Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2959/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: VENDA DE COISA ALHEIA
VENDA DE VEÍCULO AUTOMÓVEL
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 11/22/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 463.º, N.º 1, 892.º E 894.º, N.º 1 DO CÓDIGO CIVIL E ARTIGO 456.º, 1 E 2 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. Falsificados os documentos do veículo, situação que não se demonstrou ser do conhecimento da autora ou do réu, a propriedade da viatura não chegou a transferir-se para aquela e, por isso, a venda do bem realizada pelo réu, a favor da autora, que era propriedade de outrem, traduziu-se na venda de uma coisa alheia.
2. A venda de bem alheio, situada na esfera do direito comercial, não transfere logo a propriedade do mesmo para o comprador, o que só virá a ocorrer, mais tarde, eventualmente, «ipso iure», por via da eficácia translativa da convenção, quando o vendedor, por qualquer título legítimo, adquirir a propriedade da coisa e fizer a sua entrega ao comprador, sob pena de responder por perdas e danos perante este.

3. Litiga com má fé a parte que apresenta uma determinada versão dos acontecimentos, objectivamente, não correspondente à verdade material, afirmando, dolosamente, factos que se não vieram a provar, contrários à realidade existente, como era do seu perfeito conhecimento pessoal e que viria a demonstrar-se.

4. A prévia audição do interessado, em termos de este poder alegar o que tiver por conveniente sobre uma anunciada e previsível sanção, condiciona a condenação, por litigância de má fé, revelando-se indispensável ao exercício do princípio do contraditório e do princípio da igualdade das partes, com vista ao cabal desempenho do direito de defesa, de forma a evitar decisões surpresa, sob pena da pratica de uma nulidade, com reflexos na decisão da causa.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

“A...”, com sede social na Rua do Paraíso, nº 57, em Palhaça, Oliveira do Bairro, propôs a presente acção, sob a forma ordinária, contra B..., casado, comerciante, residente na Rua Bandarada, nº 80, Quinta do Picado, em Aveiro, pedindo que, na sua procedência, este seja condenado a pagar-lhe a quantia de 7.237.000$00, acrescida de juros legais desde a citação, alegando, para o efeito, e, em síntese, que, tendo adquirido ao réu um veículo automóvel, pelo valor peticionado, o qual, segundo este referiu, teria sido importado da Alemanha, veio, posteriormente, a ser apreendido, pelas autoridades alfandegárias, por ter sido furtado, na Itália, e serem falsos os documentos a ele referentes, sendo certo, continua, que o réu não poderia deixar de conhecer esses factos, quer por via do passado criminal de quem lhe vendeu esse mesmo veículo, quer pela forma como com ele se relacionava, encontrando-se privada da viatura e desembolsada do preço da sua aquisição que, assim, reclama.

Na contestação, o réu refere que o negócio relativo á aquisição do veículo foi efectuado, directamente, pelo próprio gerente da autora, tendo aquele, apenas, proporcionado o contacto com o indivíduo que o veio a enviar, então, residente na Alemanha, cujo passado desconhecia, e que o único negócio que fez com a autora, independentemente dessa venda, mas com ela relacionado, foi a aquisição da viatura em que, então, o gerente da autora se fazia transportar.

Na réplica, a autora reiterou o essencial da posição inicial, embora concretizando, de forma mais pormenorizada, os passos dados na realização da compra ao réu do veículo em causa, tendo o próprio emprestado a carrinha que havia recebido, em retoma, como forma de minimizar os prejuízos daquela, até à resolução da situação do veículo vendido.

A sentença julgou a acção, procedente por provada, e, em consequência, condenou o réu a devolver à autora a quantia, em euros, correspondente a 7.237.000$00 (sete milhões, duzentos e trinta e sete mil escudos), acrescida de juros legais, desde a citação, calculados à taxa de 12%, até 8 de Abril de 2003, e de 4%, desde então, e ainda, como litigante de má fé, na multa de 750,00 € (setecentos e cinquenta euros).

Desta sentença, o réu interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1ª - Através da douta sentença ora recorrida foi julgada totalmente procedente, por provada, a acção proposta pela autora (apelada), condenando-se o réu ora apelado a pagar à autora a quantia de 7.237.000$00, acrescida de juros legais desde a citação, calculados à taxa de 12% até 08.04.03 e de 4% desde então.

2ª - Salvo o devido respeito por melhor opinião, o apelante entende que a factualidade dada como provada na douta sentença não constitui fundamento para conferir à apelada o direito à restituição integral do preço, por virtude da nulidade operada face à venda de coisa alheia, ao abrigo dos artigos 892° e 894°, nº 1, do Código Civil.

