Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4302/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. BARRETO DO CARMO
Descritores: CONVERSAS INFORMAIS E ESCLARECIMENTOS
Data do Acordão: 02/18/2004
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: LOUSÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIME
Decisão: PROVIDO
Legislação Nacional: ART. 29º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, 262º, 275º, 343º/1, 356º/1/B)/3/4/7 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário:

1 - As conversas informais e "esclarecimentos" não podem ser valoradas em sede probatória, sejam quais forem as formas que assumam desde que não tenham assumido os procedimentos de recolha de prova admitidos por lei e por ela sancionados, designadamente os do artigo 275º do CPPenal.
Decisão Texto Integral:

10

Acordam os Juízes da Secção Criminal da Relação de Coimbra:

______ O RECURSO:


O presente recurso vem interposto pelo arguido

A

e refere-se à decisão do Meritíssimo Juiz do Tribunal Judicial de Lousã, que o condenou pela prática de um crime de incêndio, art. 272º/1/a)/f) do Código Penal na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.

Na motivação, diz nas conclusões:

(Transcrição via scanner)
a) o presente recurso, embora versando matéria de direito, tem, também, por fundamento a reapreciação da matéria de facto. Assim,
b) o Tribunal Colectivo sustentou a condenação do ora recorrente pela prática do crime p. p. no art. 0 272, n.0 1, als a) e f) do CP nos depoimentos das testemunha B, C, D, E, F, G e das testemunhas indicadas pela defesa e do; documentos de fls.. 42, 44 a 52, 55, 71, 120 a 123 dos autos, como resulta do Acórdão recorrido, na parte relativa à fundamentação da convicção do Tribunal.
c) No caso concreto, o arguido não prestou declarações, nos termos do disposto no art. 343º do CPP, como resulta de fls.. 247 dos autos, pelo que, as declarações anteriormente prestadas por si não poderiam ser lidas.
d) Ora, da leitura conjugada dos art.0s 355º e 356º do CPP resulta que o Tribunal quo não pode valorar as provas contidas em actos processuais cuja leitura não seja permitida e, em especial, os órgãos de polícia criminal que tenham recebido declarações cuja leitura não é permitida não podem ser inquiridas, como testemunhas, sobre estes factos (cfr. Acórdão do STJ de 13.05.1992, 20.05.1992. 24.02.1993).
e) No caso concreto, é manifesto, dos depoimentos prestados por B (cf. cassete 1, lado A, desde O a 560), C (cf. cassete 1, lado A, desde 570 a 920), D (cf. cassete 1, lado A, desde 925 a 1650) e E (cf. cassete 1, lado A, desde 925 a 1650), que estas testemunhas, no essencial, tinham conhecimento dos factos através de declarações do próprio arguido, prestadas em sede de inquérito.
f) Pelo que, tais depoimentos não podem ser valorados pelo Tribunal a quo para formar a sua convicção.
g) Acresce que, das actas de julgamento de fls.. 239 e ss. e 247 e ss. não constam quaisquer dos elementos previstos no nº 8 do art. 356º do CPP, ou seja, não ficaram a consta qualquer permissão da leitura de autos, nem a sua justificação.
h) Assim, não pode este Venerando Tribunal deixar de decretar a nulidade da valoração de tais meios de prova, determinante do reenvio do Processo para novo Julgamento, com as legais consequências. Por outro lado e sem prescindir:
i) o legislador português consagrou, para além do mais, o princípio da legalidade da prova, nos termos do art0 125º do CP.
j) Ora, de acordo com os presentes autos, as testemunhas B (cf. cassete 1, lado A, desde O a 560), C (cf. cassete 1, lado A, desde 570 a 920), D (cfr. cassete 1, lado A, desde 925 a 1650) e E (cfr. cassete 1, lado A, desde 925 a 1650) não têm conhecimento directo dos factos que são imputados ao ora recorrente, tendo-lhes sido narrados pela GNR, pela população — que lhes indicou o local de início do fogo, bem como quem seria o seu presumível causador - e pelo próprio arguido, em sede de inquérito.
