Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
444/07.7TBSCD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GONÇALVES FERREIRA
Descritores: COMPETÊNCIA TERRITORIAL
ACÇÃO DE DESPEJO
Data do Acordão: 07/15/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SANTA COMBA DÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Legislação Nacional: ARTIGOS 17.º, N.º 1; 21.º, N.º 3 DA LEI DE ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS; 85.º; 90.º, N.º 1 E 2;92.º, N.º 1; 93.º, N.º 1; 94.º, N.º 1 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. A regra geral de competência territorial em matéria de execuções é o tribunal do domicílio do executado, quando a execução se baseie em título diverso da sentença.
2. Mas o exequente pode optar pelo tribunal do lugar do cumprimento da obrigação, sendo o executado pessoa colectiva.
3. Sempre que a quantia exequenda estiver coberta por garantia real, a competência cabe ao tribunal da situação dos bens onerados.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:


I. Relatório:

A...., com sede ….. Lisboa, intentou execução comum, no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, contra B....., com sede ….., Coimbra, e contra C...., advogado, e respectivo cônjuge, D...., residentes na morada da primeira executada, alegando, em resumo, que:
Em 11.01.1999, celebrou com o executado C...., intervindo este por si e na qualidade de sócio-gerente da primeira executada, através de escritura pública, um contrato de abertura de crédito e hipoteca até ao limite de 4.500.000$00.
A hipoteca encontra-se registada em definitivo desde 30.11.1998.
Em 30.06.2004, celebrou com todos os executados um acordo de regularização de dívidas sem novação, referente ao identificado contrato de abertura de crédito, onde ficou convencionado o pagamento fraccionado da importância em dívida.
Mantiveram-se as garantias prestadas, ou seja, hipoteca sobre um prédio sito na freguesia de Sobral, Mortágua, e foi subscrita uma livrança pela sociedade agora executada, que os restantes executados avalizaram.
Juntou o contrato de abertura de crédito, contendo um documento anexo, certidão do registo predial respeitante ao prédio inscrito na matriz urbana da freguesia de Sobral, concelho de Mortágua, de onde consta a hipoteca voluntária do mesmo a favor do exequente, o acordo de regularização de dívidas sem novação e uma livrança caução ao contrato de regularização de dívidas sem novação, no valor de € 25.615,73, subscrita por B..... e avalizada pelos demais executados.
Conclusos os autos pela secretaria, com a informação de se suscitarem dúvidas acerca da competência do tribunal, foi proferido despacho a declarar a incompetência da comarca de Santa Comba Dão, em razão do território, e a competência da comarca de Coimbra, com a argumentação de ser nesta cidade que o título executivo – livrança – deveria ser pago, e a ordenar a remessa do processo à Vara Mista de Coimbra, logo que transitada em julgado a decisão.
Apressadamente, porém, a secretaria remeteu o processo à comarca de Coimbra sem notificar os executados da decisão, deixando, por conseguinte, de observar um pressuposto básico para o respectivo trânsito.
Ordenada e cumprida, já na Vara Mista de Coimbra, a citação dos executados, vieram estes, para além de deduzir oposição à execução, arguir a nulidade do despacho proferido na comarca de Santa Comba Dão, pela circunstância de lhes não ter sido dada a oportunidade de se pronunciarem, bem como a nulidade do acto da secretaria, consistente na omissão de notificação do mesmo despacho, e, subsidiariamente, para o caso de não procederem as arguidas nulidades, interpor recurso da falada decisão liminar.
O ex.mo juiz declarou improcedentes as arguidas nulidades, a primeira pela circunstância de a prolação do despacho liminar não exigir a prévia audição dos executados e a segunda pelo facto de a omissão da notificação se achar sanada, por via da citação efectuada em Coimbra, mas recebeu o recurso interposto da decisão liminar, que classificou como agravo, a subir imediatamente e em separado.
Notificados os recorrentes, vieram defender que o recurso deveria subir nos próprios autos, conforme o disposto no artigo 111.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, posição que reafirmaram nas alegações de recurso, como questão prévia.
No que toca aos fundamentos do agravo, formularam um extenso número de conclusões (concretamente, 19), que se reduzem, sem dificuldade alguma, a, somente, cinco:
1) O título executivo é uma livrança caução, subscrita para garantir o cumprimento de acordo de regularização de dívidas sem novação, igualmente garantido por hipoteca constituída sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Mortágua sob o n.º 1807/19930923, da freguesia de Sobral.
2) A dívida exequenda é, por conseguinte, uma dívida com garantia real, factor que é determinante da atribuição da competência, nos termos do artigo 94.º, n.º 2, do C. de Processo Civil.
3) O bem imóvel onerado com a hipoteca situa-se na área da comarca de Santa Comba Dão, pelo que é competente para a execução o tribunal Judicial desta comarca.
4) A decisão impugnada, que atribuiu a competência à comarca de Coimbra, violou o disposto nos artigos 1.º e 2.º da LULL e 94.º, n.ºs 1 e 2, e 110.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil.
5) O despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que julgue competente para a execução o Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, com a consequente remessa do processo a este tribunal.
Não foi apresentada resposta à alegação de recurso.
O ex.mo juiz corrigiu o regime de subida do recurso, determinando que o mesmo se processasse nos próprios autos, ao abrigo do n.º 5 do artigo 11.º do CPC, e fixou-lhe efeito suspensivo do processo, conformemente ao preceituado no artigo 740.º, n.º 1, do mesmo diploma.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
É uma única a questão a resolver, qual seja a de identificar a comarca territorialmente competente para conhecer da execução.


