Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
140/1998.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME FERREIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL
DANOS DECORRENTES DE LESÕES CORPORAIS SOFRIDAS PELO CONDUTOR DO VEÍCULO SEGURO
DANO MORTE
EXCLUSÃO DA GARANTIA DO SEGURO
Data do Acordão: 01/16/2007
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC (DR. JORGE ARCANJO)
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TORRES NOVAS - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 7º, Nº 1, DO D.L. Nº 522/85, DE 31/12, NA REDACÇÃO DO DL Nº 130/94, DE 19/05
Sumário: I – No artº 7º, nº 1, do DL nº 522/85, de 31/12, na redacção que lhe foi conferida pelo DL nº 130/94, de 19/05, estão excluídos da garantia do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel os danos decorrentes de lesões corporais sofridos pelo condutor do veículo seguro.

II – Esta exclusão apenas se reporta aos danos (patrimoniais e não patrimoniais de qualquer espécie) sofridos pelo condutor do veículo seguro decorrentes de lesões corporais, não a outros danos sofridos por terceiros, designadamente pelos seus familiares, também decorrentes desse tipo de lesões.

III – Nas referidas lesões corporais está abrangido o dano morte causado ao motorista do veículo, pelo que quando este dano se verifique ela fica excluído da garantia do seguro obrigatório, nos termos da disposição legal citada.

IV – Quanto aos danos não patrimoniais sofridos pelos familiares do motorista do veículo em consequência da morte desta num acidente de viação, por se tratarem de danos sofridos pelos próprios familiares e não pelo sinistrado, tem de se considerar que estes danos não são abrangidos pela exclusão prevista no nº 1 do citado artº 7º, face ao que estes danos estão abrangidos pelo seguro obrigatório.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
I
No Tribunal Judicial da Comarca de Torres Novas, A..., viúva, residente na Rua Arcebispo de Évora, nº 57, Lamarosa, Torres Novas, instaurou contra “B... ”, com sede na Estrada do Castelo do Bode, ao km 2, em Tomar, a presente acção declarativa, com processo sumário, pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de Esc. 6.500.000$00, acrescida de juros de mora desde a citação e até efectivo pagamento.
Para tanto e muito em resumo, alegou que no dia 6/02/1997, cerca das 09H10, ocorreu um acidente de viação na EN nº 357, ao km 19,15, no qual foi único interveniente o veículo matrícula IR-17-80, propriedade da sociedade Ré e na ocasião conduzido por C..., motorista ao serviço daquela.
Que esse veículo circulava no sentido Pafarrão – Torres Novas e ao efectuar uma descida acentuada ficou sem travões, o que fez com que o dito veículo ganhasse cada vez mais velocidade e não fosse dominável, face ao que o seu motorista abriu a porta do veículo e saltou do dito, tendo sido colhido por uma das rodas traseiras, o que lhe causou morte imediata.
Que esse veículo pesado já tinha 17 anos de uso e era conhecida a referida deficiência dos seus travões pela gerência da Ré e seus mecânicos, os quais nunca se preocuparam em reparar devidamente o veículo.
Que, por isso, houve uma evidente negligência por parte da Ré no deflagrar do acidente, face ao que cumpre a esta reparar os danos advindos da morte do seu motorista, marido da autora.
Que o dano da perda de vida do infeliz C... deve ser fixado em Esc. 5.000.000$00, e os desgostos sofridos pela A. em Esc. 1.500.000$00, montantes pelos quais se pede a responsabilização da Ré.

II
Contestou a Ré alegando, muito em resumo, que o acidente em causa se deu quando o referido veículo circulava em marcha moderada, desconhecendo-se as razões que levaram o seu motorista a guinar para a esquerda da via e a saltar da viatura em andamento, quando era fácil dominar o veículo com a sua caixa de velocidades.
Que a Ré sempre cuidou da manutenção desse veículo e da segurança dos seus travões, tendo até em 13/01/1997 sido submetido a uma reparação geral, incluindo o sistema de travagem.
Que são exageradas as verbas pedidas pela A..
Terminou pedindo a improcedência da acção, com a sua consequente absolvição do pedido.
III
Pela Ré foi, ainda requerida a intervenção principal de D... e de E..., por serem ambos filhos do falecido C... e seus legítimos herdeiros, pelo que, nessa qualidade, terão eventual direito à indemnização que possa ser fixada.

