Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
210/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: DESPEDIMENTO SEM JUSTA CAUSA
COMPETÊNCIA DA D.N. DO STAL PARA PERSEGUIR DISCIPLINARMENTE TRABALHADORES DAS SUAS DIRECÇÕES REGIONAIS
Data do Acordão: 05/04/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE LEIRIA - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 26º E 39º DA LCT.
Sumário: I – O STAL, enquanto pessoa jurídica de direito privado / associação de classe, rege a sua actividade de acordo com os princípios da auto-organização, auto-regulação e auto-governo, mediante estatutos e regulamentos por si celebrados, podendo estes nomeadamente prever modos de funcionamento descentralizado – artºs 13º e 14º, al. f), do DL nº 215-B/75, de 30/04 - , com órgãos nacionais e órgãos regionais , com competências repartidas e devidamente especificadas, não implicando tal orgânica que se esteja necessariamente perante uma estrutura hierarquizada, em cadeia, como é típico da organização empresarial .
II – Tendo sido conferidos poderes específicos às Direcções Regionais do STAL, nomeadamente os de admitir, suspender e demitir os trabalhadores que trabalhem na região, não pode asseverar-se que a sua Direcção Nacional seja o superior hierárquico de todos os trabalhadores desse Sindicato .
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I –

1 – A..., solteira, com os demais sinais dos autos, demandou, no Tribunal do Trabalho de Leiria, o R. ‘STAL – Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local’, com sede em Lisboa, pedindo a final a sua condenação, em consequência da ilegalidade do despedimento que se demanda, na reintegração da A. no seu posto de trabalho, sem prejuízo de vir a optar pela indemnização de antiguidade, e no pagamento de todas as importâncias que discrimina, nomeadamente a título de danos morais, tudo com juros de mora, à taxa legal.

Pretextou para o efeito, em resumo útil, que foi admitida ao serviço da Direcção Regional de Leiria do STAL, há vinte anos (Maio de 1983), tendo ora a categoria de Escriturária.
Sempre foi a única empregada do Direcção Regional de Leiria, competindo-lhe todas as funções desenvolvidas nesta estrutura sindical, desde o arquivo a todo o serviço de secretaria e ao manuseamento de dinheiros, etc.
Nunca teve qualquer processo disciplinar.
Em Julho de 2002 desapareceram dois cheques do livro de cheques do STAL, o qual se encontrava na Secretária da A..
Os cheques foram depois levantados na Cx. G.D., com falsificação das assinaturas dos Directores Ângelo Monforte e Abilino Lapa da Costa.
Estes factos foram participados ao MºPº junto do Tribunal de Leiria.
A Direcção Regional de Leiria do R. tomou conhecimento dos factos logo em Julho de 2002 e não agiu disciplinarmente contra a A. porque entendeu – e bem – que não havia qualquer responsabilidade desta.
Sucede porém que em 14.11.2002 a Direcção Nacional do R. tomou conhecimento dos factos e determinou a instauração de inquérito e tendo sido depois proposta a instauração de processo disciplinar contra a A., tendo decorrido 69 dias até à sua conclusão.
Na acusação contra si aí deduzida concluiu-se no sentido, depois confirmado na decisão final, de que a A. seria sancionada com o despedimento com justa causa, como efectivamente foi.
O despedimento é não só ilícito como abusivo.

2 - O R., citado, veio contestar, alegando, em síntese útil, que não se verifica por um lado qualquer caducidade do poder disciplinar, e, por outro, menos se está perante qualquer despedimento abusivo, sendo que quanto aos factos imputados é verdade tudo quanto se alegou nos items da Petição Inicial e no mais que o R. lhe assacou.
A A. confiou descuidadamente o chaveiro que continha as chaves da sede do STAL, com as consequências conhecidas.
A sanção do despedimento é a adequada ao comportamento da arguida que infringiu os deveres consignados no art. 20º, nº1, d) e e), com culpa grave de que resultou lesão de interesses patrimoniais sérios do R. e que tornaram praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

3 - Discutida a causa, proferiu-se sentença a julgar a acção parcialmente procedente, declarando-se ilícito o despedimento da A. com condenação do R. a reintegrá-la no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade e a pagar-lhe as importâncias discriminadas, conforme consta do dispositivo, a fls. 411.