II. Os factos relevantes para a decisão são os seguintes:

Por escritura pública de 11.01.1999, lavrada no Cartório Notarial de Penacova, o Banco exequente concedeu à executada B....., representada no acto pelo executado C...., pelo período de seis meses, renováveis por iguais períodos de temo, um crédito até ao limite de 4.500.000$00.
Para garantia do pagamento de todas as responsabilidades decorrentes de tal contrato, o executado C.... constituiu a favor do Banco hipoteca sobre o prédio urbano, composto de casa de habitação com rés do chão e 1.º andar, com a área de 92 m2, sito no lugar e freguesia de Sobral, concelho de Mortágua, com o valor patrimonial de 15.585$00, inscrito na matriz sob o artigo 773 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Mortágua sob o n.º 1807.
Como caução e reforço de garantia das mesmas responsabilidades, foi entregue ao Banco uma livrança subscrita pela executada sociedade e avalizada pelos ora executados Artur Jorge C.... e seu cônjuge, D...., com autorização expressa para o seu preenchimento, em caso de incumprimento, dada por todos os obrigados cambiários.
Em 30.11.1998, foi registada sobre o aludido prédio hipoteca voluntária a favor do ora exequente, para garantia da abertura de crédito em conta corrente concedido a B....., até ao montante de 5.000.000$00, do juro anual de 12%, acrescido da sobretaxa de 2%, em caso de mora, e de despesas até 300.000$00, tudo no montante máximo de 7.400.000$00.
Em 30.06.2004, o Banco exequente e os ora executados B....., Artur Jorge C.... e seu cônjuge, D....subscreveram um acordo de regularização de dívidas sem novação, mediante o qual fixaram o crédito do exequente, à data de 15.06.2004, em € 27.978,06, que os executados se obrigaram a pagar em 60 prestações mensais iguais e sucessivas.
De acordo com a cláusula 9.ª do acordo, as obrigações dos devedores ficaram garantidas por uma livrança em branco, subscrita pela executada B..... e avalizada pelos demais executados, podendo o Banco preenchê-la quando e como entendesse pelo valor de tudo o que lhe fosse devido e apresentá-la a pagamento em caso de incumprimento e pela hipoteca já constituída pela escritura pública de 11.01.1999.
O Banco instaurou execução comum contra B..... e contra C.... e seu cônjuge, D...., alegando a outorga da escritura de abertura de crédito e hipoteca, realizada em 11.01.1999, o registo da hipoteca a seu favor, o acordo de regularização de dívidas sem novação e a subscrição e preenchimento da livrança, documentos estes que juntou com o requerimento de execução.