Foi tal pedido de intervenção admitido e foram os chamados citados para a acção.

Também pela autora foi deduzido o incidente de intervenção principal contra a “ Companhia de Seguros F...”, por esta ter contratado, à data do acidente, um seguro de responsabilidade civil automóvel com a sociedade Ré, relativamente ao referido veículo, titulado pela apólice nº 422 73205.

Também este pedido de intervenção foi deferido, tendo a chamada sido citada para os termos da acção.
IV
Contestou a F... alegando, muito em resumo, que não tem que responder pelos danos decorrentes do citado acidente em relação ao motorista do veículo, dado que na apólice contratada com a Ré são excluídos quaisquer danos causados ao segurado e ao condutor do veículo.
Terminou pedindo a improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido.
V
Posteriormente requereu a sua intervenção no processo o Instituto de Solidariedade e Segurança Social, com sede no Campo Grande, nº 6, em Lisboa, pedindo o reembolso das prestações da Segurança Social pagas à A., pedido este dirigido à F..., e no montante de € 3.323,30.

Foi este pedido contestado pela referida seguradora.
VI
Terminados os articulados foi proferido despacho saneador, no qual foi considerada como regular a tramitação processual seguida, tendo-se procedido à selecção da matéria de facto alegada pelas partes e tida como relevante para efeitos de instrução e de discussão da causa.

Seguiu-se a realização da audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação.

Proferida a sentença sobre o mérito da causa, nela foi decido absolver a sociedade B... da instância e julgar a acção procedente contra a F..., com a condenação desta a pagar aos autores a importância global de € 24.940,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais decorrentes da perda do direito à vida do sinistrado C..., com o acréscimo de juros de mora contados desde a data da sentença e até efectivo pagamento; mais foi a dita Seguradora condenada a pagar à A. A... a importância de € 7.482,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais por esta directamente sofridos, com o acréscimo de juros de mora desde a data da sentença; foi ainda a Ré condenada a pagar ao ISSS a importância de € 3.063,00 a título de reembolso das prestações por este Instituto pagas à A. A... até Julho de 2000, com o acréscimo de juros de mora, desde a data de citação e até efectivo pagamento, bem como das prestações que foram pagas na pendência desta acção.
VII
Dessa sentença interpôs recurso a Ré Seguradora, recurso esse que foi admitido como apelação e com efeito devolutivo.

Nas alegações que oportunamente apresentou a Apelante formulou as seguintes conclusões:
1ª - Deve ser julgada procedente a excepção peremptória estabelecida pelo artº 7º do DL nº 522/85, de 31/12.
2ª - A sentença recorrida não atende plenamente à legislação aplicável, fazendo errónea aplicação do direito, em violação do disposto nos artºs 659º e sgs. do CPC.
3ª - Termos em que deve essa sentença ser alterada e julgar-se procedente a aduzida excepção peremptória, com a consequente absolvição da Apelante dos pedidos.
VIII
Contra-alegou a Apelada A..., sustentando que a sentença recorrida fez uma correcta interpretação e aplicação da lei, pelo que deverá ser confirmada, assim devendo improceder o presente recurso.
IX
Neste Tribunal da Relação foi aceite o recurso interposto e tal como foi admitido em 1ª instância, tendo-se procedido à recolha dos necessários “vistos” legais, pelo que nada obsta a que se conheça do seu objecto.
Tal objecto traduz-se apenas na reapreciação da questão de se saber se o seguro de responsabilidade civil automóvel contratado entre a sociedade “B...” e a Apelante, relativo ao veículo matrícula IR-17-80, cobre ou não os danos cuja reparação é peticionada nesta acção e relativamente aos quais foi a Apelante condenada a indemnizar, não estando em causa a eventual discussão dos valores fixados na sentença recorrida.

