Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
426/04.0GTSTR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
TAXA
ERRO
Data do Acordão: 01/09/2008
Votação: UNANIMIDADE
Processo no Tribunal Recurso: Torres Novas – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGOS 292º CP, 153º CE, PORTARIA N.º Nº 784/94
Sumário: 1. As instruções da D.G.V. constantes do ofício n.º 14811 de 19/07/06, que se encontram na sequência da Portaria n.º nº 784/94, reconhecem a possibilidade da existência de margens de erro máximas nos alcoolímetros, apesar de estarem, aprovados e verificados periodicamente, e quantificam as mesmas numa tabela dizendo em seguida que deduzida a margem de erro máxima à T.A.S. registada pelo alcoolímetro, pode concluir-se que o condutor era portador de, pelo menos, a T.A.S. que resulta da subtracção desses valores.
2. Em face dos últimos estudos científicos admite-se a existência de um erro máximo em relação ao valor registado no aparelho e desse erro máximo admissível deverá beneficiar o infractor, desde logo ao abrigo do princípio constitucional in dubio pro reo.
3. Essa margem de erro máxima é também reconhecida, ao abrigo do n.º 3 do Regulamento aplicável aos alcoolímetros, aprovado pela Portaria n.º 748/94 de 13 de Agosto, pelo Instituto Português da Qualidade, no ofício de 28 de Junho de 2007, remetido ao Conselho Superior de Magistratura – que mandou dar dele conhecimento aos Tribunais.
4. O exame ao álcool no sangue realizado por alcoolímetro é um meio de obtenção de prova - e não um meio de prova, como é por exemplo a prova pericial – e que no controlo metrológico deverá atender-se aos erros máximos admissíveis a que a Portaria n.º 784/94 alude , estando-se perante uma situação de impugnação da matéria de facto
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

Pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Torres Novas, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento em Processo Comum com intervenção de Tribunal Singular, o arguido
A.., casado, bate-chapas, nascido em 1-6-1953, natural da freguesia de Paranhos, concelho do Porto, filho de B.. e C.., residente na Variante do Bom Amor, Torres Novas,
imputando-se-lhe a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º1, do Código Penal.


Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida em 5 de Março de 2007, decidiu julgar a acusação procedente por provada e, consequentemente,
- condenar o arguido A.. pela prática, em autoria material e na forma consumada, um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 70 ( setenta) dias de multa à taxa diária de 10 euros ( dez euros), o que perfaz o total de 700 euros ( setecentos euros); e
- Condenar ainda o arguido na pena acessória de 5 (cinco) meses de proibição de conduzir.