k) Pelo que, tais testemunhos não podem servir como meio de prova, no caso concreto.
1) Assim, não pode este Venerando Tribunal deixar de declarar ter havido violação do princípio da legalidade da prova e, em consequência, decretar a sua nulidade, determinante do reenvio do Processo para novo Julgamento, com as legais consequências. Por outro Lado e sem prescindir:
m) de acordo com o que já deixámos escrito e com a prova produzida em audiência de Julgamento, parece-nos manifesto que o Tribunal a quo cometeu erro notório na apreciação da prova, tendo incorrectamente julgado os pontos n.s0 1, 2, 3, 4, 6, 9 e 10 da matéria de facto dada como provada.
n) Em especial, dos depoimentos das testemunhas arroladas pela acusação resulta, de forma clara, que nenhuma delas assistiu aos factos imputados ao arguido ou deles conhecesse directamente.
o) Aliás, as testemunhas H (cf. cassete 1, lado B, desde 80 a 1190) e I (cf. cassete 1, lado B, desde 1191 a 1728) referiram que nada viram o arguido a fazer.
p) Por outro lado, os depoimentos destas testemunhas são um repositório de presunções e de juízos conclusivos, resultantes do facto de terem visto o ora recorrente a correr do local onde, presumivelmente, se terá iniciado o incêndio, que não podem valer como meio de prova idóneo, urna vez que às testemunhas compete levar factos ao Tribunal, cabendo a este retirar conclusões.
q) Pelo que, ao dar como provado os pontos 1, 2, 3, 4, 6, 9 e 10 da matéria de facto dada como provada cometeu o Tribunal a quo erro notório na apreciação da prova
e, em consequência, deve considerar-se como não provada tal factualidade absolvendo-se o arguido com as legais consequências. Por outro lado e se prescindir:
r) Face à apreciação que se veio de fazer da prova produzida em julgamento, não admissível que o Tribunal Colectivo não tenha, ao menos, ficado com fundadas dúvidas;
s) dúvidas essas que, salvo o devido respeito, não poderão deixar de perpassar pela mente de quem, em sede de recurso, tem a missão de reapreciar a prova e decidir.
t) Pelo que, ao decidir como decidiu, violou o Tribunal Colectivo o princípio “i dubio pro reo”, articulado com o princípio da presunção de inocência, consagrado no art0 320 da CRP, o que não poderá deixar de determinar a revogação d Acórdão recorrido e, em consequência, a absolvição do recorrente. Por outro lado e sem prescindir:
u) a entender-se manter a matéria de facto dada como provada — o que não se aceita só por necessidade de raciocínio se refere — sempre se dirá que a natureza do factos — atendendo que sempre seria um acto esporádico e ocasional -; personalidade do arguido — “É pessoa séria e honrada, com um comportamento social e familiar normal (..) e conceituado no meio em que se insere”, nos termo do Acórdão recorrido; a inexistência de antecedentes criminais; encontrando-se esposa desempregada e com um filho menor, de 3 anos de idade; e o facto de s encontrar em tratamento em Centro de Reabilitação, como resulta de fls .... do autos, parece-nos que, no caso concreto, é mais ajustada e mais consentânea com uma política criminal ressocializadora a aplicação do mínimo legal ( anos) e a suspensão da sua execução, com a eventual imposição de deveres ao arguido, ora recorrente, que este Venerando Tribunal julgar adequados. O que se requer.
v) Ao ter decidido como decidiu, violou o Acórdão recorrido, globalmente, o disposto, designadamente, nos arts 125º, 128º, 129º, 340º, 343º, 355º, 356º, 357º do CPP, no art. 272, nº 1, alíneas a) e f) do CP e no art. 32º da Constituição da República Portuguesa, nos precisos termos e com os fundamentos constantes das anteriores conclusões.