Mas como ponto prévio importa primeiro analisar a questão suscitada no ponto 1 das alegações apresentadas pela Apelante, a qual se traduz na eventual correcção da matéria de facto dada como reproduzida na sentença recorrida, concretamente o ponto 4 dessa matéria, afirmando a Apelante tratar-se de um mero lapso cometido na sentença.
E não pode deixar de se dar razão à Apelante na invocação da incorrecção detectada, porquanto o facto que aí se reproduz não corresponde a qualquer facto dado como assente na decisão que julgou a matéria de facto, pois que tal facto havia sido quesitado sob o nº 24 da base instrutória e tal quesito mereceu a resposta de “não provado”, conforme decisão de fls. 197, constando da fundamentação dessa decisão que relativamente a tal facto nenhuma prova foi produzida …, porquanto o acidente a que se reportam os autos não foi testemunhado, …, não existindo qualquer testemunha do acidente.
Ora, uma vez que na sentença serão tomados em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal deu como provados – artº 659º, nº 3, do CPC - , notório se torna que a matéria de tal quesito não podia ser considerada na sentença proferida, pelo que a indicação desse facto como facto provado se deveu a um mero lapso de transcrição dos factos dados como assentes (mero erro material), o que importa corrigir, suprimindo o referido ponto 4 da matéria de facto reproduzida na sentença recorrida – fls. 222 -, o que se decide, ao abrigo do artº 249º do C. Civ. .

Esta correcção, porém, não contende com a questão que constitui o objecto do presente recurso, como, aliás, também o entende a própria Recorrente.

Tal modificação, ou melhor dito tal correcção não resulta, pois, de qualquer impugnação da matéria de facto ou de qualquer alteração dessa matéria nos termos do artº 712º do CPC, pelo que nos termos do artº 713º, nº 6, do CPC, dá-se aqui como reproduzida a decisão da 1ª instância que decidiu sobre essa matéria (na qual foi dado como “não provado” o referido quesito 24º da base instrutória).

E passando à questão objecto do recurso, pretende a Apelante que a redacção do artº 7º do DL nº 522/85, de 31/12, em vigor à data do sinistro, exclui da garantia do seguro os danos decorrentes de lesões corporais sofridos pelo condutor do veículo seguro, o mesmo é dizer, na sua interpretação, que se encontram excluídos da garantia do seguro os danos não patrimoniais peticionados e decorrentes da lesão corporal – a morte – sofrida pelo condutor do veículo seguro, cônjuge e pai dos autores, bem como o dano não patrimonial sofrido pelo cônjuge desse sinistrado.
Assim, o que está em causa neste recurso são apenas dois tipos de danos, já que pela Autora apenas são pedidas indemnizações relativas ao chamado “dano de morte ou pela perda do direito à vida do sinistrado” e ao chamado “dano pelo desgosto sofrido pelo cônjuge do sinistrado com a morte deste”.

Apreciemos, pois, tal questão:
Resulta do disposto no artº 1º, nº 1, do DL nº 522/85, de 31/12 – diploma que institucionalizou (tornou obrigatório) o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, na sequência da revogação do D.L. nº 408/79, de 25/09 – que “toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais ou materiais causadas a terceiros por um veículo terrestre a motor, seus reboques ou semi-reboques, deve, para que esses veículos possam circular, encontrar-se, nos termos desse diploma, coberta por um seguro que garanta essa mesma responsabilidade”.
Porém, no artº 7º desse dito diploma foram excluídos da garantia do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel vários danos, designadamente (isto tendo presente a redacção dada a esse dispositivo pelo D.L. nº 130/94, de 19/05, redacção essa aplicável ao presente caso, uma vez que o acidente em causa é de 6/02/1977 e a entrada em vigor deste diploma ocorreu em 31/12/1995) os seguintes, conforme seus nºs 1, 2, als. a), b), c), d) e f), e 4, als. a), b) e c):
- os danos decorrentes de lesões corporais sofridos pelo condutor do veículo seguro;
- quaisquer danos decorrentes de lesões materiais causados ao condutor do veículo e titular da apólice;
- quaisquer danos decorrentes de lesões materiais causados àqueles cuja responsabilidade é, nos termos do nº 1 do artº 8º (tomador do seguro, sujeitos da obrigação de segurar previstos no artº 2º, legítimos detentores e condutores do veículo seguro), garantida, nomeadamente em consequência da compropriedade do veículo seguro;
- quaisquer danos decorrentes de lesões materiais causados a sociedades ou seus representantes legais responsáveis pelo acidente, quando no exercício das suas funções;
- quaisquer danos decorrentes de lesões materiais causados ao cônjuge, ascendentes, descendentes ou adoptados do condutor do veículo e titular da apólice e das pessoas referidas no nº 1 do artº 8º, bem como a outros parentes ou afins até ao 3º grau dessas ditas pessoas, desde que estas últimas coabitem com aquelas;
- quaisquer danos decorrentes de lesões materiais causados aqueles que, nos termos dos artºs 495º, 496º e 499º do C. Civ., beneficiem de uma pretensão indemnizatória decorrente de vínculos com alguma das pessoas referidas atrás;
- quaisquer danos decorrentes de lesões materiais causados a passageiros, quando transportados em contravenção às regras relativas ao transporte de passageiros
- os danos causados no próprio veículo seguro e nos bens transportados no mesmo;
- quaisquer danos causados a terceiros em consequência de operações de carga e descarga.