4 – Inconformado, o R. veio interpor recurso, oportunamente admitido como apelação e efeito suspensivo, ante a prestação da devida caução, então validada, cujas alegações fechou com a formulação deste quadro de síntese:
» - A Direcção Nacional do STAL é competente para despedir trabalhadores que prestem serviço nas sedes das Direcções Regionais;
» - Tal competência não é afastada pelo facto de haver norma estatutária expressa que a atribui também às Direcções Regionais;
» - Isto porque os Estatutos não poderiam nunca derrogar a LCT então vigente, a qual determinava que o poder disciplinar pode ser exercido, seja directamente pela Entidade Patronal , seja pelos superiores hierárquicos;
» - O Senhor juiz recorrido não distingue entre Entidade Patronal e superiores hierárquicos;
» - E consegue até inverter os respectivos papeis ao afirmar que a DN do R. não é a Entidade Patronal dos trabalhadores de cada região, como se houvesse vários sindicatos dentro do STAL e a DN fosse uma espécie de confederação sindical;
» - Mas como os Estatutos bem esclarecem, quando usam a expressão ‘trabalhadores do STAL’, a Entidade Patronal dos trabalhadores do STAL, trabalhem eles na sede ou nas regiões, é o STAL;
» - Aliás, a própria sentença concorda com o R. apelante quando afirma que os poderes atribuídos pelos Estatutos à DN do STAL, enquanto órgão executivo do Sindicato, são meramente enunciativos, não esgotando os poderes desta DN;
» - E, por isso, todos os trabalhadores do STAL, trabalhem ou não nas regiões, dependem hierarquicamente da DN;
» - Deste modo, a norma do art. 62º, f), dos Estatutos configura apenas delegação de competências próprias da DN nas Direcções Regionais;
» - Aliás, a DR nem sequer estava em condições de prosseguir o procedimento disciplinar porquanto se havia demitido em bloco;
» - E, mesmo que por hipótese tivesse procedido disciplinarmente e concluído o processo no sentido do despedimento, a entidade jurídica demandada jamais seria a DR, mas a pessoa colectiva STAL;
» - Também a deliberação do Conselho Geral do STAL não contraria os Estatutos posto que aquele órgão, com os poderes de que se reveste e o Tribunal recorrido reconhece, reforçou apenas as decisões da Direcção Nacional na matéria, porque houve oportunidade para tal, não porque isso fosse necessário;
» - E não colhe o argumento de que sempre se poderia demitir a DR de Leiria por relapsa ao cumprimento dos seus deveres;
» - É que se tal argumento procedesse, então é que seguramente caducaria o direito ao exercício do poder disciplinar, atento o tempo que levaria necessariamente a convocação de uma Assembleia Regional;
» - De resto, a ser válida tal interpretação, ocorreria uma verdadeira situação de estado de necessidade no sentido de que se impunha à DN que agisse de modo a evitar a verificação da caducidade, estado de necessidade esse que sempre justificaria a assunção pela DN de proceder disciplinarmente;