___ A RESPOSTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA COMARCA

O Senhor Procurador adjunto, considera que deve ser mantida a sentença.

____ A DECISÃO RECORRIDA E OS DADOS DO PROCESSO

Da decisão recorrida, retira-se:
(Transcrição de suporte em disquete)

(...)
Factos Provados:
1. No dia 14 de Julho de 2002 (Domingo), pelas 17 h e 20 m, o arguido depois de ter ido levar a sua esposa e o filho a casa da sua sogra, à povoação de Porto da Pedra, Lousã, na viatura automóvel de matrícula XX, propriedade do seu pai, regressou à zona de Serpins.
2. Depois de passar as povoações de Covão e de Sobreira e um fontanário estacionou o veículo automóvel do lado direito da estrada, no lugar conhecido por Covão, Vilarinho, área desta comarca.
3. Saiu do carro e caminhou por uma estrada de terra batida, cerca de 100 metros, munido de um isqueiro e junto de um castanheiro, onde se encontrava mato, fenos secos e giestas, no talude superior do caminho florestal, cf. auto de reconhecimento de fls. 121, cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais efeitos, ateou o fogo com o isqueiro.
4. De regresso à viatura que conduzia, atirou o isqueiro para a densa vegetação de uma ribeira ali existente, com a intenção de se desfazer dele, retomou o caminho de casa, deixando o carro na garagem de seu pai.
5. O incêndio alastrou rapidamente pela Serra da Lousã, devido aos fortes ventos (5,6 m/s) que se faziam sentir, alta temperatura de meio ambiente (30.o c.o), baixa humidade relativa do ar (8%) e em particular dos combustíveis finos e secos que se encontravam na floresta, consumindo uma quantidade indeterminada e, essencialmente, composta de pinheiros bravos, castanheiros, acácias, cedros, pseudotessugas e camadaterparis, numa área de cerca de 177 ha, propriedade da Comissão de Compartes da Freguesia de Vilarinho, gerida pela DRABL, sendo as receitas decorrentes da venda da madeira distribuídas pelas duas partes, sendo que o valor da venda efectuada se cifrou em 424.111,90 euros, tendo a referida Comissão recebido 299.967,00 euros e o Estado 124.143,40 euros, ascendendo o valor de tal madeira, antes do incêndio, a cerca de 432.000,00 euros.
6. O arguido depois de estacionar o carro na garagem do pai, pegou na sua “acelera”, foi até ao café da Lomba, onde esteve algum tempo e, posteriormente, dirigiu-se para o local do incêndio.
7. Este incêndio teve a duração de dois dias, mas com os vários reacendimentos durou cerca de uma semana, inserido numa enorme área florestal de muitas centenas de hectares e na área envolvente deste incêndio encontravam-se as povoações de Covão de Cima, Ribeira Maior e Cabanões.
8. As povoações só não foram atingidas e a área ardida não foi mais extensa dada a pronta actuação dos Bombeiros e dos Sapadores Florestais dos Baldios, que conheciam bem o terreno e controlaram o incêndio.
9. O arguido sabia que a floresta não lhe pertencia e ao lançar o fogo naquele local, iria criar perigo, como criou, para a vida, integridade física de terceiros e bens patrimoniais de valor elevado.
10. O arguido agiu sempre livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
11. O arguido tem um filho com 3 anos e a sua esposa não trabalha e residem em casa própria, não obstante se encontrem a pagar empréstimo ao banco, no montante de cerca de 200 euros, por mês.
12. O arguido só esporadicamente trabalha, a dias, na construção civil.
13. O arguido tem problemas de alcoolismo crónico associado a descompensação epileptiforme, no entanto, tem recusado qualquer tratamento relacionado com o problema alcoólico de que padece, mesmo depois de ter sido proferido o despacho de fls. 55 dos autos, que aqui se dá por reproduzido, que lho impôs.
14. Conforme o seu certificado de registo criminal junto nos autos o mesmo é primário.
15. É pessoa séria e honrada, com um comportamento social e familiar normal, embora não trabalhe regularmente e conceituado no meio em que se insere.
Factos não provados:
1) Não se demonstrou que o arguido fosse portador do tubo em cartão descrito na acusação nem, consequentemente, que o tenha utilizado para atear o fogo.
2) Nem que algum tempo depois de ter chegado ao local do incêndio um Bombeiro lhe tenha solicitado que fosse buscar cerveja nem, consequentemente, que a tenha ido buscar e devolver as garrafas vazias, nem que tenha regressado ao local do incêndio depois de jantar.
3) Quanto aos prejuízos meramente económicos não se demonstrou que os mesmos ascendessem a 432.019,24 euros, sendo esse o valor da madeira queimada, que foi vendida pelo preço referido em 5, dos factos provados e distribuído como aí, também, descrito.
O Tribunal fundamentou a sua convicção, para dar como demonstrados os factos acima descritos, nas declarações das testemunhas B e C, Inspectores da PJ, Directoria de Coimbra, os quais efectuaram o reconhecimento e reconstituição, descrito no auto de fls. 71, que confirmaram, quantificaram a área ardida e descreveram-na, bem como confirmaram a existência de perigo relativamente a várias casas ali existentes.