3ª - O Sr. Juiz "a quo" escreveu na sentença que o apelante celebrou com a autora (apelada) um contrato de compra e venda, sendo certo que o réu não cumpriu as obrigações que sobre si impendiam enquanto vendedor, tendo concluído que o mesmo vendeu coisa alheia, uma vez que não poderia entregar e transmitir a propriedade do veículo objecto da venda, por o mesmo ter sido ilicitamente retirado ao seu legitimo dono que, por isso, não transmitiu esse direito ao réu.

4ª - Discordamos, porém, que a factualidade dada como provada nos presentes autos constitua fundamento para integrar o conceito jurídico de venda de coisa alheia.

5ª - A matéria relacionada com esta factualidade foi alegada na petição inicial, concretamente, no articulado n° 8, donde se retira que a Direcção Geral das Alfândegas, terá informado o representante legal da autora sobre a existência de fortes probabilidades de se tratar de um automóvel furtado em Itália. Para prova deste facto a autora (apelada) juntou um documento (sob o n°7) que consubstancia uma informação obtida através da difusão pela ARGOS.

6ª - Ora o referido documento n°7 junto ao articulado em questão, mais não representa do que um mero escrito elaborado não sabemos por quem, por que na verdade o que se alcança da sua análise é que aqueles dizeres de ARGOS foram aí colocados por justaposição (fotocopiados), pelo que, trata-se apenas de uma mera cópia que nem sequer foi devidamente autenticada. No

entanto, com base naquele documento junto ao citado articulado n°8, tal facto foi dado como assente na especificação tendo-lhe sido conferida força probatória plena para provar a factualidade referida nesse mesmo articulado.