Assim, do supra exposto afigura-se que a exclusão pretendida pela Recorrente apenas poderia ter acolhimento ou cabimento na primeira das situações referida, isto é, se devêssemos considerar que as indemnizações pedidas na presente acção resultam de danos decorrentes de lesões corporais sofridos pelo condutor do veículo seguro, já que é logo no artº 1º do referido diploma que se faz destrinça entre danos decorrentes de lesões corporais e danos resultantes de lesões materiais.
Tal destrinça está também acentuada no artº 21º, nº 2, als. a) e b), do dito diploma, onde se prevê que o Fundo de Garantia Automóvel garante … a satisfação das indemnizações por morte ou lesões corporais (quando o responsável seja desconhecido ou não beneficie de seguro válido ou eficaz) e por lesões materiais (quando o responsável, sendo conhecido, não beneficie de seguro válido ou eficaz).
Tenha-se em atenção que tal exclusão apenas se reporta aos danos (patrimoniais e não patrimoniais de qualquer espécie) sofridos pelo condutor do veículo seguro decorrentes de lesões corporais, não a outros danos sofridos por terceiros, designadamente pelos seus familiares, também decorrentes desse tipo de lesões.
Assim sendo, afigura-se que apenas há que distinguir, para efeitos de reparação através do chamado seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, entre danos (patrimoniais e não patrimoniais) decorrentes de lesões corporais e decorrentes de lesões materiais, abrangendo as chamadas lesões corporais também o dano morte.
E quando este dano (morte) seja sofrido pelo próprio condutor do veículo seguro, tal dano (não patrimonial, nos termos do artº 496º, nº 2, do C. Civ.) fica excluído da garantia do seguro obrigatório, nos termos do artº 7º, nº 1, da referida Lei.
Isto apesar de o direito à indemnização decorrente da morte da vítima não caber sequer a esta (o que seria até absurdo ou contrário à razão) mas caber, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes, e na falta destes, aos pais ou outros ascendentes…- no sentido apontado (com o qual concordamos e seguimos), entre muita outra doutrina e jurisprudência dominante quanto a este aspecto, podem ver-se R. Capelo de Sousa, in “Sucessões”, vol. I, pgs. 283/287/298; o Prof. Antunes Varela, in “Direito das Obrigações”, I vol., 6ª ed., pg. 583, e 9ª ed., pgs. 630 e segs., e, ainda, in RLJ, ano 123, pgs. 191 e segs.; Prof. Vaz Serra, in RLJ ano 107º, pg. 143; os Acs. Rel. Co. de 26/10/93 e de 14/11/95, in, respectivamente, C.J. ano XVIII, tomo IV, pg. 69, e BMJ 451, pg. 521; o Ac. Rel. Po.de 14/11/95, in BMJ 451, pg. 521; o Ac. STJ de 16/03/1999, in BMJ 485, 386; e o nosso Ac. de 21/01/2003, proferido no Agravo nº 3394/02 desta Relação, no qual foi largamente apreciada esta questão.
Consequentemente, afigura-se ter razão a Apelante no que respeita à exclusão do dano morte sofrido pelo condutor do veículo e marido da Autora, em relação ao seguro com ela contratado, face ao que importa revogar a sentença recorrida e absolver a Apelante nessa parte.