D e E, ambos Polícias Florestais, que efectuaram as diligências de recolha de elementos e acerca da área ardida e descreveram as respectivas características, relativamente ao incêndio em causa, tendo feito o reconhecimento com a PJ, informando que existiu uma quase completa coincidência entre o local que o arguido indicou como sendo o do início do incêndio e aquele que tinham apontado como sendo, também, o de tal início.
Mais referiram a existência de perigo para algumas casas ali existentes e a existência de condições óptimas para a propagação do fogo, atentas as características do local.
J, Eng.o Silvicultor, que referiu os valores em causa relativamente á madeira ardida e descreveu a área queimada.
K, Presidente do Conselho Directivo da Comissão de Baldios de Vilarinho, o qual quantificou a área ardida, valores da madeira, valores da venda e sua repartição entre o Estado e a Comissão de Compartes e descreveu a área ardida e respectivas características.
H e mulher L, que viajavam juntos de automóvel e no dia e minutos antes, de deflagrar o incêndio descrito nos autos, viram o arguido a vir do local onde começou este incêndio, a correr, em direcção ao veículo que se encontrava estacionado junto à berma da estrada por onde circulavam, tal como descrito na acusação, veículo que conheciam e sabiam ser do arguido e logo que decorridos cerca de três minutos, quando chegaram a casa, viram fumo a elevar-se do local de onde tinham visto vir o arguido, o que confirmaram logo depois, uma vez que chegados a casa, se deslocaram, de novo, para o local onde tinham visto o arguido, tendo constatado que ali já lavrava o incêndio descrito nos autos, tendo seguido á procura do mesmo e viram que o veículo deste já se encontrava guardado na garagem do pai.
Mais referiram que conhecem bem o local onde teve início o incêndio, bem como as proximidades, por ali já residirem há cerca de 14 anos.
Bem como no auto de reconhecimento e de reconstituição de fls. 71 e fotografias de fls. 120 a123, que ao mesmo respeitam e despacho de fls. 55, que ordenou a libertação do arguido, mediante o cumprimento das obrigações nele prescritas e informação de fls. 193, do Centro de Alcoologia de Coimbra, dando conta do incumprimento de tais medias, no que respeita ao tratamento para o alcoolismo de que padece o arguido, por parte deste, isto quanto à matéria da acusação.
No que respeita às tendências alcoólicas do arguido, na informação ora referida e na constante do documento junto em audiência, bem como no constante a fls. 42, relevante, ainda, para o quadro clínico apresentado pelo arguido.
Quanto às suas condições económico-sociais, nas próprias declarações do arguido, bem como das testemunhas de defesa que por ele foram indicadas, que são pessoas do círculo de amigos do arguido e já há muito tempo que o conhecem e com ele privam e docs. de fls. 44 a 52, relativos ao empréstimo contraído junto da CGD.
Quanto aos antecedentes no certificado de registo criminal.
Conjugados todos estes elementos de prova resulta a demonstração de que o arguido foi o autor do crime de incêndio descrito nos autos, uma vez que o mesmo foi visto, a vir a correr, proveniente do local onde o mesmo deflagrou, minutos antes de o mesmo ser visível, em direcção ao local onde tinha estacionada a sua viatura, nos moldes acima descritos.
Não fora o facto de o arguido ser o autor de tais factos qual a necessidade de vir a correr?
A única explicação lógica será a de que o mesmo se queria afastar dali o mais depressa possível, antes que o fumo fosse visível, o que demoraria, como demorou, breves minutos, atentas as condições atmosféricas propícias para a deflagração do incêndio e as características do local e, assim, evitar ali, ou nas proximidades, ser visto.
O que tudo mais se reforça do teor do auto de reconstituição e de reconhecimento de fls. 71, aliado ao facto de o local que o arguido indicou como sendo o do início do incêndio coincidir, de forma quase absoluta, com o local assim identificado pelos Polícias Florestais que efectuaram as investigações preliminares, como acima descrito.
Relativamente à extensão da área ardida e consequências resultantes do incêndio, a prova é directa.
Por tudo isto, o nosso convencimento de que os factos ocorreram da forma descrita.
Relativamente aos factos tidos por não provados, não foi feita qualquer prova que nos convencesse da sua veracidade, designadamente quanto ao tubo ninguém presenciou o acto de atear o fogo em causa e não há outros elementos que permitam concluir que o arguido o tenha usado e quanto ao demais ninguém o referiu, sendo que, como consta da acta, o arguido não prestou declarações acerca dos factos em causa e quanto á área ardida foi indicado o valor de 177 ha, pelo que foi esta a considerada.

___ PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO NESTE TRIBUNAL

Expõe o Senhor Procurador Geral Adjunto:

(Transcrição via scanner)
1. As testemunhas B e C, como agentes da Polícia Judiciária e também D e E, estes agentes da Polida Florestal produziram prova em julgamento a que o arguido-recorrente recusa atendibilidade face ao disposto no artigo 356º do C.P.Penal.
Na motivação deixa ainda referência à situação de depoimentos indirectos não valorizáveis terminando com a menção de que tanto constitui um erro notório na apreciação da prova.
2. Como flui dos autos por expressa referência, aquelas testemunhas a partir do auto de notícia elaborado pela GNR, actuaram no cumprimento do dever de ofício logrando intervir na investigação para efectuar o reconhecimento do local e a reconstituição do crime diligenciando obter elementos para definir a área ardida, suas características e ponto de deflagração do incêndio.
Fica, pois, patente que as ditas testemunhas não agiram como órgãos de polícia criminal na exclusiva e típica recolha ou obtenção de prova declaratória ou testemunhal a incluir no inquérito, antes, sim, por inerente obrigação funcional no âmbito da estrita actividade a que se aludiu.
3. Ora, em tal contexto, pese embora o respeitável silêncio do arguido, não afasta, ele, a possibilidade de os depoimentos, ora, em causa colherem receptividade e valoração à luz do artigo 127º do C.P.Penal.
E que os agentes referidos não ficam impedidos de depor sobre factos que tomaram conhecimento por meios diferentes das declarações do arguido inseridas no decurso do processo acrescendo que a reconstituição do crime e suas diligências envolventes ou conexas é situação não abrangida pelo disposto no artigo 356º do C.P.Penal.
Por sua vez, não sendo caso de invocar a leitura das declarações do arguido, acontece que qualquer alusão à sua pessoa como autor de afirmação que a testemunha lhe imputa não configura pretexto de depoimento indirecto.
O regime estabelecido no artigo 129º do C.P.Penal visa proteger o arguido contra versões não susceptíveis de sujeição imediata ao princípio do contraditório.
“In casu” se a testemunha identificou o arguido e este está presente em julgamento, tem ele oportunidade de se defender o que afasta os pressupostos daquela espécie de depoimento.
Na sequência, não se verifica qualquer violação das regras do direito probatório (conf. Acórdão do STJ in Colect. Ano 2000, III Tomo, pág. 216 e 217).
Mesmo no que concerne aos demais depoimentos, em que se alude à presença e movimentação do arguido em local próximo do início do incêndio, a respectiva valoração probatória haverá de resultar da perspectiva resultante do critério do artigo 127º do C.P.Penal de legítima observância.
De resto, ainda que acontecesse a violação probatória na dimensão proposta pelo recorrente, a respectiva consequência não seria identificável com a que decorre do vício previsto na c) do artigo 410º do C.P.Penal, já que, por intrínseca à decisão, essa anomalia, tem de estar concretizada no respectivo texto, não comportando apelo a elementos externos como se pretende na motivação.
4. Medida da Pena
A pena a fixar, partindo dos limites da moldura penal abstracta atende ao grau de culpa e às exigências de prevenção, sem perder de vista os princípios na necessidade e da proporcionalidade.
Neste âmbito o que vem comprovado sugere um condicionalismo agravativo com clara sobreposição ao atenuativo agregando-se ao ilícito um grau premente de prevenção, face à gravidade objectiva dos factos, danos produzidos e necessidade de contenção executiva de semelhantes condutas.
Como assim, afigura-se-nos adequada a medida concreta encontrada desaconselhando-se a suspensão da pena, por em causa estar a instante e necessária defesa do ordenamento jurídico pela via duma efectiva reprovação do procedimento criminoso adoptado.

***
Correram os vistos.
***
____________ DECIDINDO

As conclusões fixam o objecto do recurso – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7/10/92, no Proc. nº. 40528 e, face ás conclusões acima transcritas,

discute-se neste recurso:
· a nulidade da valoração dos depoimentos dos agentes policiais – cls. a) a h)
· violação do princípio da legalidade da prova, art. 125º do C.P.P – cls. i) a l)
· erro notório na apreciação da prova – cls. m) a q)
· a dúvida intransponível – cls. r) a t)
· a medida da pena – cls. u)

Cumpre apreciar e decidir:

VALORAÇÃO DA PROVA TESTEMUNHAL

Entende o recorrente que tendo optado pelo silêncio em audiência não podia ser valorado o depoimento dos agentes policiais, que não podia ser lido, nem podiam ser ouvidos como testemunhas, nem se podia valorar declarações não prestadas em auto, nem podiam testemunhas depor sobre factos que tiveram conhecimento por terem ouvido ao próprio arguido.