7ª - Porém, é forçoso entender que do conteúdo desse documento não resulta, só por si, que o veículo automóvel em causa tivesse sido furtado. Aliás, o que decorre da prova testemunhal produzida em audiência é que tal alegação é apenas uma probabilidade, porquanto resulta do depoimento da testemunha João Manuel Rodrigues Figueiredo (Inspector da Polícia Judiciária, cujo depoimento foi gravado no lado B da primeira cassete desde a volta 1204 à volta1947),a apreensão do veículo deu origem a uma participação, sendo que o que se retirou do depoimento da referida testemunha quanto a esta matéria foi tão somente o seguinte:"...a participação faz parte de um processo de inquérito que está ainda pendente, está ainda a correr os seus trâmites".
8ª - Aliás, se apenas atentarmos no facto dado como assente na especificação o que dele resulta é o seguinte: "de que existam fortes probabilidades de se tratar de um automóvel furtado em Itália (al. A)).
9ª - Entendemos, pois, que com base numa probabilidade o Tribunal "a quo" não podia condenar o apelante nos termos em que condenou.
10ª - Na verdade apenas foi alegado que a autora, foi informada pela Direcção Geral das Alfândegas de que existiam fortes probabilidades de o veículo tinha sido furtado em Itália, e com base nesta afirmação (que nem sequer se provou integralmente) e na junção do citado documento n°7, o Tribunal "a quo" retirou, sem mais, que o veículo foi furtado e, por
consequência, não pertencia a quem o vendeu.
11ª - Ora, para que o negócio da compra e venda fosse nulo (na base do fundamento invocado na douta sentença) impunha-se que a autora (apelada) tivesse provado que o veículo em causa não pertencia ao apelante, ou seja impunha-se que a apelada tivesse provado que o apelante não era titular daquele direito de propriedade, nem agiu em representação do respectivo titular. Ora tal matéria nem foi sequer quesitada !
12ª - Assim, a douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 892° e 894°,n°1, do C.Civil.
Subsidiariamente,
13ª – Impugnam-se as respostas dadas à matéria constante dos quesitos n°s 2, 3, 4 e 6 da base instrutória, todas dadas como provadas (cfr. Artigo 690°-A, n°s 1 e 2, do CPC), por imporem decisão diversa da recorrida.
14ª - Entendemos, pois, que atenta a matéria probatória trazida aos autos, a decisão haveria de, logicamente, ser proferida em sentido parcialmente diverso.
15ª - Conjugação e confrontação dos depoimentos prestados em audiência pelas testemunhas indicadas: Mário Manuel Moitalta de Jesus (cfr. Gravação em audiência, cassete n°1, lado A, voltas 006 a 1407); Romeu Manuel Rodrigues de Almeida (cfr. Gravação em audiência, cassete n°1, lado A, voltas 1406 a 2040); António Manuel de Jesus Moitalta ( cfr. Gravação em audiência, cassete n°1, lado A, voltas 2040 até final deste lado e do lado B desde a volta 006 à volta
207); Mónica Alexandra Oliveira Miranda (cfr. gravação em audiência, cassete n°1, lado B, desde a volta 207 à volta 1204); e João Manuel Rodrigues Figueiredo (cfr. Gravação em audiência, cassete n°1, lado B, desde a volta 1204 à volta 1947).
16ª - Das cinco testemunhas indicadas pela autora (apelada) para prova da factualidade referida no quesito n°2, apenas as testemunhas Mário de Jesus e a Mónica Alexandra, demonstraram algum conhecimento sobre a matéria aí referida, porém nenhuma delas referiu que o preço do veículo tivesse sido no valor de 7.237.000$00.
17ª - Assim, a testemunha Mário de Jesus disse que o valor do negócio rondaria os 7.000contos (mas ficamos sem saber se o respectivo preço se situou abaixo ou acima dos referidos7.000 contos), a Mónica Alexandra referiu que o preço do negócio foi no valor de 6.950 contos.
18ª - Ora entende o apelante que esta testemunha (a Mónica), demonstrou no respectivo depoimento um conhecimento mais pormenorizado e consistente (talvez por ser funcionária da autora), daí que a matéria constante no quesito n°2 deverá ser alterada, dando-se apenas como provado "que o preço do veículo foi no valor de Esc. 6.950.000$00".
19ª - Face à prova produzida relativamente à matéria constante do quesito 3° apenas as testemunhas Mónica Alexandra e Romeu de Almeida referiram que, muito embora a carrinha Audi 80 tenha sido entregue ao réu por conta do preço da Audi A6, a mesma veio a ser devolvida aquando da apreensão daquela Audi A6.
20ª - De modo que, o valor atribuído de 2.585.$00 por conta do preço do negócio, não podia considerar-se, como se considerou, entregue ao réu.
21ª - Além do mais, não consta dos presentes autos qualquer declaração de venda emitida pela apelada a favor do ora apelante; Mais, do referido no articulado n°62 da réplica resulta exactamente o contrário.
22ª - Pelo que a matéria referida no quesito 3° deverá ser dada como não provada.
23ª - No que concerne à factualidade vertida no quesito 4° da análise da respectiva prova, entendemos que a matéria nele ínsita apenas se provou parcialmente, ou seja provou-se apenas a entrega do valor de 2.001.466$00 (prova que resultou somente do depoimento da testemunha Mónica conjugada com prova documental junta).
24ª - Dever-se-ia ter dado apenas como provado "entregou em numerário de uma vez 2.001.466$00".
25ª - Relativamente à matéria constante do quesito n°6, em boa verdade, muito embora as testemunhas tenham referido que deveria ter sido o apelante que procedeu à legalização do veículo, entendemos que de tais depoimentos conjugados com a respectiva prova documental junta aos autos (e relativa a esta matéria) não se pode dizer com segurança que, de facto, o réu tenha procedido à respectiva legalização.
26ª - Dever-se-ia ter dado como não provada a matéria constante do quesito n°6.
27ª - Consideramos, assim, salvo o devido respeito, que a decisão dos autos haveria de ser parcialmente procedente e não totalmente procedente, como sucedeu.
28ª - Foi também o apelante condenado nos presentes autos como litigante de má fé, porquanto refere a sentença ora recorrida que o réu não só violou frontalmente o dever de cooperação, como procurou fugir às responsabilidades que sobre ele incidiam perante a autora, confrontando com a constatação de que o veículo vendido era furtado e havia sido apreendido, alegando factos que procuravam colocar a autora, que agiu pelo seu sócio gerente, na posição que lhe cabia na importação do veículo.
29ª - Ora o apelante não deduziu pretensão em manifesta e total oposição face aos factos que resultaram provados; apenas não provou o que alegou na respectiva contestação atendendo a que tal matéria não foi sequer quesitada.
30ª - Entende, por isso, o apelante que fez um uso legítimo do processo, não tendo actuado com culpa ou má fé.
31ª - Por outro lado, é hoje entendimento pacífico na jurisprudência que, por força do disposto nos artºs 3° e 3°-A, do CPC e sob pena de inconstitucionalidade por violação do disposto no artº 20°, da CRP (vejam-se, entre outros, Acs. do Tribunal Constitucional n°440/94, DR II Série, n°202, de 01.09.94, n°357/98, DR II Série, n°162, de 16.07.98, n°289/02, DR II Série, n°262, de 13.11.02), o Juiz, sempre que oficiosamente entenda existir uma situação susceptível de fundamentar uma condenação como litigante de má fé, deve determinar a audição prévia da parte que possa por tal vir a ser sancionada, a fim de que esta se possa pronunciar sobre tal questão, afastando-se, inclusivamente e por essa via, a vulgarmente denominada "decisão-surpresa".
32ª - A ser assim, violou as normas e os princípios jurídicos contidos no artº 456°, do CPC e artº 20°, da CRP.
Nas suas contra-alegações, a autora defende a improcedência do recurso, com a consequente manutenção da sentença apelada.
Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
As questões a decidir, na presente apelação, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil (CPC), são as seguintes:
I – A questão da alteração da decisão sobre a matéria de facto.
II – A questão da nulidade do contrato de compra e venda.
III - A questão da condenação em litigância de má fé.