Inconformado com a sentença dela interpôs recurso o arguido A.., concluindo a sua motivação do modo seguinte:
A) Os elementos fornecidos pelo processo impõem claramente decisão diversa da que foi proferida no que concerne à prática do crime e bem assim à medida da pena concretamente aplicada.
B) Por directiva da Direcção geral de Viação foi estabelecido que às taxas de álcool no sangue, detectadas através de aparelhos devidamente homologados deverá ser descontada uma margem de erro uma vez que os mesmos não se encontram devidamente calibrados.
C) Apesar da entrada em vigor desta directiva se mostra posterior à pratica do crime, deveria aquela ter sido aplica ao caso em apreço uma vez que se mostra mais favorável ao arguido.
D) O que não se verificou, violando-se assim um princípio constitucionalmente consagrado.
E) No que diz respeito ao aparelho com o qual foi efectuado o teste do álcool ao arguido não se encontra aquele devidamente verificado nem avaliado, não podendo com toda a certeza o tribunal a quo, considerar como válida a taxa de álcool que o mesmo apresentou, até porque essa incerteza resulta da própria directiva da direcção geral de viação.
F) Desta forma, é muito provável que a taxa de álcool no sangue que o arguido tinha na altura em que ocorreram os factos seja bastante inferior aquela que foi acusada no teste.
G) Pelo que o vertente caso encerra o vício plasmado no artigo 410.º n.º 2 al. a) do Código do Processo Penal.
H) Para além do explanado, a forma que a DGV encontrou para não efectuar a avaliação de cada aparelho, foi determinar uma margem e erro genérica para todos os aparelhos, sendo que tal procedimento leva a que não se determine concretamente qual a taxa de álcool que o arguido tinha no sangue na prática dos factos, violando-se os direitos e garantias de defesa do arguido, determinados no artigo 32.º, n.º1 da Constituição Portuguesa.
I) Ao não ficar apurado em concreto qual a taxa de álcool que tinha no sangue naquela data, fica este sem saber se os elementos do tipo de crime de que saiu condenado estavam ou não preenchidos ou se eventualmente poderíamos estar na presença apenas de uma contra-ordenação.
J) No que se reporta ao clemente subjectivo do tipo de crime, também não se entende como concluiu o meritíssimo juiz a quo que o arguido sabia que as bebidas alcoólicas que tinha ingerido antes de iniciar a condução lhe iriam provocar uma taxa de alcoolemia superior há permitida por lei, uma vez que aquele não esteve presente em audiência de julgamento.
K) Sem prescindir, e ainda que assim não o entendessem V.exas, sempre se dirá que o quantum da pena aplicada ao Arguido/ Recorrente, pelo meritíssimo juiz “à quo” se revela exagerado, quer no que toca ao quantitativo diário da multa quer no que toca ao tempo de inibição de Conduzir.
L) Do certificado de registo criminal do arguido e bem assim do seu registo individual de condutor, nada consta, pelo que pode concluir-se que se trata de um condutor exemplar que nunca praticou qualquer crime rodoviário nem qualquer contra-ordenação rodoviária.
M) Acresce que o grau de ilicitude da conduta do arguido também é diminuto uma vez que a taxa de álcool apresentada por aquele, diminuindo-lhe a margem de erro prevista pela directiva da DGV, será pouco superior ao limite estabelecido legalmente para ser considerado crime podendo mesmo ser inferior aquele.
N) No Caso em apreço não foram assim tidas em conta as circunstancias que de algum modo atenuam o comportamento do arguido, mostrando-se a pena aplicada manifestamente exagerada.
Nestes termos e nos melhores de direito, devem as presentes conclusões proceder e por via disso, deve o recurso obter provimento e ser revogada a decisão recorrida com as legais consequências.

O Ministério Público na Comarca de Torres Novas respondeu ao recurso interposto pelo arguido pugnando pela redução da TAS de 1,47 g/l fixada na sentença para uma TAS de 1,36 g/l, em face de uma Directiva ou Oficio da DGV emitido em Agosto de 2006, e, consequentemente, sejam alteradas as penas de multa e de inibição de conduzir.

O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º2 do Código de Processo Penal.

Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir.