Já quanto ao segundo dano cuja indemnização é peticionada pela Autora, embora ele também seja decorrente de lesões corporais causadas ao condutor do veículo seguro, designadamente da lesão morte, não é um dano sofrido pelo dito condutor mas um dano (próprio) sofrido directamente pela Autora (dano não patrimonial), e passível de ser indemnizado, nos termos do artº 496º, nº 3, 2ª parte, do C. Civ. .
Quanto a estes danos não patrimoniais sofridos pela própria Autora, esposa do sinistrado, mesmo em consequência da morte deste, por se tratarem de danos sofridos pela autora (danos próprios) e não pelo sinistrado, afigura-se que tais danos têm de se considerar como abrangidos pelo seguro obrigatório, não podendo esses danos ser abrangidos pela exclusão prevista no nº 1 do citado artº 7.
Face ao que tal dano está abrangido pelo seguro obrigatório.
No sentido exposto podem ver-se, entre outros, o acórdão do STJ, de 21/10/2003, proferido no Recurso de Revista nº 03A2664 e que pode ser consultado na Net, na base de dados do ITIJ, no qual se defende que “ o artº7º, nº 1 do dito diploma exclui da garantia do seguro os danos decorrentes de lesões corporais sofridos pelo condutor do veículo seguro, o que está em consonância com o disposto no artº 8º, nº 1, do mesmo diploma, que estende a garantia do seguro à responsabilidade, entre outros, do condutor do veículo. É pois evidente que, tendo o condutor a sua eventual responsabilidade garantida pelo contrato de seguro, não pode ser considerado terceiro para efeito de ser ressarcido de eventuais danos sofridos, em consequência do acidente… A expressão lesões corporais contrapõe-se a lesões materiais , sendo que a primeira abrange os danos não patrimoniais ou morais, neles se incluindo o dano morte ou os ferimentos sofridos em consequência do acidente, enquanto a segunda se refere a danos exclusivamente patrimoniais… Mas se a vítima/condutor está excluída da garantia do seguro, já o mesmo não poderá dizer-se dos seus familiares em relação aos danos próprios que sofreram com a perda da vítima, nos termos do artº 496º, nº 3, do C. Civ., uma vez que o artº 7º do DL nº 522/85 em parte alguma exclui tal direito à indemnização”;
vejam-se, também, o Ac. STJ de 20/10/1998, proferido no Rec, Revista nº 98ª890; o Ac. STJ de 11/03/1999, in CJ STJ, ano VII, tomo I, pg. 135/136; o Ac. Rel. Co. de 30/10/2001, in C. J. ano XXVI, tomo IV, pg. 42 (onde muito claramente se afirma que “as lesões causadoras de morte são lesões corporais para efeitos do artº 7º do DL nº 522/85, por atingirem as pessoas, em contraponto às lesões materiais que atingem as coisas”); o Ac. Rel. Po. de 28/01/2002, proferido no Rec. de Apelação nº 0151845; e o Ac. Rel. Lx. de 30/03/2006, proferido na Apelação nº 1982/2006-6, passíveis de consulta na Net.


Quanto aos arestos citados pelas partes nas suas alegações são todos eles reportados à redacção do citado artº 7º do DL nº 522/85, mas antes da entrada em vigor da sua alteração pelo DL nº 130/94, de 19/05.
Assim, uma vez que à data do acidente em causa nesta acção (em 6/02/97) se achava em vigor um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel acordado ente a sociedade dona do veículo e a Ré/Recorrente, titulado pela apólice nº 422723, conforme ficou assente, manifesto se torna que esta Ré não tem de responder pela indemnização peticionada pela Autora a título do chamado dano morte ou pela perda do direito à vida por parte do sinistrado, seu marido, mas já tem de responder pelo danos próprios não patrimoniais sofridos pela Autora, em consequência dessa morte, face ao que importa apenas manter a indemnização arbitrada a tal propósito (de € 7.482,00 ,com o acréscimo de juros de mora desde a data da sentença).