» - Acresce que na segunda quinzena de Julho de 2002 apenas se mostra provado ter o coordenador da DR conhecido o desaparecimento e saque irregular dos cheques;
» - Mas nesta quinzena de Julho de 2002 ninguém conhecia ainda nem quem, nem o modo como se operou o assalto;
» - Isto porque só em Dezembro de 2002 a A. apelada informa os membros da DR da conversa telefónica em que o Carlos Borda D’Água da Rocha igualmente confessaria ser o autor do assalto;
» - A DN só conhece a utilização das chaves da A. pelo referido Carlos a partir do relatório do Instrutor datado de 22 de Janeiro de 2003;
» - E o que está em causa no procedimento disciplinar é esta factualidade, havendo a caducidade de ser contada do momento do respectivo conhecimento pela Entidade Patronal;
» - De resto, a própria A. apelada afirma do depoimento de parte que foi inquirida em processo de averiguações preliminar ao processo disciplinar;
» - Tal depoimento tem de ser cotejado com o depoimento coincidente da testemunha José Luís Santos, que afirma ter-lhe a A. dado conhecimento da cedência das chaves ao Borda d’Água em 8 de Janeiro;
» - Ou seja, 8 de Janeiro é a primeira data em que é conhecido o meio utilizado para assaltar a DR;
» - Acresce que as averiguações preliminares desencadeadas sempre teriam de ser consideradas na contagem do tempo para o estabelecimento do prazo a partir do qual a contagem do prazo começaria;
» - O que se conclui em sede de processo disciplinar e que originou o despedimento da A. foi o facto de esta ter as chaves da DR no chaveiro no qual, com total imprudência, também tinha as chaves da sua própria casa;
» - E ainda o facto de que se apercebeu então que qualquer pessoa a quem a A. confiasse as referidas chaves poderia por tal facto aceder livremente à sede da DR;
» - E também que o alegado autor material do roubo utilizou as chaves que se encontravam confiadas à A. e que esta utilizava imprudentemente em clara violação dos seus deveres de zelo e diligência, tornando por isso a subsistência da relação de trabalho imediata e praticamente impossível;
» - Todos estes factos foram de conhecimento ocasional da testemunha José Luís Santos em 8 de Janeiro de 2002, por confidência da A. a ele feita, e que a própria A. a pelada viria a confirmar no respectivo depoimento de parte;
» - Ao valorizar positivamente o depoimento de parte da A., o Sr. Juiz recorrido escamoteou ter a mesma confessado estes factos;
» - Afinal os factos pelos quais o R. apelante perdeu irreparavelmente a confiança na A., que violou os seus deveres de zelo e de diligência com o que lesou interesses patrimoniais sérios da apelante, razão porque este decretou com toda a legitimidade o despedimento;
» - Ocorrem assim os pressupostos de modificabilidade da decisão de facto;
» - Agindo como agiu, o Sr. Juiz recorrido violou designadamente os arts. 26º, nº2, 31º, nº4 e 31º, nº1, da LCT; o art. 712º do Cód. Processo Civil e o art. 9º/2, d) e e), do D.L. n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro.