I

DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Entende o réu que a matéria constante no quesito n° 2 deverá ser alterada, dando-se apenas como provado "que o preço do veículo foi no valor de Esc. 6.950.000$00".
Da audição da prova objecto de gravação, retira-se que a testemunha Mário Manuel, que acompanhou o sócio-gerente da autora ao “stand” do réu, para o aconselhar sobre o negócio projectado da compra e venda do veículo, referiu que “o preço total do automóvel comprado andava à volta de 7000 contos, números redondos”, a testemunha Romeu Manuel que, igualmente, acompanhou o sócio-gerente da autora ao “stand” do réu, com o mesmo objectivo, disse “não saber do preço…e que ouviu falar em 6000 ou 7000 contos”, enquanto que a testemunha Mónica Alexandra, escriturária-orçamentista da autora, mencionou que “o preço da carrinha foi de 6950 contos”.
Aliás, a autora, no nº 22 do seu articulado da réplica, afirma que “…pagaria o preço de 6900000$00, assumindo todos os danos exteriores e visíveis que o carro tinha”.
Assim sendo, o ponto nº 2 da base instrutória deverá ser alterado, no tocante ao preço do veículo, que se fixa em “6950000$00”, passando da respectiva resposta a constar que “o preço do veículo foi de 6950000$00”.
O réu defende ainda que deve ser dada como não provada a resposta ao quesito 3º, porquanto a carrinha entregue como retoma pela autora ao réu, foi por este devolvida aquela, na sequência da apreensão do veículo vendido.
Analisando a prova produzida, registe-se que a testemunha Mónica Alexandra, já aludida, referiu que “o réu entregou a carrinha Audi 80 à autora”.
Por outro lado, a autora, nos artigos 58º e 62º da réplica, alega que, “tendo sido o próprio réu que no dia 15 de Setembro de 2000, cerca das 21,00 horas, se deslocou a casa do sócio-gerente da autora, acompanhado de sua mulher, para lha [carrinha] entregar, para que este se servisse dela enquanto esta questão estivesse pendente”, “não restando quaisquer dúvidas que, e tal como tinham combinado, lhe devolverá o veículo, fazendo quaisquer acerto de contas que se entenda necessário”.
Assim sendo, a resposta ao ponto nº 3 da base instrutória não será negativa, como pretendo o réu, mas antes completada com a nova factualidade que resultou provada, aditando-se ao texto actual daquele ponto nº 3 um segmento com a indicação de “que o réu devolveu à autora, aquando da apreensão da viatura comprada”.
Sustenta ainda o réu que o quesito 4º deve apenas registar que aquele “entregou em numerário de uma vez 2001466$00”, dele se retirando qualquer referência a uma entrega posterior de “373775$00”.
Efectivamente, se nenhuma das testemunhas inquiridas referiu, expressamente, qualquer entrega suplementar de “373775$00”, não é menos verdade que o próprio réu, no artigo 23º da contestação, reportando-se ao documento de folhas 51, dá conta da entrega pela autora da importância de “373775$00”, através de cheque.
Como assim, manter-se-á intacto o teor da resposta ao ponto nº 4 da base instrutória.
Finalmente, o réu sustenta que se deve dar como não demonstrada a matéria constante do quesito nº 6.
Neste particular, resulta da inquirição da testemunha Mário Manuel que “a legalização do veículo era por conta do réu” e que “nos 7000 contos estava incluída a legalização do veículo”, enquanto que a testemunha Romeu Manuel disse que “o réu tratava de tudo, incluindo a legalização, era chave na mão, foi o réu que tratou da legalização”, tendo a testemunha João Manuel, inspector da Polícia Judiciária, referido que “penso que foi o réu quem procedeu à legalização do veículo”.
Assim sendo, não importa alterar o teor do ponto nº 6 da base instrutória, que, consequentemente, se manterá.
Como assim, este Tribunal da Relação considera que se devem declarar como provados os seguintes factos:
A 13 de Setembro de 2000, o veiculo, de matricula 66-98-PZ, foi apreendido pela Direcção Geral das Alfândegas, com o fundamento de que tinha sido legalizado, através da utilização de documentos viciados, e de que existiam fortes probabilidades de se tratar de um automóvel furtado, em Itália - A).
A autora adquiriu ao réu, em Julho de 2000, em estado de usado, um veiculo automóvel, de marca Audi, modelo A6 - 2.5 TDI Quatro Avant, ligeiro de passageiros, de cor azul, com chassis nº WAVZZZ4BZXNO91963 , a que veio a ser atribuída a matricula 66--98-PZ - 1º.
O preço do veículo foi de 6950000$00 - 2º.
Para pagamento do preço, a autora entregou, para retoma, o veículo automóvel, com a marca AUDI, modelo 80 - 1.9 T.D.I. Avant, ligeiro de passageiros, com a matricula 76-95-EZ, ao qual foi atribuído o valor de 2.585.000$00, que o réu devolveu à autora, aquando da apreensão da viatura comprada - 3º.
E entregou, em numerário, de uma vez, 2.001.466$00, e, posteriormente, mais 373 .775$00 - 4º.
Aquando das negociações que levaram à compra do veículo, o réu informou a autora que a viatura havia sido adquirida na Alemanha e se encontrava em perfeitas condições de ser legalizada - 5º.
Após a celebração do negócio, o réu procedeu à legalização do veículo, em Portugal - 6º.
O réu B... é sócio-gerente de “C...”, com sede social na Rua da Sofia, nº 23, Estrada 109, Forca, Aveiro, mas, também, ele, comerciante, trabalhador independente – Documentos de folhas 2 e 52.