Fundamentação

A matéria de facto provada e não provada e respectiva convicção constante da sentença recorrida é a seguinte:
Factos provados
1- No dia 16 de Outubro de 2004, pelas 2 horas e 51 minutos, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro misto, de matrícula CD-91-17, pela Estrada Nacional nº 243, em Riachos, na área desta comarca de Torres Novas.
2- Nas referidas circunstâncias o arguido tripulava o mencionado veículo após ter ingerido bebidas alcoólicas.
3- Na ocasião referida em 1), ao km 40 da referida via, o arguido foi interceptado por uma brigada de trânsito da G.N.R., no exercício das respectivas funções de fiscalização de trânsito, e foi submetido ao teste quantitativo de pesquisa de álcool no ar expirado, através do aparelho “DRAGER ALCOOTEST 7110MKIII”, acusando uma taxa de álcool no sangue de 1,47 g/l.
4- Após o arguido declarou não pretender realizar exames para efeito de contraprova.
5- O arguido sabia que as bebidas alcoólicas que tinha ingerido antes de iniciar a condução lhe iriam provocar uma taxa de alcoolémia superior à permitida por lei, com a consequente falta de reflexos necessários para o exercício da condução rodoviária e, ainda assim, quis conduzir o veículo automóvel em que se fez transportar nas circunstâncias de tempo e lugar supra referidas.
6- Agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei.
7- O arguido aufere um vencimento mensal não determinado da sua actividade de bate chapas.
8- Do certificado do registo criminal do arguido nada consta.
9- Do registo individual de condutor do arguido nada consta
Factos não provados
Não existem quaisquer factos relevantes não provados.
Convicção
O Tribunal fundou a sua convicção quanto aos factos descritos em cima como estando provados nas declarações da testemunha arrolada na acusação, D..., em audiência de discussão e julgamento, nos documentos juntos aos autos e na ponderação daí advinda.
A testemunha D..confirmou que o dia, a hora e o local onde ocorreram os factos, são aqueles que constam do auto de notícia junto a fls. 4. Confirmou igualmente que as características do veículo conduzido pelo arguido e a via por onde o mesmo circulava são as que se encontram igualmente descritas naquele auto de notícia.

A testemunha D..referiu ainda que o arguido foi mandado parar no âmbito de uma acção normal de fiscalização de trânsito. Confirmou ainda a realização do teste e ainda que o arguido acusou a taxa de álcool no sangue que consta da acusação. E ainda que identificou o arguido através dos seus documentos pessoais.

Para a prova de que o arguido acusou, na ocasião e após fazer o teste, a taxa de álcool no sangue de 1,47 g/l, conforme consta da acusação, utilizou-se igualmente o talão respectivo junto aos autos a fls. 4.
O tribunal deu como provada a intenção do arguido em conduzir o veículo apesar de ter anteriormente ingerido bebidas alcoólicas e se encontrar sob o efeito do álcool, com base nas regras da experiência comum, na medida em que ele estava necessariamente a realizar esse condução de forma voluntária e consciente.
Para a prova da falta de antecedentes criminais do arguido utilizou-se o Certificado de Registo Criminal, junto aos autos a fls. 37.
Para a prova de falta de antecedentes quanto à violação das regras do trânsito rodoviário, levou-se em consideração o registo individual de condutor do arguido junto de fls. 26 a 28.