5 – A recorrida contra-alegou, concluindo, por sua vez, em síntese, que a sentença andou bem ao considerar o procedimento disciplinar caduco em 1.1.2003, tendo aplicado bem o direito aos factos e acertadamente decidido que a A. não praticou qualquer infracção disciplinar e muito menos infracção disciplinar passível do despedimento com justa causa.
Deve por isso ser mantida na íntegra.

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais – com o Exm.º P.G.A. a emitir douto Parecer no sentido da improcedência da impugnação – cumpre ora decidir.

II – DOS FUNDAMENTOS

1 – DE FACTO
Foi seleccionada no Tribunal ‘a quo’ a seguinte factualidade:
- A A. foi admitida ao serviço da Direcção Regional de Leiria do STAL em Maio de 1983;
- Tem a categoria de Escriturária e recebia as seguintes remunerações:
- remuneração base €: 895,85;
- subsídio de refeição €: 90,57;
- abono para falhas €: 26,00;
- remuneração adicional €: 62,05;
- A A. sempre foi a única empregada em serviço da DR de Leiria do STAL, competindo-lhe todas as funções desenvolvidas nesta estrutura sindical, desde o arquivo, a todo o serviço de secretaria e ao manuseamento dos dinheiros (movimentação de contas), preparando todo o expediente para as reuniões daquela Direcção Regional;
- A A. sempre movimentou os dinheiros da DR de Leiria do STAL e nunca se verificou qualquer falha;
- Sempre, ao longo de todos os anos de serviço, a A. teve a confiança dos elementos da Direcção Regional de Leiria que por lá passaram;
- Nunca a A. teve qualquer processo disciplinar;
- O trabalho da A. era elogiado pelos seus superiores hierárquicos;
- Desde que foi admitida ao serviço como única empregada;
- Aqui se apresentava diariamente ao serviço;
- Recebendo ordens e instruções da DR de Leiria;
- Desde o primeiro dia em que foi admitida lhe foram entregues as chaves das instalações do Sindicato, que guardava no seu chaveiro pessoal, abrindo e fechando as portas do Sindicato, de manhã, ao almoço e ao fim da tarde;
- O poder de direcção e disciplina sempre foi exercido pela Direcção Regional de Leiria;
- Era a Direcção Regional quem lhe pagava os ordenados;
- As férias, faltas e licenças eram sempre acordadas com a Direcção Regional;
- Nunca houve cofre no serviço, pelo que a documentação referente a valores, (cheques, dinheiros, etc.), se encontravam guardados na secretária da A.;
- Em Julho de 2002 desapareceram do livro de cheques da secretária da A. três cheques relativos à conta n.º 0036711632, da Agência de Leiria da Cx. G. de Depósitos;
- Ao aperceber-se, pelo extracto, das importâncias levantadas daquela conta através de dois desses cheques, a A. logo diligenciou junto da Cx. G. D. – ao mesmo tempo que deu conhecimento do facto ao presidente da DR, Ângelo Monforte – no sentido de obter cópias de tais cheques para tentar identificar a pessoa ou pessoas que teriam procedido ao levantamento abusivo daquelas importâncias;
- Em seguida, após tomar conhecimento do desaparecimento e levantamento dos cheques mencionados, o Sr. Ângelo Feijão Monforte participou esses factos à P.S.P. de Leiria;
- Tais cheques, mencionados atrás, foram levantados, falsificando as assinaturas dos Directores Ângelo Monforte e Abilino José Oliveira Lapa da Costa pelas seguintes importâncias:
- n.º 3409106848, de €: 1.053,00, com data de 30.6.2002;
- n.º 1669106850, de €: 6.053,00, com data de 2.7.2002;
- Na sequência da queixa-crime apresentada pelo Ângelo Monforte, foi deduzida acusação contra Carlos Alberto Borda d’Água da Rocha, actualmente a residir no Canadá, pela forma e modo como consta do doc. de fls. 23 a 25, cujo teor se dá aqui por reproduzido;
- O coordenador da Direcção Regional de Leiria do STAL tomou conhecimento do desaparecimento e saque irregular dos cheques em Julho de 2002 e a Direcção Nacional do STAL tomou conhecimento dos mesmos factos no dia 14.11.2002;
- No dia 8.1.2003 foi elaborada a informação que consta de fls. 27, 200 a 202 e 353 a 355 e no dia 22.1.2003 foi elaborado o relatório cuja cópia consta de fls. 30-34 e 348-352;
- Proposta a instauração de processo disciplinar contra a A., com intenção de despedimento, foi a mesma notificada da nota de culpa em 20.2.2003, conforme consta de fls. 35, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido;
- Foi a A. acusada de:
- estando envolvida sentimentalmente com um indivíduo, Carlos Alberto Borda d’Água da Rocha, com quem passou a viver quase maritalmente, período durante o qual este frequentava as instalações do STAL da sede da DRS de Leiria;
- a A. confiou, algumas vezes, ao Carlos Alberto um chaveiro que continha as chaves da casa dela, arguida, bem como as chaves da sede da DR de Leiria;
- bem sabia que não podia dispor as chaves da DR de Leiria, pois sabia que não eram suas e que agindo como agiu punha em perigo os bens do Sindicato;
- a A. agiu com flagrante inconsideração, como se as chaves da sede do STAL e os bens do Sindicato fossem seus e deles pudesse dispor, em clara violação dos deveres de fidelidade e lealdade;
- em data que não pode precisar, mas que se situa em finais de Junho de 2002, utilizando as chaves da DR de Leiria – confiadas à A. – e que esta lhe cedeu, o indicado Carlos Alberto entrou nas instalações da sede da DR de Leiria e terá retirado da gaveta um livro de cheques, por encetar, contendo cheques numerados, pertencentes à conta n.º DO 0393036711632, aberta na Cx. G. D. de Leiria;
- de posse dos cheques, o Carlos Alberto preencheu os cheques n.ºs 1669106848, 1669106849 e 1669106850. De seguida, o Carlos Alberto preencheu os cheques n.º 1669106848 pelo valor de 1.053,00 € e o n.º 1669106890 pelo valor de 6.503,00 €, levantando tais importâncias da conta do STAL da Cx. Geral de Depósitos de Leiria;
- Com aquela conduta, concluiu-se na acusação que a arguida, ora A., violou culposamente o dever de vigilância e boa utilização dos bens relacionados com o seu trabalho, que lhe foram confiados pelo STAL; o dever de lealdade consagrado na alínea d) do art. 20º da LCT, com referência ao art. 205º do Cód. Penal, com o prejuízo daí decorrente para o património do STAL que se encontra lesado em 7.566,00 €;
- A culpa da arguida, ora A., é de grau elevado e por existir lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa, verifica-se quebra de confiança, constituindo justa causa de despedimento;
- A A. apresentou a sua defesa escrita pela forma e modo como consta de fls. 38-48 e 282-292, que se dá aqui por reproduzida;
- E juntou o fax cuja cópia consta de fls. 52, enviado do Canadá, por Carlos Alberto Borda d’Água Rocha, no qual este assume os factos e descreve a forma e modo como utilizou as chaves da A.;
- Inquiridas as testemunhas de defesa arroladas pelas A., veio esta a ser notificada em 25.6.2003 de que, por decisão da Direcção Nacional do STAL, de 23.6.2003, lhe foi aplicada a sanção de despedimento com justa causa, louvando-se no relatório final do instrutor;
- O Conselho Geral, no dia 28.3.2003, ratificou a proposta da Direcção Nacional do STAL, com a mesma data, cujos conteúdos constam respectivamente de fls. 144, 145 e 88-89;
- O desaparecimento e saque irregular dos cheques foram conhecidos pelo Coordenador da Direcção Regional de Leiria na segunda quinzena de Julho de 2002 e foi do conhecimento formal de todos os membros da mesma Direcção Regional em 30.10.2002;
- A A. e as testemunhas Ângelo F. Monforte e Abilino José Oliveira Lapa da Costa tinham as chaves da Direcção Regional de Leiria do R.;
- Algumas vezes os dirigentes sindicais deslocavam-se às instalações fora do horário normal de trabalho, nomeadamente o tesoureiro e o Presidente;
- A A. vivia maritalmente com o Carlos Alberto Borda d’Água da Rocha, o qual, por vezes, ao fim da tarde, se deslocava às instalações da Direcção Regional de Leiria do R.;
- Em dia indeterminado do mês de Junho de 2002, antes de sair da casa onde vivia com a A., o Carlos Alberto pegou no chaveiro da A., alegando que ia às compras;
- Todavia, sem que a A. conhecesse o seu intuito, o aludido Carlos Alberto Borda d’Água, em vez de ir às compras, dirigiu-se às instalações da Direcção Regional de Leiria do STAL e apropriou-se dos cheques constantes da acusação que lhe foi feita pelo MºPº;
- A A., que era uma pessoa bem disposta e alegre, passou com toda esta situação a ser uma pessoa mais triste e isolada.
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2O DIREITO
Na decisão ora sob protesto foram tratadas ‘ex professo’ as questões relativas à ilegitimidade da Direcção Nacional do R. para a instauração e decisão do processo disciplinar, a caducidade do direito ao exercício dessa acção disciplinar e a falta de fundamento material para o cominado despedimento da A.