II

DA NULIDADE DA COMPRA E VENDA

Efectuando uma síntese do essencial da factualidade que ficou demonstrada, importa reter que a autora adquiriu ao réu, em Julho de 2000, em estado de usado, um veiculo automóvel, ligeiro de passageiros, de marca Audi, modelo A6 - 2.5 TDI Quatro Avant, a que veio a ser atribuída a matricula 66--98-PZ, tendo o réu, aquando das negociações que levaram à compra do veículo, informado a autora que a viatura havia sido adquirida, na Alemanha, e que se encontrava, em perfeitas condições de ser legalizada, sendo certo, porém, que, a 13 de Setembro seguinte, o veiculo em causa foi apreendido, pela Direcção Geral das Alfândegas, com o fundamento de que tinha sido legalizado, através da utilização de documentos viciados, e de que existiam fortes probabilidades de se tratar de um automóvel furtado, em Itália.

Falsificados os documentos do veículo, situação que não se demonstrou ser do conhecimento da autora ou do réu, a propriedade da viatura não chegou a transferir-se para aquela e, por isso, a venda do bem realizada pelo réu, a favor da autora, que era propriedade de outrem, traduziu-se na venda de uma coisa alheia.

Ora, o comprador de boa-fé de veículo automóvel alheio goza, para tutela dos seus interesses, da faculdade de recorrer aos meios previstos nos artigos 892º e seguintes, do Código Civil (CC) RC, de 28-4-87, CJ, Ano XII, T2, 97..

Dispõe, efectivamente, o artigo 892º, do CC, que “é nula a venda de bens alheios sempre que o vendedor careça de legitimidade para a realizar; mas o vendedor não pode opor a nulidade ao comprador de boa fé, como não pode opô-la ao vendedor de boa fé o comprador doloso”.

E o artigo 894º, nº 1, do mesmo diploma legal, acrescenta que “sendo nula a venda de bens alheios, o comprador que tiver procedido de boa fé tem o direito de exigir a restituição integral do preço, ainda que os bens se hajam perdido, estejam deteriorados ou tenham diminuído de valor por qualquer outra causa”.

Esta disposição está em sintonia, aliás, com o estatuído pelo artigo 289º, nº 1, do CC, segundo o qual “tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”.

Porém, relativamente ao veículo, a autora não formulou o respectivo pedido de restituição, nem tal se mostraria viável, porquanto o mesmo se encontra apreendido pela Direcção Geral das Alfândegas.

Contudo, tratando-se de venda de coisa propriedade de outrem, portanto, de uma venda de bem alheio, a mesma situa-se na esfera do direito comercial, pelo menos, pelo lado do réu-vendedor, atento o estipulado pelo artigo 463º, 1º, como tal regulada, quanto a todos os contraentes, pelas disposições deste, como determina o artigo 99º, válida, por sua natureza, conforme dimana do estipulado pelo artigo 467º, nº 2, todos do Código Comercial, mas que não transfere logo a propriedade do bem para o comprador, porque o mesmo não pertencia ao vendedor, o que só virá a ocorrer, mais tarde, eventualmente, «ipso iure», por mero efeito do contrato de compra e venda, quando o vendedor, por qualquer título, adquirir o objecto, então, já sem necessidade de nova manifestação de vontade tendente a esse fim, por via da eficácia translativa da convenção Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 1997, 184; Baptista Lopes, Do Contrato de Compra e Venda, 1971, 136 e 393; Armando Braga, Contrato de Compra e Venda, 190 e ss..