*
*

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , o acórdão do STJ de 19-6-96 , no BMJ 458º , pág. 98 ).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar ( Cfr. Prof. Germano Marques da Silva , in “Curso de Processo Penal” III , 2ª ed. , pág. 335) , sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos , face às conclusões da motivação do recorrente A.. as questões a decidir são as seguintes :
- se foi incorrectamente julgada a matéria de facto constante do ponto n.º3 dos factos dados como provados na sentença, na parte em que se menciona que o arguido acusou uma T.A.S. de 1,47 g/l, pois a mesma será inferior em face de uma margem de erro nos alcoolímetros aludida numa directiva da DGV, que o Tribunal a quo não aplicou;
- se a sentença recorrida padece do vício do art.410.º, n.º 2, al. a), do C.P.P. , uma vez que o aparelho com o qual foi efectuado o teste do álcool ao sangue não se encontrava devidamente verificado ou avaliado, como resulta da própria directiva, ficando sem se saber a concreta TAS que o arguido tinha;
- se a directiva da DGV , levando a que não se determine concretamente qual a TAS que o arguido tinha viola os direitos e garantias de defesa do arguido , determinadas no art.32.º, n.º1 da C.R.P.;
- se não se entende como é que o Tribunal recorrido sabia que as bebidas alcoólicas que o arguido tinha ingerido antes de iniciar a condução lhe iriam provocar uma taxa de alcoolemia superior há permitida por lei, uma vez que este não esteve presente em audiência de julgamento;
- se é exagerado o quantitativo diário da pena de multa aplicado ao arguido , pelo que deve ser reduzido ; e
- se é também exagerado, devendo ser reduzido, o período de inibição de conduzir que lhe foi fixado.
A primeira questão a decidir é se foi incorrectamente julgada a matéria de facto constante do ponto n.º3 dos factos dados como provados na sentença, na parte em que se menciona que o arguido acusou uma T.A.S. de 1,47 g/l, pois a mesma será inferior em face de uma directiva da DGV, que o Tribunal a quo não aplicou.
Vejamos.
O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito (art.153.º, n.º 1, do Código da Estrada).
A Portaria n.º 748/94, de 13 de Agosto, que regulamentou o controlo metrológico dos alcoolímetros, estatui no seu anexo, n.º 4, que os alcoolímetros obedecerão às qualidades e características metrológicas e satisfarão os ensaios estabelecidos na norma NF X 20-701. E, no seu n.º 5, do anexo , acrescenta que no controlo metrológico deverá atender-se aos erros máximos admissíveis.
Esta é uma decorrência da adesão de Portugal à Convenção que instituiu a Organização Internacional de Metrologia Legal - ( Decreto do Governo n.º 34/84 , publicado no D.R., n.º 159/84).
É defensável que tal Portaria estivesse em vigor à data dos factos , uma vez que não foi revogada expressamente por qualquer diploma e a matéria dela constante não foi até então objecto de outro diploma legislativo. - cfr. neste sentido, os acórdãos da Relação de Guimarães , de 26 de Fevereiro de 2007 ( CJ, n.º 196, pág. 291) e da Relação de Évora, de 22 de Maio de 2007 ( www.dgsi.pt/jtre.).
Essa Portaria acabou, aliás , por ser revogada pela Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, que aprovou novo Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros , ordenando que os alcoolímetros deverão cumprir os requisitos definidos pela Recomendação OIML R 126.
De acordo com o art.5.º, n.º 4, do DL n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, cabe à D.G.V. a expedição de instruções com vista à promoção da uniformização dos modos e critérios do exercício da fiscalização do trânsito, sendo que, por força do seu n.º 4 é também competência daquela instituição a aprovação dos aparelhos ou instrumentos que registem os elementos de prova previstos no n.º 4 do art.170.º do Código da Estrada, entre os quais se devem incluir os alcoolímetros.
As instruções da D.G.V., constantes do ofício n.º 14811 de 19/07/06, comunicado ao Conselho Superior da Magistratura, e da qual foi por este mandado dar conhecimento aos Tribunais, indicam as margens de erro legalmente admissíveis , invocando as normas legais e regulamentares aplicáveis ao controlo metrológico dos alcoolímetros e os limites máximos desse erro estabelecidos em Recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal e na Portaria n.º 748/94, de 13 de Agosto, por remissão para a norma NFX 20-701.
As instruções da D.G.V. constantes do ofício n.º 14811 de 19/07/06, que se encontram na sequência da Portaria n.º nº 784/94, reconhecem a possibilidade da existência de margens de erro máximas nos alcoolímetros, apesar de estarem aprovados e verificados periodicamente , e quantificam as mesmas numa tabela , dizendo em seguida que deduzida a margem de erro máxima à T.A.S. registada pelo alcoolímetro, pode concluir-se que o condutor era portador de, pelo menos, a T.A.S. que resulta da subtracção desses valores .
Ou seja, o que se menciona ali é que em face dos últimos estudos científicos admite-se a existência de um erro máximo em relação ao valor registado no aparelho e desse erro máximo admissível deverá beneficiar o infractor, desde logo ao abrigo do princípio constitucional in dubio pro reo.
Essa margem de erro máxima é também reconhecida, ao abrigo do n.º 3 do Regulamento aplicável aos alcoolímetros, aprovado pela Portaria n.º 748/94 de 13 de Agosto , pelo Instituto Português da Qualidade, no ofício de 28 de Junho de 2007, remetido ao Conselho Superior de Magistratura – que mandou dar dele conhecimento aos Tribunais.
No presente caso, considerando que o exame ao álcool no sangue realizado por alcoolímetro é um meio de obtenção de prova - e não um meio de prova, como é por exemplo a prova pericial – e que no controlo metrológico deverá atender-se aos erros máximos admissíveis a que a Portaria n.º 784/94 alude , estando-se perante uma situação de impugnação da matéria de facto , o Tribunal da Relação , ao abrigo dos princípios da livre apreciação da prova a que alude o art.127.º do C.P.P. e in dubio pro reo , que também valem para o tribunal de recurso, decide-se nos termos do art.431.º, al. a) do C.P.P. alterar a matéria de facto provada . - cfr. neste sentido, o acórdão deste Tribunal da Relação , no processo n.º 132/06.1PATNV.C1 , relatado pelo Ex.mo Desemb. Carlos Barreira.
Assim, o ponto n.º 3 da sentença recorrida, passa a ter a seguinte redacção:
« 3- Na ocasião referida em 1), ao km 40 da referida via, o arguido foi interceptado por uma brigada de trânsito da G.N.R., no exercício das respectivas funções de fiscalização de trânsito, e foi submetido ao teste quantitativo de pesquisa de álcool no ar expirado, através do aparelho “DRAGER ALCOOTEST 7110MKIII”, acusando uma taxa de álcool no sangue de , pelo menos, 1,36 g/l, correspondente à TAS de 1,47 g/l, deduzido o valor do erro máximo admissível.».
Importa agora decidir se a sentença recorrida padece do vício do art.410.º, n.º 2, al. a), do C.P.P., uma vez que o aparelho com o qual foi efectuado o teste do álcool ao sangue não se encontrava devidamente verificado ou avaliado, como resulta da própria directiva, ficando sem se saber a concreta TAS que o arguido tinha.
O art.410.º n.º 2 do Código de Processo Penal estatui que mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter por fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão ; ou