Essas mesmas questões constituem afinal o objecto da presente impugnação.
Vejamos então.

2.1
Como se fixou na decisão de facto, a A. foi admitida ao serviço da Direcção Regional de Leiria do R. STAL em Maio de 1983.
Era aquela Direcção Regional (DR) que exercia/exerceu desde sempre o poder de direcção e disciplina, de quem recebia ordens e instruções, com quem a A. acordava as férias, faltas e licenças e quem lhe pagava os ordenados.

A A. foi todavia alvo de um processo disciplinar, instaurado pela Direcção Nacional (DN) do R., que a sancionou com o despedimento fundado em alegada justa causa, aqui (também) em discussão.
Questionou, por isso, oportunamente a legitimidade de tal DN, com o pretexto de que, nos termos estatutários, esse poder pertencia à DR.

Na sentença ‘sub judicio’ entendeu-se que a DN não podia punir disciplinarmente uma funcionária pertencente a uma estrutura regional, com base precisamente nos Estatutos do Sindicato R.

Contrapõe o impetrante, argumentando no essencial que os Estatutos não podem derrogar uma Lei geral, (refere-se concretamente aos arts. 26º/2 e 31º/4 da LCT, então vigente), enquanto se assume como Entidade Patronal de todos os trabalhadores, sejam os da sede, sejam os que trabalhem nas Regiões.
Enquanto tal, todos os trabalhadores dependem hierarquicamente da Direcção Nacional, devendo entender-se a norma do art. 67º/2, f), dos Estatutos (‘Compete às Direcções Regionais admitir, suspender e demitir os trabalhadores do STAL que trabalham na região’), conclui, como uma delegação de competências daquela às Direcções Regionais.

Ora bem.
Qual será a solução acertada?
‘A entidade patronal tem poder disciplinar sobre os trabalhadores que se encontrem ao seu serviço.
O poder disciplinar tanto é exercido directamente pela Entidade Patronal como pelos superiores hierárquicos do trabalhador, nos termos por aquela estabelecidos – art. 26º da LCT, com sublinhados nossos, naturalmente – sabido que essa possibilidade de intervenção ao nível da organização e disciplina do trabalho está legalmente prevista e pode efectivar-se através da elaboração de regulamentos internos (art. 39º/2 da mesma LCT).

A leitura à luz desta normatividade, invocada pelo R., pressupõe, por um lado, que este se mostre constituído numa estrutura hierarquizada, do tipo empresarial, sendo a base constituída pelos trabalhadores que se encontrem ao seu serviço e o R./entidade patronal o topo da respectiva pirâmide hierárquica; e, por outro, que, havendo um patamar intermédio na cadeia hierárquica, aquele (o R., enquanto empregador), algo haja determinado ou estabelecido sobre quem exerce afinal o poder disciplinar sobre aqueles (os trabalhadores que se encontrem ao seu serviço) e em que termos.

Ora, se bem analisamos, a estruturação do R. não corresponde ao figurino pressuposto.
‘In casu’, afigura-se-nos, desde logo, que o facto de o R./STAL se assumir, no âmbito da liberdade de regulamentação interna, numa organização descentralizada, – enquanto pessoa jurídica de direito privado/associação de classe o R. rege a sua actividade de acordo com os princípios da auto-organização, auto-regulação e auto-governo, mediante estatutos e regulamentos por si celebrados, podendo estes nomeadamente prever modos de funcionamento descentralizado, 'ut' art. 13º e 14º, f) do então vigente D.L. n.º 215-B/75, de 30/4, com correspondência genérica no actual art. 480º do Código do Trabalho – com órgãos nacionais e órgãos regionais, com competências repartidas e devidamente especificadas, não implica que se esteja necessariamente – como cremos que não está – perante uma estrutura hierarquizada, em cadeia, como é típico da organização empresarial.

A sua organização – como se consigna nos arts. 61º/2, 62º e 63º dos respectivos Estatutos, nos Autos a fls. 74º e seguintes – tem por base as regiões, sendo estas dotadas de órgãos próprios.
A estes, maxime à Direcção Regional, foram conferidos poderes específicos, nomeadamente os de ‘admitir, suspender e demitir os trabalhadores do STAL que trabalham na Região’, como expressamente consta da previsão que dá forma à alínea f) do n.º3 do art. 67º…com a ressalva, também expressa, de que em tudo o mais, (isto é, o mais não especificado, logicamente), se aplicarão as disposições previstas para a DN (n.º4 da mesma regra, sempre dos referidos Estatutos).

