Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
193/10.9GCGRD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: PEDIDO CÍVEL
TAXA DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 10/19/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.º 8º, DO REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS (APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 34/2008, DE 26/12)
Sumário: Em processo penal, o pedido cível nele enxertado (independentemente da qualidade do demandante e do respectivo valor) não está sujeito ao pagamento prévio de taxa de justiça.
Decisão Texto Integral:

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I - RELATÓRIO

1. No processo comum singular n.º 193/10.9GCGRD do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, por despacho datado de 2/3/2011, foi decidido o seguinte (artigo 311º do CPP):
«Autue como processo comum, com intervenção do Tribunal Singular.
O Tribunal é competente.
Não existem nulidades, ilegitimidades, outras excepções, questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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Recebo a douta acusação pública de fls. 52 a 55, cujos termos de facto e de direito aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais e em que é arguido A..., ali melhor identificado.
*
Para a realização da audiência de julgamento, designo o dia 05 de Maio de 2011, pelas 09H30 horas.
Para o caso de adiamento ou para audição do arguido a requerimento do seu Ilustre Defensor, designo o dia 09 de Maio de 2011, pelas 09H30 horas, nos termos dos artigos 333º, n.° 1 e 312°, n.° 2, do Código de Processo Penal.
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D.N., designadamente:
- Cumprimento do disposto nos artigos 313°, n.° 2, 315°, n.° 1 e 317°, n.° 1, todos do Código de Processo Penal.
- Relativamente às datas designadas para a realização da audiência de julgamento, cumpra previamente o disposto no artigo 155°, n.° 1, do Código de Processo Civil, ex vi do n.° 4 do art. 312° do Código de Processo Penal.
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Pedido de indemnização civil de fls. 69 a 74:
Veio B... deduzir pedido de indemnização civil contra A..., peticionando a sua condenação no pagamento da quantia de €3.500,00, a título de ressarcimento de danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes do crime por que este vem acusado.
O presente processo-crime encontra-se pendente desde 18/11/2010, data da sua autuação nos Serviços do Ministério Público junto deste Tribunal, pelo que ao mesmo é aplicável o Regulamento das Custas Processuais, cuja entrada em vigor ocorreu em 20/04/2009 (artigos 26° e 27°, n.° 1, do Decreto-lei n.° 34/2008, de 26-02, na redacção dada pela Lei n.° 64-A/ 2008, de 31-12).
Nos termos do artigo 4°, n.° 1, alínea m), do Regulamento das Custas Processuais, estão isentos de custas o demandante e o arguido demandado, no pedido de indemnização civil, apresentado em processo penal, quando o respectivo valor seja inferior a 20 UC.
Em 2011, o valor da UC cifra-se em €102,00, por aplicação das disposições conjugadas dos artigos 22°, do Decreto-Lei n.° 34/2008, de 26-02 e 67°, da Lei n.° 55-A/2010, de 31-12.
Nestes termos, sempre que o valor do pedido de indemnização civil ultrapasse os €2.040,00 (€102,00 x 20), o demandante não está isento do pagamento da respectiva taxa de justiça (artigo 4°, n.° 1, alínea m), a contrario, do Regulamento das Custas Processuais).
Por outro lado, não existindo no Regulamento das Custas Processuais norma similar à prevista no artigo 29°, n.° 3, alínea f), do Código das Custas Judiciais, nos termos da qual havia lugar a dispensa de pagamento prévio da taxa de justiça nas acções cíveis declarativas processadas conjuntamente com a acção penal, é devido o pagamento da taxa de justiça inicial com a apresentação da petição inicial e com a apresentação da contestação ao pedido cível (cfr. Edgar Vailes, “Custas Processuais”, Almedina, 2009, p. 101).
É assim devida taxa de justiça inicial pela dedução do pedido de indemnização civil em apreço, porquanto superior ao montante equivalente a 20 UC, a qual não se mostra liquidada.
Perante a omissão de pagamento da taxa de justiça devida pela dedução do pedido de indemnização civil impõe-se o desentranhamento da petição inicial, nos termos do artigo 467°, n.° 6, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 4°, do Código de Processo Penal.