c) O erro notório na apreciação da prova .

Os vícios do art.410.º, n.º 2 do C.P.P. têm de resultar do texto da decisão recorrida , por si só ou conjugada com as regras da experiência comum , sem que seja possível a consulta de outros elementos constantes do processo.

Verifica-se o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada , previsto na al. a) do n.º2 do art. 410.º do Código de Processo Penal , quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos que , podendo e devendo ser indagados , são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação ( e da medida desta) ou de absolvição. - Cfr. entre outros , os Acórdãos do STJ de 6-4-2000 (BMJ n.º 496 , pág. 169) e de 13-1-1999 (BMJ n.º 483 , pág. 49) .

Admite-se , num juízo de prognose , que os factos que ficaram por apurar , se viessem a ser averiguados pelo tribunal “a quo” através dos meios de prova disponíveis , poderiam ser dados como provados , determinando uma alteração da qualificação jurídica da matéria de facto , ou da medida da pena ou de ambas – Cfr. Cons. Simas Santos e Leal Henriques , in “Código de Processo Penal anotado” , 2ª ed., pág. 737 a 739.

No presente caso, não resulta do texto da decisão recorrida , por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, que o aparelho com o qual foi efectuado ao arguido A.. o teste do álcool ao sangue não se encontrava devidamente verificado ou avaliado.

E é evidente que das Instruções da DVG não consta que o aparelho com o qual foi efectuado o teste do álcool de alcoolemia ao arguido não se encontrava devidamente verificado ou avaliado.

Os factos dados como provados permitem dar como preenchidos todos os elementos constitutivos do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, pelo qual o arguido foi condenado.

Pelo exposto, não se reconhece a existência, na sentença recorrida, do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que alude a alínea a), n.º 2 do art.410.º do Código de Processo Penal.