III. O direito:

Na ordem interna, a competência reparte-se pelos tribunais judiciais segundo a matéria, a hierarquia, o valor e o território (artigo 17.º, n.º 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais).
Os factores que determinam, em cada caso, a competência territorial são os indicados na lei de processo (n.º 3 do artigo 21.º do mesmo diploma).
A competência territorial resulta, basicamente, da conjugação de dois elementos: a abrangência geográfica de cada tribunal e um determinado factor de conexão, relacionado com o tipo de acção.
A competência territorial é, como dizem os nossos mais eminentes processualistas, uma competência que assenta fundamentalmente no lugar onde cada tribunal tem a sua sede, mas é, também, uma competência subjectiva, por fixar o poder de julgar de cada tribunal individualmente considerado, entre os vários que constituem as diversa ordens de tribunais, ao passo que nas demais categorias se trata de competência objectiva: competência de certo conjunto ou espécie de tribunais ou dos tribunais de determinado escalão da hierarquia judiciária (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, página 97, Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, volume II, páginas 59/60, e Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, página 216).
A regra geral em matéria de competência territorial, que vigora sempre que não haja disposição especial (critério supletivo), é o foro do réu (artigo 85.º do Código de processo Civil, diploma de que serão os restantes preceitos a citar sem indicação de origem).
Ao lado do foro geral, existem vários foros especiais, de que se podem destacar, como mais relevantes, o foro real ou da situação dos bens, o foro obrigacional (o do lugar do cumprimento das obrigações), o foro da causa de pedir (efectivação da responsabilidade extracontratual), o foro do autor (acções de divórcio e separação), o foro hereditário (o do lugar da abertura da herança), o foro conexional (caso das acções de honorários, que competem ao tribunal da causa onde foram prestados os serviços) e o foro executivo.
É este último que, obviamente, nos interessa.
A competência territorial relativamente às execuções encontra-se consignada nos artigos 90.º a 95.º, sendo o elemento fundamental de conexão a natureza do título executivo: decisão judicial, decisão arbitral ou outro título.
Pode dizer-se que a competência se determina por quatro diferentes situações:
a) A prorrogação legal da jurisdição declaratória,
b) O lugar do cumprimento da obrigação;
c) A situação dos bens objecto da execução;
d) O domicílio do executado.
Para além destas, existem, ainda, as hipóteses da execução das decisões arbitrais, o aforamento convencional e os casos em que é parte o juiz de direito da comarca ou alguns dos seus familiares (Eurico Lopes-Cardoso, Manual da Acção Executiva, página 153).
Verifica-se a prorrogação legal da competência nos casos a que aludem os artigos 90.º, n.º 1 (execução de decisões proferidas por tribunais portugueses de 1.ª instância), 92.º, n.º 1 e 93.º, n.º 1 (execução por custas, multas ou indemnizações).
A execução tem lugar no tribunal do lugar em que a causa tenha sido julgada, correndo a mesma, por regra, por apenso à acção declarativa.
Com escreve Anselmo de Castro, a atribuição da competência tem, nesta hipótese, por base uma razão de ordem essencialmente administrativa (a de que a execução seja acompanhada do processo que a antecede), que acaba por redundar em desvantagem, nos casos, pelo menos, em que os bens a penhorar se situam em comarca diferente, dada a necessidade de expedir cartas precatórias para a prática de certos actos (A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, páginas 71/72).
A competência determinada pelo lugar do cumprimento da obrigação vem prevista no n.º 1 do artigo 94.º, mas funciona, apenas, em relação aos “outros títulos”, sempre por opção do exequente e só quando o executado seja pessoa colectiva (excepto no que concerne à área metropolitana de Lisboa e Porto).