Termos em que, ao abrigo das normas citadas, não admito o pedido de indemnização civil deduzido por B... e, em consequência, após trânsito do presente despacho, determino o desentranhamento de fls. 69 a 74 e a sua devolução ao apresentante.
Notifique.
- Requisite e junte certificado do registo criminal do arguido.
*
Defensor(a) do arguido — o(a) nomeado/constituído(a) a fls. 57.
Medida de coacção: nada a ordenar, nesta parte, por se nos afigurar adequado e suficiente o termo de identidade e residência prestado pelo arguido a fls. 46, nos termos dos artigos 191°, n.° 1, 193°, n.° 1 e 196°, todos do Código de Processo Penal».

2. Inconformado, o demandante civil B... recorreu da parte do despacho aludido em 1. que rejeitou o PIC.
Finaliza a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
«I. Por requerimento datado de 19/01/2011, o ora recorrente deduziu pedido de indemnização civil contra A..., não tendo todavia procedido à liquidação da taxa de justiça referente ao mencionado pedido cível.
II. O pedido cível formulado pelo recorrente era do montante global de 3.500,00 € (três mil e quinhentos euros), não se encontrando abrangido pela isenção de pagamento de taxa de justiça a que alude o artigo 4°, n.° 1, m) do Regulamento das Custas Processuais.
III. Em face da omissão do recorrente o Tribunal a quo proferiu despacho através do qual, de forma liminar, não admitiu o pedido de indemnização civil deduzido e, em consequência, determinou o desentranhamento daquela peça processual e a sua devolução ao apresentante.
IV. No entender do recorrente, por um lado, o douto despacho recorrido não se encontra adequadamente fundamentado do ponto de vista legal, porque basilado no artigo 467.°, n.° 6 do Código de Processo Civil, o que prevê situações relacionadas com a formulação de pedidos de apoio judiciário, que, in casu, nunca ocorreu.
V. Por outro lado, a secretaria não recusou a petição nos termos em que dispõe o artigo 474°, f) do Código de Processo Civil, tendo procedido à distribuição do processo.
VI. Por sua vez, e pese embora o procedimento omissivo da secretaria, o Tribunal não concedeu ao recorrente a faculdade de liquidar a taxa de justiça cujo pagamento foi omitido, e, pura e simplesmente, veio a indeferir liminarmente.
VII. No ponto de vista do recorrente, perante a omissão da secretaria que não cumpriu disposto no aludido artigo 474°, f) do Código de Processo Civil, deveria o Tribunal a quo ter decidido no sentido de conceder ao aqui recorrente o prazo de 10 dias para juntar o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça, o que aliás estava ao seu alcance, fazendo uso do disposto nos artigos 265° n° 1 e 2 do mesmo diploma.
VIII. Violou assim, o Tribunal a quo, o disposto nos artigos 4.° do Código de Processo Penal, 474.°, f), 476.° e 265° n° 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
IX. Deverá pois o douto despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que conceda ao aqui recorrente a faculdade a que alude o artigo 476.° do Código de Processo Civil».

3. O Ministério Público em 1ª instância não respondeu ao recurso.

4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se, a fls. 26-27, no sentido de que o recurso merece provimento, concluindo que «a decisão posta em crise foi prematura e que se deve dar oportunidade ao recorrente para regularizar a situação processual».

5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal – tendo o recorrente apresentado o requerimento de fls 31 -, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea b), do mesmo diploma.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
Assim, balizados pelos termos das conclusões Diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr. Germano Marques da Silva, Volume III, 2ª edição, 2000, fls 335 - «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões») – Cfr. ainda Acórdão da Relação de Évora de 7/4/2005 in www.dgsi.pt.
formuladas em sede de recurso, a única questão a decidir consiste em saber:
- se FOI LEGAL a decisão do tribunal recorrido em não admitir o PIC deduzido pelo recorrente por omissão do pagamento da competente taxa de justiça.

2. APRECIAÇÃO DO RECURSO
2.1. A questão que se discute neste recurso é apenas a de saber se foi legal a decisão de não admitir o pedido de indemnização civil deduzido em tempo pelo demandante civil/recorrente pelo simples facto de não ter sido paga a competente taxa de justiça.