Aliás, ainda que a venda ajuizada revestisse natureza, meramente civil, o que não acontece, como se expôs, não se colocaria a hipótese da sua nulidade, por eventual venda de coisa alheia, porquanto o réu tinha uma legítima expectativa jurídica de vir a adquirir o automóvel Pessoa Jorge, Obrigações, 67., declarou à autora não ser proprietário do mesmo, celebrando-se o contrato na suposição de que aquele viria a adquirir o bem, titularidade de terceiro, que ficaria sujeito ao regime da venda de bens futuros, nos termos das disposições combinadas dos artigos 880º, 893º e 904º, todos do CC, consistindo numa venda sob condição suspensiva, cujo destino último dependeria da verificação ou não da condição, porquanto a autora, na qualidade de compradora, tinha conhecimento de que o automóvel não pertencia ao réu, mas que este se havia comprometido a adquiri-lo Baptista Lopes, Do Contrato de Compra e Venda, 1971, 141. .

Com efeito, é válida a compra e venda de bem alheio se as partes tiverem presente que se trata de coisa relativamente futura, por se estar perante um contrato aleatório, dependente de um facto futuro e incerto, ou seja, a aquisição da propriedade sobre a coisa, por parte do vendedor, para a sua posterior transmissão ao comprador Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações, Parte Especial, Contratos, 2000, 105..

Nesta hipótese, impõe-se ao vendedor, por força do disposto no artigo 467º, e seu § único, do Código Comercial, a obrigação de adquirir, por título legítimo, a propriedade da coisa vendida e de fazer a sua entrega ao comprador, sob pena de responder por perdas e danos STJ, de 11-4-2000, CJ (STJ), Ano VIII, T2, 37..

Com efeito, está-se em presença de um declarado desvio às regras do Código Civil, porquanto a proibição destas vendas importava o desconhecimento das necessidades reais do comércio, criando-se um obstáculo perigoso à rapidez e desenvolvimento das suas operações, em prejuízo do próprio interesse dos comerciantes Adriano Antero, Comentário ao Código Comercial Português, II, 246..

Quer isto dizer que, ficando a venda celebrada submetida à disciplina do artigo 467º, do Código Comercial, o réu-vendedor é responsável por perdas e danos, perante o dono da coisa, ou seja, a autora, a menos que a adquira e a restitua à mesma, condição essa, porém, que, até ao momento, não ocorre, no caso em apreço.

Por isso, não tendo o réu procedido à aquisição da viatura, por forma a operar-se o subsequente levantamento da sua apreensão, pelas entidades alfandegárias, com a sua entrega, livre e desembaraçada, à autora, esta tem direito à restituição do preço pago pela sua aquisição, como resulta, taxativamente, do preceituado pelo artigo 864º, nº 1, ou, em todo o caso, operando-se a restituição da quantia com que o réu vendedor se locupletou, em conformidade com o estipulado pelo artigo 473º, ambos do CC Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 1987, 454 e ss..

Assim sendo, o «quantum» indemnizatório devido pelo réu, a favor da autora, cifra-se no quantitativo monetário de 2375241$00 (2001466$00 + 373775$00), em quanto ascendeu o total das entregas efectuadas pelo réu à autora, do qual esta se encontra, efectivamente, desembolsada, para além da importância devida, a título de juros legais peticionados, desde a respectiva citação, devendo, portanto, o réu restituir à autora a importância de 11847,65 €, correspondente a 2375241$00, acrescida de juros moratórios, à taxa legal de 12% ao ano, desde a citação e até 30 de Abril de 2003 e, à taxa legal de 4% ao ano, desde 1 de Maio de 2003 e até integral cumprimento.