Não pode pois asseverar-se, como se adiantou – sem quebra do respeito devido – que a estrutura descentralizada (regiões/DR) da organização do R. se tenha, para o falado efeito, como Entidade Patronal e o R./DN como superior hierárquico do trabalhador/A…
O superior hierárquico (que é também trabalhador dependente) estará algures entre o trabalhador, que lhe é inferior, e a Entidade Patronal.

Ante o perfil da norma interpretanda – art. 26º da LCT – a situação concreta mostra-se desvirtuada, não resultando unívoco que o STAL, sendo em termos formais a cúpula de toda a estrutura/’empresa’ empregadora (e assumindo enquanto tal que todos os trabalhadores, mesmo os autonomamente admitidos para e a trabalhar na Região, são seus trabalhadores) seja, como se arroga, o superior hierárquico de todos eles…
Há aqui, em nosso modesto modo de ver, uma certa perversão, face à ‘ratio’ que suporta a norma do falado art. 26º da LCT.

Ora, a concepção organizativa descentralizada por que se optou, levou a que estatutariamente se conferisse ao órgão DR, dentre outras, a competência para admitir, suspender e demitir (contratando e despedindo, afinal, sem qualquer limitação) os trabalhadores que trabalham na Região.
A Entidade Patronal da A., em termos de plena vinculação económica e jurídica, é por referência – como bem se diz algures nos Autos – à DR e não à DN, não obstante a consideração formal geral de que todos os trabalhadores contratados, seja na sede nacional, seja nas estruturas regionais, são trabalhadores do STAL!
E isso não significará que se raciocine como se houvesse vários sindicatos dentro do STAL, como se alega…
…É que foi o próprio R. que, conferindo à DN a competência especial para representar o STAL em Juízo ou fora dele, (logo, para todos os efeitos e relativamente a todos os assuntos ou questões em que estejam envolvidos interesses da sua estrutura nacional, incluídos naturalmente os que respeitem às/ou envolvam as Regiões), reservou para a mesma DN a competência (também especial) para admitir, suspender ou demitir os trabalhadores que exercem a sua actividade profissional na sede nacional, ao mesmo tempo que cometeu à DR a competência, sem qualquer limitação ou condição, para a admissão, suspensão ou demissão dos trabalhadores que trabalhem na Região!

Além disso – e mesmo que se admitisse ser apropriada, que não é, a invocação da regra constante do art. 26º/2 da LCT – sempre haveria que ponderar a circunstância de aquele (o R./’Entidade Patronal’) ter, ao menos implicitamente, estabelecido que o poder disciplinar (necessariamente pressuposto no poder de ‘suspender e demitir os trabalhadores do STAL que trabalhem na Região’) compete à DR – 'ut' art. 67º, n.º3, f), dos Estatutos…
…Pelo que, até por esta via, o exercício do poder disciplinar – no que respeita a saber quem o exerce – deixou de estar em aberto ao ficar logicamente implicitado na conferida competência para admitir/contratar, suspender e despedir trabalhadores…

(Sempre no entendimento acima preconizado de que o n.º2 do art. 26º da LCT se reporta ao superior hierárquico como o elo intermédio entre quem detém o poder disciplinar (a Entidade Patronal) e os trabalhadores ao seu serviço, veja-se, v.g., a anotação àquele normativo – in ‘Comentário às Leis do Trabalho’, Vol. I, pg. 133, Edição Lex – feita Mário Pinto, Furtado Martins e Nunes de Carvalho, em cujos termos (e transcrevemos, com vénia) …a possibilidade de o poder disciplinar ser exercido por outras pessoas que não directamente pela entidade patronal, através da delegação desta nos superiores hierárquicos do trabalhador, é consequência directa do reconhecimento de que este poder se desenvolve, normalmente, no seio de uma organização hierarquizada’…).