Ora, o que há que descortinar é se há lugar a dispensa de pagamento prévio dessa taxa de justiça nas acções cíveis processadas conjuntamente com a acção penal.
Em caso negativo, há que ponderar se se deveria logo ter rejeitado o PIC em causa, ou antes dever-se-ia ter usado o mecanismo do artigo 476º do CPC.

2.2. O presente processo iniciou-se já na vigência do Regulamento das Custas Processuais (por os presentes autos terem sido instaurados em data posterior a 20.4.2009 - artigo 27º do DL nº 34/2008, de 26.2, na redacção da Lei nº 64-A/2008, de 31.12).
Estabelece o artigo 8º (taxa de justiça em processo penal e contra-ordenacional) do mesmo RCP:
1. A taxa de justiça devida pela constituição como assistente é auto liquidada no montante de 1 UC, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz, para um valor entre 1 UC e 10 UC, tendo em consideração o desfecho do processo e a concreta actividade processual do assistente.
2. A taxa de justiça devida pela abertura de instrução requerida pelo assistente é auto liquidada no montante de 1 UC, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz para um valor entre 1 UC e 10 UC, tendo em consideração a utilidade prática da instrução na tramitação global do processo.
3. Para o denunciante que deva pagar custas, nos termos do disposto no artigo 520.º do Código de Processo Penal, é fixado pelo juiz um valor entre 1 UC e 5 UC.
4. É devida taxa de justiça pela impugnação das decisões de autoridades administrativas no âmbito de processos contra-ordenacionais, quando a coima não tenha sido previamente liquidada, sendo a taxa autoliquidada nos 10 dias subsequentes ao recebimento da impugnação pelo tribunal, no montante de 1 UC, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz, nos termos da tabela III, que faz parte integrante do presente Regulamento, tendo em consideração a gravidade do ilícito.
5. Nos restantes casos, a taxa de justiça é paga a final, sendo fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela III.
Por seu lado, o artigo 14º (oportunidade do pagamento) do mesmo RCP adianta:
1. O pagamento da taxa de justiça faz-se até ao momento da prática do acto processual a ela sujeito, devendo o interessado entregar o documento comprovativo do pagamento ou realizar a comprovação desse pagamento, juntamente com o articulado ou requerimento.
2. Quando se trate de causa que não importe a constituição de mandatário e o acto seja praticado directamente pela parte, só é devido o pagamento após notificação de onde conste o prazo de 10 dias para efectuar o pagamento e as cominações a que a parte fica sujeita caso não o efectue.
3. O documento comprovativo do pagamento perde validade 90 dias após a respectiva emissão, se não tiver sido, entretanto, apresentado em juízo ou utilizado para comprovar esse pagamento, caso em que o interessado solicita ao Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, I. P., no prazo referido no número seguinte, a emissão de novo comprovativo quando pretenda ainda apresentá-lo.
4. Se o interessado não pretender apresentar o documento comprovativo em juízo, requer ao Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, I. P., no prazo de seis meses após a emissão, a sua devolução, mediante entrega do original ou documento de igual valor, sob pena de reversão para o referido Instituto.
Chegamos às seguintes conclusões, cotejando todas estas normas, aliadas a outras do CPP e do CPC:
1º - Em processo penal, quando o respectivo valor do pedido de indemnização civil apresentado for inferior a 20 UC – O QUE NÃO É O NOSSO CASO, pois o valor do PIC é superior a € 2040), o demandante e o arguido demandado estão isentos de custas (artigo 4º, nº 1, alínea m), do RCP);
2º - Em processo penal, quando o respectivo valor do pedido de indemnização civil apresentado for igual ou superior a 20 UC, ressalvadas as excepções previstas no RCP (não em causa nestas autos), é da responsabilidade do demandante e/ou do arguido demandado o pagamento das custas que forem devidas nos termos das correspondentes normas previstas no CPC (cf. artigo 523º do CPP e artigos 446º a 455º do CPC);
3º- Em processo penal, a decisão sobre custas relativas ao pedido cível (enxertado na acção penal), que não foi objecto de indeferimento ou rejeição, tendo prosseguido para julgamento, é proferida a final, isto é, na sentença ou acórdão (artigos 374º, nº 4 e 377º, nº 3 e nº 4 do CPP);
4º - O disposto nos artigos 6º, nº 1 e 14º, nº 1, do RCP não se aplica ao demandante cível que, em processo penal, deduz pedido civil (porque, por um lado, o processo penal, atentas as suas finalidades, não está dependente de impulso processual do demandante cível e, por outro lado, segundo o princípio da adesão consagrado no artigo 71º do CPP, “O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.”).