III

DA LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Entende o réu que a decisão de aplicação de multa, por litigância de má fé, além de infundada, é nula, por ausência de audição prévia daquele.
Diz-se litigante de má fé, segundo o disposto pelo artigo 456º, nº 2, do CPC, na parte que agora interessa considerar, quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, tiver alterado a verdade dos factos ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade ou entorpecer a acção da justiça.
Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir, podendo a indemnização consistir no reembolso das despesas a que a má fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos, nos termos das disposições combinadas dos artigos 456º, nº 1, e 457º, nº 1, a), do CPC.
A má-fé traduz-se, em última análise, na violação do dever de cooperação que os artigos 266º, nº 1 e 266º-A, do CPC, impõem às partes.
Aliás, no intuito de moralizar a actividade judiciária, o artigo 456º, nº 2, do CPC, oriundo da revisão de 1995, alargou o conceito de má-fé à negligência grave, enquanto que, anteriormente, a condenação como litigante de má fé pressupunha uma actuação dolosa, isto é, com consciência de se não ter razão, pelo que a conduta processual da parte está, hoje, sancionada, civilmente, desde que se evidencie, por manifestações dolosas ou caracterizadoras de negligência grave.
Com efeito, a má fé substancial ou material directa, quer dolosa, quer com culpa grave ou erro grosseiro, esta última designada por lide temerária, diz respeito ao fundo da causa, à relação substancial deduzida em juízo, não acontecendo, frequentemente, desacompanhada da outra modalidade, a que alude a alínea b), do nº 2, do artigo 456º, do CPC, ou seja, da má fé substancial indirecta, que se verifica, quando se “tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa” Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 355 a 358; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, II, 1981, 258 e ss..
A sentença recorrida, neste particular, considerando que o réu, não só violou, frontalmente, o dever de cooperação, como procurou fugir às responsabilidades que sobre ele incidiam perante a autora, confrontado com a constatação de que o veículo vendido era furtado e havia sido apreendido, alegou factos que procuravam colocar esta última, que agiu pelo seu sócio gerente, na posição que lhe cabia na importação do veículo.
Descendo ao caso em apreço, importa considerar que o réu alegou, na contestação, que “nunca vendeu nada à autora ou ao seu sócio-gerente, Sr. Nelson Magano, bem antes pelo contrário;” (2º), “assim, o preço da carrinha comprada pelo Sr. Nelson Magano ao Sr. Condomi,…” (23º), “e [a carrinha] teve as seguintes passagens ou negócios comerciais, até chegar a Portugal, segundo o contrato italiano constante do documento nº 8 junto à douta p.i., ao que o réu é totalmente alheio: o Sr. Viola Matteo vendeu tal viatura a Antoine Condemi e este, por sua vez, é que a vendeu à autora” (27º), “também, foi o Sr. Nelson Magano quem, directamente em seu nome ou da autora sua representada tudo requereu e pagou junto da Alfândega e demais entidades com jurisdição sobre tal viatura, para a legalizar” (28º) e, finalmente, “ao que, a tudo o réu foi alheio, já que nada tratou sobre a legalização de tal viatura” (29º).
Por seu turno, ficou provado que a autora adquiriu ao réu, em Julho de 2000, em estado de usado, o aludido veiculo automóvel, tendo este, aquando das negociações preliminares que levaram à compra da viatura, informado a autora que o automóvel havia sido adquirida, na Alemanha, e que se encontrava, em perfeitas condições de ser legalizado, sendo certo, outrossim, que se provou que, após a celebração do negócio, foi o réu quem procedeu à legalização do veículo, em Portugal.
Assim sendo, o réu deduziu pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar, tendo alterado a verdade dos factos, por si bem sabida, ultrapassando o normal exercício do seu direito de acção, desenvolvendo-o, de forma desleal e sem verdade, porquanto não goza do direito de afirmar uma versão contrária à realidade, por si conhecida.
Com efeito, o réu apresentou uma determinada versão dos acontecimentos, objectivamente, não correspondente à verdade material, com vista a tentar provar a situação da “compra directa” da viatura, pelo Sr. Nelson Magano, na qualidade de sócio-gerente da autora, a Antonine Condemi, afirmando, dolosamente, factos que se não vieram a provar, contrários à realidade, que era do seu perfeito conhecimento pessoal, e que viria a demonstrar-se, como tal determinante de responsabilidade processual subjectiva.
E, nem se diga, como sustenta o réu, que apenas se não provou o que alegou, na respectiva contestação, atendendo a que tal matéria não foi sequer quesitada, porquanto a não inclusão, na base instrutória, da sobredita factualidade articulada pelo réu, na sua contestação, por oposição ao princípio da distribuição do ónus da prova, constante dos artigos 342º, nºs 1 e 2, do CC, e 516º, do CPC, sendo desnecessária para o êxito da pretensão da autora, não impede que, a provar-se a tese avançada por esta, como aconteceu, o réu, que afirmou uma versão diversa, totalmente incompatível com aquela que ficou demonstrada, não venha a ficar incurso na situação de litigância de má fé e sujeito às respectivas penalidades.
Por outro lado, o réu alega que foi confrontado com o efeito surpresa resultante da condenação em multa, a título de litigância de má fé, pela sentença recorrida.
Com efeito, as normas contidas no artigo 456º, nºs 1 e 2, do CPC, não são inconstitucionais, na parte relativa à condenação em multa, por litigância de má fé, desde que interpretadas no sentido de tal condenação estar condicionada pela prévia audição dos interessados que, com a mesma, possam vir a ser atingidos.
No caso em análise, o réu não foi ouvido sobre a sua hipotética condenação como litigante de má fé, quer porque o Exº Juiz, oficiosamente, não tomou essa iniciativa, antes de decidir, quer porque, igualmente, a autora, no articulado da réplica, ou, subsequentemente, não deduziu o pedido de condenação daquele em litigância de má fé.
Porém, o regime instituído com as apontadas normas, quando interpretadas no sentido de a condenação em multa, por litigância de má fé, não pressupor a prévia audição do interessado, em termos de este poder alegar o que tiver por conveniente sobre uma anunciada e previsível condenação, ofende o princípio constitucional fundamental do acesso aos Tribunais, que tem implícita a proibição da indefesa, de modo a evitar que o mesmo seja confrontado com uma decisão condenatória, cujos fundamentos, de facto e de direito, não teve oportunidade de contraditar, em homenagem ao princípio da igualdade das partes, bem explicitado no artigo 3º, nºs 2 e 3, do CPC TC, Acº nº 440/94, DR, II série, nº 202, de 1 de Setembro de 1994; Acº nº 103/95, DR, II série, nº 138, de 17 de Junho de 1995; e Acº nº 357/98, de 12 de Maio de 1998, http://www.tribunalconstitucional.pt.
A prévia audição dos interessados condiciona a condenação, por litigância de má fé, revelando-se, assim, indispensável ao exercício do princípio do contraditório, que se encontra ao serviço do princípio da igualdade das partes, segundo o qual cada uma destas é chamada a deduzir as suas razões, de facto e de direito, a oferecer as suas provas, a controlar as provas do adversário e a discretear sobre o valor e resultados de umas e outras Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 377. , condição «sine qua non» do cabal desempenho do direito de defesa, de forma a evitar decisões que constituam uma verdadeira surpresa, em violação do estipulado no artigo 18º, da Constituição da República.
Ora, tendo-se omitido a indispensável audição prévia do réu, cometeu-se a nulidade a que se reporta o artigo 201º, nº 1, do CPC, com reflexos na decisão da causa, face à preterição do direito de defesa da imputação, por parte do réu, o que importa a anulação da sentença recorrida, mas, tão-só, na parte em que foi condenado como litigante de má fé, baixando os autos ao 3º Juízo Cível da Comarca de Aveiro, com vista à sua reforma, neste particular.
Porém, face a tudo o que acaba de ser exposto, e reformada a parte da decisão em causa, o réu saberá, por certo, compreender o texto deste acórdão, em toda a sua extensão.
Procedem, pois, apenas, em parte, as conclusões constantes das alegações do réu-apelante.