A questão seguinte é se a directiva da DGV, levando a que não se determine concretamente qual a TAS que o arguido tinha, viola os direitos e garantias de defesa do arguido , determinadas no art.32.º, n.º1 da C.R.P..
Vejamos.
As instruções da DGV em causa não mencionam que o exame à alcoolemia realizado através dos aparelhos aprovados pela mesma entidade não é fiável ou que não se pode dizer seguramente que o condutor é portador de uma dada T.A.S..
O que se menciona ali é que em face dos últimos estudos científicos admite-se a existência de um erro máximo em relação ao valor registado no aparelho , e desse erro máximo admissível deverá beneficiar o infractor.
Assim , e no presente caso, pode dizer-se com toda a segurança e rigor que o arguido tendo acusado uma TAS registada de 1,47 g/l , conduzia com pelo menos uma TAS de 1,36 g/l.
Esta última TAS, que resulta da dedução do erro máximo admissível, favorece o arguido e em nada viola as suas garantias deste , consagradas no art.32.º, n.º1 da Constituição da República Portuguesa.
O arguido/recorrente A.. alega ainda que não entende como é que o Tribunal recorrido concluiu que o arguido sabia que as bebidas alcoólicas que tinha ingerido antes de iniciar a condução lhe iriam provocar uma taxa de alcoolemia superior á permitida por lei, uma vez que não esteve presente em audiência de julgamento. Mais: tal exigiria que antes de conduzir o arguido tivesse na sua posse um aparelho que lhe permitisse verificar que efectivamente tinha essa taxa .
Vejamos.
Na fundamentação da sentença, para além da enumeração dos factos provados e não provados , deve constar uma exposição , tanto quanto possível completa , ainda que concisa , dos motivos de facto que fundamentam a decisão , com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal ( art.374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal) .
Esta exigência do exame crítico das provas é um aditamento levado a cabo pela Lei n.º 59/98 de 25 de Agosto, na sequência de jurisprudência que se vinha formando sobre essa necessidade , nomeadamente pelo STJ , que interpretou aquele dever de fundamentação no sentido de que a sentença - para além de dever conter a indicação dos factos provados e não provados e a indicação dos meios de prova - há-de conter também os elementos que , em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos , constituíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse no sentido de considerar provados e não provados os factos da acusação , ou seja , um exame critico sobre as provas que concorrem para a formação da convicção do Tribunal num determinado sentido .- Cfr, entre outros acórdão do STJ , de 13 de Fevereiro de 1992 ( CJ, ano XVII , 1º , pág. 36) .

No dizer do Prof. Germano Marques da Silva o objectivo de tal dever de fundamentação é imposto pelos sistemas democráticos , permitindo “ a sindicância da legalidade do acto , por uma parte , e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça , por outra parte , mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando por isso como meio de autodisciplina .” - Cfr. Curso de Processo Penal” , Vol. III, 2ª ed. , pág. 294.
No ponto n.º 5 dos factos dados como provados na sentença recorrida consta o seguinte : « O arguido sabia que as bebidas alcoólicas que tinha ingerido antes de iniciar a condução lhe iriam provocar uma taxa de alcoolémia superior à permitida por lei, com a consequente falta de reflexos necessários para o exercício da condução rodoviária e, ainda assim, quis conduzir o veículo automóvel em que se fez transportar nas circunstâncias de tempo e lugar supra referidas.».
Por sua vez, na fundamentação da matéria de facto consta, designadamente, que « O tribunal deu como provada a intenção do arguido em conduzir o veículo apesar de ter anteriormente ingerido bebidas alcoólicas e se encontrar sob o efeito do álcool, com base nas regras da experiência comum, na medida em que ele estava necessariamente a realizar esse condução de forma voluntária e consciente.».
O art. 127.º do Código de Processo Penal estabelece que “Salvo quando a lei dispuser de modo diferente , a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.” .