5º- Consequentemente, em processo penal, o pedido cível nele enxertado (independentemente do respectivo valor ser igual ou superior a 20 UC e das excepções previstas, não está sujeito a autoliquidação ou a pagamento prévio de taxa de justiça.
Foi esta a posição exarada no Acórdão da Relação do Porto de 6/4/2011 (Pº 1838/09.9TAVLG-A.P1 – RELATORA: Maria do Carmo Silva Dias), a que damos o nosso inteiro assentimento.
Nesse exemplar acórdão, argumentou-se ainda assim, revendo-nos nós no cogitado e não vendo necessidade de mais explanações ou explicações, que só pecariam pela redundância:
«Partindo das considerações acima referidas, fácil é de perceber que não se concorda com a interpretação feita (sem sequer citar qualquer disposição legal que sustentasse tal entendimento) no sentido de ser devida a autoliquidação de taxa de justiça pelo demandante cível quando deduz pedido cível de indemnização no processo penal (desde logo porque a dedução de tal pedido não tem a complexidade que assume no âmbito do processo civil, para além de sofrer “desvios” que neste último não estão previstos).
O art. 13º, nº 1, do RCP (quando refere que a taxa de justiça é paga nos termos fixados no Código de Processo Civil, aplicando-se as respectivas normas, subsidiariamente, aos processos criminais) tem de ser interpretado tendo presente a opção do legislador no processo penal, quando regulamentou de forma simplificada e com as suas especificidades próprias o pedido cível.
Portanto, para além de terem de ser definidas quais são as “respectivas normas subsidiariamente aplicáveis em processo penal”, sempre haverá que as conciliar com os interesses públicos subjacentes ao processo penal (que não é um processo de partes).
Ora, as “respectivas normas” previstas no CPC são as que se referem à forma ou modo de pagamento da taxa de justiça quando a mesma é devida previamente à prática do acto em processo penal (e não aquelas que exigem a auto-liquidação de taxa de justiça pela apresentação de petição inicial ou mesmo de contestação).
O acto processual que consiste na dedução do pedido cível não é uma acção autónoma, nem pode ser equiparado à petição inicial na acção cível.
No processo penal o pedido de indemnização cível tem que ser fundado na prática de um crime (arts. 129º do CP e 71º do CPP).
Por isso, o pedido cível depende da existência de uma acção penal em que é deduzida uma acusação, onde se imputa a prática de um crime ao(s) arguido(s).
O sistema adoptado a nível da responsabilidade civil no processo penal foi o da “interdependência” (e não o “sistema da identidade” ou o “sistema de absoluta independência”).
Se tivesse sido adoptado o “sistema da absoluta independência” então fazia sentido equiparar a dedução do pedido cível à petição inicial, tratando-o como uma acção autónoma (só nesse caso - o que exigiria também renunciar ao princípio da adesão, com a subsequente alteração do disposto nos artigos 71º e 72º do CPP - se justificava que se exigisse a auto liquidação da taxa de justiça devida pela dedução de pedido cível em processo penal).
Repare-se que, no domínio do anterior CCJ – o que não se vê, pelos motivos aqui apontados, que tenha sido alterado pelo actual RCP – a dedução de pedido cível (e mesmo a contestação a tal pedido) em processo penal nunca esteve dependente do prévio pagamento de taxa de justiça (apesar de antes da entrada em vigor do RCP já no processo civil existir essa exigência quanto à petição inicial e quanto à contestação), sendo o cálculo das custas efectuado a final (como sucede no domínio do RCP), tendo por base de tributação o valor do pedido cível (agora por referência à tabela I do RCP que corresponde, com algumas alterações, a tabela anteriormente existente no CCJ).
