª ed., Ed. Verbo, pág. 335 e Ac. do STJ de 99/03/24, in CJ (STJ), ano VII, tº 1, pág. 247.
[ii] Cfr., entre outros, os artºs 119.º, n.º 1, 123.º, n.º 2, 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do CPP e acórdão de fixação de jurisprudência do STJ de 19/10/95, publicado sob o n.º 7/95 em DR, I-A, de 28/12/95.
[iii] No sentido de que a apreciação da impugnação alargada deve preceder o conhecimento dos vícios evidenciados na decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, pois estes pressupõem a estabilidade do enunciado de factos, cfr. Ac. do STJ de 05-07-2007, Pº 07P2279 , de 05/07/200/, relator Cons. Simas Santos, www.dgsi.pt.
[iv] Transcrição.
[v] Corrige-se evidente lapso de escrita.
[vi] Acs. do S.T.J. de 17/05/2007, Pº 071397, Cons. Santos Carvalho, de 23/05/2007, Pº 07P1498, relator Henriques Gaspar, de 14/03/2007, Pº 07P21, relator Cons. Santos Cabral e de 15/03/2007, Pº 07P610, relator Cons. Pereira Madeira.
[vii] Direito Processual Penal, Coimbra Ed. 1981, págs. 202 e 203.
[viii] Anota-se que a experiência comum demonstra que um dos primeiros gestos que qualquer condutor efectua antes de pôr em marcha veículo que não conduzira anterior passa exactamente pela reorientação dos espelhos retrovisores.
[ix] Ponto 2.1.4.
[x] Ponto 2.1.7.
[xi] Dentre a jurisprudência mais recente, cfr. os Acs. do STJ de 05/01/2005, Pº 04P3276, relator Cons. Henriques Gaspar, 20/04/2006, Pº 06P363, relator Cons. Rodrigues da Costa, 14/06/2006, Pº 06P1574 , relator Cons. Silva Flor e 15/02/2007, Pº 06P4593, Cons. Maia Costa; da Relação do Porto de 27/02/2008, Pº 0717017, relator Des. João Ataíde, 07/03/2007, Pº 0642960, relatora Des. Isabel Pais Martins; e da Relação de Évora de 30/09/2008, Pº 1357/08.1, relatora Des. Guilhermina Freitas, www.dgsi.pt.
[xii] Ac. do STJ de 25/03/2004, Proc. 248/04, 5ª secção.
[xiii] A testemunha referiu que o conhecia pela alcunha de “Tato”.
[xiv] Encontra-se na al. f) do artº 323º do CPP o poder-dever do Tribunal de impedir a formulação de perguntas legalmente inadmissíveis, o que emerge ainda do princípio da investigação, na medida em que estas poluem a prova e tornam mais difícil atingir a verdade.
[xv] Ac. do STJ de 11/7/2007, Pº 07P1416, relator Pereira Madeira, www.dgsi.pt.
[xvi] Claus Roxin, Derecho Procesal Penal, Ed. Del Puerto, Bueno Aires, 2000, p. 111