As regras da experiência comum são, como refere o Prof. Cavaleiro de Ferreira, «...definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto “sub judice” , assentes na experiência comum , e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam , mas para além dos quais têm validade.» - Cfr. “Curso de Processo Penal”, Vol. II , pág.300.
Estando dado como assente que no dia 16 de Outubro de 2004, pelas 2h15m, o arguido conduzia na via pública um veículo automóvel, sendo portador de uma TAS de, pelo menos, 1,36 g/l e sendo esta taxa bem mais do dobro daquela a partir da qual o condutor se considera sob a influência de álcool ( art.81.º, n.º2 do Código da Estrada) , não vai contra as regras da experiência comum, invocadas pelo Tribunal a quo , dar como provado que o arguido, apesar de saber que as bebidas alcoólicas que tinha ingerido antes de iniciar a condução lhe iriam provocar uma taxa de alcoolémia superior à permitida por lei, com a consequente falta de reflexos necessários para o exercício da condução rodoviária, ainda assim quis conduzir o veículo automóvel em que se fez transportar nas circunstâncias de tempo e lugar supra referidas.
A fundamentação da matéria de facto, relativa ao ponto n.º5 dos factos dados como provados na sentença recorrida, satisfaz o imperativo legal da indicação das provas e seu exame crítico, contido no art.374.º, 2 do Código de Processo Penal.
A presença do arguido em audiência de julgamento ou a posse pelo arguido de um aparelho que lhe permitisse verificar antes de conduzir a sua TAS não são, pois, requisitos indispensáveis a poder dar-se como provado o elemento subjectivo , na forma de dolo, do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.292.º, n.º1 do Código Penal.
A questão seguinte é se o quantitativo diário da pena de multa de € 10,00 aplicado ao arguido é exagerado, pelo que deve ser reduzido.
De acordo com o n.º2 do art.47.º do Código Penal , na redacção vigente à data dos factos, introduzida pelo DL n.º 400/82 de 23 de Setembro, « cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 1 e € 498,80 , que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.».
Considerando a grande depreciação do valor da moeda desde que o DL n.º 400/82 de 23 de Setembro , fixou em 200$00 ( € 1) a taxa diária mínima da pena de multa , a jurisprudência vem à muito tempo decidindo que apenas em situações excepcionais , de indigência ou quase indigência , como acontece, por exemplo , com os desempregados que não recebem subsídios ou estudantes que apenas recebem de pais pobres pequenas quantias avulsas poderá o quantitativo diário da multa aproximar-se dos limites mínimos legais.
Considerando os limites mínimo e máximo da multa , mesmo a taxa diária de multa de € 5,00 é uma taxa de reduzido valor.
Tal conclusão foi já tirada pelo legislador, que com as alterações introduzidas , nomeadamente ao art.47.º Código Penal, pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, passou a estabelecer que cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500.
O arguido refere nas conclusões da motivação do seu recurso que o quantum da pena que lhe foi aplicado no que toca ao quantitativo diário da multa se revela exagerado, mas nem nas conclusões nem na motivação indica, em concreto, qual a norma jurídica violada e o sentido em que , no seu entendimento, o tribunal recorrido interpretou a norma ou a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou devia ter sido aplicada.
Ao assim proceder torna-se evidente que o recorrente não deu cumprimento ao disposto no art.412.º, n.º 2 do C.P.P., o que implica a rejeição de conhecimento desta questão, sem necessidade de convite ao aperfeiçoamento das conclusões da motivação uma vez que a deficiência afecta igualmente a motivação.
De todo o modo, sempre diremos que a pena de multa tem de representar uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada .
Tendo-se apurado apenas que o arguido aufere um vencimento não apurado da sua actividade de bate chapas, e que em face das regras da experiência comum um profissional desta actividade não aufere de rendimento um montante inferior ao salário mínimo nacional, mas mesmo algo superior a este, a taxa diária da pena fixada em € 10 pelo Tribunal recorrido não peca claramente por excesso, tendo correspondência com o sofrimento que implica a privação de liberdade pelo número de dias (mesmo que só normativamente correspondente) - cfr. Prof. Figueiredo Dias ” “Direito Penal Português , as consequências jurídicas do crime” , Notícias Editorial, § 189 -
Assim, é de manter aquela taxa por equilibrada e adequada.
Importa decidir, por fim, se a pena acessória de inibição de conduzir aplicada ao arguido pelo Tribunal recorrido em 5 meses, é excessiva, uma vez que não teve em conta circunstâncias que de algum modo atenuam a sua responsabilidade e que constam dos critérios fixados no art.71.º do Código Penal .
Vejamos.
O art.69.º, n.º1, alínea a) do Código Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho , estatui que é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos , quem for punido por crime previsto nos artigos 291.º e 292.º .
Esta sanção inibitória tem natureza de pena acessória, como resulta claramente do texto do art.69.º,do Código Penal , da sua inserção sistemática e do elemento histórico ( Actas da Comissão de Revisão do Código Penal , n.ºs 5, 8, 10 e 41 ) , traduzindo-se numa censura adicional pelo crime praticado .
No dizer do Prof. Figueiredo Dias esta pena acessória tem por pressuposto material “ a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente , o exercício da condução se revelar especialmente censurável.” (...) “Por isso , à proibição de conduzir deve também assinalar-se ( e pedir-se ) um efeito de prevenção geral de intimidação , que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa. Por fim , mas não por último , deve esperar-se desta pena acessória que contribua , em medida significativa , para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano.” - “Direito Penal Português , As consequências jurídicas do crime” , Notícias Editorial , § 205.
Quer a pena principal , quer a acessória , assentam num juízo de censura global pelo crime praticado e daí que para a determinação da medida concreta de uma e outra se imponha o recurso aos critérios estabelecidos no art.71.º do Código Penal, isto é , á culpa do agente e às exigências de prevenção, atendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor do agente ou contra ele. .
No caso em análise o grau de ilicitude dos factos praticados pelo arguido situa-se a um nível médio-baixo, uma vez conduzia um veículo com uma T.A.S. de pelo menos 1,36 g/l, portanto próximo ainda da TAS de 1,20 g/l, a partir da qual a conduta passa a ser punida criminalmente. O arguido agiu com dolo directo.