Aliás, um dos objectivos da reforma que dominou o RCP (como se diz no seu preâmbulo) foi a “repartição mais justa e adequada dos custos da justiça”, razão pela qual também por aí não fazia sentido passar a exigir a prévia auto liquidação de taxa de justiça em relação a acto que (no âmbito do processo penal) não tem autonomia, é tramitado de forma simplificada, estando dependente do processo penal, não assumindo a complexidade que pode assumir no processo civil.
Por outro lado, ficava por explicar a razão pela qual, no processo penal se privilegiavam os lesados que fossem sociedades comerciais (em detrimento dos lesados que são pessoas singulares, em princípio com menor capacidade económica), uma vez que quando deduzem pedido cível não são penalizados com uma taxa de justiça agravada como sucede no processo civil (cf. art. 14º da Portaria nº 419-A/2009, de 17.4).
No mesmo preâmbulo do RCP acrescenta-se que, “as normas centrais relativas à responsabilidade pelo pagamento das custas podem encontrar-se no Código de Processo Civil e no Código de Processo Penal, os quais serão aplicáveis, a titulo subsidiário, aos processos administrativos e fiscais e aos processos contra-ordenacionais respectivamente.”
Ora, essa explicação contraria qualquer interpretação que pretenda extrair do art. 13º, nº 1, do RCP o entendimento de que nele se pode encontrar justificação para exigir a auto liquidação de taxa de justiça quando é deduzido pedido cível em processo penal (que como já vimos, até pelo seu carácter dependente do processo penal, não corresponde à petição inicial no processo civil, onde a acção cível é autónoma e independente).
Quando se diz que uma norma é aplicada subsidiariamente pressupõe-se que existe uma lacuna, uma omissão de regulamentação (e não uma deliberada opção do sistema normativo existente).
E, nesse aspecto, no processo penal é clara a intenção do legislador de não exigir auto-liquidação de taxa de justiça fora dos casos excepcionais previstos na lei (caso contrário, teria de existir norma própria que fizesse depender o pedido cível e a sua contestação do pagamento prévio de taxa de justiça, como igual exigência teria de ser feita em relação, por exemplo, à acusação particular, à contestação-crime, nas quais, contudo, por força do artigo 8º, nº 5, do RCP, a respectiva taxa de justiça apenas é contabilizada a final).
Mesmo tendo em atenção a explicação do conceito de taxa de justiça constante do preâmbulo do RCP, fácil é de perceber que, o processo penal existe independentemente da dedução de pedido cível pelo lesado (ao contrário do que sucede na acção cível, a qual apenas passa a existir por impulso da parte – Autor).
Por isso se conclui que, no pedido cível que é deduzido obrigatoriamente (salvo as excepções previstas no CPP) no processo penal (obrigatoriedade essa que significa mais um ónus para o lesado, que tem prazos para deduzir o pedido cível, sob pena de não ser ressarcido e não poder ir propor acção cível em separado), não se pode exigir a auto-liquidação da taxa de justiça pela sua dedução, por essa exigência, importada do CPC, não se harmonizar com as pertinentes regras do processo penal, nem com os princípios que lhe estão subjacentes.
Por sua vez, o nº 2 do mesmo artigo 13º do RCP quando se refere ao “sujeito processual” tem precisamente em vista as situações em que está prevista a auto liquidação de taxa de justiça (como sucede com os casos previstos no artigo 8º, nº 1 e nº 2, do RCP e com a interposição de recurso, ressalvadas as excepções previstas no artigo 15º do RCP).
O art. 8º do RCP contém regras especiais aplicáveis em processo penal e contra-ordenacional, indicando (para além do previsto no seu nº 4) dois casos (ver nºs 1 e 2) em que há lugar à auto-liquidação de taxa de justiça em processo penal (tratam-se de duas situações que estão relacionados com outro sujeito processual – que é o assistente – e com a actividade por ele desenvolvida quando requer a abertura de instrução).
A propósito do nº 2 do artigo 8º do RCP, recorda Salvador da Costa que, essa norma “não se reporta à taxa de justiça devida pelo arguido por virtude do requerimento de abertura de instrução, pelo que a conclusão é no sentido de não dever ser por ele objecto de prévio pagamento.”