A fundamentação da matéria de facto encontra-se transcrita a aqui supra.
Os factos integradores do crime porque o arguido vem condenado, vêm referidos acima, destacando-se:

1. No dia 14 de Julho de 2002 (Domingo), pelas 17 h e 20 m, o arguido depois de ter ido levar a sua esposa e o filho a casa da sua sogra, à povoação de Porto da Pedra, Lousã, na viatura automóvel de matrícula XX, propriedade do seu pai, regressou à zona de Serpins.
2. Depois de passar as povoações de Covão e de Sobreira e um fontanário estacionou o veículo automóvel do lado direito da estrada, no lugar conhecido por Covão, Vilarinho, área desta comarca.
3. Saiu do carro e caminhou por uma estrada de terra batida, cerca de 100 metros, munido de um isqueiro e junto de um castanheiro, onde se encontrava mato, fenos secos e giestas, no talude superior do caminho florestal, cf. auto de reconhecimento de fls. 121, cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais efeitos, ateou o fogo com o isqueiro.
4. De regresso à viatura que conduzia, atirou o isqueiro para a densa vegetação de uma ribeira ali existente, com a intenção de se desfazer dele, retomou o caminho de casa, deixando o carro na garagem de seu pai.
6. O arguido depois de estacionar o carro na garagem do pai, pegou na sua “acelera”, foi até ao café da Lomba, onde esteve algum tempo e, posteriormente, dirigiu-se para o local do incêndio.
9. O arguido sabia que a floresta não lhe pertencia e ao lançar o fogo naquele local, iria criar perigo, como criou, para a vida, integridade física de terceiros e bens patrimoniais de valor elevado.
10. O arguido agiu sempre livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Ora, como se pode verificar não há uma única referência, na motivação, de onde foi o Tribunal colher dados objectivos que permitam descrever esta actuação, que permite preencher os elementos típicos do crime.
Aliás, a única referência à actuação do arguido, na fundamentação, é a seguinte: H e mulher L, que viajavam juntos de automóvel e no dia e minutos antes, de deflagrar o incêndio descrito nos autos, viram o arguido a vir do local onde começou este incêndio, a correr, em direcção ao veículo que se encontrava estacionado junto à berma da estrada por onde circulavam, tal como descrito na acusação, veículo que conheciam e sabiam ser do arguido e logo que decorridos cerca de três minutos, quando chegaram a casa, viram fumo a elevar-se do local de onde tinham visto vir o arguido, o que confirmaram logo depois, uma vez que chegados a casa, se deslocaram, de novo, para o local onde tinham visto o arguido, tendo constatado que ali já lavrava o incêndio descrito nos autos, tendo seguido á procura do mesmo e viram que o veículo deste já se encontrava guardado na garagem do pai.
Confrontado com o depoimento transcrito, verifica-se que o H (fls. 53, 57 da transcrição) declara que nada viu, a não ser o A a correr para o carro dele, A, no lado do condutor do carro onde vinha, com a sua mulher a conduzir, a cerca de 30 metros, que o A vinha de um sítio aberto, não escondeu o carro, inquirido de como sabia que o fumo vinha do lugar onde viu o A, respondeu "eu imaginei ..." (fls. 60 das transcrições).
Por outro lado, a testemunha I, mulher do H, declara que viu o A a correr em direcção ao carro, (fls. 69 das transcrições) e, quando chegou a casa e ia a sair do seu carro, viu a fumarada e disse para o marido "olha foi aquele ... foi aquele".; noutro momento do seu depoimento (fls. 74) esclarece: " ... eu olhar e vir ele a correr ... eu não sei, nunca ia pensar que ele tinha ido fazer alguma coisa ... e não sei se fez ... eu também não sei se foi ele..." (fls. 74 e 75 das transcrições).
A única referência a actos do arguido, consta do "Auto de Reconhecimento e Reconstituição" a fls. 71 do processo durante o inquérito, a que a fundamentação da sentença se refere, como se transcreve acima, , diligência que foi presidida pelo Inspector Santos Pereira, estando presentes o Inspector C e os Guardas Florestais D e E, onde se diz que o aqui recorrente esclareceu ... ter parado a viatura que conduzia, quando seguia para a sua residência, no dia e hora em que eclodiu este fogo ... percorreu depois cerca de 100 metros a pé num caminho de terra batida e ateou este incêndio numas ervas secas e fenos, existentes na berma desse caminho, utilizando para o efeito a chama de um isqueiro que trazia consigo ... ".
O arguido, não prestou depoimento em audiência, (fls, 247), e foram ouvidos como testemunhas de acusação os inspectores e guardas florestais do auto de reconstituição.
Não diz a fundamentação da sentença em que medida do auto de reconstituição se recolheu elementos factuais para a formação da convicção, e e do depoimento dos inspectores e guardas florestais só consta que daí se retirou: que foram eles que efectuaram o reconhecimento e reconstituição descrito no auto de fls. 71, que confirmaram, quantificaram a área ardida e descreveram-na, bem como confirmaram a existência de perigo relativamente a várias casas ali existentes ... que efectuaram as diligências de recolha de elementos e acerca da área ardida e descreveram as respectivas características, relativamente ao incêndio em causa, tendo feito o reconhecimento com a PJ, informando que existiu uma quase completa coincidência entre o local que o arguido indicou como sendo o do início do incêndio e aquele que tinham apontado como sendo, também, o de tal início ...".