As razões de prevenção geral são prementes neste tipo de crimes, dada a elevada sinistralidade rodoviária no nosso País , resultante designadamente da condução sob a influência de álcool no sangue.

As razões de prevenção especial são relativamente reduzidas uma vez que do CRC do arguido não constam antecedentes criminais e do seu registo individual de condutor não constam também infracções rodoviárias.

O Tribunal da Relação não comunga da afirmação, constante da sentença recorrida, de que as exigências de prevenção são elevadas porque o arguido não compareceu à audiência de julgamento. A não comparência do arguido à audiência de julgamento , não sendo justificada a falta , apenas dá lugar ao pagamento de uma soma processual ao abrigo do disposto no art.116.º, n.º1 do C.P.P. . Quando a falta é justificada nem há sequer lugar à condenação do pagamento dessa soma.

A falta à audiência não passa , frequentemente, de uma estratégia de defesa do arguido.

Ponderando todo o circunstancialismo descrito afigura-se ao Tribunal da Relação que será mais adequada às finalidades da punição e à culpa que resulta do desvalor da acção praticada pelo arguido, reduzir de 5 para 4 meses a pena acessória de inibição de conduzir fixada na sentença recorrida .

Assim, nesta parte procede o recurso.


Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido A.. e, revogando parcialmente a sentença recorrida, reduz-se de 5 ( cinco ) meses para 4 ( quatro ) meses , a pena acessória de proibição de conduzir veículos em que o mesmo vai condenado.
Custas pelo recorrente, fixando em 6 UCs a taxa de Justiça, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

*
(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários , nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.).