O que reforça a ideia de que existem outros actos praticados em processo penal que, mesmo não estando incluídos na tabela III (e não estando mencionados no art. 8º, nº 5, do CPP), não devem ser objecto de prévio pagamento de taxa de justiça (aliás, os casos em que se exige o prévio pagamento de taxa de justiça para a prática de actos deve estar claramente regulamentada, não podendo ser deduzida “a contrario” pelo intérprete a partir de outras normas que se referem, por exemplo, à dispensa de prévio pagamento de taxa de justiça).
O que não é surpresa porque também existem actos praticados em processo penal que, não obstante não estarem mencionados no artigo 8º do RCP, dependem do prévio pagamento de taxa de justiça (como sucede com o recurso, salvo as excepções previstas no artigo 15º do RCP).
Por sua vez, o nº 5 do mesmo art. 8º do RCP, prevê os restantes casos em que a taxa de justiça é paga a final, sendo fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela III.
Nessa tabela III estão previstos os actos que, pela sua potencial (ou virtual) complexidade, merecem uma especial e variável tributação a nível da taxa de justiça (que é contada e paga a final).
No entanto, nem todos os actos a tributar estão previstos nessa tabela III: a propósito, recorda Salvador da Costa que a “lei não prevê especificamente, na referida tabela, além do mais, a fixação de taxa de justiça devida pelo assistente no caso de o arguido ser absolvido ou não ser pronunciado por todos ou por alguns crimes constantes da acusação que haja deduzido, se decair, total ou parcialmente, em recurso que houver interposto ou em que tenha feito oposição, ou se fizer terminar o processo por desistência ou abstenção injustificada de acusar, a que se reportam as alíneas a), b) e d) do art. 515º do Código Processo Penal.”
E, de facto, também no CPP existem normas que se debruçam sobre o pagamento de taxa de justiça (v.g. arts. 513º e 515º do CPP), embora algumas delas não fixem o seu montante (sequer variável).
Para além desses casos e, no que aqui nos interessa, por regra é também devido o pagamento de taxa de justiça (artigo 6º, nº 6 e Tabela III do RCP quando é interposto recurso (para efeitos do Regulamento, considera-se como processo autónomo, além do mais, o acto de interposição de recurso – ver artigos 1º, nº 2, do RCP – acto esse que só existe por impulso processual do recorrente, dando origem a tributação própria).
No entanto, tais normas (arts. 8º nº 1 e nº 2 e 6º, nº 6 do RCP) só são aplicadas quando não se verifiquem situações de excepção previstas na lei, como sucede quando esta expressamente estabelece a dispensa do pagamento prévio de taxa de justiça (v.g. artigo 15º do RCP).
Conjugando os artigos 6º, nº 1, 13º, nº 1, 14º, nº 1 e 8º, do RCP, verifica-se que o acto processual que consiste na dedução de pedido cível em processo penal não está sujeito ao prévio pagamento de taxa de justiça (razão pela qual a taxa de justiça, que se integra no conceito de custas, só é paga a final).
Por isso, o facto de o lesado não ter de auto-liquidar taxa de justiça quando deduz o pedido cível não significa que a não tenha de pagar a final, caso venha a ser condenado em custas na sentença (altura em que pagará a taxa de justiça respectiva, uma vez que esta faz parte das custas).
Veja-se, por exemplo, o caso da pessoa, com legitimidade para tal, que pretende intervir como demandante cível em processo sumário, assim o solicitando verbalmente no início da audiência (art. 388º do CPP).
Trata-se de mais um caso em que é patente a simplicidade do formalismo para dedução do pedido cível em processo penal (em nada comparável ao que se passa no processo civil e, como tal, merecendo um tratamento diverso).
Aliás, há outros actos processuais que não constam da tabela III (para além dos já acima indicados, citados por Salvador da Costa) e que também não estão sujeitos a prévia liquidação de taxa de justiça (ao contrário do que sucede no CPC, apesar de hoje em dia no processo civil apenas existir o pagamento de uma única taxa de justiça).
É o que sucede, por exemplo, no caso do adicionamento do rol de testemunhas efectuado ao abrigo do art. 316º do CPP ou do requerimento de perícia sobre o estado psíquico do arguido formulado ao abrigo do art. 351º, nº 1, do CPP ou até outro tipo de prova pericial.