O recorrente alega que o Tribunal sustenta a condenação no depoimento dos agentes acima referidos; porém não resulta isso com clareza da fundamentação, pois nunca a sentença se refere aos esclarecimentos que o arguido terá prestado e que constam do auto de reconstituição, ficando por fundamentar a recolha de prova que permitiu ao Tribunal dar como provada a matéria de facto constante dos nºs. 1 a 4, 6, 9, 10, que aqui assinalámos. E esses factos são essenciais para se preencher o tipo.
Não se sabe designadamente, se a referência feita ao auto de reconstituição na fundamentação quer abarcar os ditos esclarecimentos. É que torna-se fundamental saber-se do alcance da fundamentação para se avaliar do valor da prova.
Com efeito, a jurisprudência tem vindo a tornar-se rigorosa quanto á admissão e valoração de prova resultante de depoimentos prestados pelo arguido ao agentes policiais e/ou com prova recolhida pelos agentes policiais em conversas, esclarecimentos ou informações por esses agentes colhidas dos arguidos.
O Acórdão com o número convencional JSTJ000, no processo 02P2804, de 3/10/2002, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Pereira Madeira, publicado em www.stj.pt, dedica grande parte da sua fundamentação a esta questão, dado que esta recolha de prova vem aparecendo sob a determinação de "conversas", conversas informais", "esclarecimentos", constando ou não do processo, mas nunca aparecendo com a forma de auto próprio para recolha de prova.
Nestes termos, considera este douto aresto do Supremo Tribunal de Justiça:
- as conversas informais (e daqui os esclarecimentos) não podem ser valorizadas em sede probatória – (também neste ponto cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/7/2001, CJSTJ IX, III, 166 e ss);
- conversas a propósito dos factos em averiguação, estão sujeitas ao princípio da legalidade, obedecendo ao ditames do art. 29º da C.RP. , donde decorre o art. 2º, do CPPenal, já que a investigação tem em vista a aplicação de uma pena ou medida de segurança;
- as conversas informais, (diga-se também esclarecimentos) só podem ter valor probatório se transportas para o processo em forma de auto e com respeito pelas regras de recolha de prova, designadamente em processo organizado na dependência do Ministério Público obedecendo aos arts. 262º e 267º do CPPenal;
- não há conversas informais, (acrescentamos, e também esclarecimentos) com validade probatória à margem do processo, sejam quais forem as formas que assumam desde que não tenham assumido os procedimentos de recolha de prova admitidos por lei e por ela sancionados, designadamente os do art. 275º do CPPenal;
- haveria fraude á lei se se permitisse o uso de conversas informais (e também esclarecimentos) não documentadas, nos termos exigidos por lei e, por isso, fora de controlo, e se tais conversas ou esclarecimentos foram legalmente transpostos para o processo, deixam de ser informais ou esclarecimentos;
- não valem em julgamento, para a formação da convicção do tribunal, ressalvados os autos cuja leitura é permitida, quaisquer provas que não tenham sido produzidas ou examinadas em audiência, nos termos do disposto no art. 355º/1/2 do CPPenal;
- recusando-se o arguido a prestar declarações em audiência, nos termos e com os efeitos do art. 343º/1 do CPPenal, e não se verificando as hipóteses do art. 356º/3/4 e 357º do mesmo Código, a leitura dos autos que contenham declarações do arguido é proibida, nos termos do art. art. 356º/1/b), citado;
- os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for proibida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado na sua recolha, não podem ser inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo daquelas, conforme o art. 356º/7, citado.
Ora, do exposto resulta que, os esclarecimentos, que se diz no auto de reconstituição, terem sido prestados pelo arguido, não constam de auto para recolha de declarações do arguido, não obedece aos requisitos impostos por lei para tal recolha, foram, diz-se, prestados perante agentes policiais, e, face ao silêncio do arguido em audiência, não podiam ser ali lidos, nem este poderiam depor na audiência, como testemunhas, sobre estes factos.
E acrescenta ainda, este Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça: Há que distinguir a mera reconstituição dos factos – cuja legitimidade processual e valor probatório não se põem, obviamente em causa, das declarações do arguido, estas sempre sujeitas ao falado regime específico de valoração previsto no Código de Processo Penal, ainda que produzidas a pretexto e (ou) em simultâneo com aquela diligência externa.
É que, não pode a fundamentação da sentença assentar em operações intelectuais e processuais em clara violação das normas; como assinala o mesmo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, "se o resultado a que se chegou pode dizer-se de algum modo em contrapé com o interesse público na perseguição dos criminosos, da segurança dos cidadãos e das garantias que devem provir de um Estado de Direito, bem como da confiança das instituições, não é menos verdade que cabe aos Tribunais agir com total independência na interpretação da lei no caso concreto, sendo que o fim do processo, como tem sido sublinhado com insistência, não é apenas o da descoberta da verdade a todo o transe, mas a descoberta da verdade usando regras processuais admissíveis e legítimas.