Concluindo, há que julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação e alterar a sentença recorrida, nos termos supra referidos, o que se decide.
X
Decisão:
Face ao exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação e em consequência absolve-se a Apelante do pedido indemnizatório formulado pela A. a título de reparação do dano morte sofrido pelo sinistrado, e mantendo a condenação da Apelante a pagar à A. apenas o montante de € 7.482,00 , a título de indemnização por danos não patrimoniais por esta directamente sofridos, com o acréscimo de juros de mora desde a data da sentença.
Quanto à condenação da Apelante a indemnizar o ISSS, mantém-se a mesma, por tal condenação exorbitar o objecto do recurso.

Custas na acção e no recurso por ambas as partes e na proporção dos seus decaimentos.
***
Declaração de voto

Voto vencido por, sem quebra de respeito, discordar do acórdão, na parte em que, revogando parcialmente a sentença recorrida, absolveu os Autores do pedido de indemnização pelo dano morte.
A questão submetida a recurso consiste em saber se os danos não patrimoniais reclamados pelos Autores estão excluídos do seguro obrigatório, por força do art.7º nº1 do DL nº522/85, de 31-12 (na redacção do DL nº130/94, de 19-5) – “Excluem-se da garantia do seguro os danos decorrentes de lesões corporais sofridas pelo condutor do veículo seguro.”
Está em causa o conceito de terceiro para efeitos do âmbito da garantia do seguro obrigatório e dos danos ressarcíveis, o qual se apresenta definido pela negativa (cfr. Filipe Albuquerque Matos, “O Contrato de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel”, BFDUC, Vol. LXXVIII, 2002, pág.329 e segs.).
Não é terceiro o condutor do veículo, já que, segundo o previsto no art.7º nºs 1 e 2 do DL 522/85, o seguro não cobre as lesões corporais, nem as materiais por si sofridas, ou seja, os danos próprios do condutor.
O critério de parentesco apenas funciona para as exclusões impostas nas alíneas d) e e) do nº2 do art.7, mas que aqui não relevam.
Resta saber se os Autores (viúva e filhos) são terceiros relativamente aos danos reclamados.
Quanto aos danos não patrimoniais pelo sofrimento pela perda da vítima (art.496º nº3 do CC) é inquestionável tratar-se de danos próprios sofridos directamente pelos Autores, e daí não estarem excluídos.
Sobre a titularidade do direito de indemnização pelo dano morte, como é sabido, existem três orientações jurisprudenciais e doutrinárias, parecendo-me a mais consistente a tese de que o direito é adquirido directa e originariamente pelas pessoas mencionadas no art.496º nº2 do CC, não havendo lugar à transmissão sucessória (também adoptada no acórdão), conforme já sustentei em artigo – “Notas Sobre Responsabilidade Civil e Acidentes de Viação” – publicado na Revista do CEJ, 2º Semestre 2005, nº3, pág.60 a 62).
Sendo assim, porque ambos os danos radicam na titularidade dos Autores (terceiros), enquanto danos próprios, não estão excluídos da garantia do seguro, e como tal devem ser ressarcíveis (art.1º do DL nº522/85).
Por outro lado, se a exclusão do art.7º nº2 d) e e) do DL nº522/85, assente no critério do parentesco, está limitada aos danos derivados de lesões materiais, significa que o legislador não pretendeu excluir a indemnização por danos não patrimoniais.
O acórdão, depois de considerar que as “lesões corporais” abrangem o dano morte, e muito embora reconheça que o direito de indemnização pelo respectivo dano não patrimonial radica por direito nos familiares (e já não por via sucessória), postergou a indemnização.
Contudo, não vislumbro razões para que, sendo também ele um dano próprio de terceiro, se negue a pretensão indemnizatória, com base na norma de exclusão.
Por isso, confirmaria integralmente a sentença recorrida.