À competência determinada pela situação dos bens refere-se o n.º 2 daquele mesmo artigo, que constitui, manifestamente, uma excepção à regra do n.º 1; sempre que a execução for para entrega de coisa certa ou por dívida com garantia real, é competente o tribunal do lugar onde a coisa a entregar se situe ou o da situação dos bens onerados.
O foro domiciliário é a regra geral aplicável às execuções baseadas em outros títulos (a menos que o exequente opte pelo lugar do cumprimento da obrigação, como acima se disse); é competente o tribunal do domicílio do executado (artigo 94.º, n.º 1); aplica-se, ainda, às execuções baseadas em sentença proferida pelos tribunais superiores ou por tribunais estrangeiros (artigos 91.º e 95.º).
As decisões arbitrais executam-se no tribunal da comarca do lugar da arbitragem (artigo 90.º, n.º 2).
Para as execuções em que seja parte juiz de direito ou alguns dos seus familiares que devessem correr na comarca onde aquele exerce funções, é competente o tribunal da circunscrição judicial cuja sede esteja a menor distância da sede daquele (artigo 89.º).
Ao aforamento convencional refere-se o artigo 100.º.
Posto isto.
O ex.mo juiz da comarca de Santa Comba Dão recusou a competência territorial desse tribunal com fundamento no seguinte raciocínio: o título executivo é uma letra de câmbio; o artigo 94.º, n.º 1, do CPC, que estabelece a regra geral em matéria de competência, atribui a mesma ao tribunal do domicílio do executado ou ao lugar do cumprimento da obrigação, por opção do exequente, se o executado for pessoa colectiva, salvo para os casos especiais previstos noutras disposições; ora, o critério especial existe e encontra-se no parágrafo 5.º do artigo 1.º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, que prevê como lugar do cumprimento da obrigação, na falta de outra menção, aquele que estiver indicado ao lado do nome do sacado, que, no caso concreto, é Coimbra; o lugar do pagamento vale tanto para o pagamento voluntário, como para o coercivo; logo, é competente o tribunal da comarca de Coimbra.
Tudo estaria certo se não existisse regra específica para o caso; de facto, tendo os executados domicílio em Coimbra e devendo a livrança (não letra) ser paga na mesma cidade, como muito bem esclareceu o ex.mo subscritor da decisão impugnada, essa seria a comarca competente para conhecer da execução.
Esqueceu-se, contudo, o ilustre magistrado de que existia, efectivamente, regra específica e incontornável, ou seja, a do n.º 2 do artigo 94.º: se a execução for por dívida com garantia real, é competente o tribunal da situação dos bens onerados.
É um caso de competência típica, determinada pela situação dos bens objecto da execução.
E a verdade é que a dívida exequenda tem garantia real: a hipoteca registada em 30.11.1998, sobre um imóvel sito na freguesia de Sobral, concelho de Mortágua, acima perfeitamente identificado (artigos 686.º e seguintes do C. Civil).
Todas as freguesias do concelho de Mortágua se integram na comarca de Santa Comba Dão, como bem se vê do Decreto-lei n.º 186-A/99, de 31 de Maio.
Assim, é competente para a presente execução o Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, o que quer dizer que a execução foi intentada, e bem, no tribunal que detinha a competência territorial para o efeito.
A decisão impugnada não pode, por consequência, subsistir.


IV. Síntese final:

a) A regra geral de competência territorial em matéria de execuções é o tribunal do domicílio do executado, quando a execução se baseie em título diverso da sentença.
b) Mas o exequente pode optar pelo tribunal do lugar do cumprimento da obrigação, sendo o executado pessoa colectiva.
c) Sempre que a quantia exequenda estiver coberta por garantia real, a competência cabe ao tribunal da situação dos bens onerados.


V. Decisão:

Em face do exposto, acorda-se em dar provimento ao agravo, nessa medida revogando a decisão recorrida e declarando que é competente para a execução o Tribunal Judicial da Comarca de Santa Comba Dão.
Custas por quem tiver de as suportar a final.