Nesta perspectiva torna-se importante que o Tribunal recorrido, faça constar da sentença em que medida o auto de reconstituição e o depoimento dos agentes policiais foram valorados, para a prova dos factos integradores do tipo de crime porque o arguido veio a ser condenado.

E tal importância vem reforçada face às últimas decisões do Tribunal Constitucional sobre a matéria. No Acórdão extraído no processo nº. 719/92, 1ª Secção, datado de 2/3/94, em que é relator Ribeiro Mendes, publicado em www.tribunalconstitucional.pt/acordaos/acordaos94/201-300/21394.htm, este Tribunal, enquadrando a questão, na do testemunho do ouvir dizer (hearsay evidence rule) relembra a proibição da inquirição dos órgãos de polícia criminal, e quaisquer outras pessoas, que tiverem participado na recolha da prova, art. 356º/7 do C. P. P., viaja pelo direito europeu, designadamente pelo direito anglo-saxónico onde o preceito teve origem, para considerar inconstitucional a interpretação do art. 129º/1 do C. P. P. que permita que os agentes de polícia criminal sejam admitidos a depor sobre conversas que tivessem tido com o arguido (ou co-arguida) antes de este ser presente ao juiz de instrução criminal, isto tendo em conta o disposto nos arts. 356º/7 e 357º/1 do C.P.P., por tal interpretação ser contrária ao art. 32º/1 da Constituição da República Portuguesa.
E escreve ali: " O artigo 356º, nº. 7 [C. P. P.] proíbe que os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida sejam inquiridos como testemunhas sobre o conteúdo dessas declarações. Ora, se isto é assim quanto a declarações licitamente colhidas pelos órgãos de polícia criminal mas cuja leitura é proibida nos termos dos nºs. 1 a 6 do art. 356º e do nº. 1 do artigo 357º do mesmo Código, não faria sentido que, pela via do artigo 129º nº. 1, se tolerasse o que pelo artigo 356º, nº. 7, explicitamente se proibiu. Sendo, como é, insubsistente o argumento de que, no caso, não figuram no processo quaisquer declarações prestadas pela (co) arguida perante os agentes da Polícia Judiciária: tais declarações não figuram porque, apesar de terem sido obtidas, eram absolutamente proibidas. No nosso caso, era absolutamente proibido tomar declarações (esclarecimentos) ao arguido pela forma como o fizeram, isto é, no auto de diligência externa, atento ao disposto nos arts. 268º/1/b), 272º/1/2 do Código de Processo Penal.

A forma pouco clara como está feita a fundamentação, como acabamos de expor, reconverte-se a falta de fundamentação, que é imposta pelo nº. 2 do artigo 374º/2 do Código de Processo Penal; o que conduz á nulidade desta sentença nos termos do artigo 379º/1/a) do Código de Processo Penal.

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Ficam prejudicadas as demais questões.

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Nestes termos,
acorda-se em conceder provimento ao recurso, declarando nula a sentença, devendo o Tribunal recorrido elaborar outra donde conste a fundamentação dos factos dados como provados, como acima se referenciou, decidindo-se em conformidade.
Sem custas
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Pelo Sr. Desembargador Dr. Ribeiro Martins foi lavrado o seguinte voto de vencido: (vencido: confirmaria o acórdão por haver prova da prática dos crimes – reconstituição do facto, que o C.P.P. autonomiza como meio de prova, conjugado com o que é inferível dos depoimentos das testemunhas H e mulher, conjugados com aquele)