Resultando dos Estatutos que à DN compete, em especial – além, dentre outras, da representação do Sindicato/R. em Juízo e fora dele – admitir, suspender e demitir os trabalhadores que exerçam a sua actividade profissional na sede nacional do STAL, os poderes conferidos à DR (vide arts. 53º/2, i) e 67º/3, f) dos Estatutos) dificilmente se compaginariam com a referida ‘delegação’ ou disposição sobre o exercício do poder disciplinar nos termos sobreditos…

…E ainda que assim fosse – e não é – a hipótese de ‘avocação’ pela Entidade Patronal, quando a delegação é global e incondicionada, não é de todo pacífica, como se vê pelas posições doutrinais contraditórias assumidas, v.g., por Pedro Macedo (in loc. cit.) e os autores acima invocados, convindo notar bem que essa possibilidade de avocação se refere apenas ao estabelecido pela Entidade Patronal sobre o exercício do poder disciplinar ‘tout court’.

Diga-se por fim que a intervenção do Conselho Geral do STAL é inócua sobre a problemática aprecianda.
À luz dos Estatutos do R. – art. 44º, p) – parece-nos claro que a sua competência respeita apenas à aplicação de sanções disciplinares aos seus associados, o que não é manifestamente o caso.

Em suma:
Podemos concluir – com arrimo na factualidade adrede fixada e ante o que resulta da interpretação das disposições estatutárias em cotejo com/vs. as normas legais referidas – que não obstante o R. se assumir como o empregador responsável de/por todos os trabalhadores ao serviço do STAL, os poderes conferidos estatutariamente à estrutura descentralizada das Regiões compreendem, ímplicita e necessariamente, no que aqui concretamente importa, o pleno exercício do poder disciplinar correspondente.

Não se acolhem, pelo exposto, as razões, embora doutas, que enformam as primeiras quinze asserções conclusivas do respectivo elenco.
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2.2 -
Do acima expendido – em confirmação do ajuizado na sentença sindicada sobre a ilegitimidade/incompetência da DN do R. para o sancionamento disciplinar da A. – resultam logicamente prejudicadas as demais questões que integram o objecto da impugnação.

Sempre diremos, não obstante, que – independentemente do sentido da solução que fosse conferido às duas primeiras, e sendo certo que, se fosse oposto o entendimento relativamente à vinda de tratar, haveria que enfrentar a problemática da alegada caducidade do direito ao exercício da acção disciplinar – o R. veria afinal desatendido o fundamento da sua reacção maior, porque se nos antolha ter inexistido razão bastante para qualificar a actuação da A. como constitutiva de justa causa para o cominado despedimento.
Com efeito – e ainda aqui sufragando a ponderação da decisão sob protesto – os factos apurados não consentem a responsabilização disciplinar da A. nos termos pretendidos.
Não há qualquer indício ( e menos seguro) da sua colaboração ou comparticipação na actuação do indivíduo com quem vivia maritalmente.
O facto de trazer no mesmo chaveiro das suas chaves pessoais (casa, carro, etc.) as de acesso às instalações da Direcção Regional do R. de Leiria, se assume alguma censura disciplinar, no falado contexto, não pode deixar de ser residual, uma vez que, em termos de normalidade, nada sugeria ou impunha, à míngua de quaisquer demonstrados sinais ou insinuações de desconfiança, que se devesse acautelar uma hipótese como a relatada nos factos que nos são presentes.
A sua actuação, logo que teve conhecimento da anormal utilização dos referidos cheques, atesta a diligência que seria esperada.
O seu passado sem antecedentes e a confiança que sempre granjeou junto dos elementos das DR’s por que foi passando não nos parecem minimamente traídos com o sindicado comportamento.
A sanção do despedimento sempre seria uma medida excessiva perante a pretensa falta de zelo ou diligência da A., mesmo admitindo que a sua actuação fosse susceptível de censura disciplinar.

É por tudo isso que, claudicando as restantes conclusões com que o recorrente remata as suas doutas alegações, não podemos deixar de sufragar a decisão impugnada, não tendo sido violadas as normas legais identificadas ou outras.

III -
Nos termos expostos, delibera-se negar provimento à apelação.
Custas pelo Recorrente.
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Coimbra,