Tais actos, que podem tornar o processo mais complexo (mesmo no âmbito do pedido cível “enxertado” no processo penal), até poderiam ter levado o legislador a sujeitá-los ao pagamento prévio de uma taxa de justiça adicional (como contrapartida da prestação de um serviço acrescido), o que, porém, assim não sucedeu.
Se o legislador pretendesse que no processo penal fosse auto-liquidada taxa de justiça v.g. pela apresentação do pedido cível ou pela apresentação de contestação, assim o teria dito expressamente no CPP, uma vez que o mesmo tem normas próprias que regulamentam a prática de tais actos processuais (normas essas que são distintas das previstas no CPC, que é um processo claramente de “partes”); ou então teria consagrado norma expressa, clara (transparente e inequívoca) nesse sentido no próprio RCP, tal como o fez, por exemplo, com a norma especial que previu no citado artigo 8º.
Mesmo o estabelecido no art. 13º, nº 1, do RCP, como acima foi explicado, não significa que a prática de tais actos processuais (pedido cível, sua contestação em processo penal) tenha que ser acompanhada de auto-liquidação de taxa de justiça (o disposto no art. 8º do mesmo Regulamento é uma norma especial para o processo penal que, nesse aspecto, prevalece sobre o referido artigo 13º, não existindo no RCP norma específica que preveja a auto liquidação de taxa de justiça quando é deduzido pedido cível em processo penal).
De resto, o facto de haver remissão para o processo cível a nível da responsabilidade por custas (por força do artigo 523º do CPP) não significa que tivesse de haver remissão para as normas de processo civil que exigem o comprovativo do prévio pagamento de taxa de justiça quando o autor apresenta petição inicial ou o réu apresenta contestação (esta última remissão não foi feita no CPP, nem tão pouco se pode deduzir do disposto no art. 13º, nº 1, do RCP, tendo igualmente presente que o pedido cível em processo penal não pode ser equiparado, para esses efeitos, à petição inicial)».

2.3. Em conclusão:
Só há que revogar a decisão sob recurso, uma vez que em processo penal, o pedido cível nele enxertado (independentemente da qualidade do demandante e do respectivo valor) não está sujeito ao pagamento prévio de taxa de justiça (sendo a matéria de custas - as quais compreendem a taxa de justiça, nos termos do artigo 3º/1 do RCP - apenas decidida a final, no momento em que é proferida a sentença ou acórdão, o que significa que o seu pagamento apenas pode ser exigido depois do trânsito em julgado da decisão penal condenatória – art. 467º do CPP –, observado que seja o disposto nos arts. 29º e ss. do RCP na parte aplicável em processo penal).
Reitera-se que já na vigência do anterior CCJ se considerava que quando era formulado pedido cível na acção penal não era devida alguma taxa de justiça inicial - nos processos instaurados até 31/12/2003, o artº29º nº2 do CCJ, com a redacção anterior ao DL 324/03 de 27/12, dispensava o pagamento de taxa de justiça inicial e subsequente nas acções cíveis declarativas e arrestos processados conjuntamente com a acção penal; já na redacção dada pelo DL 324/03 de 27/12 ao artº 29º nº3 al. f), aplicável aos processos instaurados desde 01/01/2004, nas acções declarativas e arrestos processados conjuntamente com a acção penal não havia lugar ao pagamento prévio da taxa de justiça inicial e subsequente.
O que não foi mudado pelo actual RCP, repete-se.
Como tal, nem sequer teremos de fazer apelo à regra civilística do artigo 476º do CPC.
Desta forma, embora por motivos diversos, procede o recurso, devendo o tribunal recorrido admitir o PIC em causa, ordenando o normal processamento dos autos, quanto à parte cível (assente que a parte criminal já está julgada).

III – DISPOSITIVO

Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção Criminal desta Relação em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida na parte em não admitiu o Pedido de Indemnização Civil de fls 69-74, devendo o tribunal recorrido admitir o referido pedido e dar-lhe o andamento processual adequado.
Sem custas

Paulo Guerra (Relator)
Cacilda Sena