CONCLUSÕES:

I - Falsificados os documentos do veículo, situação que não se demonstrou ser do conhecimento da autora ou do réu, a propriedade da viatura não chegou a transferir-se para aquela e, por isso, a venda do bem realizada pelo réu, a favor da autora, que era propriedade de outrem, traduziu-se na venda de uma coisa alheia.

II - A venda de bem alheio, situada na esfera do direito comercial, não transfere logo a propriedade do mesmo para o comprador, o que só virá a ocorrer, mais tarde, eventualmente, «ipso iure», por via da eficácia translativa da convenção, quando o vendedor, por qualquer título legítimo, adquirir a propriedade da coisa e fizer a sua entrega ao comprador, sob pena de responder por perdas e danos perante este.

III – Litiga com má fé a parte que apresenta uma determinada versão dos acontecimentos, objectivamente, não correspondente à verdade material, afirmando, dolosamente, factos que se não vieram a provar, contrários à realidade existente, como era do seu perfeito conhecimento pessoal e que viria a demonstrar-se.
IV – A prévia audição do interessado, em termos de este poder alegar o que tiver por conveniente sobre uma anunciada e previsível sanção, condiciona a condenação, por litigância de má fé, revelando-se indispensável ao exercício do princípio do contraditório e do princípio da igualdade das partes, com vista ao cabal desempenho do direito de defesa, de forma a evitar decisões surpresa, sob pena da pratica de uma nulidade, com reflexos na decisão da causa.

DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar, parcialmente, procedente a apelação e, em consequência, condenam o réu a restituir à autora a importância de 11847,65 €, correspondente a 2375241$00, acrescida de juros moratórios, à taxa legal de 12% ao ano, desde a citação e até 30 de Abril de 2003 e, à taxa legal de 4% ao ano, desde 1 de Maio de 2003 e até integral cumprimento, nesta parte revogando a sentença recorrida, que anulam, no segmento que condenou o réu, como litigante de má fé, ao pagamento da multa de 750,00 € (setecentos e cinquenta euros), ordenando-se a baixa dos autos ao 3º Juízo Cível da Comarca de Aveiro, com vista à sua reforma, na parte ora anulada, no mais se confirmando a decisão apelada.
Custas, a cargo do réu e da autora, na proporção de metade.